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Editorial

O historiador inglês Eric Hobsbawn, ao traçar uma retrospectiva do que denomina "o breve século XX", lembra que o mundo do início do século, encontrava-se otimista, diante das promessas de uma tecnologia revolucionária em constante avanço.

Sem dúvida, algumas delas foram cumpridas forma inquestionável: como exemplo, distância e tempo foram virtualmente anulados pelo desenvolvimento nos campos das comunicações e transportes. Se isso é verdade, qual a razão pela qual o século não está terminando como uma grande comemoração pelo progresso alcançado, mas em um clima de inquietação e de incertezas em relação ao futuro, pergunta Hobsbawn.

Se as promessas de um maior controle do homem sobre a natureza foram cumpridas, o preço desse progresso talvez tenha sido demasiadamente alto para a humanidade. Hobsbawn lembra que este foi um dos mais terríveis séculos da história da Humanidade: um século que promoveu, pela primeira vez, conflitos de ordem mundial; um século que matou ou abandonou à morte 187 milhões de seres humanos; um século em que o número de baixas civis em guerra foi maior que o de militares, com raras exceções; um século no qual ressurgem os assassinatos e a tortura como práticas rotineiras em nome da segurança dos estados modernos. Um século no qual a barbarização deixa de ser uma perspectiva para assumir contornos de realidade.

No rol do preço pago pelo desenvolvimento, certamente figura a exclusão social: desemprego, fome, miséria são marcas pungentes do nosso século. Nesse terreno é que se situa a chamada questão do menor, dos meninos e meninas de rua. Supostamente na trilha do primeiro mundo, o Brasil é um país que não somente relega as gerações mais jovens ao abandono em uma escala insuportável, como também chega à execução sumária como uma solução para o problema da violência.

É a questão do menor o tema do Dossiê especial desta edição de Estudos de Psicologia. Se a psicologia busca uma inserção social mais significativa que as avaliações clássicas da profissão têm apontado, esta é uma questão vital. O dossiê, organizado e apresentado por Herculano R. Campos, da coordenação do Movimento Meninos e Meninas de Rua, conta um depoimento de Ivonne Bezerra de Mello, cujo trabalho no Rio de Janeiro - notabilizado pelo atendimento aos meninos da Candelária - lhe valeu o reconhecimento da Organização das Nações Unidas, no ano de 1995, como uma das quarenta e cinco mulheres que contribuíram para a melhoria da humanidade, e do governo brasileiro, concedendo o Prêmio Nacional de Direitos Humano; com um relato de uma experiência pioneira no Estado do Rio Grande do Norte, conduzido por Maria Dilma F. Siqueira; e com um estudo sobre o desenvolvimento dos meninos de rua, de Cláudio S. Hutz e Silvia H. Koller, do CEP-RUA, Rio Grande do Sul.

Dentre os artigos, destaca-se o texto do conhecido psicólogo jesuíta e ativista hispano-salvadorenho Ignácio Martín-Baró (assassinado pela repressão em 1989) sobre o papel do psicólogo. Na seqüência, um estudo acerca das crenças sobre a AIDS entre os participantes de ONGs, de Marco A. C. Figueiredo e Luciana N. Fiorini; um relato de uma pesquisa que empreendeu um mapeamento da psicologia norte-rio-grandense, conduzido por Oswaldo H. Yamamoto, Gilmara S. Siqueira e Samantha C. C. Oliveira; um artigo (à guisa de tréplica) de Raul P. Albino Filho, sobre a temática abordada na Polêmica do número 2 de Estudos de Psicologia, a relação Psicologia e Psicanálise; e um ensaio sobre heróis e personagens nas histórias em quadrinhos, desenvolvido por Moacy Cirne.

A entrevista do mês é com Antonio Gomes Penna, um nome que dispensa apresentações: professor catedrático da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o professor Penna tem seu nome inscrito entre aqueles que trouxeram contribuição significativa para a psicologia brasileira, em uma trajetória que se iniciou como membro da equipe de Nilton Campos, na então Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro.

Na seção de comunicações breves, José Artur Muniz relata uma experiência no campo dos Programas Preparação para Aposentadoria; na seção de resenhas, Rosana S. Tokumaru enfoca um livro que tem sido apresentado como o precursor de uma nova disciplina, a psicologia evolucionista - e tem causado furor no mundo inteiro: trata-se d'O Animal Moral, do ensaísta Robert Wright.

Este é o número que preparamos para abrir o segundo ano da nossa revista. E, no momento em que o fazemos, estamos seguros de que temos conseguido cumprir os objetivos a que nos propusemos: criar um espaço qualificado para o debate acerca das questões que afetam a Psicologia, na forma de uma publicação que tivesse alcance nacional, que contasse com a participação de conselheiros de reconhecida competência em seus campos, que acatasse normas editoriais internacionalmente adotadas, que fosse rigorosamente periódica, que apresentasse um alto padrão editorial e gráfico.

Neste primeiro ano, enfrentando as dificuldades inerentes à própria atividade editorial no Brasil - potencializadas pela ousadia de pretender realizar tal atividade no nordeste - podemos fazer um balanço bastante positivo: logramos lançar os dois números previstos, atendendo a todos os requisitos acima arrolados. Estudos de Psicologia, inclusive, participou de duas mostras, uma, latino-americana, de publicações periódicas, durante a 48a Reunião Anual da SBPC, em São Paulo; e outra, a exposição de periódicos de Psicologia durante a XXVI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, em Ribeirão Preto (SP). Em ambos os eventos, a nossa publicação foi extremamente bem acolhida, dando-nos a certeza de que estamos no caminho certo.

Agradecemos a todos aqueles que viabilizaram esse projeto - muito especialmente, aos nossos conselheiros e aos consultores ad hoc, responsáveis pelo padrão de qualidade da nossa revista, e aos nossos colaboradores.

O empreendimento apenas encetado, com sucesso, aumenta a nossa responsabilidade em dar continuidade a esse projeto. Para tanto, estamos certos de continuar contando com o apoio de todos. Ao mesmo tempo que conclamamos àqueles que tenham contribuições a dar à nossa revista, solicitamos que opiniões, sugestões e críticas nos sejam encaminhadas, no sentido de aprimorarmos nosso trabalho.

O Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2001
  • Data do Fascículo
    Jun 1997
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