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Fundamentos e estratégias pedagógicas inclusivas: respostas às diferenças na escola

LEITE, Lúcia Pereira; MARTINS, Sandra Eli Sartoreto de Oliveira. . Fundamentos e estratégias pedagógicas inclusivas: respostas às diferenças na escola. São Paulo: Cultura Acadêmica, Marília: Oficina Universitária, 2012. 143 p.

O livro Fundamentos e estratégias pedagógicas inclusivas: respostas às diferenças na escola, de autoria das professoras Lúcia Pereira Leite e Sandra Eli Sartoreto de Oliveira Martins, propõe uma nova organização da escola e apresenta práticas pedagógicas alternativas, com base em pressupostos teóricos que sustentam e legitimam o paradigma educacional inclusivo.

Inicia-se pela apresentação da história da relação da sociedade com a pessoa com deficiência, perpassando pelas diferentes concepções vinculadas aos paradigmas de atendimento ao deficiente, ou seja, de institucionalização, de serviços, até chegar ao paradigma de suporte, que tem como base a perspectiva interacionista. Tal paradigma dá origem ao conceito de inclusão social, em que se considera, além das condições orgânicas do sujeito, as normas e expectativas do meio social. Por isso mesmo entende que o meio precisa modificar-se, ajustar-se, para acolher a pessoa com deficiência, oferecendo-lhes os suportes necessários para sua efetiva participação na sociedade.

Conforme apontam as autoras, estão aí revelados os fundamentos de uma sociedade inclusiva e, também, da educação inclusiva. Nessa direção, a educação deve se pautar no princípio da equidade, de uma escola de todos e para todos, em que as necessidades especiais dos alunos são respeitadas, sendo oferecido a eles o apoio e os suportes necessários para viabilizar a ação pedagógica em ambientes comuns de ensino.

Para tanto, o sistema educacional precisa mudar, mas tais mudanças somente ocorrem por meio da força de lei, importante ferramenta para a efetivação da educação inclusiva no Brasil. Considerando esses aspectos, o livro segue tratando dos preceitos filosóficos e, principalmente, das normativas legais que regem a educação inclusiva. É feita uma retrospectiva histórica dos movimentos sociais e políticos internacionais que, desde 1990, ganharam força por meio de importantes conferências, influenciando, significativamente, na elaboração das normativas legais pelo governo brasileiro. A apresentação da revisão dos documentos nacionais sobre o tema demonstra os avanços históricos, conceituais e organizacionais dos sistemas educacionais, em direção à inclusão. Entretanto, as autoras destacam que há um descompasso importante entre os referenciais teóricos legais e a materialização efetiva da proposta inclusiva nas escolas.

Uma das dificuldades, para se implementar o modelo educacional inclusivo, refere-se ao uso do termo Necessidades Educacionais Especiais. No Brasil, o termo foi incorporado à Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, englobando todos os alunos excluídos do processo educacional e não apenas os alunos com deficiência. Tal fato gerou uma confusão conceitual, pois, alunos que tinham condições socioeconômicas precárias - situação muito comum no Brasil - passaram a ser rotulados e encaminhados para atendimento da Educação Especial, prejudicando alunos com deficiência que, por suas diferentes condições sensoriais, intelectuais, físicas ou comportamentais, precisavam de um apoio ou suporte educacional especializado. Isso se modificou. Atualmente, as políticas protetivas na esfera educacional apontam que são considerados público-alvo da Educação Especial, tendo direito a tais apoios e serviços especializados, somente alunos com deficiência, alunos com transtorno global de desenvolvimento e alunos com altas habilidades/superdotação. Entretanto, é preciso ressaltar que a ideia da educação inclusiva permanece global, ou seja, cabe aos sistemas educacionais acolher e se preparar para atender, com qualidade, toda a diversidade de alunos.

Na lógica da educação inclusiva, todos os alunos devem aprender juntos na sala de aula comum, e a Educação Especial deve ser oferecida como suplementar e/ou complementar no contraturno. Seguindo essa lógica, constata-se a necessidade de sérias mudanças conceituais que subsidiem as mediações pedagógicas ora propostas nas escolas.

Nessa direção, as autoras defendem e propõem uma análise baseada no materialismo dialético, porque esta perspectiva teórica permite a objetivação da escola inclusiva, levando à reflexão sobre a práxis pedagógica de forma a alcançar novas formas de organização curricular. O livro aponta que, ao ampliar a compreensão do processo de ensino e de aprendizagem, bem como da constituição das funções psicológicas superiores, torna-se possível a apropriação do conhecimento por todo e qualquer aluno da escola. Tendo como base a teoria de Vygotsky, é no processo interacional que se constitui e se desenvolve a subjetividade humana, com a exposição das ideias do sujeito e com a internalização dos conhecimentos produzidos pela coletividade.

Assim, entende-se que o ensino se pauta em ações que exigem formas elevadas de pensamento, por meio das inter-relações humanas engendradas pela linguagem, mesmo para os alunos com deficiência. Nesse sentido, é preciso partir do nível de desenvolvimento real do sujeito, que se refere ao que ele sabe fazer, mas também de sua capacidade de desempenhar a tarefa com a ajuda de outras pessoas, o que constitui o seu nível de desenvolvimento potencial. O espaço entre esses dois níveis, denominado zona de desenvolvimento proximal, é onde ocorre a aprendizagem e onde o professor deve atuar.

Conforme apontam as autoras, o ensino impulsiona o desenvolvimento e, por isso mesmo, a sala de aula constitui, então, um lugar propício onde o sujeito pode se manifestar, acessar e produzir conhecimento. Usando a linguagem, cabe ao professor um papel central como articulador, ofertando atividades colaborativas que favoreçam a apropriação de conhecimentos. E, para o aluno com deficiência, esse processo deve ser considerado idêntico.

Nesse contexto, considerando a importância da linguagem na perspectiva teórica apresentada, o livro segue analisando as condições específicas dos alunos surdos. Isso se justifica, pois, os surdos, ao apresentarem uma diferença na língua, precisam de ajustes nas práticas educacionais, tendo como ponto de partida não a língua oral, como ocorre com a população majoritária, mas a língua de sinais, ferramenta principal no seu processo de constituição. Com base na visão socioantropológica da surdez, constata-se então que, para se pensar a implementação da escola inclusiva, há necessidade de se explicitar a lógica da exclusão presente nas práticas homogeneizadoras de ensino que não contempla a diferença, especialmente dos surdos, comprometendo de forma negativa seu desenvolvimento acadêmico na sala de aula comum.

As autoras destacam que é direito do surdo receber instrução escolar na sua primeira língua, ou seja, na língua de sinais, tendo, como segunda língua, a Língua Portuguesa na modalidade escrita. É o que propõe a educação bilíngue e bicultural que se aproxima da perspectiva antropológica e cultural da surdez. Nela, entende-se que a língua de sinais é capaz de proporcionar ao surdo o compartilhamento de significados, devendo esse aspecto ser valorizado na construção de espaços educacionais inclusivos. Em uma escola inclusiva, a língua de sinais e a Língua Portuguesa deverão, então, ocupar espaço privilegiado no processo de apropriação de conhecimento do surdo, bem como no desenvolvimento das suas funções psicológicas superiores.

Em defesa de uma educação bilíngue, as autoras fazem uma ampla análise de estudos existentes em direção à construção desse modelo educacional para alunos surdos nas escolas regulares e, então, discutem e analisam uma proposta inovadora de ensino. Nela, nos primeiros anos do ensino fundamental, o surdo teria como língua de instrução a língua de sinais, com professores fluentes nesta língua, para poderem se apropriar dos conteúdos curriculares. A Língua Portuguesa seria ofertada no contraturno com professores especializados. Além disso, tendo o respaldo da legislação brasileira, seria inserida a língua de sinais como disciplina curricular para todos os outros alunos da escola. A partir dos anos finais do ensino fundamental, com o domínio da língua de sinais, o aluno surdo iria para sala comum com o apoio do intérprete para mediar as interações discursivas, e a Língua Portuguesa continuaria sendo trabalhada por professores especialistas, proficientes em língua de sinais, em parceria com o professor do ensino comum.

Observa-se que a consolidação de propostas pedagógicas inclusivas não é tarefa fácil, em especial para o aluno surdo. Demanda condições diferenciadas que exigem investimento e vontade política dos gestores públicos, bem como conhecimento e reflexão sobre determinados aspectos conceituais. Isso porque são os conceitos de língua e de linguagem que irão fundamentar o processo de letramento na escola, problematizando a questão da formação de leitores surdos e, também, a aprendizagem da Língua Portuguesa.

A proposta apresentada no livro, apoiada na teoria da enunciação, trata a leitura como processo dialógico e de significação, tendo na linguagem as funções organizadora e planejadora, papel estruturante e de constituição de formas de raciocínio. Assim, ao ensinar uma criança a ler, é preciso considerar a produção de significados no funcionamento ideológico da linguagem; no caso dos surdos, isso se dá por meio da língua de sinais. Tendo como base essa teoria, entende-se o nível de importância da língua de sinais como propulsora das interações, da construção dos sentidos, como mediadora da relação entre o homem e sua realidade social e natural, constituídos por situações nas quais os interlocutores se aproximam pelas significações. O livro aponta que, no caso do surdo, se a língua for concebida de forma crítica, poderá não apenas favorecer o seu letramento, mas também promover sua emancipação por meio da superação das desigualdades existentes. Para tanto, é fundamental que o currículo escolar e os Projetos Pedagógicos das escolas, quando baseados na perspectiva inclusiva, contemplem tais questões ao tratar da educação do aluno surdo.

Centro das ações da escola, o currículo, em uma escola inclusiva, preserva sua autonomia podendo o ensino, por isso mesmo, ser flexibilizado para proporcionar condições favoráveis de escolarização para toda a diversidade de alunos, inclusive dos surdos. É isso que as autoras destacam e defendem, ou seja, que, para a implementação de classes inclusivas, são necessárias sérias mudanças na organização da escola e nas práticas pedagógicas, como o uso de adequações curriculares, uso de técnicas e recursos diferenciados, mudanças na avaliação, envolvimento dos pais e da comunidade no universo escolar. A adequação curricular é um ponto nevrálgico para que a inclusão venha a se materializar, parte da avaliação do desempenho do aluno, considerando o contexto sociocultural da escola e da família, bem como a participação de outros profissionais. Destaca-se que o atendimento à diversidade exige o envolvimento de toda a coletividade, de forma a atender às necessidades educacionais especiais de todos os alunos.

Nessa direção, a obra ressalta, mais uma vez, a importância dos ajustes curriculares para a viabilização da escola inclusiva. Considerando a autonomia dos sistemas educacionais para se proporcionar e garantir a plena participação de todos os alunos, conforme aponta a perspectiva inclusiva, o referencial curricular nacional pode e deve sofrer ajustes viabilizados tanto pela flexibilização curricular, que trata de ajustes em alguns aspectos do currículo, como a adequação curricular, que trata de uma planificação individual, direcionada a alunos com evidentes defasagens de aprendizagem dos referentes curriculares mínimos.

Ao destacar a complexidade da implementação desse modelo educacional inclusivo, o livro, em seu final, revela ainda outro importante aspecto para a viabilização do modelo educacional inclusivo: a formação dos professores. É analisada a questão do desenvolvimento profissional do professor tendo como base a defesa por uma formação crítica e continuada, capaz de atender as mudanças na prática pedagógica, exigidas pela escola inclusiva. Destacam as autoras que tal formação deve partir de situações reais, de experiências do cotidiano, considerando o contexto sociocultural no qual professores e alunos estão inseridos. Tal formação irá ampliar seus conhecimentos sobre conteúdos, estratégias, bem como sobre aspectos peculiares relacionados com a Educação Especial.

Finalizando, as autoras demonstram que a materialização da educação inclusiva precisa, necessariamente, estar fundamentada teoricamente. Por isso mesmo, destacam a importância das parcerias entre a escola e a universidade, o que torna possível pensar e refletir continuamente sobre a realidade e, ao mesmo tempo, propor e construir novos caminhos para a escola em direção a uma educação de qualidade para todos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2017
  • Aceito
    15 Mar 2017
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