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EDUCAÇÃO ESCOLAR EM TEMPOS DE DEVANEIO SOCIAL

SCHOOL EDUCATION IN TIMES OF SOCIAL DAYDREAM

EDUCACIÓN ESCOLAR EN TIEMPOS DE ENSUEÑO SOCIAL

RESUMO

Este artigo, de cunho teórico-bibliográfico, realiza uma análise crítica sobre a ênfase do conhecimento cotidiano no campo da educação escolar em detrimento do conhecimento historicamente sistematizado. Com base nos pressupostos da teoria pedagógica histórico-crítica, constata-se um movimento hegemônico que promulga aspectos pedagógicos que oportunizam a valorização do conhecimento cotidiano como importante condição para universalizar os interesses da classe dirigente, o que, por conseguinte, compactua com a formação de um indivíduo (aluno) em um status empírico. Em contraponto, apresentam-se apontamentos no sentido de a educação escolar contribuir para a formação dos membros da classe subalterna. Em outras palavras, em proveito de um indivíduo (aluno) em um status concreto.

Palavras-chave
Educação escolar; Conhecimento cotidiano; Conhecimento históricamente sistematizado

ABSTRACT

This theoretical-bibliographic paper performs a critical analysis on the everyday knowledge emphasis in the school education field to the detriment of historically systematized knowledge. Based on the assumptions of historical-critical pedagogical theory, a hegemonic movement is perceived, which promulgates pedagogical aspects that provide opportunities for valuing everyday knowledge as an important condition for universalizing the interests of the ruling class, which, therefore, agrees with the formation of an individual (student) in an empirical status. In counterpoint, notes are presented in the sense that school education contributes to educate members of the subordinate class. In other words, for the benefit of an individual (student) in a concrete status.

Keywords
School education; Everyday knowledge; Historically systematized knowledge

RESUMEN

Este artículo teórico-bibliográfico realiza un análisis crítico del énfasis en los saberes cotidianos, en el campo de la educación escolar, en detrimento de los saberes históricamente sistematizados. Con base en los presupuestos de la teoría pedagógica histórico-crítica, existe un movimiento hegemónico que promulga aspectos pedagógicos que posibilitan la valorización de los saberes cotidianos como condición perfecta para universalizar los intereses de la clase dominante, que, por tanto, compite con la formación de un individuo (alumno) en un estado empírico. En cambio, las notas se presentan en el sentido de que la educación escolar contribuye a la formación de los miembros de la clase subordinada, es decir, en beneficio de un individuo (alumno) en un estado concreto.

Palabras clave
Educación escolar; Conocimiento cotidiano; Conocimiento históricamente sistematizado

Considerações Iniciais

O mandato de Jair Messias Bolsonaro como presidente da República (2019–2022) se caracterizou como um momento social nebuloso, em que o acirramento entre as classes sociais se deu de maneira extremamente acentuada. Esse fato é visto com preocupação, especialmente porque há indivíduos da classe subalterna que não compreendem, de forma fidedigna, esse momento na sua complexidade e acabam, por sua vez, coadunando com interesses que são antagônicos à sua própria existência em plenitude, caracterizando, acredita-se, tempos de devaneio social.

Tal questão estabelece o enfoque do presente texto. Isto é, busca-se apresentar uma reflexão cujo delineamento se dá na relação entre a formação da consciência social-proletária (SAVIANI, 2019SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas: Autores Associados, 2019.) do indivíduo pertencente à classe subalterna e a educação escolar (em proveito ou não dessa consciência), em tempos de avanço do neoconservadorismo no mundo e no Brasil.

Toma-se como fio condutor, oriundo de uma pesquisa teórico-bibliográfica, o pressuposto de que as ações do Estado brasileiro no governo Bolsonaro procuraram formar, mesmo que implicitamente, a consciência irrefletida (SAVIANI, 2012SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. 11. ed. Campinas: Autores Associados, 2012.) dos indivíduos (compreensão fragmentada desconexa da realidade concreta), sobretudo da classe subalterna, em proveito da naturalização e do ofuscamento da luta de classes. Por extensão, tais ações acabam estabelecendo maneiras de adaptação e acomodação desses mesmos indivíduos para estarem aptos a atender às exigências sociais neoconservadoras.

Por meio de uma governança de Estado, o governo Bolsonaro consolidou interesses sociais que atenderam, predominantemente, à classe dirigente, o que efetivou uma reconfiguração da ossatura estatal (CASIMIRO, 2019CASIMIRO, F. H. C. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2019.; 2020CASIMIRO, F. H. C. A tragédia e a farsa: a ascensão das direitas no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2020.), que, por consequência, impactou a expansão neoconservadora na educação brasileira (LIMA; HYPOLITO, 2019LIMA, I. G.; HYPOLITO, A. M. A expansão do neoconservadorismo na educação brasileira. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 45, p. 1-15, 2019. https://doi.org/10.1590/S1678-463420194519091
https://doi.org/10.1590/S1678-4634201945...
; LEHER; SANTOS, 2023LEHER, R.; SANTOS, M. R. S. Governo Bolsonaro e autocracia burguesa: expressões neofacistas no capitalismo dependente. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 9-42.), em proveito de um consenso social para a consolidação da agenda neoliberal em um status neoconservador.

Destarte, no âmbito da educação escolar, para atingir tal objetivo, evidencia-se, entre outros elementos e ações, o conhecimento cotidiano. Entende-se que apenas a ênfase no conhecimento cotidiano não permite que o indivíduo compreenda a situação social atual da maneira mais fidedigna possível, corroborando, assim, com uma análise da realidade concreta fragmentada e caótica.

No presente artigo, procura-se evidenciar as seguintes questões: determinados apontamentos, em linhas gerais, sobre a complexidade do governo Bolsonaro; elementos a respeito do destaque conferido ao conhecimento cotidiano em detrimento do conhecimento historicamente sistematizado no contexto escolar, revelando um dilema no que tange à finalidade da educação; e notas acerca de uma possível contribuição, com base na pedagogia histórico-crítica, para a superação desse dilema no campo da educação escolar.

Apontamentos Sobre o Contexto Social Brasileiro no Governo Bolsonaro

Para apresentar o momento delicado e preocupante vivenciado no contexto brasileiro no governo Bolsonaro, optou-se por iniciar essa reflexão por meio de uma figura da mitologia grega cuja especificidade se dá em sucessivas tragédias em consequência da atitude de um indivíduo a fim de impor seus interesses. Trata-se da figura da mitologia grega Antígona, representada por Sófocles (2017)SÓFOCLES. Antígona. In: SÓFOCLES. A trilogia tebana. Rio de Janeiro: Zahar, 2017., cuja primeira representação ocorreu aproximadamente em 440 a.C.

Em linhas gerais, no centro da peça está o embate entre Creonte (rei) e Antígona (sobrinha de Creonte). Após a morte de Édipo (pai de Antígona, Ismene, Polinice e Eteócles), Creonte assume o poder de Tebas. A tragédia, por consequência, efetiva-se quando os irmãos Polinice e Eteócles começam uma batalha, pois o primeiro procurou invadir a cidade de Tebas e o segundo buscou protegê-la. Polinice e Eteócles morrem no bojo desse combate. Creonte, então, decreta que Eteócles tenha um funeral com atributos de herói. Para Polinice, decreta que seja deixado como indigente, isto é, sem um fidedigno funeral. Ainda, quem seja contrário a tal decreto de Creonte deve ser morto.

Todavia, Antígona não aceita a designação de Creonte e opta por contrariá-lo: inicia o processo de honra fúnebre para seu irmão Polinice, ação que é descoberta, e Antígona é conduzida até Creonte. Nesse momento, começa o debate entre direito positivo versus direito natural. O direito positivo foi caracterizado nos decretos regimentados por Creonte, e o direito natural adveio das indagações de Antígona com base nos costumes consolidados naquele período histórico. Assim, Creonte ordena que Antígona seja morta com o agravante de ser enterrada ainda com vida. É somente com a intervenção do profeta Tirésias que Creonte revê sua posição. Por consequência, ordena que seja feito um funeral para Polinice e revoga o decreto direcionado para Antígona.

Nesse momento, entretanto, Antígona já havia se suicidado. Logo, como ações desencadeadoras desse fato, Hémon tenta assassinar seu pai, Creonte. Ao não ter êxito, acaba suicidando-se. Por fim, sua mãe e esposa de Creonte também se suicida ao saber que seu filho havia falecido.

Trazer à baila a mitologia grega se justifica, predominantemente, como uma analogia com o intuito de iniciar a explicitação de determinados elementos sobre a situação social brasileira no governo Bolsonaro. Analogia aqui compreendida como apreender no “sentido de extensão provável do conhecimento mediante o uso de semelhanças genéricas que se podem aduzir entre situações diversas” (ABBAGNANO, 2007ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 58, grifo do original). Logo, não se trata de estabelecer uma comparação, pois, como se sabe, as condições histórico-sociais são distintas.

Dito isso, destaca-se que o que esteve em voga no governo Bolsonaro não foi outra coisa senão a tentativa de legitimidade, considerando as devidas especificidades (distinções) de cada momento histórico-social, como mencionado anteriormente, de determinado interesse que atendia/atende a uma pequena parcela da sociedade (pequeno grupo social em que Bolsonaro esteve inserido e/ou que representou).

No caso da peça, por meio de Creonte (fidedigno autocrata), estabelece-se uma nova forma de interpretar a Constituição de um povo (normativas que regem um povo) e agir perante ela, gerando novas implicações sociais para esse mesmo povo. No Brasil, no bojo do governo Bolsonaro, estabeleceram-se sucessivas releituras de determinadas normativas constitucionais vigentes, bem como a sua efetivação para benefício próprio e de seus aliados de maneira, em certos momentos, autocrática1 1 Um movimento autocrata de Bolsonaro seria a possibilidade, por exemplo, de efetivação da pauta antijudiciário (BRAGA, 2022), a ser promovida pelo ex-presidente e seus aliados caso ele fosse vitorioso na eleição presidencial de 2022. Da mesma maneira, pode-se destacar a interferência na Polícia Federal (SERAPIÃO, 2022), gerando sucessivas crises na instituição. . Cabe ressaltar que Bolsonaro adveio de um movimento populista de direita reacionário (LYNCH; CASSIMIRO, 2022LYNCH, C.; CASSIMIRO, P. H. O populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo. São Paulo: Contracorrente, 2022.).

Para atender às demandas de uma pequena parcela da população, universalizam-se ações para a classe subalterna, mesmo que tais ações sejam prejudiciais para esta. Esse período histórico, na correlação de forças no Brasil, configura-se no acirramento do afastamento da classe subalterna das máximas e complexas objetivações humanas. Ocorre, nesse sentido, um impacto negativo nas condições de vida dos trabalhadores, nos âmbitos da saúde, do lazer, da educação, do trabalho, enfim, das condições necessárias para a promoção humana na sua plenitude2 2 Como foi o caso da pandemia da Covid-19. .

Trazendo à guisa de ilustração alguns fatores da realidade concreta brasileira, é possível verificar no posicionamento supradito que se trata a priori de uma condição ontológica. Vivenciou-se em 2018 e em 2022, no Brasil, uma eleição presidencial em que o que estava em pauta era a opção por uma agenda neoconservadora ou por uma agenda conforme a lógica do Estado democrático de direito. Ambos os projetos de sociedade, em última instância, estavam em consonância com os princípios do capitalismo no seu atual estágio, porém um deles com uma intensidade neoconservadora neoliberal.

Como se sabe, no neoliberalismo, procura-se enraizar na sociedade elementos do capitalismo por meio de um conjunto de regras, aspectos jurídicos, restrições ao direito do trabalhador que substanciam o ideário neoliberal, o qual, em tempos atuais, está cristalizado no Estado por meio de governos conservadores. Observa-se, especificamente no hodierno momento, uma morfologia do trabalho que estabelece uma relação promíscua entre o neoliberalismo com a financeirização da economia e uma reestruturação crônica do capital, com os objetivos de concretizar e aprofundar as tecnologias digitais no âmbito da produção (ANTUNES, 2019ANTUNES, R. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV: trabalho digital, autogestão e expropriação da vida. São Paulo: Boitempo, 2019.).

No cenário brasileiro, trazendo novamente à tona a questão da eleição para presidente em 2018 e considerando o intenso movimento de exploração do trabalhador no bojo do atual processo de trabalho, seria comum que a esquerda brasileira tivesse tido força para apresentar seu projeto social e, por consequência, que os membros da classe subalterna – dadas as suas condições de exploração no âmbito da produção – tivessem internalizado tal projeto societário. Todavia, o que aconteceu foi o inverso; as reações negativas perante a situação sociometabólica do neoliberalismo não se manifestaram por meio de ideias da esquerda, mas pela extrema-direita, onde pode destacar, neste momento, a proliferação de fake news.

À vista disso, destaca-se, com base em Empoli (2020)EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020., a problemática da relação entre fake news, teorias da conspiração e algoritmos para a reprodução de discursos de ódio e medo no sentido de influenciar eleições. “No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo” (EMPOLI, 2020EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020., p. 18).

Ainda, complementa o autor, “por trás das aparências extremadas do Carnaval populista, esconde-se o trabalho feroz de dezenas de spin doctors, ideólogos e, cada vez mais, cientistas especializados em Big Data, sem os quais os líderes do novo populismo jamais teriam chegado ao poder” (EMPOLI, 2020EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020., p. 18).

Empoli (2020)EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020. salienta que a tríade fake news-teorias da conspiração-algoritmos, bem como a sua finalidade (disseminação de ódio e medo), oriunda de uma espécie de “Vale do Silício do populismo”, localizado sobretudo na Itália, contribuiu, direta ou indiretamente, para acentuar candidaturas de indivíduos em distintos países (como, por exemplo, nos Estados Unidos, com Donald Trump, no Reino Unido, com Boris Johnson, e no Brasil, com Jair Bolsonaro), particularmente com características da extrema-direita.

Trata-se de um “vale” direcionado para atingir objetivos abjetos, mas que se concretizam graças ao avanço científico e tecnológico (utilizado para esse fim). Seguindo a reflexão de Empoli (2020, p. 39)EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020.:

A Itália continua no papel de laboratório mais avançado da inovação política, um Vale do Silício do populismo para onde os engenheiros do caos – e não apenas [Steve] Bannon – afluem em peregrinações destinadas a detectar as últimas invenções dos netos de Maquiavel.

Uma característica, em linhas gerais, desse “Vale do Silício do populismo”:

[...] é que lá [na Itália], pela primeira vez, o poder foi conquistado por uma forma nova de tecnopopulismo pós-ideológico, fundado não em ideias, mas em algoritmos disponibilizados pelos engenheiros do caos. Não se trata, como em outros países, de homens políticos que empregam técnicos, mas de técnicos que tomam diretamente as rédeas do movimento, fundam partidos e escolhem os candidatos mais aptos a encarnar a sua visão, até assumir o controle do governo de toda a nação

(EMPOLI, 2020EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020., p. 40-41).

Eis aí, portanto, um relevante instrumento utilizado, de maneira especial, pela “nova direita” (extrema-direita) para propagar a sua ideologia, que, como se sabe, é assumida, nos dias atuais, por grande parte dos indivíduos que compõem a classe subalterna. Tal aparato tecnocientífico, no âmbito de algoritmos (FAUSTINO; LIPPOLD, 2023FAUSTINO, D.; LIPPOLD, W. Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana. São Paulo: Boitempo, 2023.), torna-se relevante e fundamental.

No caso do Brasil, os manifestos rasteiros que consubstanciaram os discursos de Bolsonaro ganharam grandes proporções no meio das massas por apresentar objetivos proclamados3 3 Saviani (2019, p. 201) aponta: “A função de mascarar os objetivos reais por meio dos objetivos proclamados é exatamente a marca distintiva da ideologia liberal, dada a sua condição de ideologia típica do modo de produção capitalista que introduziu, pela via do ‘fetichismo da mercadoria’, a opacidade nas relações sociais”. (que as massas, em tese, querem atingir). À guisa de exemplo, quando mencionam a necessidade de diminuição do Estado4 4 De modo ilustrativo, vale destacar a produção de Mazzucato (2021), embora seja um trabalho conforme uma lógica conservadora sobre o papel do Estado como empreendedor. A autora procura salientar a importância do investimento governamental como condição cabal para inovações de impacto em distintos setores da sociedade. Refere-se ao investimento de longo prazo, uma vez que o setor privado efetiva, predominantemente, investimentos de médio e curto prazo. O setor privado não está disposto a assumir elevados riscos em projetos desenvolvidos a longo prazo. Com isso, o Estado assume tal condição, coadunando, intencionalmente ou não, possibilidades futuras para o setor privado efetivar investimentos de médio e curto prazo de maneira mais segura. como uma maneira de reduzir os impostos do Estado e de desburocratizar as ações cotidianas, referem-se a um objetivo que é meramente proclamado por meio de palavras “ocas”. Isso porque tais objetivos se afastaram, inexoravelmente, dos objetivos reais (aqueles que o governo Bolsonaro procurou de fato atingir), que partem da agenda neoliberal em um status neoconservador. Tem-se uma maneira de dominação social que impacta diretamente a subjetividade do indivíduo no sentido de adaptá-lo perante as condições sociais conservadoras vigentes.

O Estado age mediante regimentos e tutelas empresariais. No caso brasileiro, não houve um enfraquecimento do Estado (como proclamado, em 2018, pelo presidente Jair Bolsonaro), mas uma distinta maneira de estabelecer o papel do Estado, na possibilidade de atender às estratégias de mercado aos seus próprios interesses e de legitimá-las. O Estado não é outra coisa senão uma unidade produtiva influenciada pelos aparelhos privados de ação estrutural (CASIMIRO, 2019CASIMIRO, F. H. C. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2019.).

O Estado brasileiro, por meio de uma política neoconservadora, ajustou as especificidades sociais do Brasil em proveito de determinada governança de Estado. As organizações (aparelhos privados de hegemonia) “de caráter patronal inscrevem seus projetos de hegemonia na ossatura material do Estado, universalizando-se, isto é, transformando-os em projetos ‘nacionais’ de ‘interesse da nação’, para o ‘bem-comum’ etc.” (CASIMIRO, 2019CASIMIRO, F. H. C. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2019., p. 458). Estabeleceu-se uma nova direita brasileira cuja essência está na polivalência de orientações ontológicas que resultam em “contradições e conflitos interburgueses, assegurando, todavia, o essencial para a garantia dos seus interesses de ampliação das taxas de lucro e acumulação de capital” (CASIMIRO, 2019CASIMIRO, F. H. C. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2019., p. 466).

Antunes (2020, p. 298, grifos do original)ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020., procedendo a uma análise sobre o governo Bolsonaro, salienta:

O primeiro período desse governo-de-tipo-lúmpen, com seu ministério das cavernas, ao completar um ano, foi desastroso, em todos os sentidos para a classe trabalhadora e a totalidade dos movimentos populares. Na contrapartida, todas as exigências burguesas estão sendo generosamente contempladas, como é típico de um governo gendarme e autocrático.

Isso pode ser observado no traumático percurso de Bolsonaro como presidente do Brasil. Como se sabe, ocorreram inúmeras ações5 5 Reforça-se que o governo Bolsonaro efetivou e, por consequência, consolidou diversas ações, em distintas dimensões e setores sociais, que prejudicaram, de maneira especial, aqueles que pertencem à classe trabalhadora. Apesar de necessário e importante, não se tem como objetivo neste estudo explicitar esse complexo e extenso movimento do governo, entretanto sugerem-se, entre outras, as seguintes produções: Gallego (2019), Lacerda (2019), Souza (2019; 2022), Antunes (2020; 2022), Betto (2020), Oyama (2020), Rocha (2021), Dieguez (2022), Nobre (2022), Nunes (2022), Piva (2022), Rodrigues e Costa (2022), Starling, Lago e Bignotto (2022), Leher (2023) e Magalhães e Osório (2023). que contribuíram para os interesses do presidente, de sua família e de seus aliados em detrimento dos interesses da classe subalterna.

Cabe destacar, nesse sentido, como um importante fato histórico a política de Bolsonaro diante da pandemia da Covid-19. Afinal, chancelada, acredita-se, por esse governo, a principal vítima da pandemia foram os membros da classe subalterna. “Nem bem a pandemia começou, a classe trabalhadora, especialmente em suas parcelas mais penalizadas, logo se tornou a ‘candidata número 1’ à contaminação e à morte” (ANTUNES, 2022ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 10). Por conseguinte, “a letalidade que sofreu, nos períodos mais duros da pandemia, revelou a preconceituosa preferência de classe, gênero, raça e etnia presente na expansão do vírus” (ANTUNES, 2022ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 10, grifo do original). Consolidou, seguindo a reflexão de Antunes (2022)ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022., a condição do governo Bolsonaro de efetivar as bases material e imaterial para a “antecipação precoce da morte”, especialmente dos trabalhadores.

Ao eleger Bolsonaro como presidente da República, o qual efetivou como interesse da nação determinados interesses particulares que, por sua vez, estiveram alicerçados nos preceitos do neoliberalismo (neoconservador e hiperautoritário), direcionou-se o país a um delicado condicionamento social para a classe subalterna.

Vidas foram […] destroçadas, direitos são extirpados, misérias são intensificadas e desigualdades exacerbadas. As liberdades, aqueles que estávamos letargicamente conquistando desde o fim da ditadura militar de 1964, entraram em rota de enorme retrocesso

(ANTUNES, 2022ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 11).

As ações lançadas por Bolsonaro foram promulgadas, predominantemente, em forma de leis, decretos, medidas provisórias, emendas constitucionais etc. e também por meio de discursos perenes assimilados e reproduzidos por uma substancial parcela da classe trabalhadora (considerando, por exemplo, o número de votos que o ex-presidente recebeu na eleição presidencial em 2022 e, sobretudo, os desdobramentos pela sua não aceitação imediata do resultado final do legítimo e democrático processo eleitoral) como condição cabal para a sua existência enquanto ser humano.

Tais ações, acredita-se, estão a serviço de uma pequena parcela da população, procuram “universalizar a sua concepção de mundo no intuito de legitimar sua posição dominante” (CASIMIRO, 2019CASIMIRO, F. H. C. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2019., p. 469). Nota-se mais uma vez que, mesmo em um momento ímpar, como foi o caso da pandemia da Covid-19, não se deixou de lado o movimento de legitimar a ideia da classe dominante (como, por exemplo, a crítica ao isolamento social, a ênfase na desvalorização da ciência e crítica às medidas sociais em prol dos trabalhadores).

Posto isto, um dos mecanismos para naturalizar o processo de degradação humana é a condição de compreensão da realidade, especialmente dos trabalhadores, de maneira irrefletida (não sistematizada, acrítica, a-histórica) (SAVIANI, 2012SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. 11. ed. Campinas: Autores Associados, 2012.), não assegurando a possibilidade de inferir nem de compreender as especificidades do contexto histórico-social mediante uma vigilância crítica.

Destarte, cabe refletir sobre as possíveis contribuições da educação escolar em proveito desse processo de naturalização social. Baseia-se no pressuposto, como será visto a seguir, de que evidenciar apenas o conhecimento cotidiano, em detrimento do conhecimento historicamente sistematizado, como condição cabal para o processo formativo do indivíduo inserido na educação escolar, contribui para a naturalização das ações em proveito do racismo (FERNANDES, 2017FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. 2. ed. São Paulo: Global, 2017.; 2021FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 6. ed. São Paulo: Contracorrente, 2021.; MOURA, 2019MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019.; FANON, 2022FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.), do racismo-sexismo (DAVIS, 2021DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2021.), do sexismo (FEDERECI, 2019FEDERECI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante, 2019.; BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. C. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.; BIROLI, 2021BIROLI, F. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2021.), da aporofobia (CORTINA, 2022CORTINA, A. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Contracorrente, 2022.) etc., evidentes hoje em dia na sociedade brasileira6 6 Entende-se que esse preocupante movimento social é um relevante fator para contribuir com o colapso da democracia brasileira. À vista disso, indica-se a reflexão de Levitsky e Ziblatt (2021). . Pois, ao enfatizar-se apenas a experiência pela experiência, o conhecimento cotidiano, compactua-se, predominantemente, com a reprodução da situação social atual, ou seja, com a reprodução das ideias dominantes.

O Conhecimento Cotidiano nas Atuais Relações Sociais:Implicações na Educação Escolar

Baseia-se no pressuposto de que não há a possibilidade de compreender a sociedade sem considerar o cotidiano, uma vez que não há condições de refletir sobre o processo formativo do indivíduo sem fazê-lo. Conforme Paulo Netto (2017, p. 67)PAULO NETTO, J. Para a crítica da vida cotidiana. In: PAULO NETTO, J.; CARVALHO, M. C. B. (org.). Cotidiano: conhecimento e crítica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2017. p. 65-93., influenciado por Lukács, “o cotidiano não se descola do histórico – antes, é um dos seus níveis constitutivos: o nível em que a reprodução social se realiza na reprodução dos indivíduos enquanto tais”.

Por consequência, o autor expõe que as determinações basilares da cotidianidade são:

  • Heterogeneidade: “interseção das atividades que compõem o conjunto das objetivações do ser social, o caráter heteróclito da vida cotidiana constitui um universo em que, simultaneamente, se movimentam fenômenos e processos de natureza compósita” (PAULO NETTO, 2017PAULO NETTO, J. Para a crítica da vida cotidiana. In: PAULO NETTO, J.; CARVALHO, M. C. B. (org.). Cotidiano: conhecimento e crítica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2017. p. 65-93., p. 67);

  • Imediaticidade: “a conduta específica da cotidianidade é a conduta imediata, sem a qual os automatismos e o espontaneísmo necessários à reprodução do indivíduo enquanto tal seriam inviáveis” (PAULO NETTO, 2017PAULO NETTO, J. Para a crítica da vida cotidiana. In: PAULO NETTO, J.; CARVALHO, M. C. B. (org.). Cotidiano: conhecimento e crítica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2017. p. 65-93., p. 68, grifo do original);

  • Superficialidade extensiva: no âmbito da cotidianidade, “a sua heterogeneidade e imediaticidade implicam que o indivíduo responda levando em conta o somatório dos fenômenos que comparecem em cada situação precisa, sem considerar as relações que os vinculam” (PAULO NETTO, 2017PAULO NETTO, J. Para a crítica da vida cotidiana. In: PAULO NETTO, J.; CARVALHO, M. C. B. (org.). Cotidiano: conhecimento e crítica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2017. p. 65-93., p. 68, grifos do original).

No que tange à ênfase no conhecimento cotidiano, o imediato é fundamental para compreender a realidade. Trata-se de compreender os objetos, os fenômenos de maneira caótica, referindo-se ao “vivido e percepcionado como um conglomerado de coisas dadas e fatos sociais. Esta facticidade pela qual se revela na cotidianidade é o traço pertinente do capitalismo tardio” (PAULO NETTO, 2017PAULO NETTO, J. Para a crítica da vida cotidiana. In: PAULO NETTO, J.; CARVALHO, M. C. B. (org.). Cotidiano: conhecimento e crítica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2017. p. 65-93., p. 88, grifos do original).

Ao conceber o conhecimento cotidiano como elemento cabal no âmbito da educação escolar, procura-se, de maneira implícita ou explícita, corroborar com a manutenção do status quo, pois, como se sabe, o processo educativo escolar é sempre um ato político. A educação escolar consiste em uma prática social determinada pela sociedade e determinante desta.

Na sociedade capitalista, em que uma das especificidades se aloja no fracionamento dos indivíduos em classes sociais, a educação escolar pode assumir somente um dos projetos de sociedade: atender aos interesses da classe dirigente ou atender aos interesses da classe subalterna. Logo, não existe uma terceira via, não existe a neutralidade social.

Sob o escopo de atender às demandas da classe dominante, a educação escolar procura educar para o consenso. Tal educação especifica-se em desenvolver nos indivíduos, em destaque os pertencentes aos trabalhadores, os aspectos oriundos do senso comum em proveito da formação acrítica e a-histórica. “Nessas situações nós não temos consciência clara, explícita do porquê fazemos assim e não de outro modo. Tudo ocorre normalmente, naturalmente, espontaneamente, sem problemas” (SAVIANI, 2021dSAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d., p. 25).

Compreende-se a consciência, elucidada por Martins (2013)MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013., como expressão ideal (no que se refere às ideias) do psiquismo humano. Vale a ressalva, porque, “com advento da consciência, a realidade – e tudo o que a constitui – adquire outra forma de existência representada pela imagem psíquica, pela ideia que dela se constrói” (MARTINS, 2013MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 28, grifo do original). Nesse sentido,

[...] a imagem psíquica desenvolve-se com a complexificação estrutural dos organismos por meio da atividade que a condiciona, e nisso reside a materialidade da própria consciência. Os fenômenos objetivos preexistem a ela, a quem compete a captação e reconstituição no plano subjetivo

(MARTINS, 2013MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 29).

Não se refere a uma repetição mecânica nem linear da realidade concreta, mas a uma relação entre sujeito e objeto de modo ativo. A consciência não é, meramente, a vivência interna do indivíduo, “mas apreendida como ato psíquico experienciado pelo indivíduo e, ao mesmo tempo, expressão de suas relações com os outros homens e com o mundo” (MARTINS, 2013MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 29).

As relações sociais, portanto, são essenciais para o processo formativo do indivíduo, incluindo de sua própria consciência. O acesso apenas ao conhecimento cotidiano, em detrimento do acesso ao conhecimento historicamente sistematizado, impacta fundamentalmente a qualidade da imagem psíquica da realidade concreta. Isso porque uma forma de refletir baseada na ação espontânea, por meio de uma hipertrofia do conhecimento cotidiano, do senso comum, implica uma consciência (uma imagem psíquica) da realidade concreta de maneira não sistematizada.

Na acepção gramsciana, o senso comum “é o ‘folclore’ da filosofia e, como folclore, se apresenta de inúmeras formas: seu caráter fundamental é ser uma concepção de mundo desintegrada, incoerente, inconsequente, adequada ao caráter das multidões de que ele é a filosofia” (GRAMSCI, 1975GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere: os intelectuais; o princípio educativo; jornalismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 2. apud LIGUORI, 2017LIGUORI, G. Senso comum. In: LIGUORI, G.; VOZA, P. (org.). Dicionário gramsciano (1926-1937). São Paulo: Boitempo, 2017. p. 722-724., p. 724).

No que diz respeito à educação escolar, cuja atribuição é direcionada para atender aos interesses da classe dominante, objetiva-se, predominantemente, no processo de ensino e aprendizagem, o espontaneísmo do aluno. O senso comum, ou melhor, a naturalização e o apaziguamento dos fatos sociais vigentes são fios condutores da prática pedagógica.

Nesse âmbito, Duarte (2011)DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2011. salienta que se trata de um aporte didático-metodológico caracterizado pelo aprender a aprender. Encontram-se engendrados, na prática pedagógica, determinados posicionamentos valorativos que consubstanciam a problematização conservadora para educar para o consenso.

Logo, seguindo a reflexão de Duarte (2011)DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2011., o primeiro posicionamento valorativo em destaque é aquele em que devem prevalecer as aprendizagens que os alunos efetivam por si mesmos, excluindo-se a transmissão do conhecimento objetivo (conhecimento historicamente sistematizado). Por consequência, enquanto segundo posicionamento valorativo, é desejável que o próprio aluno desenvolva seus métodos de construção do conhecimento. O terceiro posicionamento direciona-se para a questão na qual a atividade do aluno, como uma atividade considerada educativa, deve ter como principal baliza os interesses e as manifestações do próprio aluno, isto é, a necessidade dele. Por fim, permeia-se o advento cuja função da educação escolar é a preparação dos alunos para, constantemente, se adaptarem às mudanças sociais, que, por sua vez, se encontram em um processo de severas e diversas mutações a favor da manutenção dos preceitos capitalistas.

Refere-se aqui a um movimento pedagógico que se apoia no escolanovismo e no construtivismo de Piaget, que assume, no hodierno momento, pressupostos “pós-modernos” vinculados ao vigente contexto político-ideológico neoliberal (BERNARDO SILVA, 2018BERNARDO SILVA, M. O objeto de conhecimento da educação física escolar na perspectiva da pedagogia histórico-crítica. 203f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.; 2023BERNARDO SILVA, M. Concepções pedagógicas hegemônicas e pedagogia histórico-crítica: em questão a formação de professores. Linhas Críticas, Brasília, v. 29, e48021, 2023. https://doi.org/10.26512/lc29202348021
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). Destarte, destaca-se que a flexibilização do trabalho, um dos princípios da caracterização atual da sociedade capitalista neoliberal, se aloja também no âmbito da educação escolar, pois se assume um formato flexível, cuja aprendizagem se dá em todo o ambiente e em todas as circunstâncias com a mesma relevância da aprendizagem escolar. Portanto, não cabe a escola ensinar algo, mas apenas ensinar a aprender, isto é, ensinar o aluno a aprender a aprender (SAVIANI, 2021bSAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. 6. ed. Campinas: Autores Associados, 2021b.).

Ora, o que se explicita não é outra coisa senão a ênfase para a prática pedagógica, evidenciando o conhecimento cotidiano. O enfoque escolar passa a ser aquilo que está implícito no aluno, isto é, que está subentendido para o aluno. Em outras palavras, discorre-se com base na percepção imediata do aluno, na sua própria dedução. Ainda, aponta-se que o saber, oriundo do conhecimento cotidiano, tem a sua importância, porém a educação escolar não se restringe somente a esse tipo de saber, como será mencionado mais adiante.

O aprender a aprender atende, de maneira predominante, às demandas em proveito da dominação social. Enfatiza-se na educação escolar o conhecimento caótico da realidade a serviço exclusivamente de que os trabalhadores tenham condições apenas de realizar suas atividades produtivas no bojo do trabalho manual (atividades laborais). Estabelece-se, por conseguinte, também a necessidade de promulgar o desenvolvimento de competências e habilidades cabíveis para a adaptação do indivíduo ao mercado de trabalho (RAMOS, 2001RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001.).

A adaptação é consolidada quanto mais se inculcam no indivíduo altos níveis de competitividade a fim de acentuar a produtividade econômica. A escola passa a formar um trabalhador que seja flexível, que tenha competências e habilidades (especialmente, a habilidade socioemocional) necessárias para se adaptar à nova morfologia do trabalho, que é, por sua vez, volátil e flexível.

Essa constatação sobre o aporte didático-pedagógico hegemônico expõe um indicativo que contribui para o estado de devaneio social de grande parcela da classe subalterna no Brasil, por aderir ao projeto social neoliberal que esteve em curso e que se acentuou de maneira intensa, como, por exemplo, pelo desmantelamento da educação pública (LEHER, 2023LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023.), pelo enfraquecimento da ciência em tempos de obscurantismo beligerante (DUARTE, 2021DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102.), pelo negacionismo (FRIZZO, 2023FRIZZO, G. Negacionismo e ideologia: a atividade teórica nos processos de consciência. Trabalho Necessário, Niterói, v. 21, n. 44, p. 1-22, jan./abr. 2023. https://doi.org/10.22409/tn.v21i44.57641
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) etc.

O esvaziamento do conhecimento historicamente sistematizado na educação escolar, sobretudo nas escolas públicas, e o consenso de que o conhecimento apropriado apenas pela experiência, pelo contato imediato com a realidade concreta, pela mobilização de competências e habilidades em prol do mercado de trabalho são articulações cabais para a formação do indivíduo que contribuem para um devaneio social em tempos de constantes tensões sociais.

Imperam, enquanto devaneio social, a ausência da razão, o delírio que culmina em uma crença sem fundamentos para aferir e compreender, concretamente, os condicionantes sociais atuais. A compreensão da realidade ocorre por meio de determinada crença da qual não se tem uma análise sistematizada.

A consciência do trabalhador permanece em um nível de consciência vivida. Segundo dicção de Chauí (2014, p. 171, grifo do original)CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2014., “é nossa consciência afetiva, que tem a peculiaridade de ser egocêntrica, isto é, de perceber os outros e as coisas baseados apenas em nossos sentimentos com relação a eles”.

Como aquilo que é hegemônico em tempos hodiernos são a individualidade, a concorrência desenfreada entre indivíduos, a sobrepujança, enfim, a expropriação do humano pelo humano, a consciência vivida (não reflexiva) será um espelhamento dos condicionantes sociais em que o trabalhador está inserido. “Nesse grau de consciência, não conseguimos separar o eu e o outro, o eu e as coisas. É típico, por exemplo, das pessoas apaixonadas, para as quais o mundo só existe a partir dos seus sentimentos de amor, ódio, cólera, alegria, tristeza, etc.” (CHAUÍ, 2014, p. 171).

Observa-se, então, que a consciência do trabalhador não se caracteriza apenas como uma consciência afetiva, mas como uma objetivação “precária” da imagem subjetiva da realidade concreta. Em tempos de obscurantismo beligerante (DUARTE, 2021DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102.) e de negacionismo (FRIZZO, 2023FRIZZO, G. Negacionismo e ideologia: a atividade teórica nos processos de consciência. Trabalho Necessário, Niterói, v. 21, n. 44, p. 1-22, jan./abr. 2023. https://doi.org/10.22409/tn.v21i44.57641
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), a objetivação da imagem subjetiva da realidade concreta se dá de maneira distorcida e, em grande medida, consubstanciada de preconceitos e intolerância para consolidar os interesses hegemônicos.

Logo, o esvaziamento do conhecimento historicamente sistematizado no âmbito escolar, em consonância, à guisa de ilustração, com as diversas informações publicadas por meio das redes sociais – no interior de um cotidiano virtual (TIBURI, 2022TIBURI, M. Pós-verdade, pós-ética: uma reflexão sobre delírios, atos digitais e inveja. In: DUNKER, C. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense, 2022. p. 87-113.) –, cadencia para uma compreensão irrefletida cuja principal ação é reproduzir aquilo que é do seu próprio sentimento (com base em um idealismo), excluindo-se o critério de verdade, que é, em última instância, a prática social.

Faz-se preciso lembrar, então, de acordo com Duarte (2013)DUARTE, N. A individualidade para si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2013., que a sociedade capitalista estabelece uma relação contraditória entre humanização e alienação:

A formação do indivíduo realiza-se como relação entre os processos de apropriação das forças essenciais humanas, produzidas social e historicamente, e de objetivação mediada por essas forças essenciais. Mas essa formação, na medida em que, até este momento da história humana, tem se realizado nas condições da luta de classes, não pode ser considerada exclusivamente humanizadora. A formação do indivíduo é também a reprodução da alienação. Ninguém se aliena de algo que não existe, pois a alienação é sempre uma forma de relação com alguma objetivação do gênero humano

(DUARTE, 2013DUARTE, N. A individualidade para si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 98).

A alienação é condição sine qua non para a sociedade capitalista, em que o trabalhador, por meio da sua força de trabalho, deve produzir mercadoria para garantir a sua subsistência (precária). Ao mesmo tempo, o trabalhador torna-se uma mercadoria. Destarte, é necessário encontrar maneiras de naturalizar as relações sociais capitalistas para a manutenção do status quo.

Essa questão é notória ao se observar, por exemplo, como o fenômeno das fake news se consolidou no mundo e no Brasil, a ponto de ter influenciado decisivamente na eleição para a presidência da República do Brasil de 2018 e de 2022. Nesse sentido, mais uma vez se recorre à reflexão de Empoli (2020, p. 24)EMPOLI, G. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020.:

Assim, o líder de um movimento que agregue as fake news à construção de sua própria visão de mundo se destaca da manada dos comuns. Não é um burocrata pragmático e fatalista como os outros, mas um homem de ação, que constrói sua própria realidade para responder aos anseios dos seus discípulos.

Tal condição (referente à vitória de Bolsonaro em 2018 e à permanência de seu governo) somente foi possível, entre outras questões, porque a condição do fenômeno das fake news (de legitimar-se enquanto fenômeno social) ocorreu também pela precariedade da formação intelectual (em que se destaca a falta de acesso ao conhecimento historicamente sistematizado), sobretudo dos membros que compõem a classe subalterna.

Isso também se deu no que tange à pandemia da Covid-19. Ocorreu a disseminação de fake news sobre os encaminhamentos a serem dados, no bojo da pandemia, acerca do isolamento social, do processo de vacinação etc. Conforme Vasconcellos-Silva e Castiel (2022, p. 10)VASCONCELLOS-SILVA, P. R.; CASTIEL, L. D. As fake news e os sete pecados do capital: uma análise metafórica de vícios no contexto pandêmico da Covid-19. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 5, p. 1-14, maio 2022. https://doi.org/10.1590/0102-311XPT195421
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, a respeito da pandemia da Covid-19, “restrições à vacinação e às opções usuais do cotidiano foram instituídas pelas autoridades na mesma medida em que despontaram, irrefreavelmente, os artefatos enganosos de cura ou de engodo para sedimentação de mentiras política ou financeiramente proveitosas”.

De acordo com Antunes (2022, p. 43, grifo do original):

Com Jair Bolsonaro, o quadro se tornou verdadeiramente desesperador para a classe trabalhadora. A política econômica do seu governo expressa um enorme desprezo pela vida do(a)s assalariado(a)s, as maiores vítimas da pandemia. O dilema da classe trabalhadora tornou-se mais rude e duro: se voltam a trabalhar ou se permanecem em seus postos de trabalho, convertem-se em reais candidatos à vala comum dos cemitérios; se acatam o isolamento e a quarentena, a classe trabalhadora que se encontra na informalidade morre de fome.

Verifica-se como é salutar considerar o modo como se produz a existência atualmente como condição fulcral para refletir os aspectos sobre a pandemia da Covid-19. Isso porque “vivemos um capitalismo acentuadamente destrutivo, responsável por uma corrosão ilimitada dos direitos sociais do trabalho, e cujo resultado é uma massa imensa de indivíduos sem trabalho, sem salário, sem previdência e sem sistema de saúde pública abrangente” (ANTUNES, 2022ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 43). Portanto, seguindo a reflexão de Antunes (2022, p. 43, grifo do original), “o coronavírus tem corpo-de-classe, atingindo mais as mulheres assalariadas, negras e imigrantes”.

Foi necessário, para o governo Bolsonaro, que os indivíduos da classe trabalhadora não tivessem possibilidade concreta de compreender criticamente o movimento sociometabólico brasileiro. Por conseguinte, ao evidenciar apenas o conhecimento cotidiano para o processo formativo dos trabalhadores, estabeleceu-se um importante elemento que compõe uma estratégia coesa a fim de consolidar o projeto hegemônico social.

Portanto, no que tange ao conhecimento cotidiano cuja concepção de mundo é o senso comum, consubstancia-se uma condição de compreender a realidade concreta por meio de “sentimentos e opiniões individuais e de grupos, variando de uma pessoa para outra, ou de um grupo para outro, dependendo das condições em que vivemos” (CHAUÍ, 2014, p. 273).

Uma finalidade do senso comum alinhada predominantemente com a ideologia dominante é efetivar os pressupostos daquilo que é, na sua grande maioria, dominante. Ou seja, no cenário brasileiro, o intuito é propagar discursos e ações para consolidar as ideias neoconservadoras em detrimento das ideias críticas sobre a realidade concreta. Nas palavras de Mészáros (2021, p. 482, grifos do original)MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2021., “o papel ativo do ‘senso comum’ na constituição de sua visão geral do mundo não nos oferece grande consolo, pois seu relacionamento com a ideologia crítica não é semelhante ao que mantém com a ideologia dominante”.

Torna-se impossível, ao evidenciar apenas o conhecimento cotidiano, estabelecer uma compreensão radical, rigorosa e de conjunto (SAVIANI, 2013SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 19. ed. Campinas: Autores Associados, 2013.) sobre a realidade concreta. Por consequência, no caso dos membros da classe subalterna, não se estabelece a condição de desenvolver uma consciência social-proletária (SAVIANI, 2019SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas: Autores Associados, 2019.).

Todavia, o que se aponta não é a exclusão do conhecimento cotidiano, ou seja, não se procura, no processo formativo escolar, eliminar aquilo de que o indivíduo já se apropriou na sua relação imediata com os fenômenos e os objetos. Aponta-se para a necessidade de superação por incorporação desse tipo de conhecimento em proveito de uma compreensão mais elaborada e sistematizada sobre os dados que compõem a realidade concreta.

Por esse ângulo, a educação brasileira, de modo especial a educação pública, na gestão de Bolsonaro, procurou interferir de maneira contundente na universalização dos seus direitos, que são, em última instância, os princípios regimentados pela agenda neoliberal via fomento da expansão neoconservadora no país. Em linhas gerais, no governo Bolsonaro ocorreu um intenso e constante retrocesso na educação (LEHER, 2023LEHER, R.; SANTOS, M. R. S. Governo Bolsonaro e autocracia burguesa: expressões neofacistas no capitalismo dependente. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 9-42.). Eis os movimentos de implementação da Base Nacional Comum Curricular, de desmantelamento do ensino superior público, de ofensiva do homeschooling, do aumento de escolas cívico-militares, da Escola Sem Partido etc.

Nesse sentido, destaca-se novamente o movimento obscurantista que nos últimos quatro anos se consolidou de forma ampla na sociedade brasileira, bem como na própria educação escolar. De acordo com Duarte (2021)DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102.:

As manifestações do obscurantismo com uma ostensiva entonação bélica que se mostra não apenas na apologia do uso de armas de fogo pelo cidadão comum, como também pelas agressões físicas e verbais a pessoas que se tornam inimigas de determinados grupos sociais somente porque expressam suas posições em relação a assuntos polêmicos ou atitudes de determinados líderes políticos7 7 Um exemplo desse conflito são, inexoravelmente, os acontecimentos na eleição presidencial de 2018 e, de maneira ainda mais acirrada, na eleição presidencial de 2022, bem como os desdobramentos ocorridos após a eleição presidencial de 2022 (como, por exemplo, a invasão aos poderes executivo, legislativo e judiciário no dia 8 de janeiro de 2023, procurando culminar em um golpe de Estado). . Por essa razão, esse obscurantismo pode ser adjetivado como beligerante

(DUARTE, 2021DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102., p. 89).

Tal obscurantismo atualmente tem como uma de suas características a utilização das redes sociais, das fake news (DUARTE, 2021DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102.), do negacionismo (FRIZZO, 2023FRIZZO, G. Negacionismo e ideologia: a atividade teórica nos processos de consciência. Trabalho Necessário, Niterói, v. 21, n. 44, p. 1-22, jan./abr. 2023. https://doi.org/10.22409/tn.v21i44.57641
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), da guerra cultural (LEHER; SANTOS, 2023LEHER, R.; SANTOS, M. R. S. Governo Bolsonaro e autocracia burguesa: expressões neofacistas no capitalismo dependente. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 9-42.) etc. O movimento obscurantista procura consolidar relações de poder favoráveis para determinados grupos sociais, sendo necessário “difundir preconceitos sobre qualquer pessoa, grupo ou linha de pensamento que possa pôr em questão essas relações de poder” (DUARTE, 2021DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102., p. 90)8 8 Novamente, pode-se exemplificar esse movimento obscurantista ao citar a eleição presidencial de 2022, que desencadeou uma agressiva e intensa onda de xenofobia contra a população nordestina do Brasil. . Alinha-se com a problemática da pós-verdade, uma vez que a sua característica central, segundo Dunker (2022, p. 24)DUNKER, C. Subjetividade em tempos de pós-verdade. In: DUNKER, C. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense, 2022. p. 7-37., é a “recusa do outro ou ao menos uma cultura da indiferença que, quando se vê ameaçada, reage com ódio ou violência”.

Há, por conseguinte, acredita-se, uma luta do obscurantismo contra o conhecimento historicamente sistematizado, em proveito de consolidar ações reacionárias para a manutenção do status quo e que apenas o conhecimento cotidiano na educação escolar acaba por fomentar. Com esse intuito, vale a ressalva de Duarte (2021, p. 92)DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102.:

As justas e indispensáveis reações ao obscurantismo no campo da educação escolar e, mais especificamente, no que se refere às discussões sobre o currículo escolar correm o risco de cair na armadilha dos obscurantistas se simplesmente insistirem na necessidade de a escola debater os temas que a censura reacionária quer eliminar do ambiente escolar. O currículo não deveria ser resultante de uma queda de braço sobre temas a serem incluídos ou eliminados, da mesma forma que não deveria ser configurado ou reconfigurado para atender a demandas mercadológicas como no caso da Base Nacional Comum Curricular […]. Tanto os ataques obscurantistas como o avanço da mercantilização da educação abalam as bases fundamentais da educação pública, universal e gratuita.

Eis aí a possibilidade de universalizar os interesses da classe dirigente no bojo da classe subalterna, bem como de estabelecer um movimento de consolidação no poder. Para isso, o processo de alienação deve se dar a todo momento e de maneira intensa. Não importa a forma como isso se realizará (por exemplo, via fenômeno das fake news e/ou pelo esvaziamento da importância da ciência na sociedade etc.) nem o impacto negativo que isso terá na sociedade como um todo e, de modo específico, para os membros da classe subalterna, aviltando o desenvolvimento da consciência social-proletária.

A consciência social, de acordo com Saviani (2019, p. 190)SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas: Autores Associados, 2019., estabelece-se de distintas maneiras:

[...] correspondentes à superestrutura jurídica e política, que, por sua vez, se levanta sobre a base da estrutura econômica, a qual é constituída pelo conjunto das relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais.

A formação da consciência, como já apontado, está relacionada diretamente com a estrutura social. Logo, formar-se-á tendo como base objetiva as circunstâncias advindas da situação atual da sociedade. Dito de outra forma, parafraseando Saviani (2019)SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas: Autores Associados, 2019., a formação da consciência se dá no bojo das contradições entre relações de produção e forças produtivas no contexto atual.

Com efeito, trazendo à baila mais uma vez a educação escolar apenas com enfoque para o conhecimento cotidiano, compreende-se que é um modo, pela sua legitimidade no âmago da política educacional neoconservadora e, por extensão, dos documentos pedagógicos oficiais, de interferir na formação da consciência social de maneira fragmentada, caótica, precária.

As subjetividades destacam-se em detrimento da prática social. Os discursos individuais são válidos ao se comunicar sobre a prática social. Enfim, o conhecimento oriundo da experiência imediata tem um grau mais elevado de importância do que o conhecimento historicamente sistematizado (processo de apropriação do conhecimento científico).

À vista disso, compreende-se que o processo formativo do aluno, por meio apenas do conhecimento cotidiano, contribui para um aluno empírico, isto é, para os interesses empíricos do aluno. Pois, de acordo com Saviani (2021c, p. 155)SAVIANI, D. Marxismo, educação e pedagogia. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021c. p. 137-163., deve firmar:

[...] o princípio de que o atendimento aos interesses dos alunos deve corresponder sempre aos interesses do aluno concreto. O aluno empírico pode querer determinadas coisas, pode ter interesses que não necessariamente correspondem aos seus interesses concretos. É nesse âmbito que se situa o problema do conhecimento sistematizado, que é produzido historicamente e integra o conjunto dos meios de produção. Esse conhecimento sistematizado pode não ser do interesse do aluno empírico, ou seja, o aluno, em termos imediatos, pode não ter interesses no domínio desse conhecimento, porém ele corresponde diretamente aos interesses do aluno concreto, pois, enquanto síntese das relações sociais, o aluno está situado numa sociedade que põe a exigência do domínio desse tipo de conhecimento, e é tarefa precípua da escola viabilizar acesso a esse tipo de saber.

A educação escolar tem como função propiciar condições concretas e eficazes para que os indivíduos, sobretudo os membros da classe subalterna, se apropriem do conhecimento historicamente sistematizado e, destarte, tenham condições de desenvolver uma consciência social-proletária, dado que a ação em prol de uma possível transformação social ocorrerá também pela via do desenvolvimento da consciência social-proletária. Esse desenvolvimento, conforme assinala Saviani (2019)SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas: Autores Associados, 2019., somente ocorrerá de maneira efetiva caso tenha estabelecido a articulação orgânica de dois aspectos: a educação, principalmente no campo escolar, e a ação da classe subalterna organizada.

A História Como Condição Fulcral Para o Processo Formativo Escolar

Ao contrário do que se constatou anteriormente, compreende-se que a educação escolar tem como função social contribuir para a promoção humana, isto é, desenvolver, de maneira sistematizada, a dimensão humana omnilateral (MANACORDA, 2010MANACORDA, M. A. Marx e a pedagogia moderna. 2. ed. Campinas: Alínea, 2010.) no ser humano. Ou seja, sentido oposto a uma visão pragmática da formação do indivíduo.

O que se evidencia nesse momento não é um direcionamento em que o predomínio é a ação subjetiva do indivíduo a fim de sanar seus interesses individuais, mas uma “ação material, objetiva, transformadora, que corresponde a interesses sociais e que, considerada do ponto de vista histórico-social, não é só produção de uma realidade material, mas, sim, criação e desenvolvimento incessantes da realidade humana” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da práxis. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011., p. 244).

Urge a necessidade de fazer com que o ser humano compreenda a atual situação social e, no caso dos membros da classe subalterna, estabeleça mecanismos para a transformação social. Tal condição só se efetivará se se compreender o pressuposto de que o ser humano está inserido no processo histórico da sua própria existência, sendo a educação escolar um fenômeno social fundamental, e se basear nele.

Saviani (2021d)SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d. expõe que a natureza humana não é disponibilizada de maneira instintiva ou causal ao ser humano. Deve-se, portanto, consciente, criativa e intencionalmente, produzir, com base na natureza biofísica, o que essa natureza não disponibiliza na imediaticidade. Por conseguinte, afirma o autor, “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2021dSAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d., p. 13). Logo, o objeto da educação está alocado nos seguintes pontos: “identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos” (SAVIANI, 2021dSAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d., p. 13); e “descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (SAVIANI, 2021dSAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d., p. 13).

A educação escolar é a forma mais avançada e complexa de educação. A institucionalização da escola, além de ser uma caracterização entre as especificidades da educação, nesse caso assume a condição, em tese, de ser o espaço privilegiado que acentua a condição didático-pedagógica diante da prática social global. Mais precisamente, a educação, no bojo da escola, é a atividade mediadora mais complexa e avançada no seio da prática social global.

A escola, assim, assume a forma em excelência de educação, pois é por meio dela, ou melhor, por meio do professor no que tange às condições objetivas possíveis, que o indivíduo tem a possibilidade de refletir criticamente sobre a realidade concreta da maneira mais fidedigna possível. Trata-se da socialização do conhecimento historicamente sistematizado (SAVIANI, 2021dSAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d.).

Saviani (2021d, p. 14)SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 12. ed. Campinas: Autores Associados, 2021d. argumenta que “a opinião, o conhecimento que produz palpites, não justifica a existência da escola. Do mesmo modo, a sabedoria baseada na experiência de vida dispensa e até mesmo desdenha a experiência escolar, o que, inclusive, chegou a cristalizar-se em ditos populares”.

A seleção dos conteúdos e a forma como eles deverão ser abordados têm uma posição privilegiada na prática pedagógica, pois “há que se identificar no ato educativo em quais condições a aprendizagem opera, de fato, a serviço do desenvolvimento dos indivíduos” (MARTINS, 2013MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 278). A aprendizagem escolar contribui de modo decisivo para o desenvolvimento da personalidade do aluno, uma vez que “nela sintetizam-se todas as propriedades culturalmente formadas” (MARTINS, 2013MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013., p. 278-279).

O ensino dos conteúdos escolares, oriundos do conhecimento historicamente sistematizado, deve incidir na transformação da concepção de mundo do aluno. Ou seja, ao abordar os conteúdos escolares, deve-se organizá-los considerando o seguinte problema, de cunho ontológico: o que é a realidade? De acordo com Duarte (2016, p. 6)DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Campinas: Autores Associados, 2016., “a realidade existe, ela é cognoscível, explicável e transformável pela ação humana”.

Não à toa a educação, como uma prática social, é compreendida no bojo da prática social global e nela deve incidir. “Se o trabalho educativo é entendido como a humanização dos indivíduos e se ele ocorre no interior do processo histórico de desenvolvimento do gênero humano, a educação é uma prática no interior da prática social em seu todo” (DUARTE, 2016DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Campinas: Autores Associados, 2016., p. 67). Em consequência, “a educação escolar deve desempenhar, na formação dos indivíduos, a função de mediação entre a vida cotidiana e as esferas não cotidianas de objetivação do gênero humano, especialmente a ciência, a arte e a filosofia” (DUARTE, 2016DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Campinas: Autores Associados, 2016., p. 67).

Os conteúdos escolares, advindos do conhecimento historicamente sistematizado, são fundamentais para a formação da compreensão refletida do aluno, especialmente do aluno membro da classe trabalhadora. À vista disso, apresenta-se o seguinte posicionamento de Duarte (2021, p. 99-100)DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102.:

A importância dos conteúdos escolares para o aumento do campo de escolhas dos indivíduos das novas gerações conecta-se ao fato de que esses conteúdos nada mais são do que experiência humana acumulada e sintetizada nas ciências, nas artes e na filosofia. Ao se apropriar desses conteúdos, os alunos estão incorporando à sua atividade, à sua vida e à sua individualidade condensações da experiência social. Dessa maneira, o indivíduo desenvolve a capacidade de agir guiado não apenas por percepções imediatas da realidade ao seu redor, mas pela compreensão das conexões não visíveis entre processos e fenômenos. Isso se aplica à compreensão do movimento tanto da natureza quanto da sociedade. Não é por acaso que os obscurantistas atacam as ciências da sociedade e também as ciências da natureza, além da filosofia e das artes.

O trabalho educativo na escola deve destacar a desigualdade real como ponto inicial e, consequentemente, a igualdade possível como ponto de chegada (SAVIANI, 2021aSAVIANI, D. Escola e democracia. 44. ed. Campinas: Autores Associados, 2021a.), contudo esse processo não se justifica por ele mesmo, ao contrário, pois se refere a um processo cambiável. É aquilo que Saviani (2021a)SAVIANI, D. Escola e democracia. 44. ed. Campinas: Autores Associados, 2021a., apoiado em Gramsci, expõe como catarse.

Sendo a prática pedagógica contribuinte para a democratização da sociedade a partir do ponto “em que se compreende como se coloca a questão da democracia relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico” (SAVIANI, 2021aSAVIANI, D. Escola e democracia. 44. ed. Campinas: Autores Associados, 2021a., p. 63), pode-se compreender que a educação escolar atua em um movimento inverso ao constatado anteriormente.

Assim, busca-se contribuir para equacionar o dilema evidenciado no processo de formação dos membros da classe subalterna. Por meio da educação escolar, são viabilizadas de maneira eficaz as condições para que o aluno possa se apropriar do conhecimento historicamente sistematizado e, assim, superar a compreensão da realidade concreta mediante o conhecimento cotidiano, como é comum na pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005NEVES, L. M. W. A sociedade civil como espaço estratégico de difusão da nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, L. M. W. (org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005. p. 85-125.), pelo aprender a aprender, a favor do educar para o consenso.

Em contraposição, advoga-se a efetivação de “uma concepção da educação escolar como mediadora, na formação do indivíduo, entre a esfera da vida cotidiana e as esferas não-cotidianas da objetivação do gênero humano” (DUARTE, 2007DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2007., p. 39). Remete-se à questão do indivíduo, especialmente do membro da classe trabalhadora, de ter condições de se apropriar das máximas objetivações humanas (ciência, política, arte, filosofia etc.). Nesse sentido, há a possibilidade de superação do devaneio social, implantado e intensificado nesses últimos anos no Brasil, também por meio da educação escolar.

Logo, destaca-se, para a apropriação do conhecimento historicamente sistematizado (máximas objetivações humanas), a importância da história para o currículo formativo escolar (BERNARDO SILVA, 2019BERNARDO SILVA, M. Fundamentos teórico-metodológicos da pedagogia histórico-crítica: uma relação entre história e filosofia. Educar em Revista, Curitiba, v. 35, n. 76, p. 199-218, jul./ago. 2019. https://doi.org/10.1590/0104-4060.63805
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), porém não se está dizendo que a história, como componente curricular, tem um peso mais elevado no currículo, e sim se fala da possibilidade de alavancar a historicidade dos conteúdos escolares (SAVIANI, 2011SAVIANI, D. Educação em diálogo. Campinas: Autores Associados, 2011.).

Bernardo Silva (2018BERNARDO SILVA, M. O objeto de conhecimento da educação física escolar na perspectiva da pedagogia histórico-crítica. 203f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.; 2019)BERNARDO SILVA, M. Fundamentos teórico-metodológicos da pedagogia histórico-crítica: uma relação entre história e filosofia. Educar em Revista, Curitiba, v. 35, n. 76, p. 199-218, jul./ago. 2019. https://doi.org/10.1590/0104-4060.63805
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destaca o posicionamento de Paulo Netto (2006) sobre a história como a articulação de processos que implicam diretamente a formação da consciência humana:

  • Processo objetivo, pois “se trata de uma processualidade que porta em si mesma uma especificidade primariamente independente das representações que dela façam os sujeitos” (PAULO NETTO, 2006PAULO NETTO, J. Relendo a teoria marxista de história. In: SAVIANI, D.; LOMBARDI, J. C.; SANFELICE, J. L. (org.). História e história da educação: o debate teórico-metodológico. 3. ed. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR, 2006. p. 50-64., p. 55);

  • Processo contraditório, pois o desenvolvimento histórico atualmente é oriundo dos interesses antagônicos das classes sociais que compõem a sociedade;

  • Processo com sujeitos, cuja especificidade se aloja em sujeitos reais que “não se plasmam como personalidades singulares, mas como grupos sociais vinculados a interesses comuns” (PAULO NETTO, 2006, p. 55);

  • Processo direcionado por sujeitos previamente determinados. Isto é, “sujeitos não se constituem aleatoriamente, mas segundo imperativos e possibilidades que se colocam concretamente nos espaços e tempos precisos” (PAULO NETTO, 2006PAULO NETTO, J. Relendo a teoria marxista de história. In: SAVIANI, D.; LOMBARDI, J. C.; SANFELICE, J. L. (org.). História e história da educação: o debate teórico-metodológico. 3. ed. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR, 2006. p. 50-64., p. 55);

  • Tais sujeitos são conscientes, ou seja, concretizam-se no meio em que vivem não de forma invisual, mas sustentados pelo nível de conhecimento que possuem e, nesse sentido, impactando decisivamente nas suas ações;

  • Processo fundado em distintas teleologias, ou seja, “um processo que é marcado pela ação dos sujeitos que têm finalidades, têm intenções, sendo, pois, um processo tencionado por sujeitos com suas próprias teleologias” (PAULO NETTO, 2006PAULO NETTO, J. Relendo a teoria marxista de história. In: SAVIANI, D.; LOMBARDI, J. C.; SANFELICE, J. L. (org.). História e história da educação: o debate teórico-metodológico. 3. ed. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR, 2006. p. 50-64., p. 55).

No sentido de perspectivar uma educação escolar que extrapole a barreira do conhecimento cotidiano, destaca-se a seguinte proposição de Saviani (2011, p. 133)SAVIANI, D. Educação em diálogo. Campinas: Autores Associados, 2011.:

Como eixo a história será o elemento em torno do qual todo o currículo será estruturado, isto é, todas as disciplinas estarão impregnadas de historicidade, poderíamos dizer que ela se impõe para além das diversas perspectivas de compreensão da história. No entanto, é igualmente claro que essa maneira de encarar a história, a possibilidade de tomá-la como eixo articulador dos currículos formativos e o próprio entendimento da história como processo objetivo indicam tratar-se da concepção dialética da história cuja matriz foi explicitada no âmbito do marxismo.

Afinal, tendo a história como condição fulcral do currículo formativo escolar, compactua-se com a indagação de Saviani (2011, p. 133)SAVIANI, D. Educação em diálogo. Campinas: Autores Associados, 2011.:

Que outra maneira nós teríamos de produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens senão fazendo que as novas gerações mergulhem na própria história e, aplicando o critério do “clássico”, lhes permitir vivenciar os momentos mais significativos dessa prodigiosa aventura humana no tempo?

Eis aí a finalidade cabal da educação escolar, isto é, ir para além do imediatismo e, consequentemente, superar a visão mecanicista, fragmentada e superficial que o indivíduo tem da situação atual da realidade concreta. A educação escolar deve atuar, então, para que o aluno seja, de fato, indivíduo do seu próprio tempo, capaz de compreender de maneira sistematizada o mundo em que está inserido e, por meio de uma consciência social-proletária, tenha condições de contribuir no complexo e necessário processo de transformação social.

Considerações Finais

No presente estudo, procurou-se destacar que a educação escolar, sob os preceitos da classe dirigente, enfatiza o esvaziamento do conhecimento historicamente sistematizado, sobretudo dos membros que compõem a classe subalterna. Trata-se de uma estratégia para educar o consenso, ou melhor, o apaziguamento social. Destarte, o conhecimento cotidiano torna-se um relevante eixo condutor para o processo formativo escolar do indivíduo.

Esse movimento, no bojo da educação escolar, está a serviço da atual agenda neoliberal. É necessário que, por meio da governança de Estado, se estabeleçam mecanismos de apaziguamento social, e isso somente tem condições de se materializar pela contribuição da educação escolar via formação da consciência social dos membros da classe trabalhadora, de maneira irrefletida.

Assim, torna-se possível efetivar ações que se legitimam de forma natural, sem a oposição e a luta entre as classes sociais. Isso porque há uma exclusão do conhecimento historicamente sistematizado, imbricando, desse modo, uma condição enfraquecida da classe subalterna em compreender e intervir criticamente na atual situação social do Brasil.

Todavia, urge como necessários, em caráter emergencial, a crítica e o combate a essas ações que preconizam a expansão neoconservadora no campo educacional no país. Em contraponto, seguindo as orientações de Galvão, Lavoura e Martins (2019, p. 163)GALVÃO, A. C.; LAVOURA, T. N.; MARTINS, L. M. Fundamentos da didática histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2019., para que ocorra um combate a esse movimento, é preciso “que a educação assuma um ensino que não se identifica com ‘quaisquer conteúdos’, transmitidos em um edifício denominado escola. É preciso defender o ato de ensinar e o direito de aprender, em suas formas mais desenvolvidas”.

Consequentemente, de acordo com Duarte (2021, p. 95)DUARTE, N. O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (org.). Conhecimento escolar e luta de classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie. Campinas: Autores Associados, 2021. p. 87-102., no que se refere à reflexão sobre conteúdo e forma:

Pensar sobre os conteúdos escolares e sobre formas de seu ensino deveria ser uma busca permanente de produzir, tanto nos alunos como em nós mesmos, professores, necessidades que nos impulsionem para além dos limites que a cotidianidade capitalista nos impõe.

Enfatiza-se a importância de efetivar-se o processo formativo escolar do indivíduo com base na história enquanto eixo principal do currículo. Afinal, a educação escolar objetiva oportunizar ao aluno ir para além apenas do conhecimento cotidiano, pois a sua função social é fazer com que o aluno, por meio da apropriação do conhecimento historicamente sistematizado, ou seja, pela apropriação das noções científicas, entre “em luta com a concepção mágica do mundo e da natureza, que a criança [o aluno] absorve do ambiente impregnado de folclore [de conhecimento cotidiano]” (GRAMSCI, 2001GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere: os intelectuais; o princípio educativo; jornalismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 2., p. 42).

Para tanto, é preciso estabelecer uma real contribuição para que os indivíduos, membros da classe trabalhadora, possam superar a condição atual de devaneio social. Daí decorre o caráter de crítica-denúncia do presente texto, e, como extensão, assinala-se a necessidade de efetivar-se constantes aprofundamentos sobre a discussão aqui tratada, bem como os seus possíveis desdobramentos.

Notas

  • 1
    Um movimento autocrata de Bolsonaro seria a possibilidade, por exemplo, de efetivação da pauta antijudiciário (BRAGA, 2022BRAGA, J. Pauta anti-Judiciário deve ganhar força no Congresso com vitória de Bolsonaro. Folha de S.Paulo, 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/10/pauta-anti-judiciario-deve-ganhar-forca-no-congresso-com-vitoria-de-bolsonaro.shtml. Acesso em: 11 out. 2022.
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    ), a ser promovida pelo ex-presidente e seus aliados caso ele fosse vitorioso na eleição presidencial de 2022. Da mesma maneira, pode-se destacar a interferência na Polícia Federal (SERAPIÃO, 2022SERAPIÃO, F. Polícia Federal passou por maior crise de sua história no governo Bolsonaro. Folha de S.Paulo, 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/policia-federal-passou-por-maior-crise-de-sua-historia-no-governo-bolsonaro.shtml. Acesso em: 11 out. 2022.
    https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022...
    ), gerando sucessivas crises na instituição.
  • 2
    Como foi o caso da pandemia da Covid-19.
  • 3
    Saviani (2019, p. 201)SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano: novas aproximações. Campinas: Autores Associados, 2019. aponta: “A função de mascarar os objetivos reais por meio dos objetivos proclamados é exatamente a marca distintiva da ideologia liberal, dada a sua condição de ideologia típica do modo de produção capitalista que introduziu, pela via do ‘fetichismo da mercadoria’, a opacidade nas relações sociais”.
  • 4
    De modo ilustrativo, vale destacar a produção de Mazzucato (2021)MAZZUCATO, M. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2021., embora seja um trabalho conforme uma lógica conservadora sobre o papel do Estado como empreendedor. A autora procura salientar a importância do investimento governamental como condição cabal para inovações de impacto em distintos setores da sociedade. Refere-se ao investimento de longo prazo, uma vez que o setor privado efetiva, predominantemente, investimentos de médio e curto prazo. O setor privado não está disposto a assumir elevados riscos em projetos desenvolvidos a longo prazo. Com isso, o Estado assume tal condição, coadunando, intencionalmente ou não, possibilidades futuras para o setor privado efetivar investimentos de médio e curto prazo de maneira mais segura.
  • 5
    Reforça-se que o governo Bolsonaro efetivou e, por consequência, consolidou diversas ações, em distintas dimensões e setores sociais, que prejudicaram, de maneira especial, aqueles que pertencem à classe trabalhadora. Apesar de necessário e importante, não se tem como objetivo neste estudo explicitar esse complexo e extenso movimento do governo, entretanto sugerem-se, entre outras, as seguintes produções: Gallego (2019)GALLEGO, E. S. (org.). Brasil em colapso. São Paulo: Editora Unifesp, 2019., Lacerda (2019)LACERDA, M. B. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Zouk, 2019., Souza (2019SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019.; 2022)SOUZA, J. A herança do golpe. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2022., Antunes (2020ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.; 2022)ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022., Betto (2020)BETTO, F. O diabo na corte: leitura crítica do Brasil atual. São Paulo: Cortez, 2020., Oyama (2020)OYAMA, T. Tormenta: o governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., Rocha (2021)ROCHA, J. C. C. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Goiânia: Editora e Livraria Caminhos, 2021., Dieguez (2022)DIEGUEZ, C. O ovo da serpente: nova direita e bolsonarismo: seus bastidores, personagens e a chegada ao poder. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., Nobre (2022)NOBRE, M. Limites da democracia: de junho de 2013 ao governo Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2022., Nunes (2022)NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu, 2022., Piva (2022)PIVA, J. D. O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2022., Rodrigues e Costa (2022)RODRIGUES, R.; COSTA, H. A política contra o vírus: bastidores da CPI da Covid. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., Starling, Lago e Bignotto (2022)STARLING, H. M.; LAGO, M.; BIGNOTTO, N. Linguagem da destruição: a democracia brasileira em crise. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., Leher (2023)LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. e Magalhães e Osório (2023)MAGALHÃES, J. P.; OSÓRIO, L. F. (org.). Brasil sob escombros: desafios do governo Lula para reconstruir o país. São Paulo: Boitempo, 2023..
  • 6
    Entende-se que esse preocupante movimento social é um relevante fator para contribuir com o colapso da democracia brasileira. À vista disso, indica-se a reflexão de Levitsky e Ziblatt (2021)LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2021..
  • 7
    Um exemplo desse conflito são, inexoravelmente, os acontecimentos na eleição presidencial de 2018 e, de maneira ainda mais acirrada, na eleição presidencial de 2022, bem como os desdobramentos ocorridos após a eleição presidencial de 2022 (como, por exemplo, a invasão aos poderes executivo, legislativo e judiciário no dia 8 de janeiro de 2023, procurando culminar em um golpe de Estado).
  • 8
    Novamente, pode-se exemplificar esse movimento obscurantista ao citar a eleição presidencial de 2022, que desencadeou uma agressiva e intensa onda de xenofobia contra a população nordestina do Brasil.

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Editor de seção: Pedro Goergen https://orcid.org/0000-0001-9539-9752

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2022
  • Aceito
    22 Maio 2023
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