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Ordens de não ressuscitação no serviço de emergência de um hospital universitário

RESUMO

Objetivo:

Identificar fatores associados à não realização de ressuscitação.

Métodos:

Estudo transversal realizado no serviço de emergência de um hospital universitário. A amostra foi composta por 285 pacientes, dos quais 216 foram submetidos à ressuscitação cardiopulmonar, e 69 não tiveram esta conduta. Os dados foram coletados por meio do in-hospital Utstein Style. Para comparar as tentativas de ressuscitação e as variáveis de interesse, utilizaram-se o teste do χ2, a razão de verossimilhança, o teste exato de Fisher e a análise de variância (p<0,05).

Resultados:

A não ressuscitação foi considerada injustificável em 56,5% dos casos, sendo que 37,7% não queriam ressuscitação e 5,8% foram encontrados mortos. Do total de pacientes, 22,4% tiveram parada cardíaca prévia, 49,1% eram independentes para Atividades de Vida Diária, e 89,8% tinham alguma história pregressa; 63,8% estavam conscientes, 69,8% estavam respirando e 74,4% tinham pulso palpável à admissão. A maioria dos eventos (76,4%) ocorreu no hospital, e a causa presumida de parada foi insuficiência respiratória em 28,7% e, em 48,4%, o ritmo inicial foi atividade elétrica sem pulso. A causa mais frequente de morte foi infecção. Os fatores que influenciaram na não realização de ressuscitação foram idade avançada, história de neoplasia e assistolia como ritmo inicial de parada.

Conclusão:

Idade avançada, história de neoplasia e assistolia como ritmo inicial foram os fatores que influenciaram significativamente na não realização de ressuscitação. Maior clareza na decisão de reanimar pode afetar positivamente a qualidade de vida dos pacientes.

Descritores:
Parada cardíaca; Reanimação cardiopulmonar/ética; Ordens quanto à conduta (Ética Médica); Tomada de decisões/ética; Serviço hospitalar de emergência

ABSTRACT

Objective:

To identify factors associated with not attempting resuscitation.

Methods:

A cross-sectional study conducted at the emergency department of a teaching hospital. The sample consisted of 285 patients; in that, 216 were submitted to cardiopulmonary resuscitation and 69 were not. The data were collected by means of the in-hospital Utstein Style. To compare resuscitation attempts with variables of interest we used the χ2 test, likelihood ratio, Fisher exact test, and analysis of variance (p<0.05).

Results:

No cardiopulmonary resuscitation was considered unjustifiable in 56.5% of cases; in that, 37.7% did not want resuscitation and 5.8% were found dead. Of all patients, 22.4% had suffered a previous cardiac arrest, 49.1% were independent for Activities of Daily Living, 89.8% had positive past medical/surgical history; 63.8% were conscious, 69.8% were breathing and 74.4% had a pulse upon admission. Most events (76.4%) happened at the hospital, the presumed cause was respiratory failure in 28.7% and, in 48.4%, electric activity without pulse was the initial rhythm. The most frequent cause of death was infection. The factors that influenced non-resuscitation were advanced age, history of neoplasm and the initial arrest rhythm was asystole.

Conclusion:

Advanced age, past history of neoplasia and asystole as initial rhythm were factors that significantly influenced the non-performance of resuscitation. Greater clarity when making the decision to resuscitate patients can positively affect the quality of life of survivors.

Keywords:
Heart arrest; Cardiopulmonary resuscitation/ethics; Resuscitation orders; Decision making/ethics; Emergency service; hospital

INTRODUÇÃO

A cada ano, estima-se que 200 mil pessoas sejam atendidas nos prontos-socorros do Brasil em decorrência de parada cardíaca, sendo metade dos casos em hospitais. No entanto, os dados de mortalidade são escassos.(11. Gonzalez MM, Timerman S, de Oliveira RG, Polastri TF, Dallan LA, Araújo S, et al. I guideline for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care -- Brazilian Society of Cardiology: executive summary. Arq Bras Cardiol. 2013;100(2):105-13.)

A parada cardíaca é um problema grave e, muitas vezes, fatal, cuja reversão exige a aplicação imediata da ressuscitação cardiopulmonar (RCP).(22. Trigueiro TH, Labronici LM, Raimondo ML, Paganini MC. Dilemas éticos vividos pelos enfermeiros diante da ordem de não reanimação. Cienc Cuid Saude. 2010;9(4):721-7.) Quando a RCP é aplicada a pacientes sem possibilidade de cura, acaba-se adiando o óbito e causando um estado de coma persistente, que pode ter consequências desastrosas para paciente, familiares e comunidade.(33. Torres RV, Batista KT. [Do not ressucitate order in Brazil, ethical aspects]. Com Ciênc Saúde. 2008;19(4):343-51. Portuguese.)

No Brasil, as ordens de não ressuscitação não têm respaldo na legislação, o que obriga os profissionais de saúde a aplicarem RCP em todos os casos, exceto quando o óbito é inquestionável. Isto cria a necessidade de condutas padronizadas, levando em conta os aspectos morais e éticos de cada situação e tendo sempre em vista o bem-estar das pessoas.(22. Trigueiro TH, Labronici LM, Raimondo ML, Paganini MC. Dilemas éticos vividos pelos enfermeiros diante da ordem de não reanimação. Cienc Cuid Saude. 2010;9(4):721-7.)

O tratamento de emergência é necessário quando uma pessoa enfrenta a possibilidade real de morte, lesão corporal grave ou deterioração do estado de saúde, em decorrência de uma situação súbita e inesperada, e não de uma doença crônica e incurável.(44. McQuoid-Mason DJ. Emergency medical treatment and ‘do not resuscitate’ orders: when can they be used? S Afr Med J. 2013;103(4):223-5.) Ainda assim, a não realização de ressuscitação pode ser uma decisão difícil para a equipe de saúde, pela falta de estudos nesta área e de treinamento formal para reconhecer as situações em que isto se justifica, além das diferenças em atitudes e valores pessoais.(55. Micallef S, Skrifvars MB, Parr MJ. Level of agreement on resuscitation decisions among hospital specialists and barriers to documenting do not attempt resuscitation (DNAR) orders in ward patients. Resuscitation. 2011; 82(7):815-8.)

Em alguns casos, a RCP pode resultar em consequências inesperadas - até piores do que a morte. Para os pacientes, pode causar desconforto físico e qualidade de vida inaceitável; para os familiares, gerar falsas esperanças e custos extremamente altos; para os profissionais envolvidos, sentimentos de frustração e tristeza; e, para a sociedade, um consumo excessivo de recursos.(66. Hébert PC, Selby D. Should a reversible, but lethal, incident not be treated when a patient has a do-not-resuscitate order? CMAJ. 2014;186(7):528-30.)

Diretrizes de cuidados de fim de vida e a documentação das preferências dos pacientes, nestes casos, podem minimizar estas questões, reduzir o número de reanimações desnecessárias, preservar a dignidade do paciente e reduzir o sofrimento dos familiares e da equipe de saúde.(66. Hébert PC, Selby D. Should a reversible, but lethal, incident not be treated when a patient has a do-not-resuscitate order? CMAJ. 2014;186(7):528-30.)

OBJETIVO

Identificar os possíveis fatores associados à não realização de ressuscitação cardiopulmonar.

MÉTODOS

Estudo transversal realizado no pronto-socorro de um hospital universitário que oferecia atendimento de alta complexidade. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (protocolo no, 0030/2011).

A população do estudo foi composta por pacientes atendidos no pronto-socorro e com diagnóstico de parada cardíaca confirmada, com base na ausência de consciência, respiração e pulso central. Uma amostra de conveniência foi obtida entre 1º de janeiro de 2011 e 31 de janeiro de 2012. Os critérios de inclusão foram pacientes com parada cardíaca dentro ou fora do hospital, atendidos no pronto-socorro durante o estudo. Os critérios de exclusão foram pacientes atendidos com parada cardíaca em outras unidades do hospital.

Neste estudo, RCP foi definida como a aplicação de manobras de Suporte Básico de Vida (ventilação, compressão torácica externa e desfibrilação) e/ou manobras de Suporte Avançado de Vida (intubação traqueal e medicação). A figura 1 apresenta o fluxograma dos pacientes.

Figura 1
Fluxograma de seguimento dos pacientes do estudo

RCP: ressuscitação cardiopulmonar; RDCE: retorno de circulação espontânea; GP-CPC: Glasgow-Pittsburgh Cerebral Performance Category.


Enfermeiros treinados coletaram os dados utilizando o in-hospital Utstein Style,(77. Avansi Pdo A, Meneghin P [Translation and adaptation for the In-Hospital Ustein style into the Portuguese language]. Rev Esc Enferm USP 2008;42(3):504-11. Portuguese.) um relatório padrão para coleta de dados significativos em parada cardíaca.

As variáveis sociodemográficas e clínicas estudadas foram sexo, idade, cor da pele, condição neurológica pré-parada cardíaca, história pregressa, nível de consciência, respiração e pulso na admissão ao pronto-socorro. As variáveis relativas à parada cardíaca foram local de ocorrência, presença de testemunhas, causa imediata presumida, ritmo inicial da parada cardíaca, tentativa de RCP e causa da morte.

Para analisar os dados, foi usada a versão 19 do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Para os pacientes com mais de uma parada cardíaca, foram coletados os dados do primeiro evento. A frequência e a percentagem foram usadas para as variáveis categóricas. O número de observações válidas (n), a média e o desvio padrão (DP) foram apresentados para as variáveis numéricas contínuas. Para comparar as tentativas de RCP com as variáveis categóricas (sexo, cor da pele, história pregressa, consciente na admissão, respiração na admissão, pulso presente na admissão, Categoria de Performance Cerebral (CPC) pré-parada cardíaca, local do evento, testemunhas, causa imediata, ritmo inicial e causa do óbito), usou-se o teste χ2 e, quando o valor de 20% ou mais das caixas fosse inferior a cinco, usou-se a razão de verossimilhança ou o teste exato de Fisher. Para comparar as tentativas de RCP com a variável contínua (idade), usou-se a análise de variância (ANOVA), após a verificação da homogeneidade das variâncias. O nível de significância considerado foi de 5% (valor de p<0,05).

RESULTADOS

A amostra foi de 285 pacientes, dos quais 216 foram submetidos à RCP, entre os pacientes que não foram submetidos à RCP (n=69), em 56,5% (a RCP foi considerada injustificável, 37,7% não quiseram ressuscitação e, em 5,8% dos casos, os pacientes foram encontrados mortos.

Os dados demográficos e clínicos da população estudada são apresentados na tabela 1. A história pregressa da população estudada está descrita na tabela 2. As características de parada cardáica da população estudada são apresentadas na tabela 3.

Tabela 1
Variáveis demográficas e clínicas da população estudada
Tabela 2
História pregressa da população estudada
Tabela 3
Características de parada cardíaca da população estudada

A tabela 4 apresenta os fatores significativamente associados às tentativas de RCP na população estudada.

Tabela 4
Fatores associados às tentativas de ressuscitação cardiopulmonar na população estudada

Os fatores significativamente associados a taxas altas de tentativas de RCP foram respiração e pulso presentes na admissão; baixa pontuação na CPC pré-parada cardíaca; ausência de neoplasias; história pregressa de diabetes mellitus; parada cardíaca fora do hospital; arritmia e isquemia/acidente vascular cerebral como causa presumida da parada cardíaca; e fibrilação ventricular e atividade elétrica sem pulso como ritmo inicial da parada cardíaca.

Os pacientes de idade mais avançada, com outros fatores como causa presumida da parada cardíaca e com assistolia como ritmo inicial da parada foram submetidos menos vezes a tentativas de RCP.

DISCUSSÃO

Embora alguns anos tenham se passado desde a publicação de estudos sobre ordens de não ressuscitação, a interpretação destas ordens continua variável, o que pode causar confusão quanto às situações clínicas em que elas se aplicam e às dificuldades para se definir a melhor estratégia de cuidados de fim de vida.(55. Micallef S, Skrifvars MB, Parr MJ. Level of agreement on resuscitation decisions among hospital specialists and barriers to documenting do not attempt resuscitation (DNAR) orders in ward patients. Resuscitation. 2011; 82(7):815-8.,77. Avansi Pdo A, Meneghin P [Translation and adaptation for the In-Hospital Ustein style into the Portuguese language]. Rev Esc Enferm USP 2008;42(3):504-11. Portuguese.)

Estas dificuldades são ainda maiores nos casos de parada cardíaca, porque os eventos podem ocorrer de repente, sem que se tenha conhecimento da história do paciente. Além disto, as ordens de não ressuscitação referem-se à realização ou não do trabalho de RCP, sem considerar doenças preexistentes, os objetivos do atendimento e os desejos do paciente.(77. Avansi Pdo A, Meneghin P [Translation and adaptation for the In-Hospital Ustein style into the Portuguese language]. Rev Esc Enferm USP 2008;42(3):504-11. Portuguese.)

Neste estudo, os fatores que influenciaram significativamente na realização ou não da RCP foram idade avançada, história pregressa, estado neurológico antes da parada cardíaca, local da parada, respiração e pulso na admissão, causa imediata e ritmo inicial da parada cardíaca, e causa da morte.

Também os pacientes com idade mais avançada foram submetidos com menos frequência a tentativas de RCP. Estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos para verificar a influência do atendimento pós-parada cardíaca em pacientes com mais de 75 anos de idade demonstrou que estes idosos eram mais propensos a ordens de não ressuscitação (65,9% versus 48,2%; p<0,001) e remoção das medidas de Suporte Avançado de Vida (61,2% versus 47,5%; p=0,005). Porém, após 6 meses de seguimento, os sobreviventes mantiveram um estado neurológico favorável (CPC 1 e 2), semelhante ao de pacientes mais jovens.(88. Seder DB, Patel N, McPherson J, McMullan P Kern KB, Unger B, Nanda S, Hacobian M, Kelley MB, Nielsen N, Dziodzio J, Mooney M; International Cardiac Arrest Registry (INTCAR)-Cardiology Research Group. Geriatric experience following cardiac arrest at six interventional cardiology centers in the United States 2006-2011: Interplay of age, do-not-resuscitate order, and outcomes. Crit Care Med. 2014;42(2):289-95.)

A idade avançada parece influenciar nas ordens de não ressuscitação,(99. Becerra M, Hurst SA, Junod Perron N, Cochet S, Elger BS. ‘Do not attempt resuscitation’ and ‘cardiopulmonary resuscitation’ in an inpatient setting: factors influencing physicians’ decisions in Switzerland. Gerontology. 2011; 57(5):414-21.) o que pode estar associado à presença de mais comorbidades e qualidade de vida insatisfatória após a RCP nesta população.(88. Seder DB, Patel N, McPherson J, McMullan P Kern KB, Unger B, Nanda S, Hacobian M, Kelley MB, Nielsen N, Dziodzio J, Mooney M; International Cardiac Arrest Registry (INTCAR)-Cardiology Research Group. Geriatric experience following cardiac arrest at six interventional cardiology centers in the United States 2006-2011: Interplay of age, do-not-resuscitate order, and outcomes. Crit Care Med. 2014;42(2):289-95.) No entanto, os resultados indicam que a idade como fator isolado para decisões de não ressuscitação pode não ser confiável, já que é preciso considerar os alvos do tratamento, bem como o fato de que uma maior mortalidade pode estar relacionada à suspensão de cuidados avançados e até mesmo às ordens de não ressuscitação atribuídas a estes indivíduos.(88. Seder DB, Patel N, McPherson J, McMullan P Kern KB, Unger B, Nanda S, Hacobian M, Kelley MB, Nielsen N, Dziodzio J, Mooney M; International Cardiac Arrest Registry (INTCAR)-Cardiology Research Group. Geriatric experience following cardiac arrest at six interventional cardiology centers in the United States 2006-2011: Interplay of age, do-not-resuscitate order, and outcomes. Crit Care Med. 2014;42(2):289-95.,1010. França D, Rego G, Nunes R. Ordem de não reanimar o doente terminal: dilemas éticos dos enfermeiros. Rev Bioét. 2010;18(2):469-81.)

Em relação à história pregressa, pacientes com histórico de diabetes mellitus e sem antecedentes de câncer foram submetidos a uma maior percentagem de tentativas de RCP Estudo prospectivo de 1.446 pacientes em um hospital universitário em Genebra, com o objetivo de determinar a prevalência de ordens de não ressuscitação e fatores relacionados, entre médicos, demonstrou que a presença de diagnóstico de câncer estava associada a uma maior frequência de ordens de não ressuscitação prescritas por estes profissionais. A maioria das decisões, no entanto, foram tomadas instintivamente, sem objetivos e metas claras de tratamento,(99. Becerra M, Hurst SA, Junod Perron N, Cochet S, Elger BS. ‘Do not attempt resuscitation’ and ‘cardiopulmonary resuscitation’ in an inpatient setting: factors influencing physicians’ decisions in Switzerland. Gerontology. 2011; 57(5):414-21.) o que pode indicar que o significado, os objetivos e a aplicação das ordens de não ressuscitação devem ser discutidos sistematicamente nas universidades que oferecem cursos de saúde, sendo protocolados e documentados nas instituições, levando a uma tomada de decisão e a um atendimento mais seguros para estes pacientes.(99. Becerra M, Hurst SA, Junod Perron N, Cochet S, Elger BS. ‘Do not attempt resuscitation’ and ‘cardiopulmonary resuscitation’ in an inpatient setting: factors influencing physicians’ decisions in Switzerland. Gerontology. 2011; 57(5):414-21.)

Neste estudo, os pacientes com níveis mais baixos de CPC pré-parada cardíaca foram submetidos a uma percentagem mais alta de tentativas de RCP. Alguns estudos indicam a qualidade de vida insatisfatória antes e depois da RCP como fator independente associado a ordens de não ressuscitação. Além disto, os pacientes com défice cognitivo podem não ser capazes de participar das decisões sobre seu estado de saúde. O uso de escalas para avaliar o estado neurológico e a qualidade de vida dos pacientes pode minimizar este problema.(99. Becerra M, Hurst SA, Junod Perron N, Cochet S, Elger BS. ‘Do not attempt resuscitation’ and ‘cardiopulmonary resuscitation’ in an inpatient setting: factors influencing physicians’ decisions in Switzerland. Gerontology. 2011; 57(5):414-21.)

Na população estudada, os pacientes que sofreram parada fora do hospital e que apresentaram respiração ou pulso na admissão foram submetidos a uma maior percentagem de tentativas de RCP. Este achado pode ser atribuído à natureza súbita da parada cardíaca e à falta de conhecimento dos profissionais sobre a história clínica destes pacientes. Ademais, em casos de parada cardíaca fora do hospital, às vezes, os cuidados são iniciados por leigos, que não têm o conhecimento nem a autonomia necessária para tomar decisões relativas a ordens de não ressuscitação.(1111. Jones DA, DeVita M, Bellomo R. Rapid-response teams. N Engl J Med. 2011; 365(2):139-46. Review.,1212. Montera MW, Almeida DR, Tinoco EM, Rocha RM, Moura LA, Réa-Neto Á, et al. [II Brazilian Guidelines on Acute Cardiac Insufficiency]. Arq Bras Cardiol. 2009; 93(3 supl.3):1-65. Portuguese.)

No presente estudo, os pacientes com fibrilação ventricular ou atividade elétrica sem pulso como ritmo inicial da parada cardíaca tiveram mais tentativas de RCP, enquanto aqueles com assistolia apresentaram maior percentagem de não ressuscitação.

As ordens de não ressuscitação podem ter sido menos frequentes em pacientes com fibrilação ventricular, já que este ritmo inicial de parada cardíaca foi associado a uma maior probabilidade de retorno à circulação espontânea e a melhores resultados neurológicos de longo prazo - desde que a RCP e a desfibrilação sejam realizadas precocemente.(88. Seder DB, Patel N, McPherson J, McMullan P Kern KB, Unger B, Nanda S, Hacobian M, Kelley MB, Nielsen N, Dziodzio J, Mooney M; International Cardiac Arrest Registry (INTCAR)-Cardiology Research Group. Geriatric experience following cardiac arrest at six interventional cardiology centers in the United States 2006-2011: Interplay of age, do-not-resuscitate order, and outcomes. Crit Care Med. 2014;42(2):289-95.,1313. Peberdy MA, Kaye W, Ornato JP Larkin GL, Nadkarni V, Mancini ME, et al. Cardiopulmonary resuscitation in adults in the hospital: a report of 14720 cardiac arrests from the National Registry of Cardiopulmonary Resuscitation. Resuscitation. 2003;8(3):297-308.,1414. Phelps R, Dumas F Maynard C, Silver J, Rea T. Cerebral performance category and long-term prognosis following out-of-hospital cardiac arrest. Crit Care Med. 2013;41(5):1252-7.)

Nos pacientes para os quais arritmia, isquemia ou acidente vascular cerebral foram as causas imediatas presumidas, a percentagem de tentativas de RCP foi maior. Este achado pode estar relacionado ao fato de a doença cardiovascular ser a principal causa de óbito na população adulta em todo o mundo, e estar associada a eventos súbitos, como acidente vascular cerebral, arritmias ventriculares e parada cardíaca, nos quais a história clínica do paciente é desconhecida, e não há consenso e nem segurança na aplicação de ordens de não ressuscitação.(1515. Razzaque I, Razzaque N. Cardiopulmonary resuscitation: to do or not to do in frail elderly. J Am Med Dir Assoc. 2013;14(9):705-6.)

A morte é uma das questões mais polêmicas da sociedade moderna, por razões culturais, econômicas e sociais. Os profissionais de saúde também têm dificuldade de lidar com esta situação - muitas vezes porque não estão preparados para encarar a ideia da própria morte.(1010. França D, Rego G, Nunes R. Ordem de não reanimar o doente terminal: dilemas éticos dos enfermeiros. Rev Bioét. 2010;18(2):469-81.)

Neste contexto, as ordens de não ressuscitação devem ser reconsideradas, com base nos princípios éticos da beneficência e não maleficência, envolvendo os pacientes e todas as pessoas que efetivamente cuidam deles, com objetivos e metas claras para os cuidados de fim de vida, e proporcionando aos pacientes uma morte digna, com o máximo de conforto possível.(1010. França D, Rego G, Nunes R. Ordem de não reanimar o doente terminal: dilemas éticos dos enfermeiros. Rev Bioét. 2010;18(2):469-81.)

Em muitos casos, a RCP não tem utilidade fisiológica, ou seja, não oferece nenhum benefício para a cura da doença de base. No entanto, ela tem utilidade do ponto de vista judicial, que leva em consideração a perspectiva do paciente. Decisões mais informadas sobre a realização ou não de ressuscitação podem afetar positivamente a qualidade de vida dos sobreviventes.

A diferença entre as ordens de não ressuscitação e os objetivos e metas dos cuidados de fim de vida para pacientes com doenças não tratáveis ainda não está clara.(99. Becerra M, Hurst SA, Junod Perron N, Cochet S, Elger BS. ‘Do not attempt resuscitation’ and ‘cardiopulmonary resuscitation’ in an inpatient setting: factors influencing physicians’ decisions in Switzerland. Gerontology. 2011; 57(5):414-21.,1616. Ehlenbach WJ, Curtis JR. The meaning of do-not-resuscitation orders: a need for clarity. Crit Care Med. 2011;39(1):193-4.) Os profissionais frequentemente tomam esta decisão com base na experiência de vida e no nível de conhecimento de cada um, o que pode impedir a prestação de cuidados a determinados pacientes.(55. Micallef S, Skrifvars MB, Parr MJ. Level of agreement on resuscitation decisions among hospital specialists and barriers to documenting do not attempt resuscitation (DNAR) orders in ward patients. Resuscitation. 2011; 82(7):815-8.)

Os resultados deste estudo podem ajudar na elaboração de diretrizes específicas para ordens de não ressuscitação, prestando esclarecimentos à população sobre a legitimidade destas ordens e permitindo que os pacientes exerçam seu direito de receber atendimento e boas práticas.(1010. França D, Rego G, Nunes R. Ordem de não reanimar o doente terminal: dilemas éticos dos enfermeiros. Rev Bioét. 2010;18(2):469-81.)

A principal limitação deste estudo foi o pequeno número de pacientes, mas os pontos fortes foram a realização em um hospital universitário de referência e de alta complexidade, bem como a coleta prospectiva de dados, envolvendo pacientes consecutivos.

CONCLUSÃO

Nos pacientes que não foram submetidos à ressuscitação cardiopulmonar, na maioria dos casos, este procedimento foi considerado injustificável. Os fatores que influenciaram significativamente na não realização da ressuscitação cardiopulmonar foram idade avançada do paciente, antecedente pessoal de câncer e assistolia como ritmo inicial da parada cardiopulmonar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2017
  • Aceito
    08 Ago 2017
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