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Qualidade da água durante a formação de lagos profundos em cavas de mineração: estudo de caso do lago de Águas Claras - MG

Water quality during the filling of deep mining lakes: case study of Aguas Claras pit lake - MG

Resumos

O trabalho apresenta os resultados do monitoramento de qualidade da água durante o processo inicial de formação do Lago de Águas Claras, cuja gênese é decorrente do enchimento da cava exaurida de uma mineração de ferro. Em sua configuração final o lago possuirá uma área de 0,7 km² e uma profundidade máxima de 234 m, o que o posicionaria atualmente como o ambiente hídrico mais profundo do país. Constata-se o predomínio de uma boa qualidade de água, com baixo grau de mineralização, excelentes condições de oxigenação e ausência de contaminação orgânica e mineral. No aspecto hidrobiológico destaca-se a frequente alternância no predomínio de grupos algais, indicando a instabilidade de ecossistemas que se encontram em processo de formação.

Lagos de mineração; qualidade da água; monitoramento


The paper presents the results of a broad monitoring program carried out during the beginning of the filling process of Lake Aguas Claras, Brazil. This lake was created after the exhaustion of an iron ore mining activity. In its final conformation the lake will have a surface area of 0,7 km² and the maximum depth of 234 m, which will make it the deepest lake in the country. The results of a two years monitoring program show the prevalence of good water quality (well oxygenated, low degree of mineralization, absence of organic and mineral contamination), but also a quite interesting shift in the dominance of phytoplanktonic groups, indicating the high instability of lakes that are undergoing a process of formation.

Mining lakes; water quality; monitoring


ARTIGO TÉCNICO

Qualidade da água durante a formação de lagos profundos em cavas de mineração: estudo de caso do lago de Águas Claras - MG

Water quality during the filling of deep mining lakes: case study of Aguas Claras pit lake - MG

Eduardo von SperlingI; Fernando Antonio JaridmII; Cesar Augusto Paulino GrandchampIII

IEngenheiro Civil, Doutor em Ecologia Aquática (Universidade Técnica de Berlim), Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais

IIBiólogo da COPASA-MG (Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais), Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (UFMG)

IIIGeólogo da MBR (Minerações Brasileiras Reunidas S/A), Mestre em Geologia (UFMG)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Eduardo von Sperling Departamento de Engnharia Sanitária e Ambiental Universidade Federal de Minas Gerais Av. do Contorno, 842 - 7º Andar 30110-060 - Belo Horizonte - MG - Brasil Tel.: (31) 3238-1019 Fax: (31) 3238-1879 E-mail: eduardo@desa.ufmg.br

RESUMO

O trabalho apresenta os resultados do monitoramento de qualidade da água durante o processo inicial de formação do Lago de Águas Claras, cuja gênese é decorrente do enchimento da cava exaurida de uma mineração de ferro. Em sua configuração final o lago possuirá uma área de 0,7 km2 e uma profundidade máxima de 234 m, o que o posicionaria atualmente como o ambiente hídrico mais profundo do país. Constata-se o predomínio de uma boa qualidade de água, com baixo grau de mineralização, excelentes condições de oxigenação e ausência de contaminação orgânica e mineral. No aspecto hidrobiológico destaca-se a frequente alternância no predomínio de grupos algais, indicando a instabilidade de ecossistemas que se encontram em processo de formação.

Palavras-chave: Lagos de mineração, qualidade da água, monitoramento.

ABSTRACT

The paper presents the results of a broad monitoring program carried out during the beginning of the filling process of Lake Aguas Claras, Brazil. This lake was created after the exhaustion of an iron ore mining activity. In its final conformation the lake will have a surface area of 0,7 km2 and the maximum depth of 234 m, which will make it the deepest lake in the country. The results of a two years monitoring program show the prevalence of good water quality (well oxygenated, low degree of mineralization, absence of organic and mineral contamination), but also a quite interesting shift in the dominance of phytoplanktonic groups, indicating the high instability of lakes that are undergoing a process of formation.

Keywords: Mining lakes, water quality, monitoring.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva discutir os aspectos de qualidade da água durante o processo de enchimento de lagos de mineração. A formação destes novos ambientes aquáticos tem sido uma tendência adotada internacionalmente por ocasião do descomissionamento de minas exauridas. Entende-se que o enchimento das cavas com água permite a criação de ecossistemas com forte beleza cênica e que podem servir ainda a usos selecionados, tais como recreação controlada (natação, vela, pesca) e abastecimento de água, para o caso de lagos situados próximos a áreas urbanas. É senso comum que tais lagos ostentam um componente estético de natureza mais agradável do que a permanência de uma depressão no terreno. A formação de lagos de mineração constitui-se no entanto em um fenômeno relativamente novo em escala mundial, dado o fato de que a exaustão de minas de grande porte, cujo início de exploração deu-se notadamente após o término da Segunda Guerra Mundial, ocorreu apenas a partir da década de 1990, com o esgotamento da sua vida útil. Tais lagos são geralmente estreitos e profundos, circundados por paredes rochosas íngremes, não apresentando usualmente uma região litorânea. Suas características morfológicas (elevada profundidade e pequena área) não favorecem a circulação vertical completa da coluna d'água, propiciando desta forma o estabelecimento de uma condição meromítica (circulação parcial), a qual implica em marcantes influências sobre a qualidade da água. Muita atenção tem sido dada na literatura técnica aos complexos efeitos ambientais da exploração minerária, existindo no entanto poucas informações sobre as questões sanitárias e ambientais destes ambientes hídricos criados em decorrência da atividade de mineração. Os relatos disponíveis estão quase sempre relacionados à formação de lagos de mineração de caráter ácido, em decorrência da oxidação de minerais sulfetados (Klapper & Schultze, 1995; Miller et. al., 1996; Levy et. al., 1997; Geller et. al., 1998; Stevens & Lawrence, 1998; Packroff, 2000; Lessmann et. al., 2000; Kalin et. al., 2001; Boland & Padovan, 2002; Hindak & Hindáková, 2003).

O trabalho apresenta o estudo de caso relativo ao enchimento da cava da Mina de Águas Claras, Belo Horizonte-MG. Trata-se aqui da primeira documentação detalhada sobre a qualidade da água durante a formação de lagos profundos em cavas de mineração no Brasil. A exploração de minério de ferro, realizada pela MBR (Minerações Brasileiras Reunidas S/A) iniciou-se em 1973, tendo sido encerrada após 28 anos de atividade. Neste período foram retiradas cerca de 300 milhões de toneladas de minério. São três as fontes hídricas para o enchimento do lago: águas subterrâneas que afluem à cava, após interrupção do funcionamento dos poços de bombeamento; água superficial aduzida de um curso d'água vizinho à área da mineração (Ribeirão do Prata) e a precipitação pluviométrica, a qual incide sobre a cava durante a estação chuvosa (Outubro a Março). Conforme modelagem hidrológica realizada antes do enchimento, a recarga de água permitirá futuramente a manutenção do nível de água desejado (Grandchamp et. al., 2001). A Figura 1 apresenta a evolução do enchimento da cava da mina de Àguas Claras. Embora esteja geograficamente situado próximo à área urbana de Belo Horizonte, o lago encontra-se separado da mesma pela Serra do Curral. Desta forma não ocorre nenhuma influência antrópica em sua bacia de drenagem, a menos naturalmente da atividade minerária.


Em sua configuração final o Lago de Águas Claras possuirá uma área de 0,67 km2, um volume total de 58 milhões de m3 e a marcante profundidade máxima de 234 m, que lhe conferiria atualmente a posição de lago mais profundo do país. Sua profundidade relativa (relação entre profundidade máxima e diâmetro médio do lago, conforme Håkanson, 1981) será de 25 %, que é um valor extremamente alto, indicando a ocorrência futura de condições de meromixia. A dificuldade de circulação vertical completa em lagos de mineração é discutida em Stevens & Lawrence (1998).

METODOLOGIA

O programa de monitoramento do enchimento do Lago de Águas Claras envolve todos os parâmetros mais relevantes para a avaliação da qualidade da água, abrangendo tanto aqueles de natureza físico-química quanto hidrobiológica (Chapman & Kimstach, 1992). Neste trabalho será feita uma apreciação apenas dos parâmetros mais importantes. As amostragens foram realizadas com frequência mensal, seguindo-se os métodos analíticos preconizados pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1998). A determinação hidrobiológica do fitoplâncton e do zooplâncton foi feita de forma quantitativa e qualitativa, com classificação taxonômica até o nível de espécie, quando possível. Para tanto foram utilizadas as chaves de identificação disponíveis na literatura clássica especializada.

O período de monitoramento contemplado neste trabalho estendeu-se de agosto/2001 a setembro/2003. O ponto de amostragem está situado na superfície do lago, em sua região central. A partir de setembro/2001, quando a profundidade já era superior a 10 m, foram também realizadas coletas nas camadas de fundo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir são apresentados os resultados das análises relativas aos parâmetros mais relevantes, juntamente com a discussão sobre seus aspectos ambientais e sanitários.

Temperatura da água

As variações de temperatura na superfície e no fundo do lago estão apresentadas na Figura 2. Os valores seguem as oscilações naturais da temperatura do ar, conforme seus aspectos de sazonalidade.


Cabe destacar que, em decorrência do elevadíssimo calor específico da água, os ambientes aquáticos apresentam amplitudes térmicas consideravelmente inferiores àquelas obtidas na atmosfera. Com relação ao perfil térmico (variação da temperatura em função da profundidade), que está sendo determinado desde a amostragem de 05/09/01, as oscilações verticais (diferenças entre superfície e fundo) são naturalmente superiores nos meses mais quentes do ano, tendo atingido os maiores valores quando o lago superou a profundidade de 30 m: 5,5 0C em dezembro/02 (profundidade de 40 m) e 4,4 0C em março/03 (profundidade de 50 m). Por outro lado nos meses de inverno ocorre um resfriamento da camada superficial, provocando um aumento da densidade da água naquela região. Desta forma a densidade na superfície do lago assume valores próximos àqueles encontrados nas camadas inferiores, gerando consequentemente um processo de circulação vertical da massa líquida mediante a atuação do vento. As diferenças de temperatura entre superfície e fundo apresentaram portanto os valores mínimos nos meses mais frios: 00 C (junho/03, profundidade de 51 m), 0,1 0C (julho/02, profundidade de 32 m) e 0,2 0C (maio/02, profundidade de 27 m). Constata-se assim a clara ocorrência de períodos de estratificação que se alternam com a fase de circulação da coluna de água. Para melhor representar a estabilidade térmica, foi proposta a utilização do parâmetro conhecido como resistência térmica relativa (RTR) (Wetzel, 1983). Quanto maior for o seu valor, maior será a estabilidade térmica do ambiente, indicando a sua resistência à circulação vertical. A RTR é calculada mediante a relação entre as diferenças de densidade entre superfície e fundo e um valor arbitrado de 0,008, que corresponde à diferença de densidade entre as temperaturas de 5 e 4 0 C. A Figura 3 apresenta a evolução da RTR ao longo dos diversos meses de coleta. Observa-se claramente que os maiores valores são sempre registrados nos períodos mais quentes do ano, quando a estabilidade térmica é naturalmente maior. Constata-se ainda uma tendência de aumento da RTR à medida em que o lago vai tornando-se mais profundo. Em sua fase final de formação o lago de Aguas Claras será meromítico, isto é, não sofrerá circulações verticais completas devido à sua elevada profundidade relativa (muito profundo em relação à pequena área).


Oxigênio dissolvido

As concentrações de oxigênio dissolvido encontradas até o momento no lago de Aguas Claras são, em geral, plenamente satisfatórias, com valores que indicam elevados percentuais de saturação. Na Figura 4 estão registrados os valores obtidos nas coletas de superfície e de fundo.


No aspecto global, os teores de oxigênio dissolvido variaram de 11,1 mg/L (agosto/02, 3 m de profundidade) a 4,3 mg/L (dezembro/02, 4 m de profundidade), sendo sempre registradas concentrações mais elevadas nas camadas superiores, que é onde ocorre a atividade fotossintética das algas, com consequente liberação de oxigênio. Cabe ainda destacar a influência da temperatura na dissolução de gases na água (lei de Henry), sendo tanto maior a dissolução quanto mais fria for a temperatura da água. Desta forma os maiores teores de oxigênio são normalmente encontrados no período de inverno. Observa-se também a ocorrência do fenômeno de supersaturação de oxigênio, ou seja, a obtenção de teores superiores ao limite de saturação para aquela dada temperatura e aquela pressão atmosférica. Assim sendo, as concentrações superiores a 9 mg/L, registradas nos meses de agosto/02, outubro/02 e abril/03 denotam um excesso de oxigênio em decorrência da atividade fotossintética das algas. As diferenças de concentração entre superfície e fundo variaram de 3,3 mg/L (dezembro/02) a 0,02 mg/L (junho/02), observando-se que as menores diferenças ocorrem obviamente em períodos de circulação da massa líquida. Nesta ocasião o perfil de oxigênio dissolvido assume o aspecto ortogrado, ou seja, constitui-se em uma reta desde a superfície até o fundo. Na fase de estratificação o perfil torna-se clinogrado, isto é, assume a conformação de uma curva. Ocasionalmente os valores mais altos de oxigênio dissolvido foram encontrados não exatamente na superfície, mas um pouco abaixo, em região onde frequentemente ocorre o maior acúmulo de algas. Observa-se assim o estabelecimento de máximas metalimnéticas, que constitui-se em fenômeno comum em ambientes lênticos. Por outro lado ocorrem eventualmente também as mínimas metalimnéticas, como foi o caso em dezembro/02. Este perfil anômalo é devido ao acúmulo de bactérias na região do metalímnio, as quais podem atuar intensamente na decomposição da matéria orgânica, provocando assim a diminuição das concentrações de oxigênio dissolvido. Com o prosseguimento do enchimento do lago, poderá ocorrer, em determinadas épocas do ano, uma redução do teor de oxigênio nas camadas profundas, a qual deverá ser recuperada mediante a circulação vertical natural do corpo d'água. No entanto quando o lago atingir elevadas profundidades, aproximadamente superiores a 100 m, espera-se uma forte redução do estoque de oxigênio dissovido nas camadas profundas, as quais tendem futuramente a permanecer anóxicas (com ausência de oxigênio) ou hipóxicas (com baixas concentrações de oxigênio). Cabe ressaltar que a restrita presença de oxigênio dissolvido no fundo de corpos d'água é um fenômeno comum em lagos pequenos e profundos, como é o caso de Águas Claras, independentemente de qualquer influência antrópica.

Transparência

Os valores de transparência obtidos até o momento no lago de Aguas Claras são relativamente baixos (Figura 5), variando de 0,5 m (dez/01) a 3 m (julho/03), havendo a expectativa de que tornem-se mais elevados com a evolução do enchimento do lago. Na verdade isto já vem ocorrendo desde março/03, como pode ser evidenciado na mesma figura.


Nota-se uma esperada diminuição de valores por ocasião do período de chuvas. Assim sendo, a média do período abril-setembro (1,6 m) é consideravelmente superior àquela encontrada para o período outubro-março (1 m). O aporte natural de material mineral originário do entorno da cava, aliado ao crescimento de comunidades de algas, é o principais responsáveis pelos teores obtidos. Estes indicam que a profundidade da zona de penetração de luz (zona fótica) varia no intervalo de 1,5 a 9 m, já que esta região equivale a aproximadamente três vezes a transparência (Esteves, 1998).

Turbidez

No lago de Aguas Claras os valores de turbidez variaram de 1,1 UNT (junho/02, superf.) a 55 UNT (janeiro/03, fundo). Conforme pode ser observado na Figura 6, existe, em geral, o predomínio de valores mais elevados nas coletas de fundo, em decorrência da precipitação do material suspenso em águas de baixa movimentação horizontal. A média dos teores de turbidez nas amostragens de superfície foi de 8 unidades, contra 12 unidades nas amostragens de fundo. Observa-se ainda uma esperada compartimentalização sazonal, com valores mais elevados sendo registrados no período chuvoso (média outubro-março: 11 UNT) em comparação com a época seca (média abril-setembro: 5 UNT). Todos os resultados obtidos situam-se bastante abaixo do limite da Classe 2 (100 UNT), conforme Resolução CONAMA 20/86.


Cor

Os teores de cor nas águas do lago de Aguas Claras são muito baixos, tendo variado de < 1 unidade (em freqüentes amostragens) a 6 unidades (maio/01). Não se observa uma clara tendência de predomínio de valores maiores na superfície ou no fundo.Os resultados obtidos indicam uma presença muito restrita na água de colóides finamente dispersos ou de materiais corantes de origem orgânica. Constata-se ainda uma possível tendência à estabilização dos teores de cor, os quais atingiram um valor máximo de 2 unidades desde a coleta de março/02.

pH

Os valores de pH no lago de Aguas Claras (Figura 7) oscilaram de 6,9 (janeiro/03, superfície e fundo) a 9,2 (novembro/02 e abril/03, superfície), caracterizando portanto a ocorrência de águas tipicamente alcalinas, como aliás é comum para os ambientes aquáticos naturais.


Observa-se quase sempre o predomínio de teores mais elevados de pH na superfície em relação ao fundo, o que é devido à atividade fotossintética da comunidade fitoplanctônica, a qual absorve o ácido carbônico durante seu processo metabólico. Esta diferença entre camadas superiores e inferiores foi de até 1 unidade (novembro/02). A média de pH foi de 8 na superfície e de 6,9 no fundo. Não se observa qualquer influência sazonal na evolução dos teores de pH, podendo-se antever que os mesmos devam se manter futuramente na faixa de 7 a 9.

Condutividade elétrica

Para a condutividade elétrica os teores obtidos no lago de Aguas Claras (Figura 8) variaram de 68 mS/cm (nov/02, fundo) a 113 mS/cm (maio/01, superfície), indicando a presença de sais dissovidos na água, de origem geoquímica. Observa-se que tais valores situam-se em uma faixa estreita e não têm se alterado significativamente ao longo do tempo. Por outro lado pode-se constatar a ocorrência de teores um pouco mais elevados no período seco, quando não ocorre o efeito diluidor das águas de chuva. Possivelmente os valores de condutividade nas amostragens futuras serão mantidos na faixa de 70 a 90 mS/cm, considerando-se a ausência de quaisquer pulsos poluidores que venham a afetar significativamente a qualidade da água.


Fosfato total e solúvel

As concentrações de fosfato total no lago de Aguas Claras situaram-se na faixa de < 0,01 mg/L a 0,177 mg/L (junho/01, superfície). Abstraindo-se deste último valor, pode ser observada uma suave tendência temporal decrescente para as concentrações de fosfato. Os teores registrados, embora freqüentemente superiores (em cerca de 40 % dos resultados) ao limite estabelecido para a Classe 2 (0,025 mg/l), não podem ser considerados como elevados, já que grande parte dos corpos d'água no Estado de Minas Gerais possuem concentrações naturais superiores a este limite. Cabe ainda destacar que a referida Resolução encontra-se em processo de revisão quanto à avaliação de fosfato total, cujo limite para a Classe 2 deverá sofrer substancial incremento. Não se observa uma clara caracterização na diferença de valores entre superfície e fundo, conforme pode ser visualizado na Figura 9, embora seja percebida uma leve propensão à obtenção de maiores valores na coleta de fundo em época de estratificação da massa líquida, fato este já reportado em vários trabalhos sobre limnologia tropical (Tundisi & Saijo, 1997).


Com relação à fração solúvel, grande parte dos valores até agora obtidos (aproximadamente 80 %) são inferiores a 0,01 mg/L. Merece registro a elevada concentração de fosfato solúvel encontrada em junho/03, superfície (0,177 mg/L), que coincide com o valor de fosfato total. A fração solúvel do fósforo é aquela que é mais facilmente incorporada à biomassa das algas. Com a evolução do enchimento da cava e principalmente na fase pós-formação do lago é provável que a fração solúvel esteja mais fortemente presente nas camadas profundas em decorrência do fenômeno de fertilização interna, ou seja, solubilização dos sais de fósforo sob condições de anaerobiose.

Série nitrogenada

Os resultados da série nitrogenada no lago de Aguas Claras apontam para concentrações relativamente baixas dos parâmetros analisados. O nitrogênio amoniacal, que representa a fração reduzida do nitrogênio, apresentou concentrações variando de < 0,05 mg/L a 0,4 mg/L (agosto/02, superfície) (Figura 10). À semelhança do fósforo, também aqui não se constata uma tendência espacial (as diferenças entre superfície e fundo são muito variáveis) nem tampouco temporal na evolução dos resultados.


Com relação ao nitrogênio nítrico (Figura 11), as concentrações situaram-se na faixa de < 0,01 mg/L a 1,3 mg/L (mai/01). Destaca-se que os menores teores de nitrogênio nítrico coincidem com valores mais elevados de DBO, o que é explicado pela incompatibilidade química entre estes dois parâmetros. A apresentação gráfica dos resultados indica uma tendência na diminuição dos valores ao longo do tempo. Observa-se ainda o freqüente predomínio da fração oxidada (N-nítrico) sobre a fração reduzida (N-amoniacal), com exceção apenas de algumas coletas, em consonância portanto com a boa condição de oxigenação das águas do lago de Aguas Claras.


O estudo da relação nitrogênio/fósforo permite uma avaliação aproximada de qual é o nutriente limitante ao crescimento das algas. Conforme a Figura 12, observa-se que a maioria dos resultados (80%) é superior a 7, o que caracteriza o predomínio do fósforo como nutriente limitante. No entanto no período novembro/02-junho/03, ocorreu uma substancial redução na relação N/P, com apenas dois resultados acima de 7, indicando assim o nitrogênio como nutriente limitante nesta fase. Cabe destacar que o nitrogênio tem assumido o papel de limitante em ambientes aquáticos impactados pelo lançamento de esgotos (Downing & McCauley, 1992). As razões para isso são: as águas residuárias domésticas possuem uma relação N/P inferior à demanda das algas, ou seja, em tese faltaria nitrogênio para o crescimento destes organismos; em lagos impactados ocorre o fenômeno da desnitrificação nas camadas profundas, o qual conduz a uma perda de nitrogênio; finalmente nestes ambientes pode entrar em ação o processo de fertilização interna, isto é, liberação de fósforo das camadas anaeróbias do sedimento. A conjunção destes fatores leva à conclusão de que a constatação do nitrogênio como nutriente limitante pode estar associada a uma baixa qualidade ecológica do ambiente.


Para o lago de Águas Claras a tendência, já manifestada nos resultados do monitoramento, é de que o fósforo assuma permanentemente o papel de limitante, muito embora seja observada uma tendência de decréscimo na relação N/P (Figura 12). Nesta mesma figura constata-se ainda a ocorrência de picos na relação N/P durante a época seca, ocasião em que normalmente a qualidade da água é melhor devido à ausência de chuvas. Este comportamento tem sido observado em outros ambientes lênticos situados na Região Metropolitana de Belo Horizonte (Souza, 2003). Uma possível explicação para tal fato seria a maior assimilação do fósforo pelas algas em períodos de altos valores de transparência.

Reduzidos valores da relação TN/TP favorecem o predomínio de espécies algais com heterocistos (células transparentes, com paredes espessas, que ocorrem ao longo do filamento de certas algas), as quais são capazes de fixar nitrogênio diretamente da atmosfera. Na Figura 12 os valores mais baixos de TN/TP estão associados à presença de cianobactérias dos gêneros Raphidiopsis e Oscillatoria,ambas heterocistadas (Margaleff, 1983).

Demanda bioquímica de oxigênio

De forma coerente com a boa oxigenação das águas na cava da mina de Aguas Claras, a DBO encontrada foi muito baixa, com concentrações variando de < 0,1 mg/L (diversas coletas) a 4,3 mg/L (dezembro/02, superfície) (Figura 13). Todos os teores obtidos situam-se portanto abaixo do limite da Classe 2 (5 mg/L). À exceção do valor de dezembro/02, cuja magnitude deve ter sido influenciada pelo período chuvoso, todos os outros resultados são inferiores a 2,8 mg/L, com cerca de 80 % deles iguais ou menores que 1 mg/L. Frequentemente os valores das coletas de superfície têm sido superiores aos das coletas de fundo. Isto deve-se à rápida decomposição da matéria orgânica nas camadas superficiais, ou seja, esta matéria orgânica já chega mineralizada ao fundo do lago, não gerando consequentemente teores altos de DBO. Em geral, não se observa uma segmentação temporal delineada, ou seja, não existem diferenças marcantes entre coletas feitas na seca e no período chuvoso. Embora a obtenção de baixas concentrações já fosse esperada, dado o fato de não existir fonte de contaminação orgânica no entorno da cava, o registro de reduzidos valores de DBO é sempre um excelente indicador de qualidade. Os teores encontrados apontam para uma restrita demanda de oxigênio, possivelmente apenas para a decomposição da matéria orgânica autóctone, ou seja, aquela gerada dentro do próprio lago, como é o caso típico das algas. É importante destacar que o enchimento da cava está sendo feito em região desprovida de vegetação, não havendo assim a demanda de oxigênio para estabilização de matéria orgânica vegetal.


Ferro

Os teores de ferro total no lago de Aguas Claras situaram-se na faixa de < 0,05 mg/L (diversas amostragens) a 1,73 mg/L (jan/03, fundo) (Figura 14). Tais valores são típicos de bacias de drenagem geoquimicamente ricas em ferro, como é o caso da cava de Águas Claras. Observou-se o predomínio de concentrações mais elevadas na região de fundo, formada pelo sedimento com alto conteúdo de minério de ferro. Pela Figura 14 pode-se observar, a partir aproximadamente de fevereiro/03, uma tendência decrescente para os teores de ferro no fundo do lago.


A fração solúvel do ferro teve concentrações sempre inferiores a 0,05 mg/L (limite da Classe 2: 0,3 mg/L), o que indica não estar ocorrendo processo bioquímico de solubilização do ferro. Em um período futuro, quando o estoque de oxigênio dissolvido no fundo do lago reduzir-se ou mesmo acabar devido à ausência de uma circulação completa da massa líquida, deverá ocorrer a ressolubilização do ferro contido no sedimento do lago.

Manganês

As concentrações de manganês oscilaram entre < 0,05 mg/L (70 % dos resultados) e 0,17 mg/L (fev/02, fundo), que constituem-se em valores relativamente baixos (Figura 15). Apenas 5 % dos teores foram superiores ao limite da Classe 2 (0,1 mg/L). Observa-se um claro declínio das concentrações a partir de março/02, quando apenas 3 valores situaram-se acima de 0,05 mg/l. Após fevereiro/03, todos os resultados foram inferiores a 0,05 mg/l. De forma semelhante ao ferro, também aqui foram observados teores mais elevados na camada profunda. A fração solúvel de manganês situou-se sempre abaixo do limite analítico de detecção (0,05 mg/L).


Bacteriologia

A análise da eventual presença de bactérias coliformes (coliformes fecais e E. coli) tem por objetivo avaliar a qualidade bacteriológica da água com relação à contaminação por esgotos. Sabe-se que algumas espécies de coliformes podem ocasionalmente ser encontradas no próprio solo ou mesmo na vegetação. Neste aspecto a determinação de bactérias Escherichia coli torna-se mais confiável, em virtude das mesmas serem originárias exclusivamente do trato intestinal de seres humanos e dos outros animais de sangue quente. Os resultados obtidos no lago de Aguas Claras apontam para uma virtual ausência de contaminação fecal, com quase todos os valores sendo inferiores a 2 NMP (Número mais provável/100 mL).

Coliformes fecais: 80 % dos resultados iguais ou inferiores a 2 NMP/100 mL; único valor elevado, digno de registro, ocorreu na coleta de dezembro/02, fundo (2400). A obtenção desta alta concentração deve estar associada às fortes chuvas do período.

Escherichia coli: 86 % dos resultados iguais ou inferiores a 2 NMP/100 mL. Valor máximo de 23 em dezembro/02, fundo, coincidindo com o alto valor de coliformes fecais.

Em termos de balneabilidade (Resolução CONAMA 274/00) as águas do lago estão enquadradas na categoria excelente (limites para esta classe: 250 NMP/100 mL de coliformes fecais e 200 NMP/100 mL de E. coli.

Hidrobioloia

A análise hidrobiológica das águas na cava, com determinação de fitoplâncton e zooplâncton, foi realizada a partir da campanha de amostragem de setembro/01. Os resultados hidrobiológicos constituem-se em excelente instrumental para a avaliação da qualidade de ambientes aquáticos. No caso de lagos em processo de formação são esperadas oscilações qualitativas (composição das espécies) e quantitativas (populações de cada espécie), até que o ambiente atinja naturalmente um estado de equilíbrio (homeostase).

O grupo do plâncton é constituido por organismos sem movimentação própria, que vivem em suspensão na água, podendo ser agrupados em fitoplâncton (algas, bactérias) e zooplâncton (protozoários, rotíferos, crustáceos). A comunidade planctônica exerce um papel fundamental na ecologia aquática, tanto na construção da cadeia alimentar quanto na condução de processos essenciais, como a produção de oxigênio e a decomposição da matéria orgânica.

As densidades do fitoplâncton obtidas até a última coleta (setembro/2003) são extremamente variáveis, refletindo a instabilidade típica de ambientes aquáticos em processo de formação (Figura 16). A menor população algal foi registrada no mês de julho/03 (237 ind/10 mL), enquanto que a maior (42.223 ind/10 mL) ocorreu em época semelhante (agosto/03), evidenciando a forte oscilação temporal dos resultados. Observa-se a leve tendência de obtenção de densidades mais elevadas no período seco, quando a capacidade diluidora do ambiente aquático é menor. Destaca-se também a ocorrência de picos de população de algas a partir de abril/02, contrastando com o predomínio de densidades aproximadamente uniformes no período anterior. Em um contexto mais amplo, nota-se ainda uma tendência de gradual declínio das populações algais ao longo do tempo (Figura 16).


Quanto à composição dos grupos algais (Figura 17), observou-se uma interessante alternância de predomínios, caracterizando a forte instabilidade do ecossistema aquático em formação.


A sequência de dominância dos diversos grupos do fitoplâncton pode ser resumida pelo esquema abaixo:

CianofíceasÞClorofíceas e PirrofíceasÞEuglenofíceasÞClorofíceasÞFitoflagelados e ClorofíceasÞCrisofíceasÞClorofíceasÞPirrofíceasÞ ClorofíceasÞCrisofíceasÞPirrofíceas ÞClorofíceasÞPirrofíceasÞCrisofíceasÞClorofíceasÞFitoflageladosÞCrisofíceas

Observa-se que as algas clorofíceas quase sempre intercalam na dominância, constituindo-se no único grupo que nunca ficou duas coletas seguidas sem apresentar população detectável. Este é o grupo que apresentou até agora a maior dominância global.

A distribuição quantitativa dos diversos grupos algais, no período agosto/01 a setembro/03, é representada na Figura 18.


São registrados picos da população fitoplanctônica em períodos que se seguem à estação chuvosa. Este comportamento foi observado em outros sistemas lênticos brasileiros (Esteves, 1998, Pinto-Coelho et. al., 2003), assim como em lagos tropicais fora do país (Ryding & Rast, 1989), provavelmente em consequência do aparecimento de condições limnológicas favoráveis (diminuição da turbidez, ocorrência de ventos mais fracos) após o período de chuvas. Destaca-se ainda o fato de que alguns episódios de queda na população fitoplanctônica coincidem com picos da comunidade zooplanctônica, como foi o caso em fevereiro e outubro/2002 e junho/2003.

As principais características de cada grupo fitoplanctônico são:

Cyanophyta: o predomínio mais regular deste grupo, fato este todavia não ocorrido, poderia suscitar fundadas preocupações com relação à possível presença de cianotoxinas, já que as primeiras mortes causadas por estes metabólitos e registradas na literatura internacional são originárias do Brasil, em 1996 (Azevedo et. al., 1996, Azevedo, 1998). Tais florações provocam consideráveis danos ao ambiente aquático, conforme já amplamente reportado na literatura especializada, não apenas com relação a lagos e represas (Chorus & Bartram, 1999, Bouvy et. al., 2000, Carmichael et. al., 2001), mas também para o caso de rios (Lanciotti et. al., 2003). As algas cianofíceas foram dominantes no Lago de Águas Claras apenas no período inicial de enchimento (agosto e setembro/2001), com destaque para as espécies Synechocystis prevalekii (formada por pequenos organismos com tamanho de 2,4 a 3,5 m) e Hyella sp. vivem preferencialmente no lodo (Komárek & Anagnostidis, 1999), o que justifica sua presença na fase inicial de formação do lago.

Chlorophyta: predomínio geral da espécie Chlorella vulgaris. Em março/2002 ocorreu floração de Monoraphidium sp., cuja detecção pode estar associada à presença de matéria orgânica (Palmer, 1962). Outros gêneros frequentes foram Chlorococcum, Chlamydomonas and Sphaerocystis. A dominância de Chlamydomonas foi registrada em lagos de mineração de características extremamente ácidas (Lessmann et. al., 2000).

Euglenophyta: surgiram apenas na amostragem de fevereiro/2002, ocupando 70 % da população fitoplanctônica total e com a clara dominância do gênero aclorofilado Peranema. Em maio/2002 ocorreu uma fraca floração de euglenófitas, representadas unicamente pelo gênero Trachelomonas. A presença de euglenófitas no lago de Águas Claras está correlacionada com a obtenção de elevados teores de DBO e turbidez. A maior parte dos gêneros encontrados são constituidos por organismos flagelados não pigmentados, os quais não realizam fotossíntese, vivendo portanto na dependência de disponibilidade de matéria orgânica.

Chrysophyta: estiveram presentes em baixas densidades na fase inicial de enchimento do lago, havendo então a presença quase exclusiva do gênero Synedra, acompanhado eventualmente de Pinnularia. A partir de maio/2002 as crisofíceas dominaram por 3 meses, seguindo-se então uma alternância de períodos de desaparecimento e de predomínio. Outros gêneros registrados em elevadas densidades foram Cyclotella e Navicula. No geral apenas estes 4 taxa foram registrados quantitativamente, todos eles pertencentes ao grupo das diatomáceas. As algas diatomáceas têm sido apontadas como dominantes em lagos formados em cavas de mineração de cascalho (Hindak & Hindáková, 2003).

Pyrrophyta: a população de algas pirrófitas tem se apresentado de forma bastante variável ao longo do período de amostragem, tornando-se por vezes o grupo dominante na comunidade fitoplanctônica e ocasionalmente desaparecendo completamente; no conjunto de análises realizadas foi feita a detecção qualitativa de apenas 4 espécies de algas pirrófitas, sendo 3 do gênero Peridinium [P. cinctum (dominante), P. volzii e P. wisconsinense] e 1 do gênero Peridinopsis.

Fitoflagelados: as algas fitoflageladas foram detectadas logo no início do enchimento do lago de Águas Claras, seguindo-se então períodos de forte presença e de desaparecimento, como tem sido a tônica com vários outros grupos algais.

Com relação ao zooplâncton observou-se uma forte variação de densidades, desde 41 ind./10 L (fevereiro/2003) até 92.800 ind./10 L (agosto/2001) (Figura 19). Tais oscilações, como também para o caso do fitoplâncton, devem ser debitadas à instabilidade natural decorrente de um ambiente aquático em processo de formação. Pode ser constatada uma clara tendência de diminuição da população zooplanctônica ao longo do tempo.


Foram encontradas populações zooplanctônicas mais elevadas no período seco (época invernal), o que pode ter sido causado por um incremento de salinidade em decorrência da maior evaporação. Esta característica não parece no entanto estar claramente elucidada, já que pesquisas em lagos brasileiros mostram um aumento da comunidade do zooplâncton na estação chuvosa (Sendacz, 1984), enquanto outros autores consideram a chuva como um fator de perda para o zooplâncton (Campbell et. al., 1998).

Não apenas as densidades, mas também os grupos dominantes têm apresentado amplas variações, ressaltando-se a alternância de predomínio geral entre rotíferos e crustáceos (Figura 20). Os protozoários só compuseram o grupo dominante em concentrações muito baixas (75 ind/10 L em julho/02, 41 em fevereiro/03, 145 em julho/03).


A sequência de dominância está sumarizada abaixo:

Rotíferos Þ crustáceos Þ rotíferos Þ crustáceos Þ rotíferos Þ crustáceos e protozoários Þ rotíferos Þ crustáceos Þ protozoários Þ crustáceos Þ rotíferos Þ protozoários Þ rotíferos

No período de agosto/01 a setembro/03 as populações do zooplâncton estiveram quase que exclusivamente divididas entre rotíferos e crustáceos: rotíferos(66 %), crustáceos (33 %), protozoários (1 %).

Os picos de população do zooplâncton não seguem nenhum claro padrão sazonal, mas algumas vezes estão correlacionados com as densidades fitoplanctônicas, como já foi reportado no caso de lagos de mineração (Packroff, 2000). A Figura 20 mostra um marcante pico populacional do zooplâncton em fevereiro/2002, o qual coincidiu com uma queda na densidade do fitoplâncton. Nesta ocasião ocorreu a dominância de algas Cyclopoida (principalmente do gênero Peranema), as quais são organismos detritívoros e carnívoros (Hutchinson, 1975; Cole, 1983) e vivem preferencialmente no metalímnio de lagos e represas (Okano, 1980).

CONCLUSÕES

Os resultados das campanhas de monitoramento até agora realizadas, avaliados em conjunto, permitem concluir pelo predomínio de uma qualidade de água muito boa no lago em formação. Trata-se de um ambiente bem oxigenado, inclusive nas camadas profundas, com baixos teores de cor e turbidez, de pH levemente alcalino, com um restrito grau de mineralização (baixa alcalinidade, dureza e condutividade elétrica) e reduzidos teores de nutrientes. As águas na cava estão livres de contaminação mineral e orgânica, o que é evidenciado pelos baixos valores de DBO, nitrogênio amoniacal e coliformes, assim como pela ausência de metais pesados e de outros agentes tóxicos. Dentre os parâmetros constantes dos Padrões de Qualidade para Corpos d'Água (Resolução CONAMA 20/86), quase todos os resultados do monitoramento do lago de Aguas Claras situam-se abaixo dos limites fixados para a Classe 2. O único parâmetro que não está em conformidade plena com a referida legislação é o fosfato total, cuja presença natural nos solos da região é significativa, de acordo com considerações feitas anteriormente neste trabalho. No aspecto hidrobiológico observa-se claramente a forte instabilidade do ambiente em formação, notadamente com relação à sequência do predomínio de grupos de algas e à alternância entre rotíferos e crustáceos na comunidade do zooplâncton.

De maneira geral constata-se a tendência à obtenção de um equilíbrio nos valores de vários parâmetros, à medida em que o lago vai adquirindo uma certa estabilidade na sua estrutura fisico-química. No entanto os parâmetros hidrobiológicos e aqueles que estão associados à dinâmica de crescimento de organismos, como nutrientes por exemplo, deverão ainda experimentar sensíveis variações ao longo do tempo, decorrentes do próprio processo de formação do lago. O prognóstico favorável com relação à qualidade da água no lago de Águas Claras permite indicar como prováveis usos para o futuro ambiente as atividades de recreação (natação, pesca, vela), harmonia paisagística e, caso necessário, abastecimento de água para comunidades vizinhas. Devido à elevada profundidade do lago o exercício de recreação de contato primário deverá estar vinculado a estritas normas de segurança.

Recebido: 28/04/04 Aceito: 22/07/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      22 Jul 2004
    • Recebido
      28 Abr 2004
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