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Assistência pré-natal e perinatal em Governador Valadares, Minas Gerais, Brasil

Resumo

Introdução:

O acompanhamento pré-natal e as condutas adotadas durante o parto são essenciais para garantir o bom desenvolvimento da gestação, prevenir complicações e proporcionar um parto saudável, sem impacto na saúde da puérpera e do recém-nascido.

Objetivo:

Analisar a assistência pré-natal e perinatal oferecida em Governador Valadares, Minas Gerais, e verificar se há associação entre a adequação do pré-natal e os fatores socioeconômicos, demográficos, comportamentais e reprodutivos.

Métodos:

Estudo transversal com base de dados pré-existente. Para a análise da adequação do pré-natal foram utilizados três critérios: 1) início até 16ª semana e número mínimo de consultas de acordo com a idade gestacional; 2) práticas dos profissionais nas consultas de pré-natal; 3) orientações oferecidas às gestantes pelos profissionais. Para a análise dos dados foi utilizada regressão logística multivariada.

Resultados:

Participaram do estudo 437 puérperas. A assistência pré-natal foi considerada adequada para 72,5%, 93,1% e 50,1% das puérperas, considerando os critérios 1, 2 e 3, respectivamente. As gestantes que apresentaram maior chance de terem o pré-natal inadequado, com relação ao critério 1, foram as com menor escolaridade (RC = 1,68; p = 0,046), que não possuíam companheiro (RC = 2,18; p = 0,002), que não trabalharam durante a gestação (RC = 2,18; p = 0,003) e as que não planejaram a gravidez (RC = 1,76; p = 0,023). Com relação à assistência perinatal, a presença de acompanhante e contato pele a pele foram apropriados, mas a amamentação na primeira hora de vida foi inadequada.

Conclusão:

Observou-se a necessidade de aprimorar as orientações fornecidas pelos profissionais e incluir a amamentação na primeira hora de vida. Os resultados podem contribuir para otimizar os serviços de saúde materno-infantil em Governador Valadares.

Palavras-chave:
Parto; Parto humanizado; Cuidado prénatal; Gravidez; Assistência perinatal

Abstract

Introduction:

Prenatal care and the procedures adopted during childbirth are essential to ensure a healthy pregnancy and delivery and prevent complications, without affecting the health of the mother and newborn.

Objective:

To analyze the prenatal and perinatal care provided in Governador Valadares, Minas Gerais state, Brazil, and to determine whether there is an association between adequate prenatal care and socioeconomic, demographic, behavioral and reproductive factors.

Methods:

Cross-sectional study with a pre-existing database. The adequacy of prenatal care was analyzed based on three criteria: 1) onset up to the 16th week and a minimum number of checkups according to gestational age; 2) professional practices during prenatal checkups; 3) counseling given to the pregnant women by healthcare professionals. Multivariate logistic regression was used for data analysis.

Results:

Participants were 437 postpartum women. Prenatal care was considered adequate for 72.5, 93.1 and 50.1% of the participants based on criteria 1, 2 and 3, respectively. The pregnant women who were most likely to receive inadequate prenatal care in relation to criterion 1 were those with the lowest schooling level (OR = 1.68; p = 0.046), who were single (OR = 2.18; p = 0.002), did not work during their pregnancy (OR = 2.18; p = 0.003) and whose pregnancy was unplanned (OR = 1.76; p = 0.023). With respect to perinatal care, the presence of a birth companion and skin-to-skin contact were adequate, but breastfeeding in the first hour of life was not.

Conclusion:

There is a need to improve the counseling provided by healthcare professionals and include breastfeeding in the first hour of life. The results could contribute to optimizing maternal and child health services in Governador Valadares.

Keywords:
Childbirth; Humanizing childbirth; Perinatal care; Pregnancy; Prenatal Care

Introdução

O controle da mortalidade materna e perinatal é dependente do acompanhamento realizado pelo serviço de saúde, especialmente na atenção ao pré-natal e puerpério.11 Costa AM, Guilhem D, Walter MIMT. Atendimento a gestantes no Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2005;39(5): 768-74. DOI O acompanhamento pré-natal e as condutas adotadas durante o trabalho de parto são essenciais para garantir que complicações perinatais não venham a acontecer.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI

O pré-natal é definido como um conjunto de várias ações de prevenção e promoção da saúde, visando resultados favoráveis da gestação tanto para as mães quanto para os filhos.33 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica. 2020;54:8. DOI O Ministério da Saúde (MS) preconiza um total de, no mínimo, seis consultas, sendo uma consulta no primeiro trimestre, duas no segundo e três no último trimestre.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada: Manual Técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 163 p. Full text link Recém-nascidos de mães que não fizeram o pré-natal ou que realizaram até três consultas apresentaram risco de mortalidade quatro vezes maior em comparação àqueles cujas mães realizaram seis consultas. Além disso, quando não há intervenções no momento apropriado da gravidez o parto pode ocorrer prematuramente.55 Soares ES, Menezes GMS. Fatores associados à mortalidade neonatal precoce: análise de situação no nível local. Epidemiol Serv Saude. 2010;19(1):51-60. Full text link,66 Beeckman K, Louckx F, Downe S, Putman K. The relationship between antenatal care and preterm birth: the importance of content of care. Eur J Public Health. 2012;23(3):366-71. DOI

Para uma assistência perinatal adequada é neces-sário que a gestante seja inserida no sistema de saúde. Visando melhorar a atenção à saúde materno-infantil, o MS criou a Rede Cegonha,77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília: Diário Oficial da União; 2011 Jun 28. Full text link com o objetivo reduzir a mortalidade materna e infantil, garantindo às mulheres saúde e qualidade de vida durante a gestação, parto e pós-parto e melhor desenvolvimento para seus filhos.77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília: Diário Oficial da União; 2011 Jun 28. Full text link,88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2012. 318 p. Full text link

O MS preconiza que haja humanização tanto no pré-natal quanto durante o nascimento, a partir de estratégias como: uso de boas práticas baseadas em evidência; organização da rede de atenção à saúde; acolhimento com classificação de risco da gestante e do recém-nascido; criação de vínculo entre a gestante e a maternidade; identificação precoce de possíveis riscos gestacionais; desenvolvimento de ações preventivas e educativas, evitando intervenções desnecessárias; acesso facilitado a serviços de saúde de qualidade, desde o atendimento básico ambulatorial ao atendimento hospitalar de alta complexidade; e assistência perinatal de qualidade, com atendimento humanizado, incluindo o direito da gestante de ter um acompanhante.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada: Manual Técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 163 p. Full text link,88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2012. 318 p. Full text link

Estudos nacionais mostram que há falhas na assistência pré-natal, como dificuldades no acesso, início tardio do acompanhamento, número inadequado de consultas e realização incompleta dos procedimentos preconizados, atingindo negativamente a qualidade e a efetividade de tal assistência.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI,99 Coutinho T, Teixeira MTB, Dain S, Sayd JD, Coutinho LM. Adequação do processo de assistência pré-natal entre as usuárias do Sistema Único de Saúde em Juiz de Fora - MG. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25(10):717-24. DOI,1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI Além de uma análise quantitativa sobre os itens que a assistência pré-natal deve abranger, faz-se necessário identificar os fatores que se relacionam a uma pior assistência.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI As gestantes atendidas em serviços públicos de saúde com baixa escolaridade e renda familiar, sem companheiro, as que fumaram, beberam e/ou usaram drogas durante a gestação apresentam maiores percentuais de inadequação do uso do atendimento pré-natal.1111 Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saude Publica. 2003;37(4):456-62. DOI,1212 Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saude Publica. 2004;20(Supl 1):S101-11. DOI

Diante do exposto, e uma vez que esse tema foi pouco explorado no município de Governador Valadares, Minas Gerais, surgiu-se a necessidade de analisar as assistências pré-natal e perinatal ofertadas às gestantes dessa cidade-polo na área da saúde, pertencente à mesorregião do Vale do Rio Doce. O presente estudo teve como objetivo analisar a assistência pré-natal e perinatal oferecida às gestantes que tiveram o parto no Hospital Municipal de Governador Valadares e verificar se há associação entre a adequação do pré-natal e os fatores socioeconômicos, demográficos, comportamentais e reprodutivos.

Métodos

O presente trabalho trata-se de um estudo transversal e para o seu desenvolvimento foi utilizada uma base de dados pré-existente, obtida em uma pesquisa de doutorado intitulada “Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle”,1313 Defilipo EC. Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle [dissertation]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019. aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora em novembro de 2016 (CAAE: 61055716.4.0000.5174).

A amostra da pesquisa original1313 Defilipo EC. Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle [dissertation]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019. foi do tipo conse-cutiva e foram incluídos 771 nascidos vivos no Hospital Municipal de Governador Valadares, no período de maio de 2017 a julho de 2018, cujas mães residiam no município de Governador Valadares ou nos municípios vizinhos. Esse hospital é considerado referência para os municípios do Vale do Rio Doce por atender ao Sistema Único de Saúde e por ser o único a possuir Unidade de Terapia Intensiva Neonatal no município e região. Para o vigente estudo, foram incluídas somente as puérperas participantes da pesquisa anteriormente descrita1313 Defilipo EC. Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle [dissertation]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019. que realizaram o acompanhamento pré-natal no município de Governador Valadares, excluindo as puérperas que realizaram o acompanhamento em outros municípios, resultando em uma amostra de 437 puérperas.

Com relação ao procedimento de coleta de dados da pesquisa original,1313 Defilipo EC. Fatores associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer em Governador Valadares, Minas Gerais: estudo caso-controle [dissertation]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019. a princípio foi realizada busca ativa diária na maternidade do Hospital Municipal de Governador Valadares e, a cada dia de coleta, dados de nascimentos do dia anterior foram analisados por meio do livro de registro de nascimentos, cujo conteúdo consistia em dados acerca da idade gestacional, peso ao nascer, sexo e data de nascimento dos recém-nascidos. As puérperas foram contatadas em um período de 24 a 48 horas após o parto, ainda durante a internação hospitalar, para que lhes fossem explicados os procedimentos e objetivos do estudo; ao concordarem em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Posteriormente, realizou-se entrevista semiestruturada com as puérperas e informações complementares foram adquiridas por meio da análise do cartão de pré-natal e dos prontuários da puérpera e do recém-nascido.

Para a avaliação da adequação da assistência pré-natal, três critérios foram utilizados. O primeiro critério considerou o período de início e o número de consultas de pré-natal. O início do pré-natal realizado até a 16ª semana gestacional foi considerado adequado. Para a análise da adequação do número de consultas, utilizou-se o calendário de consultas recomendado pelo MS,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada: Manual Técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 163 p. Full text link indicando que uma gestante com 37 semanas de gestação ou mais compareça a no mínimo seis consultas. Como as gestantes se encontravam em idades gestacionais variadas no momento do parto, essa adequação do pré-natal também foi baseada no modelo de avaliação desenvolvido por Domingues et al.,1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI reduzindo, assim, um possível problema de causalidade reversa entre as variáveis "número de consultas" e "nascimento prematuro". A adequação quanto à idade gestacional foi importante, visto que as gestantes que tiveram parto prematuro poderiam ter o pré-natal considerado inadequado por não conseguirem atingir o mínimo de consultas recomendadas. Dessa forma, neste estudo foi considerado pré-natal adequado quando a gestante realizou no mínimo: uma consulta de pré-natal até 16 semanas de idade gestacional; duas consultas entre o período de 17 e 21 semanas; três consultas entre 22 e 27 semanas; quatro consultas entre 28 e 33 semanas; cinco consultas entre 34 e 37 semanas; e seis consultas após 37 semanas.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada: Manual Técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 163 p. Full text link,1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI

O segundo critério, baseado no estudo de Coutinho et al.,99 Coutinho T, Teixeira MTB, Dain S, Sayd JD, Coutinho LM. Adequação do processo de assistência pré-natal entre as usuárias do Sistema Único de Saúde em Juiz de Fora - MG. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25(10):717-24. DOI avaliou as seguintes práticas dos profissionais de saúde durante as consultas de pré-natal: 1) aferição da pressão arterial da gestante; 2) medição de peso da gestante; 3) medição da altura do útero; 4) avaliação dos batimentos cardiofetais. Essas informações foram coletadas por meio de perguntas diretas às puérperas. A assistência pré-natal foi considerada adequada quando todos os quatro itens haviam sido avaliados.

O terceiro critério refere-se às orientações oferecidas pelos profissionais de saúde às gestantes durante as consultas de pré-natal, considerando as variáveis: sinais de parto, amamentação e vacinação da gestante.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI,1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI

As informações sobre orientação quanto aos sinais de parto e amamentação foram coletadas através de perguntas às puérperas, e a vacinação foi verificada na caderneta de saúde da gestante e caderneta de vacinação. Se o profissional de saúde orientou as gestantes no mínimo uma vez quanto a essas três variáveis, a assis-tência pré-natal foi considerada adequada.

Para avaliar a assistência perinatal foram coletadas as variáveis: tipo de parto, presença de acompanhante durante o parto, contato pele a pele mãe-filho e amamen-tação na primeira hora de vida do recém-nascido.

Os dados foram arquivados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 14.0, por meio do qual foi realizada a análise estatística. Primeiramente, realizou-se a análise descritiva das variáveis para caracterizar o perfil das puérperas participantes, sendo apresentadas tabelas descritivas com frequência abso-luta e porcentagem. A análise da adequação do pré-natal, para os três critérios analisados, foi apresentada em forma de gráfico com as porcentagens para cada grupo. A associação das variáveis estudadas com os três critérios de adequação do pré-natal foi verificada pelo teste qui-quadrado e todas as variáveis significantes foram introduzidas em um modelo de regressão logística multivariada, considerando significante p < 0,05.

Resultados

Participaram do estudo 437 puérperas. A caracte-rização da população estudada com relação às variáveis socioeconômicas, demográficas, comportamentais e sobre o histórico gestacional estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da população estudada: variáveis socioeconômicas, demográficas, comportamentais e histórico gestacional das puérperas

As variáveis relacionadas ao pré-natal, parto e pós-parto estão descritas na Tabela 2. Quanto aos recém-nascidos, 110 foram prematuros (25,2%), 102 apresentaram baixo peso ao nascer (23,3%) e a grande maioria que possuía o registro do escore APGAR no 5° minuto em seu prontuário ou na caderneta do recém-nascido apresentou valor igual ou superior a 7 (92,9%). Cabe ressaltar que 26 recém-nascidos não tinham esse registro, não sendo possível incluí-los na análise. Das puérperas participantes, 158 (36,1%) utilizaram o serviço de saúde de forma emergencial durante a gestação.

Tabela 2
Variáveis relacionadas ao pré-natal, parto e pós-parto

Com base no primeiro critério (número de consultas e início precoce), 116 gestantes (26,5%) tiveram o acompanhamento inadequado. No segundo critério (práticas dos profissionais de saúde), somente 15 (3,4%) relataram que não foram bem avaliadas, indicando uma assistência inadequada. Por fim, no último critério (orientações repassadas às gestantes), 203 (46,5%) relataram não ter recebido instruções sobre sinais de parto, amamentação ou vacinação, considerando-se a assistência como inadequada (Figura 1).

Figura 1
Adequação da assitência pré-natal com base nos critérios 1, 2 e 3.

Todas as variáveis estudadas foram analisadas considerando os três critérios adotados, sendo que apenas o critério 1 apresentou associação significativa. Os fatores que apresentaram associação significativa com a adequação do pré-natal, relacionada ao número de consultas e início do pré-natal (critério 1), foram: escolaridade materna (p < 0,001), idade materna (p < 0,001), situação conjugal (p < 0,001), trabalho materno remunerado (p < 0,001), planejamento da gestação (p < 0,001), aborto prévio (p = 0,026), uso de cigarro (p = 0,001) e drogas (p = 0,017) e local do pré-natal (p = 0,014). Devido ao elevado número de variáveis, na Tabela 3 foram apresentadas apenas aquelas que tiveram associação estatisticamente significativa (p < 0,05).

Tabela 3
Associação das variáveis estudadas com a adequação do pré-natal em relação ao número de consultas e início precoce (critério 1)

As variáveis significantes apresentadas na Tabela 3 foram, então, introduzidas em um modelo de regressão logística multivariada e os seguintes fatores mantiveram associação significativa com a adequação do pré-natal: escolaridade materna (RC = 1,68; p = 0,046), situação conjugal (RC = 2,18; p = 0,002), trabalho materno remunerado (RC = 2,18; p = 0,003) e planejamento da gestação (RC = 1,76; p = 0,023). O aborto prévio apres-entou p-valor bem próximo de ser significativo (p = 0,053), sendo mantido no modelo para discussão (Tabela 4).

Tabela 4
Resultado final da regressão logística multivariada dos fatores associados à adequação do pré-natal com relação ao número de consultas e início precoce (critério 1)

Discussão

Este estudo analisou a assistência pré-natal e perinatal oferecida no município de Governador Valadares e verificou a associação entre a adequação do pré-natal e os fatores socioeconômicos, demográficos, comportamentais e reprodutivos. A assistência pré-natal foi considerada adequada para 72,5%, 93,1% e 50,1% das puérperas, considerando os critérios 1, 2 e 3, respectivamente. A assistência perinatal foi considerada adequada em relação à presença de acompanhante para 57,4% das gestantes, 75,1% para o contato pele a pele, e a amamentação na primeira hora de vida foi realizada por apenas 43,7% das participantes.

Com relação ao perfil das puérperas participantes, a maioria possuía ensino médio completo ou mais, idade entre 19 e 34 anos, raça parda ou negra, residia com companheiro, era primípara e possuía renda inferior a dois salários mínimos. Números semelhantes foram encontrados nos estudos de Mendes et al.1414 Mendes RB, Santos JMJ, Prado DS, Gurgel RQ, Bezerra FD, Gurgel RQ. Avaliação da qualidade do pré-natal a partir das recomendações do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Cien Saude Colet. 2020;25(3):793-804. DOI e Marques et al.,1515 Marques BL, Tomasi YT, Saraiva SS, Boing AF, Geremia DS. Orientações às gestantes no pré-natal: a importância do cuidado compartilhado na atenção primária em saúde. Esc Anna Nery. 2021;25(1):e20200098. DOI realizados em Sergipe e em Santa Catarina, respectivamente.

Quase 40% das puérperas realizaram cesariana, resultado igual ao encontrado por Queiroz et al.1616 Queiroz MVO, Silva NSJ, Jorge MSB, Moreira TMM. Incidência e características de cesáreas e de partos normais: estudo em uma cidade no interior do Ceará. Rev Bras Enferm. 2005;58(6):687-91. DOI em estudo realizado no interior do Ceará. Percebe-se que a ocorrência de cesarianas permanece alta, contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que sugere que a taxa ideal de cesariana seria de aproximadamente 15%. As gestantes deveriam estar preparadas para o momento do parto, serem orientadas e esclarecidas quanto às vantagens do parto vaginal, pois muitas acreditam que a dor fisiológica é um sofrimento e que a cesariana evitaria tal incômodo. Acredita-se que essas orientações sejam importantes para reduzir as taxas de cesarianas realizadas.1616 Queiroz MVO, Silva NSJ, Jorge MSB, Moreira TMM. Incidência e características de cesáreas e de partos normais: estudo em uma cidade no interior do Ceará. Rev Bras Enferm. 2005;58(6):687-91. DOI

Um estudo sobre a saúde reprodutiva e materna nos 30 anos do SUS1717 Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cien Saude Colet. 2018;23(6):1915-28. DOI averiguou que em 2015 a taxa de cesarianas correspondeu a 55%. No estudo de Leal et al.33 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica. 2020;54:8. DOI essa taxa foi de 43,3% entre 2011 e 2012, resultados que corroboram os números encontrados no presente estudo. Dos partos realizados em Governador Valadares em 2019, 59,6% foram cesarianas, uma taxa muito elevada, considerando o recomendado pela OMS. O crescimento continuado dessa cirurgia nos últimos anos deve servir de alerta aos gestores e profissionais de saúde, pois cesarianas desnecessárias elevam o risco de morte materna.1717 Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cien Saude Colet. 2018;23(6):1915-28. DOI,1818 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. DATASUS. Estatísticas Vitais. 2021 [cited 2021 Feb 22]. Available from: https://tinyurl.com/2fu2u6em
https://tinyurl.com/2fu2u6em...

Tendo em vista a análise da adequação do pré-natal (primeiro critério), observou-se que mais de 70% das puérperas tiveram o pré-natal adequado. Aquelas que tiveram o pré-natal classificado como inadequado iniciaram as consultas tardiamente e/ou não atingiram o número mínimo de consultas recomendado para a idade gestacional em que se encontravam. A definição do número ideal de consultas é de grande valia para auxiliar no planejamento dos serviços de saúde e nos protocolos de assistência às gestantes, promovendo saúde e prevenindo possíveis riscos, pois supõe-se que quanto maior a quantidade de consultas, mais orientações são recebidas e maiores as oportunidades de prevenção.1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI

O resultado referente ao critério 1 encontrado no presente estudo foi melhor se comparado ao estudo de Coutinho et al.99 Coutinho T, Teixeira MTB, Dain S, Sayd JD, Coutinho LM. Adequação do processo de assistência pré-natal entre as usuárias do Sistema Único de Saúde em Juiz de Fora - MG. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25(10):717-24. DOI realizado com pacientes usuárias do SUS na cidade de Juiz de Fora, MG, que apresentou somente 27,6% de adequação. É importante destacar que o presente estudo utilizou um critério diferente para avaliar a adequação do pré-natal. Além disso, a pesquisa de Coutinho et al.99 Coutinho T, Teixeira MTB, Dain S, Sayd JD, Coutinho LM. Adequação do processo de assistência pré-natal entre as usuárias do Sistema Único de Saúde em Juiz de Fora - MG. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25(10):717-24. DOI foi realizada antes da implementação da Rede Cegonha,77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília: Diário Oficial da União; 2011 Jun 28. Full text link,88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2012. 318 p. Full text link o que pode explicar a divergência de resultados. Outro estudo que avaliou gestantes atendidas em unidades de saúde do SUS do município do Rio de Janeiro, RJ, entre 2007 e 2008, utilizou somente o critério do Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN) para realizar essa avaliação e encontrou um resultado inferior ao do presente estudo (38,5%).1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI

Leal et al.33 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica. 2020;54:8. DOI avaliaram a assistência pré-natal na rede pública do Brasil de 19.117 gestantes e descobriram que 69% destas realizaram um número adequado de consultas de pré-natal e início precoce, sendo que na região sudeste a adequação foi superior (77,3%). Assim, o elevado número de gestantes que apresentaram inadequação (n = 116) no presente estudo deve servir de alerta para o serviço de saúde do município para a criação de novas estratégias visando maior abrangência e vínculo com a gestante, tendo em vista que o valor encontrado de adequação foi inferior no município estudado quando comparado com a região em que se encontra. Vale ressaltar que em alguns casos o início tardio interferiu no número de consultas realizadas pelas gestantes, impossibilitando que atingissem a quantidade mínima recomendada, o que contribuiu para que o pré-natal fosse inadequado. Outros estudos nacionais também tiveram influência negativa do início tardio das consultas na adequação da assistência pré-natal.1010 Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(3):425-37. DOI,1919 Ribeiro ER, Guimarães AM, Bettiol H, Lima DD, Almeida ML, Souza L, et al. Risk factors for inadequate prenatal care use in the metropolitan area of Aracaju, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth. 2009;9:31. DOI

De acordo com o segundo critério utilizado, mais de 90% das participantes do presente estudo tiveram o pré-natal adequado, o que indica que as gestantes foram bem avaliadas nos itens aferição da pressão arterial, medição de peso, altura de útero e avaliação dos batimentos cardiofetais. Vale salientar que não foram considerados outros itens de avaliação e exames, pois tais dados não haviam sido coletados. Deve-se também levar em consideração que as informações foram coletadas por meio de questionários com perguntas diretas às puérperas e que algumas participantes podem não saber adequadamente quais tipos de avaliação e exames clínicos foram realizados. Em outra pesquisa que avaliou a realização de procedimentos técnicos e exames realizados durante o pré-natal, os resultados mostraram que a maioria das gestantes tiveram a pressão arterial aferida, a altura uterina analisada, o peso mensurado e o esquema vacinal completo, resultados que vão ao encontro dos resultados no presente estudo e permitem inferir que essas práticas estão bem inseridas no cotidiano dos profissionais.2020 Carvalho RAS, Santos VS, Melo CM, Gurgel RQ, Olievira CCC. Avaliação da adequação do cuidado pré-natal segundo a renda familiar em Aracaju, 2011. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(2):271-80. DOI

Em contrapartida, ao considerar o terceiro critério, quase metade das participantes tiveram assistência considerada inadequada. Dois aspectos precisam ser averiguados ao avaliar a qualidade das orientações repassadas às gestantes: a capacidade de interpretação da informação e o vínculo do profissional com a gestante. Por um lado, o profissional é visto como o possuidor do conhecimento, porém é um indivíduo pouco familiar para a mulher e que está interferindo diretamente na gestação e no momento da vida da gestante. Associado a isso, há a família e a comunidade que são núcleos compostos por figuras que já fazem parte da história dessa gestante e também possuem conhecimentos empíricos sobre a gestação.

O desafio para que as orientações sejam de fato compreendidas parece ser composto pela junção entre a falta de conexão da gestante com o profissional e a maneira com que o mesmo transmite a informação, somada à infinidade de ensinamentos inadequados que as pessoas próximas dessa gestante lhe repassam.2121 Líbera BD, Saunders C, Santos MMAS, Rimes KA, Brito FRSS, Baião MR. Avaliação da assistência pré-natal na perspectiva de puérperas e profissionais de saúde. Cien Saude Colet. 2011;16(12):4855-64. DOI Desta forma, a fim de superar esse desafio, é responsabilidade dos profissionais prestarem uma assistência humanizada e compreenderem que a educação em saúde precisa ser ofertada levando em conta a individualidade de cada gestante e, por meio disso, ofertarem uma assistência mais assertiva. Os resultados do presente estudo corroboram outro estudo, de caráter quantitativo, transversal, realizado com 3.111 puérperas usuárias do SUS e residentes no estado de Santa Catarina que fizeram pré-natal em 2019. Os pesquisadores aplicaram um questionário em um período de até 48 horas pós-parto, no ambiente hospitalar, e analisaram a adequação das orientações recebidas durante o pré-natal. Dentre os resultados, encontraram prevalências abaixo de 50% quanto às orientações sobre a amamentação (45,9%) e a taxa de adequação das orientações foi de apenas 18,4%.1515 Marques BL, Tomasi YT, Saraiva SS, Boing AF, Geremia DS. Orientações às gestantes no pré-natal: a importância do cuidado compartilhado na atenção primária em saúde. Esc Anna Nery. 2021;25(1):e20200098. DOI

Em relação às práticas de humanização do parto e pós-parto imediato, os resultados mostraram que mais da metade das puérperas tiveram a presença de acompanhante durante o parto e a maioria realizou contato pele a pele com o filho logo após o nascimento; entretanto, mais da metade das puérperas não amamentaram o filho na primeira hora de vida. Esse último resultado corrobora o que é apresentado em outra pesquisa,22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI que mostra que 64% das puérperas não amamentaram na primeira hora de vida.

As gestantes que apresentaram maior chance de terem o pré-natal inadequado em relação ao número de consultas e início precoce, foram as com menor escolaridade (RC = 1,68; p = 0,046), que não possuíam companheiro (RC = 2,18; p = 0,002), que não trabalharam durante a gestação (RC = 2,18; p = 0,003) e que não planejaram a gravidez (RC = 1,76; p = 0,023). Os estudos de Pedraza2222 Pedraza DF. Assistência ao pré-natal, parto e pós-parto no município de Campina Grande, Paraíba. Cad Saude Colet. 2016;24(4):460-7. DOI e Viellas et al.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI corroboram os resultados do presente estudo, inferindo que o início precoce do pré-natal está associado à escolaridade materna. Em outra pesquisa nacional também foi possível constatar que a escolaridade materna e a inadequação do pré-natal apresentaram associação inversa.1919 Ribeiro ER, Guimarães AM, Bettiol H, Lima DD, Almeida ML, Souza L, et al. Risk factors for inadequate prenatal care use in the metropolitan area of Aracaju, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth. 2009;9:31. DOI De acordo com Ramos e Cuman,2323 Ramos HAC, Cuman RKN. Fatores de risco para prematuridade: pesquisa documental. Esc Anna Nery. 2009; 13(2):297-304. DOI a baixa escolaridade está associada ao baixo padrão socioeconômico, o que pode predispor a uma situação potencialmente de risco para a gestante e o filho, pois impede o acesso às informações e orientações. Vale ressaltar que o resultado do presente estudo, referente à escolaridade, deve ser visto com cautela, uma vez que 13,3% das gestantes eram adolescentes (12 a 18 anos) e possivelmente não completaram o ensino médio.

A situação conjugal também foi uma variável significante, indicando que gestantes com companheiro apresentaram melhor adequação do pré-natal. O estudo de Viellas et al.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI reforça os resultados encontrados na presente pesquisa ao mostrar que houve diferença significativa quando compararam gestantes sem companheiro com aquelas que tinham companheiro. Problemas pessoais aconteceram mais frequentemente nas gestantes sem companheiro, e esse foi um dos motivos que o estudo22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI utilizou para justificar a não realização do pré-natal e seu início tardio. Logo, ter um parceiro parece funcionar como uma rede de apoio à gestante, propiciando um resultado favorável no acompanhamento da gestação, cabendo aos profissionais que realizam o pré-natal ter mais atenção na situação conjugal das gestantes que utilizam o serviço de saúde.

O trabalho remunerado durante a gestação também apresentou associação significativa com a adequação do pré-natal, fato que vai ao encontro dos achados de Côrrea et al.2424 Côrrea CRH, Bonadio IC, Tsunechiro MA. Avaliação normativa do pré-natal em uma maternidade filantrópica de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(6):1293-300. DOI Os autores evidenciaram que gestantes que não possuíam vínculo empregatício iniciaram o pré-natal tardiamente e, por isso, 73,9% tiveram o pré-natal classificado como inadequado.

Mulheres que planejaram a gestação realizaram o início do acompanhamento de forma precoce e, como consequência, apresentaram maior nível de adequação do pré-natal. Em um estudo nacional de base hospitalar, observou-se que 44,6% das gestantes planejaram a gestação e 84,7% destas iniciaram precocemente as consultas; quando comparadas àquelas que não queriam engravidar, apenas 63,7% iniciaram o acompanhamento até a 16ª semana gestacional.22 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(Suppl 1):S85-100. DOI

No presente estudo, o aborto prévio foi considerado um fator de proteção para o pré-natal inadequado. Esse resultado apresentou associação bem próxima de ser significativa e, portanto, merece ser discutido em estudos futuros, visando maior atenção dos profissionais de saúde a esse fator. As gestantes que vivenciaram o aborto parecem ter se preocupado e, consequentemente, cuidaram-se mais para que esse evento não ocorresse novamente. Dessa forma, a tendência é que iniciem as consultas de pré-natal precocemente e atinjam o número mínimo (ou mais) de consultas recomendadas para a idade gestacional. Para aprofundar mais esse assunto, foram realizadas pesquisas bibliográficas utilizando as palavras-chave “aborto, adequação pré-natal, abortamento” (em português e inglês), entretanto, não foram encontrados outros estudos que discutissem a relação entre adequação da assistência pré-natal e aborto prévio.

Ressalta-se a importância de se discutir também os fatores que não permaneceram no modelo final de regressão logística: idade materna, uso de drogas e cigarro na gestação e local do pré-natal. Das gestantes adolescentes, 47% tiveram a assistência pré-natal inadequada. Adolescentes possuem mais chances de realizarem menos de quatro consultas no pré-natal, por medo da reação da família com a notícia da gravidez ou por falta de informação, comprometendo, assim, os resultados perinatais.2525 Gravena AAF, Paula MG, Marcon SS, Carvalho MDB, Pelloso SM. Idade materna e fatores associados a resultados perinatais. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):130-5. DOI Gestantes usuárias de drogas não têm muita adesão ao pré-natal, visto que têm medo de perder a custódia do filho.2626 Sexton RL, Carlson RG, Leukefeld CG, Booth BM. Barriers to formal drug abuse treatment in the rural South: a preliminary ethnographic assessment. J Psychoactive Drugs. 2008;40(2):121-9. DOI,2727 Melo VH, Botelho APM, Maia MMM, Correa Jr MD, Pinto JA. Uso de drogas ilícitas por gestantes infectadas pelo HIV. Rev Bras Ginecol Obstet. 2014;36(12):555-61. DOI Gestantes não fumantes e as que estão em abstinência de cigarro comparecem mais às consultas pré-natais se comparadas com gestantes fumantes (p = 0,025).2828 Motta GCP, Echer IC, Lucena AF. Factors associated with smoking in pregnancy. Rev Latino-Am Enfermagem. 2010;18(4):809-15. DOI De acordo com Domingues et al.,2929 Domingues RMSM, Viellas EF, Dias MAB, Torres JA, Theme-Filha MM, Gama SGN, et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2015;37(3):140-7. Full text link o serviço de pré-natal da rede pública foi cerca de 10% menos adequado em comparação ao privado. Outro estudo demonstrou que a cada três gestantes do setor público, apenas duas realizaram seis ou mais consultas de pré-natal e iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre. Em contrapartida, cerca de nove em cada dez gestantes atendidas no setor privado realizaram o pré-natal de forma adequada.3030 Cesar JA, Mano PS, Carlotto K, Gonzalez-Chica DA, Mendoza-Sassi RA. Público versus privado: avaliando a assistência à gestação e ao parto no extremo sul do Brasil. Rev Bras Saude Mater Infant. 2011;11(3):257-63. DOI

O presente estudo apresentou como limitação o viés de recordação das puérperas e a falha ou ausência de alguns registros no cartão da gestante ou prontuários. Além disso, por se tratar de um estudo local, com amostra oriunda de um único serviço, os resultados não podem ser generalizados.

Conclusão

A assistência pré-natal no município de Governador Valadares foi considerada adequada para a maioria das puérperas no que diz respeito ao período de início do pré-natal, número de consultas e avaliação das gestantes. No entanto, ao analisar as orientações oferecidas às gestantes, a assistência foi considerada inadequada para quase metade das mesmas. Com relação à assistência perinatal, esta foi considerada adequada quanto à presença de acompanhante e contato pele a pele, e inadequada com relação à amamentação na primeira hora de vida. As gestantes que apresentaram maior chance de terem o pré-natal inadequado, com relação ao número de consultas e início do pré-natal, foram as com menor escolaridade, que não possuíam companheiro, que não trabalharam durante a gestação e que não planejaram a gravidez. Sendo assim, observa-se a necessidade de aprimoramento da assistência oferecida em Governador Valadares, podendo este estudo contribuir para a otimização dos serviços voltados à assistência pré-natal e perinatal que é ofertada às gestantes do município e para a identificação precoce dos fatores associados ao pré-natal inadequado.

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Editado por

Editora associada: Maria Augusta Heim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Revisado
    04 Dez 2021
  • Aceito
    10 Jan 2022
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