Acessibilidade / Reportar erro

Análise da marcha em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica

Analysis of the march in patients with chronic obstructive pulmonary disease

Resumos

INTRODUÇÃO: O conhecimento da marcha nos portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e a identificação de variáveis podem promover o desenvolvimento de estratégias de reabilitação, com vista à manutenção e preservação da autonomia. OBJETIVO: Avaliar o padrão de marcha do portador de DPOC, a partir da análise bidimensional com o software Simi Motion®. MÉTODO: Delineamento transversal, estudo de casos, com seis portadores de DPOC, sexo masculino, 64,00 ± 8,07 anos, IMC 22,28 ± 2,46 kg/ m2, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) 35,17 ± 25,79% predito, capacidade vital forçada (CVF) 64,83 ± 17,84% predito. Para dados cinemáticos utilizou-se videografia bidimensional, Simi Motion®, acoplado à câmera de vídeo digital. Registros em 60 frames por segundo e tempo de aquisição de ciclo de marcha. RESULTADOS: Os dados cinemáticos encontraram-se variados; cada indivíduo apresentou peculiaridades sobrepostas aos padrões básicos. Observou-se forte correlação negativa entre cadência e PImax (p = 0,002 e r = - 0,96), entre comprimento de passo e PEmax (p = 0,007 e r = - 0,93). Para a qualidade de vida (SGQR), associações diretas, qualidade de vida total (QVT) e percentual da fase de apoio (p = 0,086 e r = 0,75); qualidade de vida impacto (QVI) e percentual da fase de apoio (p = 0,09 e r = 0,74). CONCLUSÃO: Avaliar a marcha do portador de DPOC possibilitou inferir objetivamente, delineando intervenções terapêuticas. Os benefícios esperados da pesquisa, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, é uma nova maneira de avaliar e incrementar a marcha, elemento fundamental para manutenção da independência funcional e qualidade de vida.

DPOC; Marcha; Autonomia; Qualidade de vida


INTRODUCTION: Knowledge about gait functional in COPD patients and the identification of the associated variables in these characteristics can support the development of specific approaches in rehabilitation with the objective to maintain the autonomy. OBJECTIVE: To evaluate the gait pattern adopted by COPD patients using a bidimensional analysis. METHOD: Transversal delineation, study of cases, carried through with six patients of COPD, the masculine sex, 64,00 ± 8,07 years of age, index of corporal mass (IMC) 22,28 ± 2,46 kg/m2, forced expiratory volume in the first second (VEF1) 35.17 ± 25.79% predicted, vital capacity forced (CVF) 64.83 ± 17.84% predicted. For kinematic data, we used bidimensional videography Simi Motion, connected was used the camera of digital video. The registers in 60 frames for second and time of acquisition of march cycle. RESULTS: The kinematic data had met varied, since each individual presented overlapping peculiarities the basic standards. One strong negative correlation between cadence and PImax (p = 0,002 and r = - 0,96), between length of step and PEmax was observed (p = 0,007 and r = - 0,93). For the quality of life (SGQR), direct associations had been found, quality of total life (QVT) and percentage of the support phase (p = 0,086 and r = 0,75), and also quality of life impact (QVI) and percentage of the support phase (p = 0,09 and r = 0,74). CONCLUSION: To evaluate the standard of march the DPOC carrier, made possible in them to infer objective on this, possible to delineate therapeutically interventions. The benefits waited with such research, as much for the individual as for the society, it was in a new way to evaluate and to develop the march, basic element for maintenance of functional independence and quality of life.

COPD; March; Autonomy; Quality of life


ARTIGOS ORIGINAIS

Análise da marcha em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica

Analysis of the march in patients with chronic obstructive pulmonary disease

André RibeiroI; José Henrique de Almeida WayhsII; Mariza Montanha MachadoIII; Tania Cristina Malezan FleigIV; Andréa Lúcia Gonçalves da SilvaV

IFisioterapeuta Graduado pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS), Especialista em Envelhecimento Humano pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Mestrando em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Santa Cruz do Sul, RS - Brasil, e-mail: fisioandreribeiro@hotmail.com

IIFisioterapeuta Graduado pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS), Santa Cruz do Sul, RS - Brasil, e-mail:hique_wahys@hotmail.com

IIIAcadêmica de Fisioterapia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS), Santa Cruz do Sul, RS - Brasil, e-mail: mmmariza@gmail.com

IVDocente do curso de Fisioterapia, coordenadora e pesquisadora do Projeto de Pesquisa em Reabilitação Pulmonar da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/Hospital), Mestre em Engenharia de Produção - Área de Concentração: Qualidade e Produtividade (UNISC/RS), Santa Cruz do Sul, RS - Brasil, e-mail: tfleig@unisc.br

VDocente do curso de Fisioterapia, coordenadora e pesquisadora do Projeto de Pesquisa em Reabilitação Pulmonar da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/Hospital), Mestre em Desenvolvimento Regional, Santa Cruz do Sul, RS - Brasil, e-mail: andreag@unisc.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O conhecimento da marcha nos portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e a identificação de variáveis podem promover o desenvolvimento de estratégias de reabilitação, com vista à manutenção e preservação da autonomia.

OBJETIVO: Avaliar o padrão de marcha do portador de DPOC, a partir da análise bidimensional com o software Simi Motion®.

MÉTODO: Delineamento transversal, estudo de casos, com seis portadores de DPOC, sexo masculino, 64,00 ± 8,07 anos, IMC 22,28 ± 2,46 kg/ m2, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) 35,17 ± 25,79% predito, capacidade vital forçada (CVF) 64,83 ± 17,84% predito. Para dados cinemáticos utilizou-se videografia bidimensional, Simi Motion®, acoplado à câmera de vídeo digital. Registros em 60 frames por segundo e tempo de aquisição de ciclo de marcha.

RESULTADOS: Os dados cinemáticos encontraram-se variados; cada indivíduo apresentou peculiaridades sobrepostas aos padrões básicos. Observou-se forte correlação negativa entre cadência e PImax (p = 0,002 e r = - 0,96), entre comprimento de passo e PEmax (p = 0,007 e r = - 0,93). Para a qualidade de vida (SGQR), associações diretas, qualidade de vida total (QVT) e percentual da fase de apoio (p = 0,086 e r = 0,75); qualidade de vida impacto (QVI) e percentual da fase de apoio (p = 0,09 e r = 0,74).

CONCLUSÃO: Avaliar a marcha do portador de DPOC possibilitou inferir objetivamente, delineando intervenções terapêuticas. Os benefícios esperados da pesquisa, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, é uma nova maneira de avaliar e incrementar a marcha, elemento fundamental para manutenção da independência funcional e qualidade de vida.

Palavras-chave: DPOC. Marcha. Autonomia. Qualidade de vida.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Knowledge about gait functional in COPD patients and the identification of the associated variables in these characteristics can support the development of specific approaches in rehabilitation with the objective to maintain the autonomy.

OBJECTIVE: To evaluate the gait pattern adopted by COPD patients using a bidimensional analysis.

METHOD: Transversal delineation, study of cases, carried through with six patients of COPD, the masculine sex, 64,00 ± 8,07 years of age, index of corporal mass (IMC) 22,28 ± 2,46 kg/m2, forced expiratory volume in the first second (VEF1) 35.17 ± 25.79% predicted, vital capacity forced (CVF) 64.83 ± 17.84% predicted. For kinematic data, we used bidimensional videography Simi Motion, connected was used the camera of digital video. The registers in 60 frames for second and time of acquisition of march cycle.

RESULTS: The kinematic data had met varied, since each individual presented overlapping peculiarities the basic standards. One strong negative correlation between cadence and PImax (p = 0,002 and r = - 0,96), between length of step and PEmax was observed (p = 0,007 and r = - 0,93). For the quality of life (SGQR), direct associations had been found, quality of total life (QVT) and percentage of the support phase (p = 0,086 and r = 0,75), and also quality of life impact (QVI) and percentage of the support phase (p = 0,09 and r = 0,74).

CONCLUSION: To evaluate the standard of march the DPOC carrier, made possible in them to infer objective on this, possible to delineate therapeutically interventions. The benefits waited with such research, as much for the individual as for the society, it was in a new way to evaluate and to develop the march, basic element for maintenance of functional independence and quality of life.

Keywords: COPD. March. Autonomy. Quality of life.

Introdução

Existem evidências de que a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) acarreta prejuízos na mecânica pulmonar e na musculatura periférica (1, 2). A alteração da mecânica pulmonar é originada pela obstrução brônquica, que ocasiona um deslocamento do ponto de igual pressão para as vias aéreas periféricas, favorecendo o aprisionamento de ar. Cronicamente, este processo fisiopatológico tende a levar à hiperinsuflação pulmonar, o que inicialmente reduzirá a capacidade física aos grandes esforços e, posteriormente, ao repouso (3). Essa hiperinsuflação pulmonar gera uma remodelação dos músculos inspiratórios, especialmente do diafragma, que tende a se retificar, diminuindo a zona de oposição e, consequentemente, restringindo sua dinâmica (4-6). Assim, existem evidências de que a hiperinsuflação pulmonar resulta em adaptações estruturais dos músculos da caixa torácica (4).

Hiperinsuflação e movimentos abdominais paradoxais foram efetivamente relacionados com alívio da dispneia quando sentado e na posição inclinada para frente (7, 8). Esta posição foi associada à redução significativa da atividade eletromiográfica (EMG) nos músculos esternocleidomastoide e escalenos, em que o aumento da pressão diafragmática melhora significativamente o movimento tóraco-abdominal. A partir desses achados concluiu-se que a melhora subjetiva da dispneia, em pacientes DPOC, é resultado da posição mais favorável do diafragma em sua curva de comprimento e tensão (4, 9).

Os pacientes com DPOC costumam relatar cansaço desproporcional ao realizarem atividades diárias (1, 7). Durante atividades como amarrar os sapatos e pentear os cabelos, desenvolvem um padrão respiratório irregular, superficial e rápido, e após concluí-las, respiram rápido e profundamente. Este padrão de atividade respiratória ocorre pela rápida e inefetiva respiração superficial durante a flexão do tronco e o esforço com os braços durante as atividades avaliadas, o que leva à hiperventilação compensatória após o término das tarefas. Consequentemente, consomem elevada parcela da disponibilidade energética para realizar atividades simples da vida diária (10, 11).

O controle postural pode sofrer influências decorrentes das alterações fisiológicas do envelhecimento, de doenças crônicas, de interações farmacológicas ou disfunções específicas. O processo de envelhecimento afeta todos os componentes do controle postural-sensorial (visual, somatossensorial e vestibular), efetor (força, amplitude de movimento, alinhamento biomecânico, flexibilidade) e processamento central. A integração dos vários sistemas corporais sob o comando central é fundamental para o controle do equilíbrio corporal.O desempenho desses sistemas reflete diretamente nas habilidades do indivíduo em realizar tarefas cotidianas, ou seja, na capacidade funcional (12-15).

Estudos constatam uma correlação positiva entre a distância percorrida, o teste de seis minutos de caminhada e a habilidade para a execução de muitas atividades cotidianas (1, 5, 16). Há sugestão de que a marcha seja um bom – senão o melhor – indicador do risco de perda da autonomia quando do processo de envelhecimento. Parece existir, portanto, uma relação entre a manutenção da capacidade de marcha e o nível de independência funcional (5, 10, 15, 16).

Sabe-se que para a deambulação ser eficiente são necessários três ingredientes fundamentais: estabilidade no apoio, meios de progressão adequados e métodos para conservar energia. Um dos meios de conservação de energia é a minimização da excursão do centro de gravidade na deambulação (17). O conhecimento da característica funcional da marcha em portadores de DPOC e a identificação das variáveis associadas às características podem promover o desenvolvimento de estratégias específicas de reabilitação, com vista à manutenção da autonomia e preservação da independência, o maior tempo possível (7, 16, 17). O objetivo deste estudo foi avaliar o padrão de marcha adotado pelo portador de DPOC, a partir da análise bidimensional, identificando o comprimento de passada e passo, velocidade da marcha, cadência e percentagem de fase de apoio; e verificando a relação entre o padrão de marcha adotado com a média e desvio dos dados antropométricos, cinemáticos, qualidade de vida, força muscular respiratória e espirométricos.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo de delineamento transversal, do tipo estudo de caso e unicego (18). A amostragem de conveniência foi procedente do projeto de pesquisa "Reabilitação cardiorrespiratória e metabólica e suas interfaces", da UNISC – Hospital Santa Cruz. Os critérios de inclusão foram pacientes portadores de DPOC, do sexo masculino, e que concordaram e assinaram o Termo de Consentimento, respeitando a Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional da Saúde. Foram excluídos deste estudo pacientes com distúrbios neurológicos, reumáticos, neuromusculares, ortopédicos e/ou traumatológicos, que impossibilitassem a execução da avaliação.

A coleta dos dados foi realizada no laboratório do curso de Fisioterapia da UNISC. O espaço destinado à execução de um ciclo de marcha do membro inferior direito foi de aproximadamente 7 m de comprimento por 4,5 m de largura e 2 m de altura.O piso, emborrachado, antiderrapante, cor preta fosca, as paredes pintadas na cor preta fosca, janelas cobertas por cortinas na cor preta, para evitar reflexão da luz emitida pelo iluminador e incidência de luz externa.

Foram utilizados marcadores esféricos reflexivos, medindo 25 mm de diâmetro, montados porsistema de marcas anatômicas, diretamente fixados na pele do sujeito. A vestimenta usada peloindivíduo foi bermuda de cor preta fosca, semqualquer tipo de objeto pessoal que pudesse refletir, e pés descalços durante a coleta de dados.Foi apresentado o ambiente e passadas orientações ao sujeito para que durante a coleta caminhasse normalmente, ou seja, numa velocidadede sua própria escolha, na área demarcada, traça-da no piso para orientação espacial. Vale ressaltarque o paciente desconhecia o momento exato da coleta da imagem, garantindo o cegamento do sujeito da pesquisa.

Para a coleta dos dados cinemáticos da marcha foi utilizado um sistema de videografia bidimensional da marca Simi Motion®, acoplado a uma câmerade vídeo digital da marca Sony® modelo DCR – HC32/HC42, estacionária, posicionada a aproximadamente 1,2 m do chão, com uma distância de aproximadamente 5 m do percurso da marcha. Um tripé 1,7 m de altura foi colocado logo acima da câmera de vídeo e anexado um sistema de iluminação tipo Frisnel com potência de 1000 W, orientado na mesma direção óptica da câmera de vídeo.

A câmera foi conectada a um computador por uma placa de comunicação, no qual foram ajustado os modos de exposição e foco da câmera para tipo de comando manual, e também calibrado o modo equilíbrio branco da câmera de vídeo. O procedimento de calibração da câmera foi feito com duas réguas acopladas em um suporte de madeira, uma no plano horizontal e outra no plano vertical; a partir deste referencial cartesiano ligado ao laboratório, tornou-se possível conhecer as coordenadas do sujeito no espaço.

Foram capturadas três imagens e armazenadas em arquivos no formato encapsulador de áudio e vídeo Audio Video Interleave (AVI), para posterior processamento. Os registros foram feitos em uma frequência de 60 Hz por segundo ou 60 frames por segundo, e o tempo de aquisição foi correspondente a um ciclo de marcha, baseado no membro inferior direito. Para representar o membro inferior direito durante a marcha, adotou-se um modelo constituído de quatro marcadores anatômicos (19-22).

Os marcadores anatômicos de referência utilizados para o cálculo das variáveis cinemáticas de interesse foram os seguintes:

1) trocânter maior do fêmur direito;

2) côndilo lateral do joelho direito;

3) maléolo lateral direito;

4) cabeça do quinto metatarso direito (Figura 1). A partir da diferenciação dos marcadores mencionados, foi possível determinar as variáveis do segmento de interesse durante a marcha.


Após a captura dos três vídeos, os marcadores reflexivos de referência são passados para o software para serem reconhecidos manualmente, e no primeiro frame da sequência os marcadores foram indicados pelo operador, de acordo com a ordem predefinida dos marcadores. Então, o tracking foi acionado para se obter o modo semiautomático de captação das coordenadas dos marcadores.

Para a análise do movimento foi utilizada a cinemática, que é a subdivisão da mecânica que lida com a descrição do movimento em relação às forças que o causam. A cinemática descreve o movimento em termos de deslocamento, velocidade e aceleração no espaço e estuda também o movimento entre corpos rígidos e tem aplicação na análise da marcha e de outros movimentos corporais quando considera cada segmento de membro como um corpo (22). Os seguintes parâmetros cinemáticos foram controlados: velocidade da marcha, passo, comprimento da passada, cadência e percentual da fase de apoio. Os parâmetros utilizados para este estudo foram filtrados por meio do filtro Moving Average®.

A análise estatística foi realizada por meio do programa SPSS® (Statistical Packge for Social Science) versão 12.5. Realizou-se análise para verificar a média e desvio dos dados cinemáticos, antropométricos, Questionário Respiratório do Hospital Saint George (SGRQ), força muscular respiratória e espirométricos, sendo que, com exceção da primeira variável, as demais são pertencentes ao banco de dados do Programa de Reabilitação Cardiorrespiratória e Metabólica e suas Interfaces. Foi utilizado coeficiente de Correlação de Pearson para verificar a associação das variáveis com nível de significância utilizado de p < 0,05.

Resultados e discussão

Os dados clínicos dos sujeitos que compuseram a amostragem, descritos na Tabela 1, enquadram-se no estádio moderado e severo da doença, em que é possível identificar um declínio importante da função pulmonar, por meio do VEF1 e CVF, entretanto, sem maior comprometimento muscular respiratório. No que se refere aos resultados cinemáticos da locomoção, descritos na Tabela 2, as particularidades de cada sujeito do estudo aproximam-se aos padrões básicos de locomoção para sujeitos saudáveis.

Em relação às variáveis cinemáticas, passada, passo e cadência, os portadores de DPOC estão abaixo dos valores preditos para a normalidade para indivíduos de 60 a 65 anos, conforme descritos por Perry (20) e Rose (22) (Tabela 2). O movimento pendular do centro de gravidade que caracteriza a marcha no ambiente terrestre é modificado no DPOC, assim como no envelhecimento e ambiente aquático, fazendo com que o corpo adote posições angulares diferenciadas para compensar a projeção do centro de gravidade alterada e facilitar o aumento do trabalho muscular que gera o impulso do pé e desloque o corpo para frente (23, 24).

Alterações na força muscular em pacientes comDPOC envolvem principalmente os músculos dosmembros inferiores. A força muscular do quadríceps femoral é 20% a 30% menor em pacientes comDPOC moderada à grave, em relação aos controles saudáveis, o que implica diretamente na fadiga muscular. O grau de redução da força muscular de membros correlaciona-se com a gravidade do processo dadoença. Além disso, tem sido bem estabelecido quea redução da força muscular de membros nesses pacientes contribui para o pobre desempenho no exercício, aumento de dispneia, inatividade e piora daqualidade de vida, e configura-se como um poderosopreditor de mortalidade em DPOC grave (25).

O ritmo parece ser o mais importante fator metodológico a influenciar o desempenho de andar. A variabilidade individual parece ser afetada pelo ritmo(26). Em contrapartida, a velocidade não parece serafetada nem pelo protocolo de partida, nem pela distância cronometrada, mas sim pela idade. Em idosose pessoas com problemas neurológicos, o ritmo demonstra impacto significativo sobre a velocidade média de caminhada (26). Pacientes com DPOC exibemdeficiências nos testes de equilíbrio funcional, coordenação e mobilidade associada à severidade da doença ou diferenças nos níveis de atividade, mas não no requerimento para suplementação de oxigênio (27).

A velocidade de caminhada está associada a vários indicadores de atividade física e saúde. Por isso, é importante examinar os resultados desta análise, nocontexto da clínica aplicada. Uma melhoria estatisticamente significativa na velocidade de cam inhada, porexemplo, pode ser considerada insignificante para umpaciente, se não houver saúde tangível ou funcional benefício associado a ele. Por outro lado, as alterações não significativas podem ser valorizadas se saúde, qualidade de vida e/ou independência funcional sãopensadas para serem melhoradas. Deste modo, é difícil identificar uma única diferença clinicamente significativa (efeito), que poderia ser usada como um padrão universal para avaliar a melhora clínica (26).

Percebe-se que o percentual da fase de apoio foi aúnica variável cinemática de acordo com valores de normalidade para a faixa etária 60 a 65 anos, para o ciclo da marcha (20-22). Pertinente à velocidade,mesmo estando abaixo dos valores propostos porPerry (20) e Rose (22), há uma série de normas clínicas, intervalos para andar e velocidade, relatados naliteratura, utilizados para avaliar o estado funcionalde uma pessoa ou do risco. São exemplos de padrõesde ritmo habitual: velocidade de 1 m/s é considerada normal para os idosos sem deficiência, e velocidadesiguais ou inferiores a 0,7 m/s são fortemente associadas a efeitos adversos para a saúde. Um exemplo deum valor crítico relacionado ao desempenho máximo inclui a velocidade a pé necessária para atravessaruma faixa de pedestres sinalizadas, que é declarada-mente de 1,22 m/s e 1,07 m/s nos Estados Unidose no Reino Unido, respectivamente. Assim, além dasimplicações clínicas e riscos de saúde associados àvelocidade de caminhada lenta, certas normas de velocidade são consideradas essenciais para o funcionamento dos pacientes fora da clínica, e esses requisitos variam de acordo com a comunidade (26).

Na análise das correlações entre as variáveis cinemáticas e idade, índice de massa corporal (IMC), VEF1, qualidade de vida atividade (QVA), qualidade de vida sintomático (QVS), qualidade de vida impacto (QVI), qualidade de vida total (QVT), PImax e PEmax, duas fortes correlações foram encontradas e estão demonstradas nos Gráficos 1 e 2 .

É fato que portadores de DPOC apresentam nível de PImax e PEmax menor que indivíduos saudáveis, bem como maior ansiedade na realização das atividades diárias, ocasionada pela dispneia, decorrente doaumento da demanda ventilatória e respiratória (6, 8,16, 17, 25). Estudos sugerem que as atividades de vidadiária, tais como a caminhada, impõem alta demandafisiológica aos pacientes com DPOC, quando comparada com controles saudáveis, imposta pela debilidademuscular periférica vista, principalmente, em vasto ereto femural (28). Em sujeitos saudáveis e jovens foipossível observar relação alienar entre o tamanho dopasso e a velocidade, em que o aumento da passada foiverificado na caminhada com velocidade lenta, suportando que o modo de caminhar pode ser mais instávelquando os sujeitos caminham numa velocidade maisbaixa que a normalmente utilizada por ele (29, 30).Diante disso, e levando em consideração as alterações biomecânicas do tórax e a inclinação de tronco parafrente, presume-se que a ansiedade na realização deatividades como a caminhada, ocasionada pela possibilidade de dispneia durante e/ou após essa, leva o indivíduo a realizar uma marcha errônea, desenvolvida de forma rápida e/ou com passos largos, objetivandomaior estabilidade e menor tempo de esforço e sobrecarga respiratória. Esses dados são ratificados pela observância da existência de uma boa correlação entre velocidade e PImax (r = - 0,789 e p = 0,062).

Outras associações interessantes também foram observadas entre percentual da fase de apoio da marcha com QVT (r = 0,75 e p = 0,086) e com QVI (r = 0,74 e p = 0,090). Os sintomas da DPOC, sobretudo a dispneia, frequentemente interferem em vários aspectos da vida do paciente, como as atividades profissionais, familiares, sociais e da vida diária (AVD), propiciando o aparecimento de quadros de depressão e ansiedade, além de significativa queda na qualidade de vida (31). Atendendo às recomendações de prática clínica com portadores de DPOC, a prática de técnicas de conservação de energia é de suma importância, pois reduz o gasto energético, diminuindo também a sensação de dispneia, e auxilia o paciente a manter sua funcionalidade de forma ativa e independente, quebrando o ciclo da inatividade, mesmo que para isso tenha que realizar as atividades em ritmo mais lento (7, 10, 32).

A DPOC e outras doenças crônicas, bem como a associação destas doenças, têm impacto sobre a recuperação funcional e incapacidade nos seus portadores, e os mecanismos por meio dos quais isso de doenças crônicas são frequentemente associadascom incapacidade em pessoas velhas, embora seusefeitos precisem ser melhor entendidos (30). No estudo proposto por Velloso e Jardim, as técnicas deconservação de energia são ferramentas que vêmsendo utilizadas nos programas de reabilitação pulmonar com a finalidade de ajudar a diminuir o quadro descrito anteriormente. Elas procuram reduzir ogasto energético dos pacientes com DPOC durante arealização de suas AVDs, diminuindo também a sensação de dispneia e aumentando a funcionalidadedesses pacientes. Nossa prática clínica no Programade Reabilitação Pulmonar (UNISC) mostra que existeuma grande dificuldade desses pacientes em mudarseu estilo de vida e em se adaptar ao uso rotineirodessas técnicas no cotidiano (32).

Considerações finais

Avaliar o padrão de marcha adotado pelo portador de DPOC, a partir da análise bidimensional, nos possibilitou inferir objetivamente sobre esta, possibilitando delinear mais precisamente intervenções terapêuticas. O benefício esperado com tal pesquisa, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, foi uma nova maneira de avaliar e incrementar a marcha dos pacientes, elemento fundamental para manutenção da independência funcional e qualidadede vida.

Para que se possa intervir de forma eficiente na questão funcional do portador de DPOC, é necessário que haja um programa educacional e treinamento específico, em que sejam abordados os vários aspectos da doença, como, por exemplo, o ensino da utilização das técnicas de conservação de energia, e que viabilize a execução de um programa de treinamento utilizando-se da simulação de atividades de vida diária, uma vez que estas envolvem esforço físico e aspectos psicossociais.

Recebido: 28/12/2010

Aprovado: 18/03/2011

  • 1. Fabbri LM, Rabe KF. From COPD to chronic systemic inflammatory syndrome? The Lancet. 2007; 370(9589):797-9.
  • 2. Wagner PD. Skeletal muscles in chronic obstructive pulmonary disease: deconditioning, or myopathy? Respirology. 2006;11(6):681-6.
  • 3. Mark BS, Kenneth SY. Diagnosis of chronic obstructive pulmonary disease. Am Fam Physician. 2008; 78(1):87-92.
  • 4. Barnett M. Improving nursing management of nutrition in COPD Patients. J Community Nursing. 2009; 23(3):32.
  • 5. American Thoracic Society. Medical Section of the American Lung Association. Dyspnea. Mechanisms, assessment, and management: a consensus statement. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159:1666-82.
  • 6. Ottenheijm C, Heunks LM, Dekhuijzen R. Diaphragm adaptations in patients with COPD. Respir Res. 2008;9:12.
  • 7. Langer D, Probst VS, Pitta F, Burtin C, Hendriks E, Schans CPVD, et al. Clinical Practice guideline for physical therapy in patients with chronic obstructive pulmonary disease (COPD) - Portuguese version. Rev Bras Fisioter. 2009;13(3):183-204.
  • 8. Probst VS, Troosters T, Coosemans I, Spruit MA, Pitta FDEO, Decramer M, et al. Mechanisms of improvement in exercise capacity using a rollator in patients with COPD. Chest. 2004;126(4):1102-7.
  • 9. Gosselink Rik. Physical therapy in adults with respiratory disorders: where are we? Rev Bras Fisioter. 2006;10(4):361-72.
  • 10. Velloso M, Jardim JR. Funcionalidade do paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica e técnicas de conservação de energia. J Bras Pneumol. 2006; 32(6):580-6.
  • 11. Boaro D, Silva AMV, Fleig TCM, Silva ALG. Respiração e exercício diagonal de Kabath para membro superior de portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica. R Bras Ci e Mov. 2007;9(17):13-19.
  • 12. Costa AJL. Metodologias e indicadores para avaliação da capacidade funcional: análise preliminar do suplemento saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, Brasil, 2003. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(4):927-40.
  • 13. Gazzola JM, Perracini MR, Ganança MM, Ganança FF. Fatores associados ao equilíbrio funcional em idosos com disfunção vestibular crônica. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(5):683-90.
  • 14. Freitas Jr. P, Barela JA. Alterações no funcionamento do sistema de controle postural de idosos. Uso da informação visual. Rev Port Cien Desp Porto. 2006; 6(1):94-105.
  • 15. Faranatti PV, Lopes LC. Amplitude e cadência do passo e componentes da aptidão muscular em idosos: um estudo correlacional multivariado. Rev B ras Med Esporte. 2004;10(5): 389-394.
  • 16. Pitta F, Troosters T, Spruit M, Probst VS, Decramer M, Gosselink R. Characteristics of physical activities in daily life in chronic obstructive pulmonary disease. American Thoracic Society. 2005;171:972-977
  • 17. Troosters T, Casaburi R, Gosselink R, Decramer M. Pulmonary rehabilitation in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2005; 172:19-38.
  • 18. Hulley SB. Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
  • 19. Andrade, LM. Análise de marcha: protocolo experimental a partir de variáveis cinemáticas e antropométricas. Campinas: Depto Educação Motora/Faculdade de Educação Física / Unicamp; 2002.
  • 20. Perry J. Análise da marcha: marcha normal Barueri, SP: Malone; 2005. v. 1-3.
  • 21. Winter DA. Biomechanics and motor control of human movement. New Jersey: John Wiley & Sons, 2005.
  • 22. Rose J, Gamble JG. Marcha teoria e prática da locomoção humana. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.
  • 23. Ribas DIR, Israel VL, Manfra EF, Araújo CC. Estudo comparativo dos parâmetros angulares da marcha humana em ambiente aquático e terrestre em indivíduos hígidos adultos jovens. Rev Bras Med Esporte. 2007;13(6):371-5.
  • 24. Cristopoliski F, Sarraf TA, Dezan VH, Provensi CLG, RodacK ALF. Efeito transiente de exercícios de flexibilidade na articulação do quadril sobre a marcha de idosas. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(2):139-44.
  • 25. Kim HC, Mofarrahi M, Hussain SN. Skeletal muscle dysfunction in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2008;3(4):637-58.
  • 26. Graham JE, Glenn VO, Kuo YF, Fischer SR, Ottenbacher KJ. Relationship between test methodology and mean velocity in timed walk tests: a review. Arch Phys Med Rehabil. 2008;89(5):865-72.
  • 27. Butcher SJ, Meshke JM, Sheppard MS. Reductions in functional balance, coordination, and mobility measures among patients with stable chronic obstructive pulmonary disease. J Cardiopulm Rehabil. 2004; 24(4):274-80.
  • 28. Marquis N, Debigare R, Bouyer L, Saey D, Laviolette L, Brouillard C, et al. Physiology of walking in patients with moderate to severe chronic obstructive pulmonary disease. Med Sci Sports Exerc. 2009;41(8):1540-8.
  • 29. Beauchet O, Anneweiler C, Lecordroch Y, Allali G, Dubost V, Herramann FR, et al. Walking speed-related changes in stride time variability: effects of decreased speed. J Neuroeng Rehabil. 2009;6:32.
  • 30. Di Fazzio I, Franzoni S, Frisoni GB, Gatti S, Cornali C, Stofler PM, et al. Predictive role of single diseases and their combination on recovery of balance and gait in disabled elderly patients. J Am Med Dir Assoc. 2006;7(4):208-11.
  • 31. Seemungal TAR, Hurst JR, Wedzicha JA. Exacerbation rate, health status and mortality in copd a review of potential interventions. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2009;4:203-23.
  • 32. Fleig T, Silva ALG, Beckenkamp P, Silva AMV, Reckziegel M, Valim AM, et al. Relatório de Pesquisa "Avaliação de uma programa de reabilitação pulmonar em portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, no Vale do Rio Pardo". Santa Cruz do Sul, RS: UNISC; 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      18 Mar 2011
    • Recebido
      28 Dez 2010
    Pontifícia Universidade Católica do Paraná Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado-Velho -, Curitiba - PR - CEP 80215-901, Telefone: (41) 3271-1608 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: revista.fisioterapia@pucpr.br