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Análise temporal da sarna da macieira nas cultivares Royal Gala e Fuji sob os sistemas convencional e orgânico de produção

Temporal analysis of apple scab in ‘Royal Gala’ and ‘Fuji’ under conventional and organic production systems

Resumos

A sarna da macieira, causada por Venturia inaequalis, é uma das principais doenças da cultura. Devido à grande preocupação com os riscos de contaminação ambiental e intoxicação humana, o cultivo orgânico surge como uma alternativa, buscando preservar a qualidade do produto final em relação ao sistema convencional. Com o objetivo de avaliar a epidemiologia da sarna da macieira nos sistemas convencional e orgânico de produção, foi empregada a técnica de análise da dinâmica temporal, nas cultivares Royal Gala e Fuji, nas condições edafo-climáticas do Sul do Brasil. A incidência foi quantificada semanalmente, gerando 16 mapas em cada sistema de produção e quinzenalmente, a severidade da doença foi avaliada em 100 folhas, distribuídas em quatro ramos, de acordo com escala diagramática específica, com 12 repetições. Foram plotadas curvas de progresso da doença e as epidemias comparadas em relação a) início do aparecimento dos sintomas (IAS); b) tempo para atingir a máxima intensidade da doença (TAMID); c) valor máximo de severidade da doença (y max) e d) área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD). Os dados de incidência foram analisados por meio de análise de regressão linear simples, ajustados para três modelos empíricos, Logístico, Monomolecular e Gompertz. As cultivares avaliadas foram suscetíveis à V. inaequalis, com diferenças significativas entre as cultivares e entre os sistemas de produção. Houve maiores níveis de intensidade de doença e taxa de progresso da doença (r) no sistema orgânico que no sistema convencional de produção, sendo que o modelo mais apropriado para descrever a curva de progresso da doença foi o Logístico.

Malus domestica; Venturia inaequalis; modelos epidemiológicos; curva de progresso da doença


Apple scab disease, caused by Venturia inaequalis, is one of the most important threats to apple production. Due to great concern about the risks of environmental contamination and human poisoning, organic production is seen as an alternative, while preserving product quality at the standard of the conventional system. Aiming to evaluate apple scab epidemiology under conventional and organic production systems , a temporal analysis in ‘Royal Gala’ and ‘Fuji’ was used, in the edafo-climatic conditions of the Southern Brazil. The incidence was quantified weekly, generating 16 maps in each system of production. Biweekly, the severity of the disease was evaluated in 100 leaves, distributed in four branches, in accordance with the diagramatic scale of Croxall et al (1952) with 12 repetitions. With the data, curves of disease progress were made and the epidemics compared in relation to: a) the beginning of symptom appearance (BSA); b) the time to reach the maximum disease intensity (TRMDI); c) the maximum value of disease severity (y max); and d) area under the disease progress curve (AUDPC). The incidence data were analyzed by linear regression and adjusted for three empirical models: Logistic, Monomolecular and Gompertz. The cultivars evaluated were susceptible to V. inaequalis, significant differences being detected between cultivars and between production systems. Disease intensity and disease progress rate (r) were higher in the organic than in the conventional system of production. The Logistic epidemiological model was the most appropriate one to describe the disease progress curve.

Malus domestica; Venturia inaequalis; epidemiological models; area under the disease progress curve


ARTIGOS ARTICLES

Análise temporal da sarna da macieira nas cultivares Royal Gala e Fuji sob os sistemas convencional e orgânico de produção

Temporal analysis of apple scab in ‘Royal Gala’ and ‘Fuji’ under conventional and organic production systems

Luthiani P. CesaI; Waldir C. Jesus JuniorII; Amauri BogoI; Adriana LazarotoI; Alinne SilvaI; Cassandro V.T. AmaranteI

IDepartamento de Fitotecnia, Universidade do Estado de Santa Catarina, CEP 88520-000, Cx. Postal 281, Lages, SC, e-mail: a2ab@cav.udesc.br

IIDepartamento de Fitotecnia, Universidade Federal do Espírito Santo, CEP 29500-000, Alegre, ES, e-mail: wcintra@cca.ufes.br

RESUMO

A sarna da macieira, causada por Venturia inaequalis, é uma das principais doenças da cultura. Devido à grande preocupação com os riscos de contaminação ambiental e intoxicação humana, o cultivo orgânico surge como uma alternativa, buscando preservar a qualidade do produto final em relação ao sistema convencional. Com o objetivo de avaliar a epidemiologia da sarna da macieira nos sistemas convencional e orgânico de produção, foi empregada a técnica de análise da dinâmica temporal, nas cultivares Royal Gala e Fuji, nas condições edafo-climáticas do Sul do Brasil. A incidência foi quantificada semanalmente, gerando 16 mapas em cada sistema de produção e quinzenalmente, a severidade da doença foi avaliada em 100 folhas, distribuídas em quatro ramos, de acordo com escala diagramática específica, com 12 repetições. Foram plotadas curvas de progresso da doença e as epidemias comparadas em relação a) início do aparecimento dos sintomas (IAS); b) tempo para atingir a máxima intensidade da doença (TAMID); c) valor máximo de severidade da doença (ymax) e d) área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD). Os dados de incidência foram analisados por meio de análise de regressão linear simples, ajustados para três modelos empíricos, Logístico, Monomolecular e Gompertz. As cultivares avaliadas foram suscetíveis à V. inaequalis, com diferenças significativas entre as cultivares e entre os sistemas de produção. Houve maiores níveis de intensidade de doença e taxa de progresso da doença (r) no sistema orgânico que no sistema convencional de produção, sendo que o modelo mais apropriado para descrever a curva de progresso da doença foi o Logístico.

Palavras-chave adicionais: Malus domestica, Venturia inaequalis, modelos epidemiológicos, curva de progresso da doença.

ABSTRACT

Apple scab disease, caused by Venturia inaequalis, is one of the most important threats to apple production. Due to great concern about the risks of environmental contamination and human poisoning, organic production is seen as an alternative, while preserving product quality at the standard of the conventional system. Aiming to evaluate apple scab epidemiology under conventional and organic production systems , a temporal analysis in ‘Royal Gala’ and ‘Fuji’ was used, in the edafo-climatic conditions of the Southern Brazil. The incidence was quantified weekly, generating 16 maps in each system of production. Biweekly, the severity of the disease was evaluated in 100 leaves, distributed in four branches, in accordance with the diagramatic scale of Croxall et al (1952) with 12 repetitions. With the data, curves of disease progress were made and the epidemics compared in relation to: a) the beginning of symptom appearance (BSA); b) the time to reach the maximum disease intensity (TRMDI); c) the maximum value of disease severity (ymax); and d) area under the disease progress curve (AUDPC). The incidence data were analyzed by linear regression and adjusted for three empirical models: Logistic, Monomolecular and Gompertz. The cultivars evaluated were susceptible to V. inaequalis, significant differences being detected between cultivars and between production systems. Disease intensity and disease progress rate (r) were higher in the organic than in the conventional system of production. The Logistic epidemiological model was the most appropriate one to describe the disease progress curve.

Additional keywords:Malus domestica, Venturia inaequalis, epidemiological models, area under the disease progress curve.

INTRODUÇÃO

A cultura da macieira (Malus domestica Borkh.) vem apresentando rápido crescimento no Brasil, sendo que a área plantada passou de 170 ha em 1974 para 33 mil ha em 2003 (Icepa, 2003; Embrapa, 2004). Os principais Estados produtores são Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, sendo que o Estado catarinense responde por mais da metade da produção nacional (Icepa, 2003).

Até a década de 70, o mercado nacional de maçã era totalmente dependente da importação. Atualmente, porém, a produção brasileira é suficiente para abastecer o mercado interno, gerando ainda um excedente que é exportado para os Estados Unidos e Europa (Embrapa, 2004). Para garantir essa exportação é fundamental melhorar a qualidade do fruto, tanto no aspecto visual quanto no de segurança alimentar, relacionado principalmente a redução de resíduos químicos. Dentro deste contexto, o conhecimento da epidemiologia das principais doenças da cultura é imprescindível para que medidas de controle sejam implementadas em momento adequado, com técnicas corretas e racionalização do uso de agroquímicos.

A sarna da macieira, causada pelo fungo Venturia inaequalis (Cooke) G. Winter, é uma das principais doenças da cultura, tendo distribuição generalizada em todas as regiões produtoras de maçãs do mundo (Boneti et al., 2001). No Brasil a doença foi constatada pela primeira vez em 1950, no estado de São Paulo (Issa, 1952, citado por Boneti et al., 2002). O ciclo de vida do fungo é constituído de duas fases, a fase saprofítica ou sexuada, que ocorre durante o período de repouso da macieira, encontrando-se o fungo nas folhas caídas sobre o solo, e a fase parasítica ou assexuada, que se manifesta durante o período vegetativo da macieira. A produção e a maturação dos ascósporos ocorrem no período entre o final do inverno e o início da primavera, em temperaturas de 16 a 18 ºC, não ocorrendo em temperaturas superiores a 24 ºC (James & Sutton,1982) devido ao abortamento dos ascos. Os pseudotécios e ascósporos amadurecem de modo intermitente. Na região de São Joaquim SC, a liberação de ascósporos inicia-se em agosto, pouco antes da brotação da macieira, atinge o pico durante a floração, nos meses de setembro e outubro e encerra-se em novembro (Boneti & Katsurayama, 1988). Deste modo, verifica-se que a severidade da doença varia conforme a sua intensidade no ano anterior, cultivar utilizada, condições climáticas, medidas de controle relacionadas a fungicidas, momento de aplicação e tecnologia de aplicação utilizada (Berton, 2001). Apesar da existência de algumas cultivares resistentes à sarna, tais como Fred Hough e Catarina (Valdebenito-Sanhueza & Betti, 2005), as duas principais cultivares plantadas, Gala e Fuji, são suscetíveis à doença (Berton, 2001).

Embora o cultivo da macieira encontre-se consolidado, trata-se de uma atividade muito competitiva e que requer o uso constante de tecnologias, especialmente a aplicação de fungicidas (Boneti & Katsurayama, 1998). Porém, devido à grande preocupação com os riscos de contaminação ambiental, intoxicação humana, surgimento de isolados fúngicos resistentes aos fungicidas e a recente proibição de utilização de alguns dos agroquímicos por determinados mercados consumidores (Ambrosano, 1999), o controle das doenças tem sido dificultado.

A maior incidência e perdas provocadas pelas doenças, o custo da escala de produção, a dependência dos recursos não renováveis, a redução da biodiversidade, a contaminação da água, a presença de resíduos químicos em alimentos, a degradação do solo e os riscos à saúde dos trabalhadores que manuseiam pesticidas são fatores apontados no questionamento da sustentabilidade do sistema convencional (Reganold et al., 2000). Neste sentido, o cultivo orgânico surge como uma alternativa, no qual se busca preservar a qualidade do produto final e reduzir o impacto ambiental em relação ao sistema convencional (Reganold et al., 2000; Camargo et al., 2001; Werner, 2001). Porém, a implementação do sistema orgânico requer um estudo detalhado da epidemiologia das principais doenças quanto a sua incidência, severidade, freqüência de ocorrência, características dos isolados dos fungos, sobrevivência e disseminação dos patógenos, e da qualidade do produto colhido, visando obter viabilidade técnica e econômica em longo prazo. Isto é especialmente importante considerando a fragilidade dos agroecossistemas durante o período de transição do sistema convencional para o sistema orgânico de produção.

Pelos preceitos da agricultura orgânica, as doenças são problemas gerados pelo manejo inadequado dos agroecossistemas, sendo importante a adoção de medidas preventivas que recomponham ou preservem o equilíbrio biológico, evitando assim o surgimento ou agravamento dos problemas fitossanitários (Costa & Campanhola, 1997).

A comparação de epidemias em diferentes agroecossistemas é um instrumento de pesquisa que permite definir princípios gerais para os fenômenos epidemiológicos, servindo para aferir hipóteses e teorias, sustentando-as ou refutando-as, em função dos resultados obtidos (Kranz, 1988).

A incidência e a severidade da sarna da macieira nunca foram quantificadas e comparadas em sistemas de cultivo convencional e orgânico para que se possa entender a epidemiologia e conseqüentes formas alternativas de controle. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo caracterizar a dinâmica temporal da sarna da macieira nos sistemas convencional e orgânico de produção, nas cultivares Royal Gala e Fuji, nas condições edafo-climáticas do Sul do Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Áreas: o experimento foi conduzido no município de Urupema, localizado na Região Serrana do Estado de Santa Catarina, a uma altitude de 1.425 metros, onde predomina o clima mesotérmico úmido (Cfb), segundo a classificação de Köppen, que se caracteriza por apresentar inverno e verão brandos. As áreas estudadas distam em 1,5 km e se constituem em dois pomares comerciais de maçãs de 11 anos de idade, um conduzido sob o sistema convencional de produção (SCP), com 1.950 plantas e o outro sob o sistema orgânico de produção (SOP), com 1.250 plantas. Foi empregado um espaçamento de 5 m entre linhas e 3 m entre plantas nas linhas de plantio, com as cultivares Royal Gala e Fuji sobre o porta-enxerto EM-7, distribuídas em filas alternadas. Os pomares foram implantados em 1992, sendo que, no caso do manejo orgânico, a conversão ocorreu sete anos após a implantação, atendendo as exigências da Instrução Normativa n° 007, de 19/05/1999, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que dispõe sobre normas para a produção de produtos orgânicos vegetais e animais.

Durante os dois ciclos de cultivo ao qual o pomar convencional foi avaliado, foram utilizado para o manejo de doenças e pragas os fungicidas dos grupos químicos triazóis (difenoconazole e tebuconazole) imidazoles (triflumizole), estrubilurinas (kresoxim-metil), ditiocarbamatos (dithane) e fitalonitrila (chlorothalonil) e os inseticidas hidrocarbonetos (óleo mineral) e organofosforados (fenitrotion). No pomar orgânico, em função do difício equilíbrio entre nutrição-estrutura do solo e cultivar-clima, foram utilizados substâncias apoiadoras, como caldas bordalesa - 1%; calda sulfocálcia - 0.7%; biofertilizante supermagro – 4%; sulfato de zinco – 0.25%; sulfato de magnésio – 0.1%; nitrato de cálcio – 1%; ácido bórico – 0.2%; óleo de nim – 0.25% e melaço – 0.5%.

Avaliações: a severidade da doença foi quantificada quinzenalmente, de outubro a fevereiro, durante os anos agrícolas 2002/2003 e 2003/2004, em 12 plantas marcadas aleatoriamente de cada cultivar, para cada sistema de produção. Em cada planta avaliaram-se quatro ramos, e, em cada ramo, foram analisadas 25 folhas, empregando-se escala diagramática específica para a sarna da macieira (Croxall et al., 1952). A incidência total de plantas com sintomas da doença em cada área foi quantificada semanalmente, no período de 10 de outubro de 2003 a 4 de fevereiro de 2004, gerando 16 mapas em cada sistema de produção.

Curvas de progresso: as curvas de progresso foram plotadas, utilizando-se valores de severidade no tempo. As epidemias foram comparadas em relação ao tempo (DAPA - dias após a primeira avaliação), ao início do aparecimento dos sintomas (IAS), ao tempo para atingir a máxima intensidade da doença (TAMID), ao valor máximo de severidade da doença (ymax) e a área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD). Os dados de severidade foram comparados pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. Adicionalmente, os dados de incidência foram analisados por meio de análise de regressão linear simples, em que foram ajustados três modelos empíricos, Logístico, Monomolecular e de Gompertz (Campbell & Madden, 1990). Para a escolha do melhor modelo levou-se em consideração o coeficiente de determinação ajustado da análise de regressão (R*2), o valor do quadrado médio dos desvios e o gráfico dos resíduos (Jesus Junior et al., 2004). As taxas de progresso da doença (r) das curvas de incidência da sarna da macieira foram estimadas pelo parâmetro b da equação de regressão, obtidas a partir do modelo que permitiu melhor ajuste dos dados, sendo comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As médias de temperatura, umidade relativa e somatório pluviométrico foram de 16,4 °C, 84% e 688 mm, respectivamente, durante os períodos de condução dos experimentos (Figura 1).


A severidade da sarna foi maior no sistema orgânico de produção (SOP) do que no sistema convencional de produção (SCP) (Figura 2). De um modo geral houve um aumento da severidade da doença a partir dos 47º dia após a primeira avaliação (DAPA) na primeira safra e 26º DAPA, na segunda safra. Estes períodos coincidiram com o final da floração. De acordo com Boneti e Katsurayama (1988), na região de São Joaquim SC a liberação dos ascósporos inicia-se em agosto, pouco antes da brotação da macieira, atingindo um pico durante a floração, nos meses de setembro e outubro, encerrando-se em novembro. Assim, o aumento na intensidade da doença observado nos experimentos pode ser explicado em função, provavelmente, da maior presença de ascósporos na área nesse período. Adicionalmente verificou-se que na safra 2003-2004 a umidade relativa e as temperaturas foram mais elevadas que na safra 2002-2003 (Figura 1), fato que pode ter feito com que o aumento da severidade ocorresse antes (aos 26 DAPA) nessa safra.


As variáveis de quantificação da epidemia são apresentadas na Tabela 1. Foram constatadas diferenças significativas quanto ao IAS entre os sistemas de cultivo na safra 2002-2003, sendo que o IAS ocorreu mais tarde no SOP (média de 19 dias) quando comparado ao SCP (média de 14,5 dias), para as duas cultivares. Também foram detectadas diferenças estatísticas, nessa safra, entre as cultivares, de modo que o IAS foi maior na cultivar Fuji (média de 26,5 dias) em relação a Royal Gala (média de 7 dias), independente do sistema de produção. Porém, na safra 2003-2004 a tendência não se repetiu, sendo que houve diferença significativa entre os sistemas de produção somente no caso da cultivar Fuji, entretanto o IAS foi menor no SOP (4 dias) quando comparado ao SCP (7 dias), diferentemente do que ocorreu na safra 2002-2003. Com relação às cultivares, contrariamente ao que ocorreu na primeira safra, o IAS foi maior na cultivar Royal Gala (média de 10 dias) em relação a Fuji (média de 5,5 dias). Vanderplank (1963) classificou epidemiologicamente a resistência das plantas aos patógenos em vertical e horizontal, sendo que o principal efeito da primeira é o de retardar o início da epidemia através da redução da infecção inicial, enquanto que a segunda é tornar mais lento o desenvolvimento da epidemia após o seu início, através da taxa de infecção ou de progresso (r). Assim, o IAS é um importante componente epidemiológico que pode ser utilizado na comparação da resistência de cultivares (Parlevliet, 1979), sendo que é esperado, de um modo geral, que nas cultivares altamente suscetíveis a doença ocorra precocemente em relação àquelas mais resistentes. No presente estudo, porém, esse componente não foi útil para a comparação das cultivares, já que variou de uma safra para outra, ou seja, na primeira safra os sintomas da doença ocorreram primeiro na cultivar Royal Gala enquanto que na segunda ocorreram na Fuji.

No sistema convencional de produção, em ambas as safras, não foram detectadas diferenças significativas entre as cultivares para os valores de ymax. Porém, no sistema orgânico de produção, na safra 2002/2003, os valores de ymax foram de 1,15% e 3,22%, respectivamente, para as cultivares Royal Gala e Fuji. No entanto, quando se efetuou a comparação entre os sistemas de produção, os valores do ymax e do TAMID variaram estatisticamente, tendo atingido no SCP 0,45% aos 119 dias, na primeira safra, e no SOP 3,33% aos 77 e 88 dias, na segunda safra, nas cultivares Royal Gala e Fuji, respectivamente.

Apenas na safra 2002/2003 houve diferença significativa entre as cultivares com relação a AACPD, onde o sistema orgânico de produção apresentou 42,39 para a cultivar Royal Gala e 116,48 para a cultivar Fuji. Contudo, quando se compararam os sistemas de produção, os valores da AACPD variaram significativamente, com extremos no SCP variando de 20,07 a 29,06 e no SOP variando de 42,39 a 176,95 para as safras 2002-2003 e 2003-2004, respectivamente.

Um dos aspectos mais importantes da análise temporal de epidemias é a seleção de um modelo apropriado para descrever a curva de progresso da doença. Esta seleção tem como objetivo estimar variáveis que são utilizadas na análise estatística para comparação das curvas de progresso de doenças (Campbell & Madden, 1990). Dos modelos matemáticos testados, o Logístico (Y=b1/(1+b2*exp(- rt))), em que Y é a incidência da doença, b1 representa a assíntota máxima estimada pelo modelo, b2 é a constante de integração igual a 1-y0, y0 é o inóculo inicial, r representa a taxa de progresso da doença e t, o tempo, permitiu melhor ajuste dos dados, com base no R*2, quadrado médio dos desvios e gráfico dos resíduos (dados não apresentados). Portanto, foi selecionado o modelo logístico para comparação da doença nos dois sistemas de produção.

As curvas de progresso da incidência da sarna da macieira, estimadas pelo modelo Logístico, foram bastante similares nas duas cultivares para os dois sistemas de produção (Figura 3). No entanto, com base na taxa de progresso da doença (r), que é a variável que determina a suscetibilidade do hospedeiro a determinado patógeno (Campbell & Madden, 1990), verificou-se que a mesma, estimada pelo parâmetro b da equação de regressão linear simples, foi significativamente maior quando foram analisados os dados dessa regressão a partir do modelo Logístico no sistema orgânico (cultivar Fuji: Y = -11,1786 + 7,4403 x e cv. Royal Gala: Y = -9,0800 + 6,1385 x) do que no sistema convencional (cultivar Royal Gala: Y = -7,7816 + 5,1829 x e cultivar Fuji: Y = -6,7768 + 4,7056 x), pelo teste de Tukey (P<0,05), para as duas cultivares. Assim, tanto com base na severidade (Figura 2) quanto com base na incidência (Figura 3), verifica-se que a doença é maior no SOP do que no SCP. Este fato também tem sido observado em outros patossistemas (Rodrigues et al., 2004a,b). É considerado importante que se efetuem análises dessa natureza em outras culturas para avaliar se o SOP sempre favorece o desenvolvimento das doenças quando comparado ao SCP. Se nesses estudos for concluído que o SOP sempre favorece as doenças, há necessidade urgente de se entender o motivo de tal, de modo que se possa tentar manejar adequadamente esse sistema, tentando torná-lo menos propício ao desenvolvimento das doenças.


As epidemias de sarna da macieira, conforme apresentado neste estudo, foram diferentes nos sistemas convencional e orgânico de produção. Essa doença é policíclica, com grande capacidade de produção de inóculo secundário. Adicionalmente, sua intensidade no campo está relacionada, dentre outros fatores, com o nível de inóculo inicial presente nos restos culturais, o qual é fortemente influenciado pela época de queda das folhas no pomar (Boneti et al., 2001; Valdebenito-Sanhueza, 2004). Este fato pode ter favorecido a doença no sistema orgânico em relação ao sistema convencional de produção, pois o fato da intensidade de doença ter sido maior no sistema orgânico, pode acarretar uma maior deposição de inóculo nos restos culturais quando comparado com o sistema convencional. Outros aspectos que podem ter contribuído para a maior severidade da doença no sistema orgânico de produção englobam o estresse nutricional a que as cultivares provavelmente são submetidas, já que predomina a utilização de fertilizantes orgânicos, os quais normalmente apresentam lenta liberação de nutrientes para absorção vegetal (Kiehl, 1993), e o fato de que essas cultivares tenham sido selecionadas originalmente para produção em sistema convencional, sistema onde são utilizados principalmente fertilizantes minerais solúveis com imediata disponibilidade de nutrientes para as plantas. Adicionalmente, pode ser aventada a hipótese de que a freqüência de aplicação e a quantidade da adubação orgânica utilizadas tenham sido deficientes, levando as plantas à maior suscetibilidade ao patógeno. Assim, é de fundamental importância que se compreenda todos os fatores que atuam favorecendo o desenvolvimento das doenças no SOP, de modo a minimizar os danos causados pelas mesmas nesse sistema.

Com base no presente estudo verificou-se que as cultivares Fuji e Royal Gala foram suscetíveis a V. inaequalis e que o sistema orgânico de produção favoreceu o desenvolvimento da sarna. Deste modo, para o manejo fitossanitário da sarna da macieira em SOP, é necessário a utilização de cultivares com melhores níveis de resistência à doença, assim como o emprego de medidas que visem reduzir tanto o inoculo inicial do patógeno nas áreas de produção quanto a taxa de progresso da doença. Neste sentido destaca-se a eliminação de restos culturais, o uso de adubação balanceada e o tratamento fitossanitário com produtos permitidos pela legislação que trata da produção orgânica, em épocas adequadas.

Aceito para publicação em 26/12/2006

Autor para correspondência: Amauri Bogo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    26 Dez 2006
  • Recebido
    26 Dez 2006
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