Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome de Munchausen e síndrome de Munchausen por procuração: uma revisão narrativa

RESUMO

A síndrome de Munchausen e a síndrome de Munchausen por procuração são condições caracterizadas pela invenção ou pela produção intencional de sinais ou sintomas de doenças, bem como alterações de exames laboratoriais. Indivíduos com esta síndrome fingem que estão doentes e tendem a procurar tratamento, sem ganho secundário, em diferentes serviços de saúde. Ambas as síndromes são condições bem descritas na literatura desde 1951. Elas são frequentemente observadas pelas equipes de saúde em clínicas, enfermarias hospitalares e prontos-socorros. Conduziu-se revisão narrativa, não sistemática da literatura, incluindo relatos de caso, séries de relatos de caso, artigos de revisão indexados no MEDLINE/PubMed de 1951 a 2015. Cada estudo foi revisado por dois especialistas em psiquiatria que, por meio de consenso, escolheram quais estudos seriam incluídos nesta revisão. Apesar da síndrome de Munchausen ter sido descrita pela primeira vez há mais de 60 anos, a maioria dos estudos conduzidos sobre esta condição são relatos de caso e revisões da literatura. A literatura é carente de estudos mais consistentes sobre epidemiologia, manejo terapêutico e prognóstico da síndrome. Sem dúvida, tais condições geram altos custos e procedimentos desnecessários nos serviços de saúde. Seu subdiagnóstico pode se dar pela falta de conhecimento das síndromes por parte dos profissionais de saúde, e à alta incidência de contratransferência aos pacientes e a outros que são expostos à alta morbidade e à mortalidade é justificada pelos sintomas impostos em si mesmo ou em terceiros.

Descritores:
Síndrome de Munchausen; Síndrome de Munchausen causada por terceiros; Maus-tratos infantis; Transtornos autoinduzidos

ABSTRACT

The Munchausen syndrome and Munchausen syndrome by proxy are factitious disorders characterized by fabrication or induction of signs or symptoms of a disease, as well as alteration of laboratory tests. People with this syndrome pretend that they are sick and tend to seek treatment, without secondary gains, at different care facilities. Both syndromes are well-recognized conditions described in the literature since 1951. They are frequently observed by health teams in clinics, hospital wards and emergency rooms. We performed a narrative, nonsystematic review of the literature, including case reports, case series, and review articles indexed in MEDLINE/PubMed from 1951 to 2015. Each study was reviewed by two psychiatry specialists, who selected, by consensus, the studies to be included in the review. Although Munchausen syndrome was first described more than 60 years ago, most of studies in the literature about it are case reports and literature reviews. Literature lacks more consistent studies about this syndrome epidemiology, therapeutic management and prognosis. Undoubtedly, these conditions generate high costs and unnecessary procedures in health care facilities, and their underdiagnose might be for lack of health professional's knowledge about them, and to the high incidence of countertransference to these patients and to others, who are exposed to high morbidity and mortality, is due to symptoms imposed on self or on others.

Keywords:
Munchausen syndrome; Munchausen syndrome by proxy; Child abuse; Factitious disorders

INTRODUÇÃO

O termo “síndrome de Munchausen” foi utilizado pela primeira vez em 1951 por Asher,(11. Asher R. Munchausen's syndrome. Lancet. 1951;1(6650):339-41.) para caracterizar indivíduos que produzem intencionalmente sintomas físicos com o objetivo de receber assistência médica ou hospitalar. Em 1977, Meadow adotou o termo “síndrome de Munchausen por procuração” para descrever a criança cuja mãe produz histórico de doença e sustenta tal histórico por meio de sinais e sintomas fabricados, ou mesmo pela alteração de testes laboratoriais.(22. Meadow R. ABC of child abuse. Munchausen syndrome by proxy. BMJ. 1989; 299(6693):248-50. Review.)

O termo “Munchausen” é associado com Barão de Münchhausen (Karl Friedrich Hieronymus Freiherr von Münchhausen, 1720-1797), a quem uma variedade de histórias surreais foram atribuídas, associadas com suas viagens e situações inusitadas.(22. Meadow R. ABC of child abuse. Munchausen syndrome by proxy. BMJ. 1989; 299(6693):248-50. Review.)

Este estudo é uma revisão da literatura sobre a síndrome de Munchausen e síndrome de Munchausen por procuração. Realizou-se uma revisão narrativa e não sistemática, incluindo relatos de casos relevantes, séries de casos e revisões indexadas no PubMed de 1951 a novembro de 2015, com as seguintes palavras-chaves: “Síndrome de Munchausen”, “Síndrome de Munchausen causada por terceiro” e “transtornos autoinduzidos”.

Os estudos foram revisados independentemente por dois especialistas em psiquiatria que, subsequentemente, em consenso, escolheram os mais relevantes para incluir nesta revisão, considerando aspectos clínicos, epidemiológicos e tratamentos relacionados a tais síndromes. Além disto, outros estudos importantes foram julgados por dois especialistas e incluídos nesta revisão, como artigos clássicos sobre tais condições.

O objetivo desta revisão foi disponibilizar informações básicas para estudantes e profissionais de saúde em geral (principalmente não especialistas), interessados em um painel geral destas condições que, geralmente, são desconhecidas ou diagnosticadas erroneamente, apesar de observadas nas salas de emergência, clínicas e unidades cirúrgica ou ainda em outros ambientes. A síndrome de Munchausen e sua variação são desafios na prática clínica e cirúrgica, sendo que a revisão breve destas afecções é importante e justificada para o melhor entendimento de questões frequentemente desconhecidas.

APRESENTAÇÃO CLÍNICAL E CLASSIFICAÇÃO

Atualmente, apesar do uso disseminado do termo “síndrome de Munchausen”, nenhuma entidade nosológica é reconhecida pela Classificação Internacional de Doenças para ambas as síndromes. No entanto, a síndrome de Munchausen foi incluída na décima edição da Classificação Internacional de Doenças(33. World Health Organization (WHO). The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders. Diagnostic criteria for research. Geneva: WHO; 1993.) na categoria produção intencional ou imitação de sintomas ou disfunções, tanto físicas ou psicológicas (transtorno factício). A síndrome de Munchausen causada por terceiro é classificada na categoria T74.8 - outras síndromes especificadas de maus-tratos. O termo também é utilizado para se referir a idosos ou pessoas com deficiência e/ou adultos dependentes, em que os sintomas e sinais são criados por seus cuidadores e que também têm seus exames alterados por tais indivíduos.(44. Ben-Chetrit E, Melmed RN. Recurrent hypoglycaemia in multiple myeloma: a case of Munchausen syndrome by proxy in an elderly patient. J Intern Med. 1998;244(2):175-8. Review.)

A síndrome de Munchausen é também denominada “vício hospitalar”, “vício policirúrgico” e “síndrome do paciente profissional”.(33. World Health Organization (WHO). The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders. Diagnostic criteria for research. Geneva: WHO; 1993.)

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), em sua quinta edição, define distúrbio factício como aquele imposto a si próprio e ao outro (previamente chamado “distúrbio factício imposto a outro”).(55. American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico e transtornos mentais DMS-5. 5a ed. Tradução de Maria lnês Corrêa Nascimento, Paulo Henrique Machado, Regina Machado Garcez, Rêgis Pizzato, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed; 2013. Transtorno factício; p. 325-7.)

As principais características dos distúrbios factícios impostos a outro são imitação de sinais e sintomas físicos e psicológicos, ou indução de lesão, ou doença associada com fraude identificada. O critério de diagnóstico no DSM-5 para distúrbios factícios impostos a si próprio é descrito no quadro 1, e os critérios para distúrbios factícios impostos em outro são descritos no quadro 2.(55. American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico e transtornos mentais DMS-5. 5a ed. Tradução de Maria lnês Corrêa Nascimento, Paulo Henrique Machado, Regina Machado Garcez, Rêgis Pizzato, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed; 2013. Transtorno factício; p. 325-7.)

Quadro 1
Critérios de diagnóstico para distúrbio factício imposto a si próprio
Quadro 2
Critério diagnóstico para distúrbio factício imposto a outro (previamente conhecido como "distúrbio factício imposto a outro”)* * O agente, não a vítima, recebe o diagnóstico.

Em geral, indivíduos com distúrbios factícios relatam histórico de saúde de modo dramático, porém eles são vagos e inconsistentes, quando questionadas sobre mais detalhes. Estes pacientes frequentemente têm histórico de mentiras patológicas sobre qualquer aspecto de histórico ou sintoma (como pseudologia fantástica) e podem ter grande conhecimento de terminologia médica, rotinas e protocolos hospitalares. Pacientes que são estudantes ou profissionais da área da saúde têm sido descritos, e há questionamento sobre o crescimento da incidência da síndrome de Mïnchausen nesta população.(66. Yonge O, Haase M. Munchausen syndrome and Munchausen syndrome by proxy in a student nurse. Nurse Educ. 2004;29(4):166-9.)

Relatos de dor não especifica, outros sintomas não específicos e solicitação de analgésico são também muito comuns. Se, após estudo extensivo das queixas, existir evidência não clara de que a condição clínica é verdadeira, tal como o caso de o paciente relatar outros problemas somáticos e/ou psicológicos e também produzir outros sinais não específicos e/ou sintomas. Indivíduos com esta disfunção podem ser submetidos a múltiplos procedimentos, incluindo cirurgia frequente ou invasiva, sem atingir diagnóstico adequado ou terapia de sucesso.

No ambiente hospitalar, é notável que muitos destes pacientes recebem poucas visitas ou estão sozinhos durante a internação. Eventualmente, a natureza da fraude dos sinais e sintomas é revelada (por exemplo: o paciente é reconhecido por profissional de saúde que o atendeu anteriormente e/ou outros hospitais confirmam a internação prévia do paciente devido ao mesmo problema de saúde, alertando sobre o diagnóstico de distúrbio factício). No entanto, quando confrontado com a evidência de que os sintomas são fraudulentos, os indivíduos com este distúrbio normalmente negam ou deixam o hospital sem alta médica. Mais tarde, acabam procurando outro hospital ou serviço de saúde.(77. Cheng TO. Munchausen syndrome. J Intern Med. 1999;245(5):544-5.)

Nos distúrbios factícios com sinais e sintomas predominantemente psicológicos, como mostrado no quadro 3, os pacientes oferecem respostas aproximadas a perguntas simples (por exemplo: 8 vezes 8 igual a 65). O indivíduo pode utilizar discretamente substâncias psicoativas, com o objetivo de produzir sintomas que sugerem transtorno mental (como, por exemplo, estimuladores para produzir inquietação ou insônia, alucinógenos para induzir o estado de percepção alterada, analgésico para induzir a euforia e hipnose para induzir a letargia). As combinações de substâncias psicoativas podem produzir apresentação incomum.(88. Burton MC, Warren MB, Lapid MI, Bostwick JM. Munchausen syndrome by adult proxy: a review of the literature. J Hosp Med. 2015;10(1):32-6. Review.)

Quadro 3
Indicações de distúrbio factício com condições psicológicas

Indivíduos com distúrbios factícios e sinais e sintomas predominantemente físicos também podem ser usuários de substâncias, particularmente analgésicos e sedativos. Múltiplas hospitalizações geralmente levam à condição médica geral iatrogênica (por exemplo: formação de tecido cicatricial, devido a cirurgias desnecessárias ou reações medicamentosas adversas). Os indivíduos com a forma crônica deste distúrbio podem ter abdômen em “grelha”, devido ao grande número de cicatrizes. Em geral, os indivíduos com distúrbio factício têm dificuldade de manter-se no trabalho, criar laços familiares e relacionamento interpessoal estável. O quadro 4 apresenta os distúrbios factícios mais comuns na clínica médico-cirúrgica.

Quadro 4
Distúrbios factícios mais comuns na clínica médico-cirúrgica

A predisposição de fatores para distúrbios factícios pode incluir a presença de outros distúrbios mentais ou condições médicas durante a infância ou adolescência, que levam a tratamentos a longo prazo e hospitalizações, ressentimento com profissionais de saúde, experiência em cargo ou atividade relacionada a área da saúde, presença de distúrbios pessoais e relacionamento importante com médico no passado.(88. Burton MC, Warren MB, Lapid MI, Bostwick JM. Munchausen syndrome by adult proxy: a review of the literature. J Hosp Med. 2015;10(1):32-6. Review.)

PREVALÊNCIA E CURSO

As informações sobre a prevalência de distúrbios factícios são limitadas, incluindo a síndrome de Munchausen. Porém, este diagnóstico é raramente relatado. O distúrbio é relatado mais comumente em homens do em que mulheres. O curso do distúrbio factício pode ser limitado por um ou mais breve episódios, mas, em geral, é crônico. O início normalmente ocorre no primeiro ano da idade adulta, e a maioria dos casos ocorre após a hospitalização por condições médicas gerais ou outros distúrbios mentais.(88. Burton MC, Warren MB, Lapid MI, Bostwick JM. Munchausen syndrome by adult proxy: a review of the literature. J Hosp Med. 2015;10(1):32-6. Review.)

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial de distúrbio factício deve ocorrer a partir de condições médicas reais e distúrbio mental evidente. A suspeita por possível distúrbio mental ou condições médicas gerais que verdadeiramente representam distúrbio factício deve aparecer quando qualquer combinação dos seguintes fatores é observada no paciente hospitalizado: apresentação atípica que não é classificada como condição médica geral ou distúrbio mental identificado, sintomas ou comportamentos presentes somente quando o indivíduo está sendo observado, pseudológia fantástica, comportamento atípico na enfermaria (por exemplo: desrespeito às regras do hospital e discussão excessiva com profissionais de saúde responsáveis pelo cuidado), compreensão incomum da terminologia médica e rotinas hospitalares, uso velado de substâncias, evidência de tratamento múltiplos (cirurgias múltiplas e estímulos repetitivos de terapia eletroconvulsiva), histórico de muitas viagens, pouca ou nenhuma visita durante a hospitalização, flutuação clínica, e desenvolvimento rápido de “complicações” ou nova “doença” nos pacientes em que a investigação inicial foi negativa. No transtorno somatoforme, queixas físicas que não são completas são atribuídas à condição médica geral, porém sintomas não são intencionalmente produzidos. A simulação difere do distúrbio factício, em que a motivação para simulação de sintomas é caracterizada por incentivo externo, enquanto no distúrbio factício há incentivos externos. Os indivíduos que apresentam simulação podem procurar hospitalização por meio da invenção de sintomas com objetivo de obter compensação financeira, fugir da polícia ou simplesmente “ter um local para passar a noite”. Porém, na maioria dos casos, os sintomas podem “desaparecer” quando não são mais necessários.(77. Cheng TO. Munchausen syndrome. J Intern Med. 1999;245(5):544-5.99. Bass C, Halligan P. Factitious disorders and malingering: challenges for clinical assessment and management. Lancet. 2014;383(9926):1422-32. Review.)

SIMULAÇÃO

A simulação não é considerada um distúrbio. É incluída no DSM-5 e definida como uma produção intencional de falsa ou sintomas físicos ou psicológicos exagerados motivados por incentivos externos, para evitar serviço militar obrigatório ou trabalho, obter compensação financeira, escapar de um processo criminal, ou obter medicamentos ou drogas. Difere-se do distúrbio factício, em termos de motivação para produção de sintomas. Na simulação, o incentivo é externo, enquanto o distúrbio facilita o incentivo.

A simulação também é classifica no DSM-5 na categoria “outro foco de atenção clínica”, porém na Classificação Internacional de Doenças 10 edição é classificada em Z76.0 - Simulação (consciente), no item “Pessoas em contato com os serviços de saúde em outras circunstâncias”.(55. American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico e transtornos mentais DMS-5. 5a ed. Tradução de Maria lnês Corrêa Nascimento, Paulo Henrique Machado, Regina Machado Garcez, Rêgis Pizzato, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed; 2013. Transtorno factício; p. 325-7.,2525. Bass C, Halligan P. Factitious disorders and malingering: challenges for clinical assessment and management. Lancet. 2014;383(9926):1422-32. Review.)

De acordo com o DSM-5, o quadro 5 descreve elementos que reforçam a suspeita de simulação em qualquer combinação, apesar de não ser considera critério de diagnóstico.

Quadro 5
Sinais de alerta de simulação

TRATAMENTO

Em geral, o tratamento do distúrbio factício não é baseado em estudos randomizados e controlados. Em 2008, uma revisão sistemática sobre distúrbios factícios, que incluiu 32 relatos de caso e 13 séries, mostrou evidência insuficiente para avaliar a eficácia de qualquer técnica de gerenciamento para distúrbio factício, incluindo abordagens como psicoterapia, tratamento medicamentoso, terapia comportamental e técnicas multidisciplinares.(2626. Eastwood S, Bisson JI. Management of factitious disorders: a systematic review. Psychother Psychosom. 2008;77(4):209-18. Review.) Portanto, até o momento, nenhuma terapia biológica ou psicológica mostrou eficácia baseada nas revisões e nos relatos empíricos de clínicos com experiência no campo. Nenhuma análise comparativa foi conduzida entre os tipos diferentes de abordagem terapêutica, apesar do número de técnicas ter sido descrito, como técnicas psicodinâmicas e comportamentais. Alguns autores afirmaram que a hospitalização psiquiátrica involuntária é adotada para pacientes que colocam sua vida em risco e que não podem ser tratados em unidades ambulatoriais. Tal abordagem é necessária considerando que a maioria dos pacientes, apesar de desejar assumir uma posição de doente ou colocar outros nesta posição, não se reconhece como portadora de distúrbio mental, mesmo tentando ser internados em outro serviço de saúde pelo relato de característica clínicas prévias produzida intencionalmente. O tratamento destes pacientes é extremamente difícil, apresenta taxas muito baixas de adesão e tem prognóstico ruim, além de poucos relatos de melhoria. Deve-se enfatizar que muito dos tratamentos relatados nos estudos de caso ou revisões foram conduzidos no ambiente hospitalar com poucas semanas ou meses de tratamento o que pode constituir-se como viés importante nesses estudos.(77. Cheng TO. Munchausen syndrome. J Intern Med. 1999;245(5):544-5.99. Bass C, Halligan P. Factitious disorders and malingering: challenges for clinical assessment and management. Lancet. 2014;383(9926):1422-32. Review.)

DISCUSSÃO

A síndrome de Munchausen e a síndrome de Munchausen por procuração são termos bem estabelecidos para descrever subtipos dos distúrbios factícios descritos na literatura médica desde 1950.(11. Asher R. Munchausen's syndrome. Lancet. 1951;1(6650):339-41.)

Apesar da síndrome de Munchausen ser descrita por mais de 60 anos, é claro que é limitada a consistência de estudos sobre epidemiologia, gerenciamento terapêutico e prognóstico. A maioria dos estudos em distúrbios factícios é de relato de caso e revisões sistemáticas da literatura. Poucos estudos sistemáticos consistentes têm procurado investigar questões básicas, como epidemiologia ou mesmo gerenciamento psicológico dos distúrbios factícios. A falta de estudos epidemiológicos confiáveis relacionados a estes distúrbios é atribuída ao fato de que os pacientes, quando diagnosticados, geralmente não aceitam o diagnóstico e negam adesão a qualquer tratamento, além de geralmente continuarem a procurar outros hospitais e serviços de saúde. O fato de os pacientes frequentemente não aderirem e não cooperam com o tratamento, ou mesmo negarem que possuem um distúrbio psiquiátrico, ao invés de uma patologia clínica, indiscutivelmente dificulta a realização de estudos epidemiológicos ou ensaios clínicos envolvendo modalidades terapêuticas, como psicoterapia e farmacoterapia. Tal fato foi uma limitação importante tanto para este estudo, como para os estudos incluídos nesta revisão.

A síndrome de Munchausen e a síndrome de Munchausen por procuração estão associadas com alta morbidade e mortalidade, sendo que esta última tem sido relatada em algumas publicações. É importante enfatizar que pacientes com esta síndrome consomem recursos e tempo das equipes de saúde que os assistem, devido a avaliações e procedimentos desnecessários. Tais síndromes podem ser associadas com iatrogênese se o distúrbio factício não for detectado pelo médicos e nem pela equipe de saúde multidisciplinar no hospital ou ambiente ambulatorial. Quando os pacientes com distúrbios factícios são reconhecidos (o que ocorre com frequência), eles são rejeitados por profissionais de saúde, de tal forma que é primordial observar as situações de contratransferência destes últimos. Em geral, os profissionais de saúde discutem tais situações com as equipes multidisciplinares ou mesmo durante consultas psiquiátricas ou psicológicas.(1010. Tran HA. A woman with malaise and hyponatremia. Hyponatremia factitia (Munchausen syndrome) secondary to desmopressin use. Arch Pathol Lab Med. 2006;130(2):e15-8.,2727. Pompili M, Mancinelli I, Girardi P Tatarelli R. Countertransference in factitious disorders and Munchausen syndrome. Int J Psychiatr Nurs Res. 2004;9(2): 1041-3.)

O ambiente hospitalar geral, no qual o paciente é hospitalizado e assistido por equipe multidisciplinar de cuidados intensivos, teoricamente é o ideal para identificar o distúrbio, iniciar tratamento e tomar medidas adequadas, especialmente em caso de abuso de criança, idoso ou pessoa com deficiência. Portanto, reconhecer, gerenciar e encaminhar adequadamente pacientes com distúrbios factícios são fundamentais para bom prognóstico e redução de lesões e/ou eventos crônicos durante a hospitalização.

CONCLUSÃO

A síndrome de Munchausen e a síndrome de Munchausen por procuração geralmente não são identificadas e nem diagnosticadas pelos médicos e outros profissionais de saúde. Sua não identificação leva a testes laboratoriais e procedimentos desnecessárias, que podem prolongar hospitalizações e aumentar o custo do sistema de saúde. Até o momento, não existem tratamentos efetivos demonstrados por meio de estudos bem delineados, além de critério de diagnósticos bem estabelecidos para ambas as síndromes, o que pode explicar o pouco conhecido de estudantes e profissionais de saúde. As síndromes de Munchausen e de Munchausen por procuração são variantes dos distúrbios factícios. Estas condições desafiam a Medicina, apesar do atual avanço tecnológico e do conhecimento das limitações do corpo e da mente.

REFERENCES

  • 1
    Asher R. Munchausen's syndrome. Lancet. 1951;1(6650):339-41.
  • 2
    Meadow R. ABC of child abuse. Munchausen syndrome by proxy. BMJ. 1989; 299(6693):248-50. Review.
  • 3
    World Health Organization (WHO). The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders. Diagnostic criteria for research. Geneva: WHO; 1993.
  • 4
    Ben-Chetrit E, Melmed RN. Recurrent hypoglycaemia in multiple myeloma: a case of Munchausen syndrome by proxy in an elderly patient. J Intern Med. 1998;244(2):175-8. Review.
  • 5
    American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico e transtornos mentais DMS-5. 5a ed. Tradução de Maria lnês Corrêa Nascimento, Paulo Henrique Machado, Regina Machado Garcez, Rêgis Pizzato, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed; 2013. Transtorno factício; p. 325-7.
  • 6
    Yonge O, Haase M. Munchausen syndrome and Munchausen syndrome by proxy in a student nurse. Nurse Educ. 2004;29(4):166-9.
  • 7
    Cheng TO. Munchausen syndrome. J Intern Med. 1999;245(5):544-5.
  • 8
    Burton MC, Warren MB, Lapid MI, Bostwick JM. Munchausen syndrome by adult proxy: a review of the literature. J Hosp Med. 2015;10(1):32-6. Review.
  • 9
    Bass C, Halligan P. Factitious disorders and malingering: challenges for clinical assessment and management. Lancet. 2014;383(9926):1422-32. Review.
  • 10
    Tran HA. A woman with malaise and hyponatremia. Hyponatremia factitia (Munchausen syndrome) secondary to desmopressin use. Arch Pathol Lab Med. 2006;130(2):e15-8.
  • 11
    Araníbar H, Cerda M. Hypoglycemic seizure in Munchausen-by-proxy syndrome. Pediatr Emerg Care. 2005;21(6):378-9.
  • 12
    Magen D, Skorecki K. Extreme hyperkalemia in Munchausen-by-proxy syndrome. N Engl J Med. 1999;340(16):1293-4.
  • 13
    Solomon S, Lipton RB. Headaches and face pains as a manifestation of Munchausen syndrome. Headache. 1999;39(1):45-50.
  • 14
    Pandey M, Sawhney A. Factitious bleeding disorder in a child: an unusual presentation of Munchausen Syndrome. Indian Pediatr. 2014;51(12):1019-20.
  • 15
    Ulinski T, Lhopital C, Cloppet H, Feït JP, Bourlon I, Morin D, et al. Munchausen syndrome by proxy with massive proteinuria and gastrointestinal hemorrhage. Pediatr Nephrol. 2004;19(7):798-800.
  • 16
    Tüfekçi Ö, Gözmen S, Yılmaz Ş, Hilkay Karapınar T, Çetin B, Burak Dursun O, et al. A case with unexplained bleeding from multiple sites: Munchausen syndrome by proxy. Pediatr Hematol Oncol. 2011;28(5):439-43.
  • 17
    Ando T, Nomura T, Sejiyama SY, Shin T, Mori K, Sumino Y, et al. Munchausen syndrome in the act of creating and enacting macroscopic hematuria. Urol Int. 2014;93(3):371-2.
  • 18
    Goldfarb J, Lawry KW, Steffen R, Sabella C. Infectious diseases presentations of Munchausen syndrome by proxy: case report and review of the literature. Clin Pediatr (Phila). 1998;37(3):179-85. Review.
  • 19
    Rabinerson D, Kaplan B, Orvieto R, Dekel A. Munchausen syndrome in obstetrics and gynecology. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2002;23(4):215-8. Review.
  • 20
    Astuto M, Minardi C, Rizzo G, Gullo A. Unexplained seizures in an infant. Lancet. 2009;373(9657):94.
  • 21
    Giuliodori K, Campanati A, Rosa L, Marconi B, Cellini A, Brandozzi G, et al. Factitious disorders in adults: two cases of unusual skin ulcers. Acta Dermatovenerol Alp Pannonica Adriat. 2014;23(1):13-5.
  • 22
    Ashraf N, Thevasagayam MS. Munchausen syndrome by proxy presenting as hearing loss. J Laryngol Otol. 2014;128(6):540-2. Review.
  • 23
    Altman JS, Gardner GM. Cervicofacial subcutaneous emphysema in a patient with Munchausen syndrome. Ear Nose Throat J. 1998;77(6):476, 481-2.
  • 24
    Davis P McClure RJ, Rolfe K, Chessman N, Pearson S, Sibert JR, et al. Procedures, placement, and risks of further abuse after Munchausen syndrome by proxy, non-accidental poisoning, and non-accidental suffocation. Arch Dis Child. 1998;78(3):217-21.
  • 25
    Bass C, Halligan P. Factitious disorders and malingering: challenges for clinical assessment and management. Lancet. 2014;383(9926):1422-32. Review.
  • 26
    Eastwood S, Bisson JI. Management of factitious disorders: a systematic review. Psychother Psychosom. 2008;77(4):209-18. Review.
  • 27
    Pompili M, Mancinelli I, Girardi P Tatarelli R. Countertransference in factitious disorders and Munchausen syndrome. Int J Psychiatr Nurs Res. 2004;9(2): 1041-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2016
  • Aceito
    28 Set 2017
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br