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Formadores de adultos: dilemas e práticas profissionais na área de matemática

Resumos

Este artigo tem por objetivo problematizar os desafios colocados aos formadores da área Matemática para a Vida (MV), bem como analisar a adaptação e criação de práticas profissionais que emergem da concretização do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) existente na educação de adultos, em Portugal. Metodologicamente, o estudo desenvolveu-se por meio de uma abordagem qualitativa e multissituada, acompanhando a dinâmica dos Centros Novas Oportunidades e, particularmente, os formadores da área MV, os quais na sua maioria já tinham sido ou eram professores de matemática no ensino regular. Tendo por enquadramento os documentos oficiais de referência, emergiram, dos resultados da análise de conteúdo das entrevistas realizadas com os formadores, dilemas e desafios que são analisados face: às novas práticas pedagógicas que os formadores têm de desenvolver e implementar para atuar nesse modelo específico da educação de adultos; à diversidade existente entre os adultos que recorrem ao processo RVCC; à necessidade de descodificar e adaptar os documentos oficiais na área da MV. A pesquisa desenvolvida permitiu constatar que a metodologia do processo RVCC parece estimular nos formadores de MV uma postura dialógica e de legitimação de saberes matemáticos do cotidiano, que muito se aproxima de uma perspetiva etnomatemática. Os resultados apontam para novas posturas e práticas profissionais relacionadas com a procura de novas metodologias de ensino e de validação de aprendizagens, alargando anteriores perspectivas e desenvolvendo a identidade e a compreensão do significado de ser professor/formador de uma forma mais holística e enquadrada na realidade educativa da formação de adultos.

Educação de adultos; Processo RVCC; Práticas profissionais; Formadores de Matemática para a Vida; Etnomatemática


This article aims to discuss the challenges adult educators in the field of “Mathematics for Life” face, as well as to analyse the adaptation and creation of professional practices that emerge from the implementation of the Recognition, Validation and Certification of Competencies (RVCC) process used in the Portuguese adult education system, and in the New Opportunities Centres in particular. Methodologically, the study was undertaken using a qualitative, multi-situated approach that focussed on the dynamics of the New Opportunities Centres, particularly educators in the field of “Mathematics for Life”, who were formerly mathematics teachers in the mainstream education system. Using the official Portuguese documents as a reference framework, the results of the content analysis of the interviews conducted with the adult educators revealed dilemmas and challenges. These were analysed from the perspective of new teaching practices that educators in the “Mathematics for Life” field need to develop and implement in this particular model of adult education, the diversity amongst the adults who use the RVCC system and the need to decode and adapt official documents in this specific area. Our research shows that the recognition, validation and certification of competencies (RVCC) process tends to encourage adult educators in the “Mathematics for Life” area to take a dialogical stance that legitimates the daily mathematical knowledge of adults in a way that resembles an ethnomathematics perspective. The results indicate both new attitudes and professional practices related to the search for new teaching methodologies, the validation of learning, expanding previous perspectives and developing the process of identity, as well as understanding the meaning of becoming an adult educator in a more holistic way, contextualised within the educational reality of adult education.

Adult education; RVCC; professional practices; “Mathematics for Life”; ethnomathematics


Introdução

Este artigo tem por objetivo problematizar dilemas vivenciados por formadores da área da matemática no exercício de suas práticas profissionais, ao realizar o denominado processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) utilizado na educação de adultos, em Portugal. O processo RVCC, inicialmente realizado em 2001 em escala experimental, passou a fazer parte, de 2005 a 2011, de uma ampla política nacional intitulada Iniciativa Novas Oportunidades, que visava a dar impulso à qualificação dos portugueses, com o objetivo de

[...] permitir aos adultos recuperar, completar e progredir nos seus estudos, partindo dos conhecimentos e competências que os adultos adquiriram ao longo das suas vidas em contextos informais, através do Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. (GUIMARÃES, 2009GUIMARÃES, Paula. Políticas públicas de educação de adultos em Portugal: diversos sentidos para o direito à educação? Rizoma Freireano, n. 3, 2009. Disponível em: <http://www.rizoma-freireano.org/index.php/politicas-publicas>. Acesso em: 10 abr. 2013.
http://www.rizoma-freireano.org/index.ph...
, p. 3)

Com efeito, na última década em Portugal, à semelhança do que vinha acontecendo em outros países, o processo RVCC passou:

de uma prática social marginal para um lugar central e de visibilidade crescente nos sistemas de educação e formação dos países industrializados, nomeadamente na Europa, no quadro das políticas de “aprendizagem ao longo da vida”. (CANÁRIO, 2006CANÁRIO, Rui. Formação de adquiridos experienciais: entre a pessoa e o indivíduo. In: FIGARI, Gérard et al. (Eds.). Avaliação de competências e aprendizagens experienciais: saberes, modelos e métodos. Lisboa: Educa, 2006. p. 35-46., p. 36)

Assim, pretende-se compreender não apenas algumas das práticas pedagógicas em contextos de educação de adultos, na área de matemática, mas também os desafios de formadores da área Matemática para a Vida (MV) integrada no processo RVCC de nível básico1 1 - Este artigo é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado que obteve bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD7815/2011), realizada pela primeira autora e sob supervisão da segunda autora. O pós-doutoramento teve uma etapa no Brasil, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (sob supervisão de Maria do Carmo Domite) e uma etapa em Portugal, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (sob supervisão de Darlinda Moreira e João Pedro da Ponte). . Por meio de uma abordagem qualitativa e multissituada, acompanhou-se a dinâmica dos Centros Novas Oportunidades (CNOs) e, particularmente, os formadores da área MV, os quais na sua maioria já tinham sido ou eram professores de matemática no ensino regular, mas que, no momento de realização do trabalho de campo, trabalhavam no processo RVCC.

Como prática de reconhecimento de adquiridos experienciais, o processo RVCC implica o reconhecimento e valorização dos saberes adquiridos, sobretudo em contextos informais e não-formais, como reflexo das aprendizagens de vida dos adultos. Nesse contexto, a etnomatemática surge como um enquadramento teórico da maior pertinência para explicar a complexidade e as contradições inerentes ao encontro de um mundo adulto pouco escolarizado, como as práticas profissionais dos formadores do processo RVCC da área da MV.

O texto está organizado em cinco partes. O primeiro tópico discute como tem sido recorrente a busca por integrar aspectos da vida cotidiana às práticas educativas no campo de educação de adultos, apresentando algumas aproximações entre a perspectiva da etnomatemática e os princípios teóricos subjacentes às práticas de reconhecimento de adquiridos experienciais. A segunda parte do artigo discute o conceito de prática no contexto da educação matemática. Em seguida, o terceiro tópico apresenta a metodologia da pesquisa, no que se refere ao contexto investigado, aos procedimentos utilizados e aos participantes. O quarto tópico expõe caraterísticas da realização do processo RVCC na área da matemática e o quinto traz a análise dos dados do campo, discutindo os desafios enfrentados pelos formadores de MV no processo RVCC. O texto encerra-se com considerações finais.

Educação de adultos, etnomatemática e reconhecimento de adquiridos experienciais

O discurso de que o ensino, para ser significativo, deve partir da realidade dos alunos2 2 - Esta ideia pode assumir várias versões, como partir do cotidiano, do contexto, do dia a dia, dos saberes prévios dos educandos, que, apesar de sinônimas à primeira vista, refletem diferentes visões de mundo, de homem, de conhecimento, de aprendizagem. tem sido recorrente no contexto da educação em geral, parecendo estar “naturalizado” (DUARTE, 2009DUARTE, Cláudia Glavam. A “realidade” nas tramas discursivas da educação matemática escolar. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009.). Esse enunciado encontra-se igualmente presente no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), tanto entre os atores envolvidos, como nas políticas educativas e até mesmo na legislação destinada a esse público. Parece existir, portanto, uma:

[...] concordância de um princípio pedagógico que preconiza a incorporação da cultura e da realidade vivencial dos estudantes como conteúdo ou ponto de partida do processo educativo. (PEDROSO; MACEDO; FAÚNDEZ, 2011PEDROSO, Ana Paula Ferreira; MACEDO, Juliana Gouthier; FAÚNDEZ, Marcelo Reinoso. Currículos e práticas pedagógicas: fios e desafios. In: SOARES, Leôncio (Org.). Educação de jovens e adultos: o que revelam as pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 183-210., p. 183-184)

Essa premissa encontra-se nos documentos brasileiros de propostas curriculares para a EJA. Para o primeiro segmento do ensino fundamental (BRASIL, 2001BRASIL. Ministério da Educação. Educação para jovens e adultos: ensino fundamental: proposta curricular – 1º segmento. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 2001., p. 102), afirma-se que se deve “transformar as situações do cotidiano que envolvem noções e notações matemáticas em suporte para a aprendizagem significativa de procedimentos mais abstratos”. Já a proposta para o segundo segmento defende a contextualização dos temas matemáticos e sua apresentação em situações que façam sentido para os alunos, por meio de conexões com questões de seu cotidiano. De acordo com este último documento,

as conexões que o jovem e adulto estabelecem dos diferentes temas matemáticos entre si,

com as demais áreas do conhecimento e com as situações do cotidiano é que vão conferir significado à atividade matemática. (BRASIL, 2002BRASIL. Proposta curricular para a educação em jovens e adultos: segundo segmento do ensino fundamental. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 2002., p. 15)

A valorização dos saberes fruto da experiência não é exclusividade da realidade brasileira, pois também está presente nos documentos oficiais de outros países, como Portugal. No Referencial de competências-chave de educação e formação de adultos de nível básico deste país, afirma-se que a “experiência de vida constitui, geralmente, um excelente recurso do processo formativo do adulto” (ANEFA, 2002ANEFA. Referencial de competências-chave – educação e formação de adultos. Lisboa: ANEFA, 2002. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 18 out. 2011.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
, p. 3). Com relação à educação matemática, do mesmo modo, esse Referencial aponta que as:

propostas de trabalho para os formandos devem ser organizadas tendo em consideração as experiências de vida dos formandos e as competências matemáticas que se pretende desenvolver. (ANEFA, 2002ANEFA. Referencial de competências-chave – educação e formação de adultos. Lisboa: ANEFA, 2002. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 18 out. 2011.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
, p. 4)

Em Portugal, notadamente no campo da educação de adultos, têm sido utilizados os termos saberes adquiridos, ou adquiridos experienciais para as aprendizagens construídas ao longo da vida doméstica e/ou profissional, que conferem “uma importância decisiva aos saberes adquiridos por via experiencial, e ao seu papel de ‘âncora’ na produção de novos saberes [...](CANÁRIO, 2008CANÁRIO, Rui. Educação de adultos: um campo e uma problemática. Lisboa: Educa, 2008., p. 111)”.

A investigação na temática da articulação entre os saberes da experiência de educandos adultos e os saberes escolares tem avançado e sido objeto de algumas pesquisas em educação matemática, muitas delas na perspectiva etnomatemática (D´AMBROSIO, 2001D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.; MOREIRA; PARDAL, 2012MOREIRA, Darlinda; PARDAL, Eugénia. Mathematics in mason’s workplace. Journal of Adults Learning Mathematics, v. 7, n. 1, p. 31-47, fev. 2012.). Como diz Fonseca (2002FONSECA, Maria da Conceição Ferreira dos Reis. Educação matemática de jovens e adultos: especificidades, desafios e contribuições. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 69-70),

Os estudiosos da Educação Matemática, principalmente os que trabalham na linha da Etnomatemática (entre os quais, não por coincidência, há um número significativo daqueles que militam na EJA), insistem em investigar ou considerar como hipóteses de suas investigações as formas específicas de matematizar de cada grupo cultural. Para a EJA, em especial, considerar esta diversidade e respeitar essas particularidades torna-se essencial.

Algumas pesquisas na linha de estudos a respeito de numeramento também têm contribuído para pensar essa relação entre saberes do cotidiano e saberes escolares.Faria (2007)FARIA, Juliana Batista. Relações entre práticas de numeramento mobilizadas e em constituição nas interações entre os sujeitos da educação de jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. levantou três categorias para classificar as interações entre as práticas de numeramento cotidianas dos educandos da EJA e as práticas de numeramento escolares: solidariedade, questionamento, e paralelismo. A solidariedade remete “às possibilidades de uma relação dialógica3 3 - Grifos no original. entre as experiências escolares e as experiências cotidianas (e escolares anteriores) dos educandos” (FARIA, 2007FARIA, Juliana Batista. Relações entre práticas de numeramento mobilizadas e em constituição nas interações entre os sujeitos da educação de jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007., p. 206-207). Na relação de questionamento ressalta-se “a existência de um distanciamento, um contraste, ou mesmo uma dicotomia entre a matemática ‘na vida’ e a matemática ‘na escola’” (FARIA, 2007FARIA, Juliana Batista. Relações entre práticas de numeramento mobilizadas e em constituição nas interações entre os sujeitos da educação de jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007., p. 222). Por fim, a relação de paralelismo ocorre fundamentalmente quando há interdição do diálogo entre a diversidade de saberes e experiências na sala de aula de jovens e adultos.

Os sistemas de reconhecimento de adquiridos experienciais de adultos têm, por princípio, trabalhado com essa questão, por enfatizarem o reconhecimento dos saberes já adquiridos acerca dos saberes a serem ensinados. Esses sistemas, como o processo RVCC de Portugal, são abordagens por competências, que implicam metodologias de reconhecimento e valorização de saberes adquiridos por adultos ao longo da vida, sobretudo em contextos informais e não-formais, “diferenciando-se, assim, de abordagens que privilegiam a aquisição de conteúdos disciplinares em contextos formais de aprendizagem” (FANTINATO; MOREIRA, 2012FANTINATO, Maria Cecilia; MOREIRA, Darlinda. Desafios de formadores de “matemática para a vida” do processo RVCC. In: SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 23, Coimbra, 06 e 07 de outubro de 2012.Atas…Coimbra: APM, 2012. p. 739-749., p. 2).

As práticas de reconhecimento de adquiridos experienciais em Portugal estão balizadas por orientações teóricas (CANÁRIO, 2006CANÁRIO, Rui. Formação de adquiridos experienciais: entre a pessoa e o indivíduo. In: FIGARI, Gérard et al. (Eds.). Avaliação de competências e aprendizagens experienciais: saberes, modelos e métodos. Lisboa: Educa, 2006. p. 35-46.) que consideram o saber experiencial como:

um saber de uso local, que o indivíduo partilha com os restantes elementos da comunidade a que pertence […] compreende as dimensões do saber, do saber-fazer e do saber-ser. (CAVACO, 2002CAVACO, Carmen. Aprender fora da escola: percursos de formação experiencial. Lisboa: Educa, 2002., p. 39)

Assim, o termo formação experiencial traz subjacente o pressuposto de base, de que se aprende por meio da experiência. Aprende-se constantemente para dar respostas aos desafios da vida cotidiana, ou seja, a formação experiencial é interminável por natureza e está intimamente relacionada com a necessidade de sobrevivência.

A linha de pesquisa da etnomatemática (D´AMBROSIO, 2001D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.) tem igualmente abordado a temática dos saberes construídos em contextos de vida, mais especificamente dos conhecimentos matemáticos construídos por diferentes culturas, ou seja, da “forma como os grupos sociais têm consciência de suas necessidades e em que condições usam a sua matemática local para os abordar” (MOREIRA, 2009MOREIRA, Darlinda. Etnomatemática e mediação de saberes matemáticos na sociedade global e multicultural. In: FANTINATO, Maria Cecilia de Castello Branco (Org.). Etnomatemática: novos desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: UFF, 2009. p. 59-68., p. 66). As ideias da etnomatemática, ao construir “formas de conhecer e analisar diversas epistemologias matemáticas operando nos seus contextos culturais” (MOREIRA, 2009MOREIRA, Darlinda. Etnomatemática e mediação de saberes matemáticos na sociedade global e multicultural. In: FANTINATO, Maria Cecilia de Castello Branco (Org.). Etnomatemática: novos desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: UFF, 2009. p. 59-68., p. 63), aproximam-se, portanto, da perspectiva daformação experiencial (CAVACO, 2002CAVACO, Carmen. Aprender fora da escola: percursos de formação experiencial. Lisboa: Educa, 2002.).

A abordagem teórica da etnomatemática proporcionou neste artigo uma análise diferenciada de alguns princípios da componente MV do processo RVCC e um novo olhar sobre os saberes experienciais dos adultos a serem certificados. Tendo sido pioneira nos estudos e pesquisas que buscam compreender os diferentes modos de jovens e adultos raciocinarem matematicamente, é fruto de uma bagagem cultural construída predominantemente em contextos da vida doméstica e profissional, sem excluir as experiências escolares anteriores (FANTINATO; VARGAS, 2010FANTINATO, Maria Cecilia de Castello Branco; VARGAS, Sonia Maria de. Saberes matemáticos do campo e da escola: processos de aprendizagem e educação de jovens e adultos. Quadrante, Lisboa, v. 19, n. 1, p. 29-47, jan./jun. 2010., p. 37).

Práticas profissionais no contexto da educação de adultos

As práticas profissionais de professores e formadores têm sido objeto de estudo e tema de investigação nas últimas décadas, designadamente no campo da educação matemática. Para além de outros fatores, aponta-se o papel do contexto institucional na construção e na mudança das práticas profissionais.

Estamos entendendo aqui, como em Ponte e Serrazina (2004)PONTE, João Pedro; SERRAZINA, Maria de Lurdes. Práticas profissionais dos professores de matemática. Quadrante, Lisboa: Associação de Professores de Matemática, v. 13, n. 2, p. 51-74, jul./dez. 2004. e Ponte, Quaresma e Branco (2008)PONTE, João Pedro; QUARESMA, Marisa; BRANCO, Neusa. Práticas profissionais dos professores de matemática. Avances en Investigación en Educación Matemática, n. 1, p. 65-86, 2008., que a expressão práticas profissionais de professores refere-se às ações realizadas pelos professores em contextos educativos, como, por exemplo, nas salas de aula, na instituição escolar e nos momentos em que atuam em função da profissão de professor (THEES, 2012THEES, Andréa. Estudo com professores de matemática de jovens e adultos sobre suas práticas profissionais. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.). De modo a poder contemplar a diversidade dos contextos educativos pesquisados e dos papéis exercidos pelos docentes, neste trabalho em específico, estamos entendendo esse conceito de modo amplo, como as práticas dos profissionais da educação de adultos que trabalham com a área de matemática.

Com efeito, o ensino e a formação são desenvolvidos em contextos cuja complexidade acentua a existência de práticas de natureza diversa, que exigem a “orquestração de capacidades, relacionamentos e identidade para realizar determinadas atividades, com outras pessoas em ambientes específicos” (GROSSMAN et al., 2009GROSSMAN, Pamela et al. Teaching practice: a cross-professional perspective. Teachers College Record, v. 111, n. 9, p. 2055-2100, 2009., p. 2059).

As práticas profissionais dos professores têm sido analisadas na literatura da educação matemática, emergindo tanto o papel importante dos docentes na criação e organização das práticas, como o lugar que estas ocupam na identidade de seu grupo profissional. O professor/formador enquanto elemento da sua classe profissional identifica-se e reconhece-se numa determinada prática, realizando-a por meio de determinadas ações e palavras, por todos reconhecidas, mas, simultaneamente, revitaliza-a, já que há lugar para a ocorrência de inovação e novidade, expressando a sua individualidade e implementando ações e palavras singulares.

Uma perspectiva interessante a respeito do conceito de prática, ancorada no contexto da educação matemática, é a que considera a ligação com outros grupos sociais. Por exemplo, Ponte (2011)PONTE, João Pedro. Teachers’ knowledge, practice, and identity: essential aspects of teachers’ learning. Journal of Mathematics Teacher Education, v. 14, n. 6, p. 413-417, dez. 2011. menciona a importância das práticas dos professores para os pais dos alunos e a sociedade em geral. Como afirma:

Se […] a nossa prática profissional não estiver alinhada com as orientações curriculares e ajustada às necessidades e condições de cada grupo de alunos, o professor não vai cumprir as expectativas da escola, dos alunos, dos pais e da sociedade. (PONTE, 2011PONTE, João Pedro. Teachers’ knowledge, practice, and identity: essential aspects of teachers’ learning. Journal of Mathematics Teacher Education, v. 14, n. 6, p. 413-417, dez. 2011., p. 413)

Transferindo essa ideia para o campo da educação de adultos, torna-se igualmente notório que a prática profissional do formador de adultos tem, por um lado, de responder aos documentos oficiais que preconizam as áreas de conteúdo onde os adultos têm de desenvolver competências e, por outro, de responder à individualidade de cada adulto.

Acrescente-se que a importância do corpo diretivo e administrativo da instituição de formação e ensino para criar condições e apoiar os professores e formadores na realização das suas práticas é destacada na literatura; e encontramos autores que, ao pensarem o conceito de prática no campo profissional específico dos professores, consideram pertinente relacionar o seu significado e contributo tanto para a identidade profissional como para a mudança da cultura profissional. Como referem Gresalfi e Cobb,

[...] as identidades no ensino são profundamente moldadas (mas não determinadas) pelas normas, valores e práticas dos contextos específicos em que os professores participam profissionalmente. (GRESALFI; COBB, 2011GRESALFI, Melissa Sommerfeld; COBB, Paul. Negotiating identities for mathematics teaching in the context of professional development. Journal for Research in Mathematics Education, v. 42, n. 3, p. 270-304, may 2011., p. 273)

Uma vez que as práticas estão embutidas em contextos e ambientes de natureza diversa, envolvendo diferentes tipos de conhecimento e dinâmicas, e considerando ainda que existem diferenças nos objetos e utensílios usados nas práticas, certas práticas serão mais bem compreendidas na relação dialética com o campo de conhecimento em que se inserem. No exercício de suas práticas, os professores são simultaneamente produtores de inovação e reprodutores de conhecimento didático, o que nos permite inserir sua atividade profissional no denominado trabalho intelectual, o qual, de acordo com Caria (2005CARIA, Telmo H. Trabalho e conhecimento profissional-técnico: autonomia, subjectividade e mudança social. In: CARIA, Telmo H. et al. (Orgs.).Saber profissional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 17-42., p. 25), engloba duas dimensões distintas: “a posse do conhecimento abstrato, adequadamente certificado e a autonomia no desempenho da atividade”. Ou seja, o profissional de trabalho intelectual está qualificado institucionalmente para o exercício da profissão, o que lhe confere legitimidade, poder social e simbólico para o exercício da profissão, mas também o coloca no seio de uma cultura profissional que possui uma ética profissional e deontológica que terá de seguir.

Além disso, a cultura profissional subjacente, a qual enquadra as aprendizagens, experiências e relações sociais profissionais, está fortemente relacionada com campos de conhecimento formais e abstratos que exigem aprendizagens sistemáticas. Ademais, em certas atividades profissionais, as práticas inerentes são, na sua natureza, dinâmicas, no sentido em que se transformam em curtos espaços de tempo, pois estão relacionadas com abordagens de problemas não rotineiros e, simultaneamente, são desempenhadas em contextos sociais complexos.

Desse modo, ao considerar uma cultura profissional que exige novas aprendizagens a um ritmo considerável, e cujo desempenho profissional requer, praticamente em simultâneo, que os conhecimentos assimilados sejam colocados em procedimentos, isto é, transferidos para práticas profissionais, somos conduzidos a uma noção de prática que contém poder transformativo. Em síntese, as práticas profissionais são identificadas como pertencentes a determinado campo ou estrutura e, simultaneamente, abrangem características heterogêneas que encerram potencialidades transformativas e generativas.

A pesquisa realizada: contexto, procedimentos, participantes

A investigação aqui apresentada é de natureza qualitativa, carateriza-se como sendo de indução analítica modificada (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994.) e desenvolveu-se por meio de uma abordagem multissituada. Foi realizado um estudo descritivo e com a preocupação com o significado atribuído pelas pessoas participantes.

Foram utilizados diferentes instrumentos de coleta de dados – análise documental, observação participante e principalmente entrevistas semiestruturadas. Selecionaram-se os sujeitos aplicando a “técnica de amostragem de bola de neve” (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994., p. 99), ou seja, solicitando à primeira pessoa entrevistada que indicasse outras e a essas que, por sua vez, indicassem outras e assim sucessivamente, tendo cada entrevista contribuído para o aprofundamento e a redefinição das questões da pesquisa. Tais entrevistas foram realizadas com diretores de CNOs, coordenadores e formadores.

Em um primeiro momento da investigação, foi realizada uma análise dos documentos oficiais da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ)4 4 - Em 15 de fevereiro de 2012, essa instituição mudou de nome e de orientações políticas, passando a ser chamada de Agência Nacional para a Qualificação e a Educação Profissional (ANQEP). , que estabelecia políticas e diretrizes teórico-metodológicas para a educação de adultos em Portugal no momento de realização da pesquisa. Particularmente, foram estudados os Referenciais de competências-chave da educação e formação de adultos (ANEFA, 2002ANEFA. Referencial de competências-chave – educação e formação de adultos. Lisboa: ANEFA, 2002. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 18 out. 2011.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
), de nível básico e secundário. A análise documental concentrou-se então em uma das quatro áreas do Referencial de nível básico, intitulada Matemática para a vida. Esse documento está estruturado em três níveis de competências, denominados B1, B2 e B3, “tomando por referência a correspondência com os ciclos do ensino básico escolar, ainda que não se identifiquem com eles” (ANEFA, 2002ANEFA. Referencial de competências-chave – educação e formação de adultos. Lisboa: ANEFA, 2002. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 18 out. 2011.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
, p.11), e serve de parâmetro para o processo RVCC.

Desde 2005 até 2012, os chamados Centros Novas Oportunidades5 5 - Esta política educacional portuguesa sofreu alterações e, em maio de 2012, esses Centros passaram a ser denominados Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional, e perderam muitas de suas funções de formação e ensino de adultos. congregavam as muitas atividades relacionadas com a educação de adultos em Portugal, a maioria deles localizados em agrupamentos escolares. O trabalho de campo propriamente dito aconteceu de novembro de 2011 a março de 2012, quando foram percorridos vários CNOs da região metropolitana de Lisboa e de municípios próximos. Por meio de observação participante, com anotações em diário de campo, foram acompanhadas práticas usuais ao processo RVCC, como sessões de descodificação e sessões de júri de certificação. Ao longo das visitas de observação, também foram recolhidos alguns documentos para posterior análise, como fichas de trabalho utilizadas por formadores durante as sessões de MV.

Neste artigo, são analisados prioritariamente os depoimentos de quatro formadores de MV, dois homens e duas mulheres, de quatro CNOs localizados na região metropolitana de Lisboa ou em municípios próximos. Quanto à formação inicial desses quatro formadores, três têm licenciatura em matemática e um, em engenharia. Todos já haviam trabalhado ou vinham trabalhando como professores de matemática no ensino regular há mais de dez anos e tinham de um a cinco anos de experiência de trabalho com adultos. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho, em horários combinados entre a entrevistadora e os entrevistados. Foram posteriormente transcritas e analisadas, a partir de categorias que emergiram do processo. A análise priorizou os desafios e dilemas vivenciados por esses formadores no seu exercício profissional, ao trabalhar com a Matemática para a Vida no processo RVCC.

O processo RVCC e a área da Matemática para a Vida

Como nos referimos anteriormente, a pesquisa aqui relatada abordou as práticas de profissionais que atuavam no processo de reconhecimento e validação de competências matemáticas de adultos portugueses que procuravam os CNOs. Importa, assim, apresentar em que consiste o trabalho com o processo RVCC, especificamente na área da MV.

O processo RVCC é um sistema de reconhecimento e valorização de saberes adquiridos por adultos ao longo da trajetória de vida. Trata-se de um sistema que dá importância às competências de vida que permitam aos adultos:

compreender e participar na sociedade do conhecimento, mobilizando através delas o saber, o ser e o saber resolver os problemas com que o mundo atual em mudança as confronta constantemente. (ANEFA, 2002ANEFA. Referencial de competências-chave – educação e formação de adultos. Lisboa: ANEFA, 2002. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 18 out. 2011.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
, p. 9)

Nessa perspectiva, no processo RVCC, as competências aparecem “como emergentes da acção, o que lhes confere um carácter finalizado, contextual e contingente” (CANÁRIO, 2006CANÁRIO, Rui. Formação de adquiridos experienciais: entre a pessoa e o indivíduo. In: FIGARI, Gérard et al. (Eds.). Avaliação de competências e aprendizagens experienciais: saberes, modelos e métodos. Lisboa: Educa, 2006. p. 35-46., p. 41).

O processo RVCC foi integrado no Programa Social Novas Oportunidades, em 2005, pelo governo português e destinava-se a todos os adultos com mais de 18 anos que não haviam frequentado ou concluído um nível de ensino básico ou secundário e que tivessem adquirido conhecimentos e competências através da experiência em diferentes contextos, possíveis de serem formalizadas numa certificação escolar. Esse processo permite a obtenção de uma certificação escolar de nível básico (4º, 6º ou 9º ano de escolaridade) ou de nível secundário (12º ano de escolaridade).

O dispositivo de nível básico do processo RVCC, que permite o reconhecimento, a validação e a certificação até o 9º ano de escolaridade, apresenta quatro áreas de competências-chave: tecnologias da informação e comunicação,cidadania e empregabilidade, linguagem e comunicação e a área que foi o foco desta pesquisa, Matemática para a Vida. De acordo com o Referencial de competências--chave de nível básico, a área da MV foi estruturada em quatro unidades de competência, assim descritas no documento:

Unidade A - Interpretar, organizar, analisar e comunicar informação utilizando processos e procedimentos matemáticos.

Unidade B - Usar a matemática para analisar e resolver problemas e situações problemáticas.

Unidade C - Compreender e usar conexões matemáticas em contextos de vida.

Unidade D - Raciocinar matematicamente, nomeadamente de forma indutiva e de forma dedutiva. (ANEFA, 2002ANEFA. Referencial de competências-chave – educação e formação de adultos. Lisboa: ANEFA, 2002. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 18 out. 2011.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
, p. 130)

A metodologia utilizada no processo RVCC desenvolve-se em várias etapas, e no seu trabalho participa uma equipe diversificada de profissionais com funções específicas. Segundo Cavaco (2009)CAVACO, Carmen. Adultos pouco escolarizados: políticas e práticas de formação. Lisboa: Educa, 2009., trata-se de uma prática de reconhecimento de adquiridos experienciais, que se baseia em metodologias inovadoras e muito complexas, originando uma série de dificuldades na sua implementação.

Na primeira fase, quando chegam aos Centros, os adultos são recebidos pelo técnico de diagnóstico e encaminhamento, que avalia as suas possibilidades de realizar o processo e indica o nível em que deverá ser integrado. Em seguida, o profissional de RVCC realiza entrevistas individuais com os adultos.

A fase seguinte é a dos chamados formadores, responsáveis pelas quatro áreas de competência-chave, entre eles, o de MV. Nessa etapa, acontecem as sessões de descodificação do Referencial, geralmente em pequenos grupos, quando o formador procura, juntamente com os adultos, estabelecer relações entre as habilidades (matemáticas) adquiridas em experiências cotidianas e as competências listadas no Referencial. Toda a atividade desenvolvida nessas sessões vai resultando na construção/reconstrução do Portfólio Reflexivo de Aprendizagens (PRA), texto escrito pelos adultos, que vai tendo sucessivas versões. “À medida que o PRA se vai consolidando, a equipa técnico-pedagógica, juntamente com o adulto, vai estabelecendo correlações entre esse instrumento/produto e o Referencial de competências-chave” (ANQ, 2007ANQ. Carta de qualidade dos Centros Novas Oportunidades. Lisboa: Agência Nacional para a Qualificação, 2007. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 08 fev. 2012.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
, p. 16).

A etapa seguinte do processo RVCC é a de validação de competências, sessão na qual o adulto e a equipe pedagógica analisam e avaliam o PRA, face ao Referencial, identificando as competências a serem validadas e aquelas ainda a serem evidenciadas ou desenvolvidas, por meio da continuação do processo de RVCC ou de outro processo de formação. A certificação de competências, última etapa do processo, realiza-se perante um júri de certificação, nomeado pelo diretor do centro, e constituído pelo profissional de RVC, pelos formadores e por avaliadores externos. O trabalho preparatório da sessão de certificação inclui a análise e a avaliação do PRA por parte da equipa técnico-pedagógica e do avaliador externo (ANQ, 2007ANQ. Carta de qualidade dos Centros Novas Oportunidades. Lisboa: Agência Nacional para a Qualificação, 2007. Disponível em: <http://www.anq.gov.pt/default.aspx>. Acesso em: 08 fev. 2012.
http://www.anq.gov.pt/default.aspx>...
).

Desafios dos formadores de Matemática para a Vida no processo RVCC

As análises das entrevistas com os formadores de MV que fizeram parte deste estudo apontaram para diversos aspectos da complexidade inerente à concretização do processo RVCC de candidatos adultos. Neste ponto, são discutidos os desafios vividos por esses profissionais, que identificamos como sendo: as diferenças no mundo adulto; a nova terminologia inerente às novas práticas; a decodificação e adaptação do Referencial e a transferência de matemática oral para um processo escrito. Mostra-se também como houve lugar para a modificação de práticas profissionais no desenvolvimento do trabalho dos formadores.

Diferenças entre os adultos

Um dos principais desafios enfrentados pelos formadores de MV relaciona-se com a diversidade do mundo adulto, isto é, as diferenças, de várias naturezas, existentes entre os adultos que recorrem ao processo RVCC: diferenças de motivação, diferenças no tempo necessário para completar o processo, diferenças nos saberes adquiridos pela experiência.

Existem adultos, geralmente mais velhos, que procuram os Centros sobretudo para estar à altura do agregado familiar. Leandro6 6 - Todos os nomes apresentados são fictícios, para preservar a privacidade dos depoentes. relata o caso de um senhor que dizia não necessitar da certificação, por já estar no topo de sua empresa, apesar de só ter o diploma da quarta classe7 7 - A chamada quarta classe em Portugal equivale ao quinto ano de escolaridade no Brasil. , mas que procurou o CNO porque não se sentia à altura da esposa e da filha, mais escolarizadas, e nem era capaz de conversar com elas. Outros reconhecem que aprendem no processo e gostam tanto que continuam frequentando o Centro, mesmo depois de terem sido validados, porque, como afirma o formador Rodrigo, “perceberam que aquilo tinha a ver com a vida deles [...], que aquilo que estão a aprender lhes poderia ser útil”.

Para além dos adultos que procuram o CNO por vontade própria, existem outros que são encaminhados. Muitas vezes são as próprias empresas onde os adultos trabalham que procuram a instituição, em busca de parcerias para a realização do processo RVCC para seus empregados de baixo nível de escolaridade. Já os desempregados procuram o CNO tanto para não correrem o risco de terem os subsídios de desemprego do governo cortados, como para procurar maiores qualificações escolares que permitirão maior acesso ao trabalho no futuro.

Muitos adultos que procuram o CNO vêm com a ideia préconcebida de que o processo é fácil e rápido. Ao perceber que a dinâmica do processo não é tão simples, alguns adultos começam a desmotivar-se, sendo nesse caso encaminhados para a chamada formação complementar, que contempla um trabalho mais individualizado com os formadores e, por isso, é mais indicada para aqueles adultos que necessitam de mais apoio na escrita do relato de vida. Como esclarece a formadora Mariana, “às vezes, [os adultos] não conseguem perceber a necessidade de terem formação […] em termos de motivação ficam um bocadinho abaixo, mas depois gostam muito”.

Também existem diferenças no que diz respeito ao tempo de conclusão do processo RVCC. Em média, o processo demora quatro ou cinco meses, para os formandos assíduos e com disponibilidade. Mas, segundo o formador Leandro, há casos de pessoas que passam um ano, um ano e meio no processo, porque desistem e depois retornam. Desistem por motivo de doença ou por terem recebido uma proposta de trabalho e não poderem continuar a vir ao CNO. Um exemplo específico de demora maior do processo RVCC, e que representa um grande desafio para os profissionais envolvidos, é o trabalho com adultos com incapacidade intelectual. Nesse caso, de acordo com Rodrigo, “a parte de reconhecimento é mínima, praticamente o reconhecimento e a formação são quase a mesma coisa” e o tempo é obrigatoriamente mais longo.

Uma outra forma pela qual se manifestam as diferenças entre os adultos é quanto aos saberes construídos nas experiências. Alguns formadores reconhecem um raciocínio mais organizado e o domínio de mais conceitos matemáticos em adultos com experiências de trabalho na indústria, ou em áreas como construção civil, canalização e eletricidade. O formador Rodrigo, que já trabalhou como engenheiro, relaciona os saberes dos adultos que trabalham em empresas com seus próprios saberes prévios, na sua atuação como formador de MV. Diz ele: “quando as pessoas se põem a descrever os processos, fica mais simples de eu perceber o que é que as pessoas estão a dizer, porque eu próprio vivi essas experiências”.

Um outro aspecto interessante ressaltado pelos formadores é que não existe uma relação direta entre os anos de escolaridade cumpridos pelos adultos e as competências adquiridas pelos mesmos na área da matemática. A fala de Leandro mostra essa contradição:

Eu tenho aqui um senhor que é quase diretor de uma empresa de transporte, escreve muito bem, fala muito bem, e só tem a quarta classe [quarto ano de escolaridade]. E depois eu tenho outro com frequência do oitavo, e curiosamente este senhor [que tem a quarta classe] tem muito mais competência na área de Matemática do que o outro. (Leandro)

A situação apresentada vem corroborar as ideias de Cavaco (2002CAVACO, Carmen. Aprender fora da escola: percursos de formação experiencial. Lisboa: Educa, 2002., p. 76-77), de que a aprendizagem proveniente da formação experiencial, “apesar de estar muito relacionada com a riqueza de situações vividas e da diversidade de desafios e exigências colocadas aos indivíduos” nos diferentes contextos de vida, também depende muito de fatores individuais.

Novos termos, novas práticas

Ao iniciar o seu trabalho nos CNOs, os profissionais de MV enfrentaram o desafio de desenvolver um trabalho que lhes era inteiramente novo e para o qual não estavam preparados. A formadora Fernanda diz ter sido “um choque”. Entretanto, vários disseram ter participado de uma ação formativa de três fins de semana, proposta pela Agência Nacional para a Qualificação em 2008, destinada a todos os profissionais que iriam atuar nos CNOs e utilizar o processo RVCC, na qual lhes foram transmitidos alguns princípios dessa nova metodologia. Essa formação representou, sobretudo, um aprendizado de novas terminologias e novos papéis.Processo RVCC, sessões de descodificação e júri de validação de competências estão entre os termos que de início eram pouco familiares para a equipe. Quanto às novas profissões, temos, por exemplo, otécnico de diagnóstico e encaminhamento, que recebe e dá as orientações iniciais ao adulto que procura o CNO, o profissional de RVCC, que acompanha todo o processo de reconhecimento de competências dos adultos, e os formadores das quatro áreas de competências-chave.

Também para o profissional da área de matemática, há uma mudança de termo que corresponde a uma mudança de função. A fala de Leandro explicita bem as diferenças entre o professor e o formador:

Na área de RVCC, sou formador. Sou professor de matemática da escola. Sim, porque há uma terminologia diferente. Por exemplo, no RVCC, não se dão aulas, são sessões; não é o professor, é o formador, mais na perspetiva de orientar. E no curso diurno, é a metodologia habitual: aulas [...] A metodologia é completamente diferente. No curso diurno, o aluno aprende, no curso noturno, nomeadamente no RVCC, o aluno já traz os conhecimentos, ele vai mostrar as competências que tem. (Leandro)

Os formadores de MV passam então a assumir um conjunto diversificado de funções ligadas ao reconhecimento e à validação de adquiridos experienciais e competências, distanciando-se da função que lhes é habitual enquanto professores do ensino regular. Como afirma Cavaco (2009CAVACO, Carmen. Adultos pouco escolarizados: políticas e práticas de formação. Lisboa: Educa, 2009., p. 700-701), para:

assegurarem um desempenho adequado têm que desenvolver competências específicas, bastante distintas das que lhes eram solicitadas quando exerciam as suas funções como professores do ensino regular.

Oriundos da educação regular, destinada a crianças e adolescentes, declararam ter aprendido a trabalhar no processo RVCC no próprio exercício desse tipo de trabalho, construindo seus próprios documentos, compartilhando com as demais pessoas da equipe do CNO e, sobretudo, observando os adultos. Essa adaptação implicou mudanças na forma de estar, na forma de falar, no nível de rigor em relação à linguagem matemática, se comparados em relação aos parâmetros do ensino regular. Foi preciso ser flexível, “tipo bambu”, nas palavras da formadora Mariana.

Essas mudanças no contexto profissional, que exigem novos termos, novos papéis e novas aprendizagens, conduzem necessariamente a mudanças profissionais que não são simples de serem concretizadas sem uma formação contínua. Segundo João, diretor de CNO, que também já trabalhou nessa área, “os que mais reclamam por formação são os de Matemática para a Vida”. Ele complementa:

Somos formados em matemática, estamos preparados para ensinar matemática, mas reconhecer no adulto que ele aprendeu matemática não é bem a mesma coisa. [...] Claro que há formadores que conseguem adaptar-se à realidade e desconstruir as suas aprendizagens e tentar ver a matemática sob um outro prisma, mas não é fácil. (João)

Esse profissional sinaliza ainda outro aspecto importante que resulta dessas das práticas, e que é específico dos formadores da área de matemática: a desconstrução de uma visão hegemônica de matemática como um conhecimento único e atemporal, levando ao reconhecimento de maneiras menos formais de aprender e utilizar saberes matemáticos. Fernanda, por exemplo, declara que as experiências trazidas pelos adultos fizeram-na “ver a matemática de uma outra perspectiva”.

Nesse sentido, pode-se perceber, na orientação do trabalho desses formadores, uma aproximação com as ideias da etnomatemática, área que tem atuado como uma fonte de crítica à forma como o conhecimento acadêmico matemático tem sido transferido para as escolas,

já que a instituição escolar tem adoptado a Matemática, de tal forma que, apesar de existir actividade matemática nos diferentes grupos sociais, esta é apagada ou mesmo ignorada pela escola. (MOREIRA, 2009MOREIRA, Darlinda. Etnomatemática e mediação de saberes matemáticos na sociedade global e multicultural. In: FANTINATO, Maria Cecilia de Castello Branco (Org.). Etnomatemática: novos desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: UFF, 2009. p. 59-68., p. 63)

Descodificando e adaptando o referencial

Uma das primeiras aprendizagens do formador de MV consiste no manejo das etapas do processo RVCC. Após os adultos terem sido recebidos pelo técnico de diagnóstico e encaminhamento, que avaliou a possibilidade dos adultos realizarem o processo RVCC e indicou o nível em que deveriam ser integrados, e após o profissional de RVCC ter ouvido os adultos em entrevistas individuais, segue-se a fase em que os adultos se encontram com os formadores, entre eles, o de MV. Acontecem então as sessões de descodificação, em que o trabalho do formador é procurar mostrar aos adultos quais os assuntos que podem indicar, em termos da sua experiência de vida e do ponto de vista matemático, para que consigam, posteriormente, escrever as suas histórias de vida, nas quais as situações descritas demonstrem as competências que possam ser validadas de acordo com o Referencial da MV.

A dinâmica dessas sessões fica a critério do formador, que procura criar um clima favorável para os adultos, que por vezes chegam “embaralhados” (Rodrigo). Afinal, o processo RVCC também é novo para os adultos em muitos aspectos. Leandro tem como costume passar um filme em que jornalistas entrevistam feirantes a respeito dos seus conhecimentos matemáticos do cotidiano. Ele diz que é um filme “que desmonta tudo”, e que ajuda os adultos a perceberem que o seu papel, enquanto formador, é idêntico ao papel daqueles jornalistas, que vão identificando nas práticas diárias dos feirantes alguns conteúdos matemáticos: regra de três simples, sequência de série, “conteúdos que são lecionados aqui no décimo primeiro ano” (Leandro). Nas demais sessões, Leandro apresenta situações-problema e estimula os adultos a resolverem “do jeito que conseguirem”, isto é, na sua “matemática do dia-a-dia”, para depois apresentar a forma como a matemática escolar resolve aquele mesmo problema.

Uma das tarefas iniciais das sessões de descodificação é mostrar para os adultos as competências do Referencial. Por se tratar de um documento oficial, escrito em linguagem formal, os formadores de MV sentem necessidade de adaptar essa linguagem, de modo a torná-la mais compreensível para os adultos. Mariana, em conjunto com a equipe do CNO, elaborou uma ficha com perguntas mais acessíveis e contextualizadas, consoante os conceitos que estão no Referencial, já que, como afirma, “se formos colocar naquela linguagem, não vale a pena” (Mariana). Uma das perguntas dessa ficha, por exemplo, é: “Verifica extratos bancários, talões de supermercado, faturas ou recibos?” O adulto deve responder e indicar por escrito situações ou experiências de vida em que utiliza habitualmente essa competência matemática.

Cálculo mental e escrita autobiográfica

O processo RVCC supõe escritas sucessivas da autobiografia, que são avaliadas pelos formadores e devolvidas aos adultos com as suas observações a respeito das competências atingidas e as que necessitam ser desenvolvidas, até alcançar uma versão final que comprove as competências necessárias para a validação na área de MV. Esse processo, por ser escrito, representa um acréscimo de dificuldade para os adultos e um desafio para os formadores de MV. Nas próprias palavras do formador Rodrigo,

As pessoas, quando começam este processo, normalmente nunca escreveram sua autobiografia, pela dificuldade que elas têm. Agora, se você disser a elas: “Agora você tem que demonstrar que tem capacidades de matemática. Mostre-me aí no papel como é que você sabe fazer porcentagens”. Eu bato muito que é uma coisa que no dia-a-dia as pessoas são muito confrontadas. (Rodrigo)

Entre os adultos pouco escolarizados, é comum a presença de competências de cálculo mental, da chamada matemática oral (CARRAHER; CARRAHER; SCHLIEMANN, 1988CARRAHER, Terezinha Nunes; CARRAHER, David; SCHLIEMANN, Analúcia Dias. Na vida dez, na escola zero. São Paulo: Cortez, 1988.). Entretanto, para que esse saberes adquiridos ao longo da vida sejam validados, têm de ser necessariamente escritos. Como diz Mariana,

Há uma fase em que dizem: “Ah, mas eu faço isso de cabeça!”, e eu respondo: “Sim, mas aquilo que fazem de cabeça escrevam, coloquem, mostrem, para que seja uma prova”.

Esse é mais um dos aspectos para reflexão, na medida em que o percurso da cultura oral para a cultura escrita não é percorrido instantaneamente em consequência de uma ordem para o fazer. Pelo contrário, a complexidade inclui, entre outros aspectos, a razoável manipulação do código simbólico da escrita e a apropriação de um discurso adequado ao meio, ao local, ao ouvinte e ao leitor (ITURRA, 1990ITURRA, Raúl. A construção social do insucesso escolar:memória e aprendizagem em Vila Ruiva. Lisboa: Escher, 1990.; MOREIRA, 2004MOREIRA, Darlinda. Texto matemático e interacções. In: KNIJNIK, Gelsa; WANDERER, Fernanda; OLIVEIRA, Cláudio José (Orgs.). Etnomatemática, currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. p. 89-108.).

Para o formador Rodrigo, o cálculo mental normalmente emerge em associação com outros cálculos, e ele percebe que “pessoas que têm essa facilidade chegam ao resultado mais cedo do que as outras”. Apesar de reconhecer que essa habilidade, entre os adultos, indica “alguma facilidade nas matemáticas”, ele adverte: “eu não posso validar só porque a pessoa sabe fazer o cálculo mental bem”.

A aprendizagem do cálculo mental entre adultos pouco escolarizados deu-se pela via da formação experiencial, resultando de atividades e estratégias de sobrevivência, o que dificulta a sua explicitação por escrito. A forma como construíram os saberes experienciais, incluindo-se aí as habilidades de cálculo mental, muitas vezes, foi pela observação de pessoas mais experientes, geralmente um parente, ou por processos de tentativa e erro. Em sua pesquisa desenvolvida com jovens e adultos de uma comunidade de baixa renda no Brasil,Fantinato (2003)FANTINATO, Maria Cecilia de Castello Branco. Identidade e sobrevivência no morro de São Carlos: representações quantitativas e espaciais entre jovens e adultos. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. constatou a característica de marca cultural associada ao cálculo mental, com base na forma como essas estratégias tinham sido aprendidas, geralmente com um parente mais velho, que assumia o papel de mestre.

Por outro lado, como argumenta Cavaco (2009CAVACO, Carmen. Adultos pouco escolarizados: políticas e práticas de formação. Lisboa: Educa, 2009., p. 763),

a capacidade de construção do discurso sobre ação, ou seja a formalização da ação, é uma competência que se desenvolve e aperfeiçoa na escola, o que permite compreender as dificuldades que os adultos pouco escolarizados têm neste domínio.

O processo RVCC exige uma explicitação por escrito e a elaboração de um discurso a respeito do que realizam. Esse contraste representa um desafio tanto para os candidatos adultos como para os formadores de MV.

Considerações finais

As mudanças complexas das sociedades atuais exigem adaptações ou mesmo rupturas profissionais frequentes que, por sua vez, requerem novas formações, novos conhecimentos e novas competências que interagem com procedimentos profissionais prévios. Esse processo de mudança, que pode ser vivido simultaneamente como um desafio, uma nova oportunidade, uma dificuldade ou uma contrariedade, requer ou impõe transformações identitárias, entendendo-se que a identidade profissional se constrói e se expressa através do desempenho profissional, das relações sociais que se criam e desenvolvem no local de trabalho, das aprendizagens e experiências profissionais e das expectativas de intervenção e participação social através da profissão.

Os formadores da área MV que integram o processo RVCC enfrentam vários desafios, dentre os quais, a diversidade do mundo adulto nas suas múltiplas facetas: a idade, que pode variar dos jovens adultos de 18 anos a seniors adultos com mais de 65 anos; os motivos que levam os adultos a enveredar por uma educação formal; o modo como recorrem a essa qualificação, designadamente se é um processo voluntário, por iniciativa própria ou por imposição dos proprietários das empresas nas quais trabalham ou por outra instituição; as expectativas subjacentes à procura de novas qualificações e o que pretendem fazer com elas; as características de anteriores percursos de educação formal que poderão ter sido vividas com maior ou menor sofrimento.

Tais profissionais também precisam enfrentar a aprendizagem de novas metodologias e o exercício de funções não familiares, “distintas das habitualmente desempenhadas pelos tradicionais formadores de adultos” (CAVACO, 2009CAVACO, Carmen. Adultos pouco escolarizados: políticas e práticas de formação. Lisboa: Educa, 2009., p. 780). Sem terem recebido formação adequada para trabalhar nos moldes de um processo de reconhecimento e validação de adquiridos, os formadores constroem suas práticas profissionais na experiência do trabalho cotidiano com os adultos e na troca com os colegas das equipas dos CNOs.

Devido a seu caráter inovador, a vivência do processo RVCC proporciona novas aprendizagens, tanto para os adultos certificados quanto para os profissionais envolvidos. Em particular, os formadores de MV aprendem a ver a matemática sob outra perspectiva, chegando a questionar o próprio nome Matemática para a Vida. As palavras de Fernanda sintetizam a contradição existente: “Parece que estamos a dar a matemática, para depois as pessoas a aplicarem. Não é isso que fazemos cá. A vida, que já tem matemática, é que nós vamos buscar”.

Seguindo as recomendações de Agudelo-Valderrama; Clarke; Bishop (2007)AGUDELO-VALDERRAMA, Cecilia; CLARKE, Barbara; BISHOP, Alan. Explanations of attitudes to change: Colombian mathematics teachers’ conceptions of the crucial determinants of their teaching practices of beginning algebra.Journal of Mathematics Teacher Education, v. 10, n. 2, p. 69-93, maio 2007., observamos que os tópicos de reflexão dos formadores, apresentados no ponto anterior, não só apresentam uma perspectiva acerca de suas próprias práticas como também permitem obter insights a respeito do que pode constituir barreira à mudança das suas práticas profissionais. Com efeito, no contexto social descrito acima, a proposta de formação contemplada no processo de RVCC emergiu como um impulso importante para melhorar e transformar práticas profissionais. Isto é, na medida em que o processo RVCC obriga a ter abordagens pedagógicas inovadoras, enfatizando a mudança para a valorização e reconhecimento dos saberes adquiridos e o desenvolvimento de aprendizagens com significados, acaba por legitimar a inovação e proporcionar, no contexto da formação, um ambiente em que a mudança é encarada como um passo seguro para a melhoria da aprendizagem dos adultos. Além disso, contempla a necessidade do formador se expressar por meio das suas práticas, isto é, de individualizar a sua forma de pensar e concretizar a sua perspectiva sobre o significado de aprender matemática.

Em resumo, emergindo da complexidade e das contradições inerentes, tanto no encontro com o mundo adulto como na prática de procurar reconhecer, validar e certificar competências de adultos pouco escolarizados, os resultados apontam para novas posturas identitárias desses profissionais, relacionadas com a procura de novas metodologias de ensino e de validação de aprendizagens, alargando anteriores perspectivas e desenvolvendo a compreensão do significado de ser professor/formador de uma forma mais holística e enquadrada na realidade educacional portuguesa.

Referências

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  • THEES, Andréa. Estudo com professores de matemática de jovens e adultos sobre suas práticas profissionais Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.
  • 1
    - Este artigo é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado que obteve bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD7815/2011), realizada pela primeira autora e sob supervisão da segunda autora. O pós-doutoramento teve uma etapa no Brasil, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (sob supervisão de Maria do Carmo Domite) e uma etapa em Portugal, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (sob supervisão de Darlinda Moreira e João Pedro da Ponte).
  • 2
    - Esta ideia pode assumir várias versões, como partir do cotidiano, do contexto, do dia a dia, dos saberes prévios dos educandos, que, apesar de sinônimas à primeira vista, refletem diferentes visões de mundo, de homem, de conhecimento, de aprendizagem.
  • 3
    - Grifos no original.
  • 4
    - Em 15 de fevereiro de 2012, essa instituição mudou de nome e de orientações políticas, passando a ser chamada de Agência Nacional para a Qualificação e a Educação Profissional (ANQEP).
  • 5
    - Esta política educacional portuguesa sofreu alterações e, em maio de 2012, esses Centros passaram a ser denominados Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional, e perderam muitas de suas funções de formação e ensino de adultos.
  • 6
    - Todos os nomes apresentados são fictícios, para preservar a privacidade dos depoentes.
  • 7
    - A chamada quarta classe em Portugal equivale ao quinto ano de escolaridade no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2014
  • Aceito
    25 Jun 2014
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