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Aspectos históricos da neuropsicologia: subsídios para a formação de educadores

Historical aspects of the neuropsychology: a contribution to the educators formation

Resumos

A neuropsicologia é uma ciência do século XX, mas as raízes da sua história remontam a Antigüidade. O objetivo deste estudo é discutir aspectos da história da neuropsicologia, desde a sua origem até o seu surgimento e estabelecimento enquanto ciência, com o objetivo de fornecer subsídios a educadores interessados no estudo das dificuldades e dos distúrbios de aprendizagem. Uma teoria da aprendizagem efetiva deve levar em conta os substratos anatômicos cerebrais e os mecanismos neurofisiológicos do comportamento, pois só assim o educador poderá compreender o nãoaprender do aluno e, conseqüentemente, adotar estratégias adequadas para superá-lo.

neurociência cognitiva; neuropsicologia cognitiva; história da ciência


The neuropsychology is a science of the 20th century but we need to return to the early history to find its origins. The objective of the present review is to discuss aspects of the historical process of scientific organization of the area with the purpose to provide fundamental concepts to educators interested in the study of learning disabilities. An effective learning theory must consider brain and mental processes since in this only case the educator can understand why the student doesn't learn and so adopt adequated strategies to improve his cognitive rehabilitation.

cognitive neuroscience; cognitive neuropsychology; science history


DOSSIÊ: EDUCAÇÃO-SAÚDE: DIFERENTES OLHARES

Aspectos históricos da neuropsicologia: subsídios para a formação de educadores

Historical aspects of the neuropsychology: a contribution to the educators formation

Marta Pinheiro

Doutora em ciências (USP). Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Paraná - UFPR. E-mail: ppge@ufpr.br

RESUMO

A neuropsicologia é uma ciência do século XX, mas as raízes da sua história remontam a Antigüidade. O objetivo deste estudo é discutir aspectos da história da neuropsicologia, desde a sua origem até o seu surgimento e estabelecimento enquanto ciência, com o objetivo de fornecer subsídios a educadores interessados no estudo das dificuldades e dos distúrbios de aprendizagem. Uma teoria da aprendizagem efetiva deve levar em conta os substratos anatômicos cerebrais e os mecanismos neurofisiológicos do comportamento, pois só assim o educador poderá compreender o nãoaprender do aluno e, conseqüentemente, adotar estratégias adequadas para superá-lo.

Palavras-chave: neurociência cognitiva, neuropsicologia cognitiva, história da ciência.

ABSTRACT

The neuropsychology is a science of the 20th century but we need to return to the early history to find its origins. The objective of the present review is to discuss aspects of the historical process of scientific organization of the area with the purpose to provide fundamental concepts to educators interested in the study of learning disabilities. An effective learning theory must consider brain and mental processes since in this only case the educator can understand why the student doesn't learn and so adopt adequated strategies to improve his cognitive rehabilitation.

Key-words: cognitive neuroscience, cognitive neuropsychology, science history.

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Texto recebido em 11 nov. 2004

Texto aprovado em 12 jan. 2005

1 Diferenciam-se os distúrbios de aprendizagem das dificuldades (problemas, disabilidades) de aprendizagem porque neles se admite haver sempre uma perturbação na neurologia da aprendizagem, identificada ou não pelas técnicas atuais de neuro-imagem. As expressões déficits, transtornos, lesões, entre outras, são igualmente utilizadas. Em outras palavras, pessoas com distúrbios de aprendizagem têm desordens comportamentais resultantes de disfunções neuronais. A inteligência do indivíduo pode ser normal, acima ou abaixo da média.

2 Evolução a partir de uma base biológica, o sistema nervoso. Concepção materialista.

3 Indícios moleculares consensuais sugerem que a família humana originou-se há cerca de 7 milhões de anos, quando espécies semelhantes aos macacos com um modo de locomoção bípede, ou ereta, evoluíram. Entre 3 e 2 milhões de anos atrás, houve uma espécie que desenvolveu um cérebro significantemente maior, dando origem ao gênero Homo. (LEAKEY, 1995, p. 14).

4 Os sinais deixados pelos instrumentos confirmam o caráter operatório de grande número de trepanações, feitas em vida ou após a morte, assim como os sinais de regeneração nas brechas ósseas indicam a sobrevivência de vários operados. (MARGOTTA, 1998, p. 9).

5 Aristóteles distinguia 3 tipos de alma: a vegetativa, comum a todos os seres animados, princípio da nutrição e da reprodução; a sensitiva, só existente nos animais, incluindo o homem, que lhes confere a sensibilidade que sentem e a racional ou intelectual, inicialmente considerada exclusiva dos homens (mais tarde esta idéia foi modificada). Ainda, para Aristóteles a alma não existia separada da matéria (corpo), à qual dá existência particular; por isso ela não podia ser imortal. (ABRÃO; COSCODAI, 2002, p. 61).

6 O princípio fundamental da vida, segundo Galeno, era o pneuma, que se manifestava de 3 formas e com 3 tipos de função: espírito animal (pneuma psychicon), localizado no cérebro, centro das percepções nervosas e do movimento; espírito vital (pneuma zoticon), centrado no coração e que regula o fluxo de sangue e a temperatura do corpo; espírito natural (pneuma physicon), residente no fígado, centro da nutrição e do metabolismo. (MARGOTTA, 1998, p. 41).

7 Note-se que a idéia do corpo como máquina, do mundo material como máquina, é dos pensadores renascentistas - para eles, a ordenação do mundo natural era a manifestação da inteligência de algo para além da natureza (o criador divino e senhor da natureza), e não, como admitiam os gregos, a inteligência da própria natureza.

8 DESCARTES, René. Discurso do método. Lisboa: Edições 70, 1986.

9 A expressão Psicologia sem cérebro nos remete a correntes psicológicas que não têm qualquer preocupação com os substratos anatômicos cerebrais e com os mecanismos neurofisiológicos do comportamento e dos processos cognitivos. Entre estas correntes, podemos citar o Behaviorismo e a Epistemologia Genética.

10 O termo frenologia (do grego phrén, phrenós = alma, inteligência, espírito), foi cunhado por Johann C. Spurzheim (1776-1832); enquanto colaborador de Gall, ele o ajudou a disseminar suas idéias nos Estados Unidos e na Europa.

11 Note-se que a crença de que o formato da cabeça é determinante na forma de pensar é muito anterior à Idade Média, quando se tinha por hábito moldar o crescimento da cabeça das crianças que estavam destinadas a ocupar posições importantes e diferenciadas na sociedade, como sacerdotes e chefes.

12 No papiro cirúrgico Edwin Smith encontra-se, por exemplo, o registro de um homem que devido a uma lesão cerebral perdeu a capacidade de falar, sem paralisia de sua língua. Já entre os escritos hipocráticos, há referência a uma paciente que perdeu a capacidade de falar porque o lado direito de seu cérebro estava paralisado devido a convulsões.

13 O termo "afasia" foi cunhado, segundo alguns autores, por Armand Trousseau (1801-1867) e, segundo outros, por Sigmund Freud (1856-1939). Atualmente, entende-se por afasia o distúrbio de linguagem devido a lesões nas regiões envolvidas com o processamento lingüístico. Exclui-se, portanto, as alterações de linguagem decorrentes de lesões nos sistemas motor, atencional, etc. (LENT, 2001, p. 635).

14 Em 1875, Golgi desenvolveu um método de coloração por prata que, ao microscópio, revelava toda a estrutura do neurônio, incluindo o corpo celular (soma) e seus prolongamentos - os dendritos e os axônios.

15 Ramón y Cajal usou o método de coloração por prata de Golgi para marcar células individuais, mostrando que o tecido neural não era uma massa contínua e sim uma rede de células distintas. Ele também propôs a "doutrina do neurônio" - princípio que admite que os neurônios individuais são os sinalizadores primários do sistema nervoso, e "o princípio da polarização dinâmica", segundo o qual a informação desloca-se em apenas uma direção dentro do neurônio (usualmente dos dendritos para o axônio, chegando às terminações nervosas).

16 HEBB, D. O. The organization of behavior: a neuropsychological theory. New York: John Wiley, 1949.

17 As idéias de Luria sobre o "cérebro em funcionamento" são seguramente um desenvolvimento do conceito original dos sistemas funcionais de Anokhin, ou da Teoria dos Sistemas Funcionais do Organismo, criada por este autor. (BURZA, 1986, p. 27).

18 As "comissuras cerebrais" são três: o corpo caloso (a maior delas), a comissura anterior e a comissura do hipocampo. Enquanto feixes de fibras nervosas, as comissuras conectam ambos os hemisférios, transmitindo informações entre os hemisférios cerebrais. As comissuras são responsáveis por unificar os campos sensoriais (principalmente os hemicampos visuais) e sincronizar o processamento funcional de ambos os hemisférios (LENT, 2001, p. 645).

19 CAPLAN, D. ; CARR, T.; GOULD, J. et al. Language and comunication. In: ZIGMOND, M. J. et al. (Orgs). Fundamental neuroscience. New York: Academic Press, 1999. p. 1487-1519.

20 Ao idealismo se vinculam filósofos muito diferentes, tais como Platão (427-347 a.C), Immanuel Kant (1724-1808) e George W.F. Hegel (1770-1831).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 2005

Histórico

  • Aceito
    12 Jan 2005
  • Recebido
    11 Nov 2004
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