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Índice “UFSCar” de Efetividades do Programa de Aquisição de Alimentos para a segurança alimentar e nutricional de agricultores familiares do interior paulista

Resumos

Resumo

Este trabalho teve como objetivo a construção de um índice para avaliar a efetividade do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), tendo como referencial analítico a perspectiva da segurança alimentar e nutricional (SAN) para agricultores familiares do território de assentamentos de Araraquara-SP. Para a construção do índice, foram selecionadas variáveis analíticas com aderência teórico-metodológica aos conceitos de SAN, PAA e agricultura familiar, utilizando-se o método estatístico de rotação fatorial ortogonal – Varimax. O referencial teórico adotado foi do neoinstitucionalismo com recorte nas políticas públicas de segurança alimentar e análise a partir de variáveis de esforços, reciprocidade e confiança nas construções de redes por meio do PAA. O nível de (in) segurança alimentar foi avaliado pelo Índice UFSCar de Segurança Alimentar para agricultores familiares. Os dados revelam que 73% dos agricultores que acessam o PAA regularmente apresentam índice moderado ou alto de SAN, ao passo que 93% dos que não acessam o programa apresentam índice moderado e baixo de SAN. Isso mostra que, apesar dos esforços institucionais, a insegurança alimentar ainda está presente e deve continuar a ser enfrentada na agenda das políticas públicas.

Palavras-chave:
Políticas públicas; Segurança alimentar e nutricional; PAA; Índice UFSCar de Efetividades; Assentamentos rurais


Abstract

This work aims to develop an index to evaluate the effectiveness of Brazil’s Food Purchase Program (FPP), using the perspective of food and nutritional safety (FNS) for farming families in the settlement territory of Araraquara, São Paulo, as analytical reference. To develop the index, we selected analytical variables with theoretical and methodological adherence to the concepts of FNS, FPP, and family agriculture (FA),using the statistical method of orthogonal factor rotation (Varimax). The theoretical framework—neo-institutionalism—was used to discuss the public policies for food safety, and create an analysis based on effort, reciprocity, and confidence in the construction of networks through the FPP. The level of food (in)security was evaluated by the UFSCar Index of Food Safety for family farmers. Data show that 73% of farmers who regularly access the FPP have moderate or high rates of FNS, while 93% of those who do not access the program have a moderate or low FNS index. This shows that despite institutional efforts, food unsafety is still present and must continue to be addressed in the public policy agenda.

Keywords:
Public policies; Food and nutrition security; FPP; UFSCar Effectiveness Index; Rural settlements


1 Introdução

No entendimento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), os avanços no combate à fome e à pobreza decorrem da priorização da agenda de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) a partir de 2003. As políticas e programas do governo incluíram ações em torno de fomentar modelos agrícolas sustentáveis e educação alimentar e nutricional ( Kepple, 2014 Kepple, A. W. (2014). O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: um retrato multidimensional. Brasília: Food and Agriculture Organization of the United Nations. ).

As políticas públicas consistem em decisões e ações do governo que produzem efeitos específicos, de acordo com interesses de um determinado campo de forças, e enfatizam seu papel na solução – nem sempre adequada – de problemas da sociedade ( Souza, 2006 Souza, C. (2006). Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, 8(16), 20-45. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-45222006000200003.
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). Um dos aspectos mais importantes da avaliação da ação pública é exatamente a identificação dos seus efeitos em função do referencial escolhido ( Draibe, 2001 Draibe, S. M. (2001). Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de trabalho em políticas públicas. In M. C. R. N. Barreira & M. C. B. Carvalho (Eds.), Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais (pp. 13-42). São Paulo: IEE/PUC-SP. ).

No caso deste artigo, foi priorizada a avaliação comparativa de elementos que constituem o amplo conceito de SAN de agricultores familiares assentados do território de Araraquara/SP, pela metodologia da Rede Alimenta, da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, a qual engloba a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), e pelo Índice da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) de Segurança Alimentar para agricultores familiares.

Os elementos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) abarcam variáveis ou indicadores econômicos, sociais, culturais e ambientais, tais como: nível de segurança alimentar (EBIA), saúde, escolaridade, redes de cooperação, trabalho, renda, pluriatividade, formação de redes de proteção social, autoconsumo, práticas ambientais mais sustentáveis, acesso ao crédito, dentre outros ( Almeida, 2014 Almeida, L. M. M. C. (2014). Efetividades e coesão social de políticas públicas e redes locais/territorial de segurança alimentar: um estudo do Território Lagoa do Sino da Região Sudoeste do Estado de São Paulo . Buri: UFSCar. ). A EBIA é um método de mensuração da situação alimentar domiciliar que objetiva, a partir da percepção do sujeito, captar distintas dimensões da situação alimentar.

O objeto avaliado neste trabalho foi o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, com a finalidade de promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar pela compra de alimentos produzidos pelos pequenos produtores, com dispensa de licitação, destinando-os às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional ( Brasil, 2015 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. (2015). Programa de aquisição de alimentos. Brasília: MDA. Recuperado em 6 de dezembro de 2017, de http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-paa/sobre-o-programa
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).

Conforme sugerido por Grisa et al. (2010) Grisa, C., Gazolla, M., & Schneider, S. (2010). A produção invisível na agricultura familiar: autoconsumo, segurança alimentar e políticas públicas de desenvolvimento rural. Agroalimentaria, 16(31), 65-79. , buscou-se aprofundar os estudos quanto às alterações nos padrões alimentares a partir da perspectiva dos agricultores familiares, pois a maioria dos estudos tem enfocado a questão da segurança alimentar do ponto de vista das famílias beneficiadas com os alimentos.

O referencial teórico adotado foi o do neoinstitucionalismo com recorte nas políticas públicas de segurança alimentar e análise a partir de variáveis de esforços, reciprocidade e confiança nas construções de redes por meio do PAA. A perspectiva ampla da SAN representa uma necessidade básica do ser humano, bem como a conservação da agricultura em moldes capazes de manter sua função alimentar, ambiental e rural, sendo levados em conta os processos de avaliação de suas efetividades e entraves.

A SAN deve ser reconhecida como recurso de inclusão social, de forma a ser assegurada não somente pelo acesso à renda, mas pela garantia de acesso a recursos básicos, como emprego, educação, saúde, informação, entre outros. Diversidade de renda, pluriatividade econômica, autoconsumo familiar, participação em organizações sociais para acesso à informação e ingresso em uma rede de decisão política podem contribuir para a conquista ou melhora da SAN dos agricultores familiares ( Almeida et al., 2015 Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. ).

A evolução de conceitos e padrões de segurança alimentar no mundo faz a necessidade de novos descritores em índices capazes de registrar o estágio atual das sociedades na busca do combate à fome, o que pode ser possibilitado por meio da construção de uma série de variáveis úteis para aprimorar políticas e programas de SAN ( Almeida et al., 2015 Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. ). Os eixos básicos da segurança alimentar e nutricional (saúde, higiene, autenticidade do alimento, meio ambiente e solidariedade) podem estar contemplados em diversas políticas públicas.

Nesse sentido, buscou-se consolidar uma construção metodológica de avaliação dos entraves e das efetividades sociais de programas de políticas públicas de SAN e de transferência de renda no campo do Governo Federal (GF) sob a gestão dos municípios e seus contornos específicos no território escolhido para análise, na região do município de Araraquara-SP.

Para isso, foi construído e mensurado um índice de efetividades do PAA para os agricultores familiares assentados do território analítico delineado, que adquire características específicas para os atores, conforme a metodologia da UFSCar, por meio da técnica de rotação fatorial ortogonal (Varimax), para a composição do índice a partir de um conjunto de variáveis e cruzamentos entre tais variáveis, que têm aderência teórica e metodológica com os objetivos do PAA e a SAN dos agricultores. Os resultados dos índices UFSCar de Segurança Alimentar e de Efetividades do PAA foram comparados para uma análise de suas variáveis, buscando identificar se o PAA tem efetiva contribuição para a SAN dos agricultores familiares analisados.

2 Fundamentos teóricos

2.1 Neoinstitucionalismo e segurança alimentar: reciprocidade e confiança nas construções de redes por meio do PAA

Ambientes institucionais e formas organizacionais em rede representam dimensões relevantes nas análises das efetividades do PAA na geração de segurança alimentar entre famílias de agricultores familiares. Características de relacionamentos sociais, como confiança, reciprocidade e inícios de pertencimentos, podem consolidar redes da agricultura familiar em localidades atendidas pelo PAA do governo federal. No Brasil, este questionamento se mantém nas análises de impactos e efetividades de políticas públicas que podem reverter ou atenuar graus de insegurança alimentar de famílias e pessoas (produtivas e não produtivas). Este trabalho está amparado em tais características, destacados em autores da abordagem do Neoinstitucionalismo Sociológico (NIS).

O NIS, em linhas gerais, se contrapõe ao pensamento racionalista (do neoinstitucionalismo econômico e também da economia neoclássica), estabelecendo seu foco em aspectos culturais e cognitivos, bem como nas relações sociais individuais ou grupais. Segundo Hall & Taylor (1996) Hall, P. A., & Taylor, R. C. R. (1996). Political science and the Three New Institutionalisms. Political Studies, 44(5), 936-957. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-9248.1996.tb00343.x.
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, o NIS surge com um enfoque de natureza cognitiva, numa forte relação com a teoria das organizações, postulando que as normas e procedimentos não surgem como uma resposta eficiente da sociedade para a execução de tarefas, mas sim como práticas culturais (cerimônia e mitos) que se assemelham, constituindo-se em um processo denominado isomorfismo, ou seja, a tendência de as organizações tornarem-se semelhantes ao longo do tempo.

DiMaggio & Powell (1983) DiMaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review , 48(2), 147-160. http://dx.doi.org/10.2307/2095101.
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definem três formas de isomorfismo: coercitivo, normativo e mimético. O isomorfismo mimético se define como a adaptação de procedimentos e estruturas de uma organização, percebidos e disseminados como sucessos, por outra, com a finalidade de reduzir a incerteza. O isomorfismo coercitivo é gerado no âmbito de regulamentações exógenas, como leis previdenciárias e trabalhistas ou ainda devido à existência de um ator com poder de regulação, ou ainda devido às pressões formais ou informais, emanadas de uma organização “chave” para as demais, ou mesmo pela própria pressão cultural da sociedade. O isomorfismo normativo se refere mais aos setores em que é bem definida a profissionalização de uma categoria ou de acordo com estruturas normativas existentes no ambiente institucional, nesta modalidade, uma determinada categoria profissional define suas práticas de trabalho, estas práticas são disseminadas por um processo de educação formal, uma base de interpretação formatada na universidade e nas redes de relacionamentos no âmbito profissional.

Como um produto da evolução capitalista contemporânea, a incidência de formas mais sofisticadas de cooperação e relacionamento em redes (locais ou supralocais) chama a atenção de pesquisadores para a importância do estudo destas formas e suas implicações em termos de desempenho e competitividade. Estrutura-se assim, especialmente a partir dos anos 90, uma abordagem baseada no conceito de rede voltada para fenômenos caracterizados por relacionamentos cooperativos indutores de interdependências entre os agentes, que geram a necessidade de formas de coordenação coletiva das suas atividades.

Apresentam-se novas possibilidades de atuação empresarial, dentre as quais, a operação através de redes de cooperação, com seus integrantes atuando de forma independente, mas coordenada (por vezes temporária), explorando complementaridades mútuas e compartilhando informações, riscos, recursos e produção. Estas possibilidades encontram grande relevância quando se trata de redes de políticas públicas, como as de SAN.

Considera-se que, fundamentalmente, o processo de estruturação e evolução das redes de políticas de SAN envolve não apenas fatores econômicos, tais como aumento de escala de compras para redução de custo médio de aquisição de alimentos, melhoria de efetividade do programa ou mesmo redução de custos de relacionamento. Ainda que os fatores econômicos não possam ser descartados, existem também componentes sociais e institucionais tais como a busca da legitimidade, a importância da homogeneidade do grupo, os mecanismos de coordenação em redes, as intensidades das relações e a questão da confiança, reciprocidade e pertencimento para a manutenção da rede.

Em alguns momentos, o arranjo em rede torna-se um fator de sobrevivência e sucesso. Devido à crescente complexidade das políticas públicas, os atores coordenadores encontram dificuldades em absorver todas as capacidades (e em todas as áreas) e implementação de um programa (como um PAA local). A cooperação possibilita um mecanismo para superar esta dificuldade. As redes se apresentam, neste sentido, como um arranjo composto de várias capacidades, proporcionando maior flexibilidade e permitindo que seus integrantes se concentrem em suas competências essenciais e que, ao mesmo tempo, atinjam economias de escala e escopo.

Por outro lado, quaisquer arranjos cooperativos colocam uma série de desafios e obstáculos na sua construção e gestão. O compartilhamento de conhecimentos, informações e experiências necessita, portanto, da construção cuidadosa da integração bem como da superação da desconfiança.

Um aspecto da ação cooperativa na forma de redes de políticas públicas é a existência de mecanismos de coordenação formais e informais. Os mecanismos de coordenação se apresentam como um aspecto importante do funcionamento do programa em rede, sendo que, especialmente nos casos analisados, há uma nítida combinação entre formalidade e informalidade. Especialmente neste trabalho, encontram-se tanto aqueles mecanismos de coordenação mais sintonizados com o controle e formalismo, tais como o estatuto da rede, atas de reuniões e regras de controle, como também mecanismos informais, baseados em confiança e reciprocidade, que tanto ajudam na efetividade do programa para o público-alvo (agricultor familiar).

3 Procedimentos metodológicos

3.1 A inovação na avaliação a partir de novos índices

Para a avaliação do efeito das políticas na constituição de elementos de segurança alimentar do ator (agricultor familiar), foi realizado um survey, por meio da metodologia do grupo de pesquisa Rede Alimenta da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UNICAMP, incorporando questões específicas do programa selecionado para análise, conforme proposto pela construção metodológica de Almeida (2014) Almeida, L. M. M. C. (2014). Efetividades e coesão social de políticas públicas e redes locais/territorial de segurança alimentar: um estudo do Território Lagoa do Sino da Região Sudoeste do Estado de São Paulo . Buri: UFSCar. .

A pesquisa de campo foi realizada em 2015 por meio de entrevistas semiestruturadas, as quais foram norteadas por um questionário formado por perguntas abertas e por questões fechadas, com o objetivo de caracterizar os agricultores familiares por meio do olhar da segurança alimentar tratada de maneira ampla e avaliar o PAA por meio do recorte delimitado. Foi incluída no questionário a EBIA, a qual foi cruzada com uma série de categorias de análise nas dimensões ambientais, sociais, econômicas e culturais, como características sociodemográficas (estrutura familiar, escolaridade), renda e consumo (renda individual e familiar, renda agrícola e não agrícola, renda agroindustrial, gasto com alimentação), condições de moradia, alimentação (perfil alimentar, forma de acesso aos alimentos e doenças associadas à alimentação), perfil da produção agrícola e agroindustrial, trabalho e lazer, redes de proteção social, autoconsumo, dentre outras. Foram realizadas 50 análises de variáveis simples e 30 cruzamentos, em um esforço de inovar metodologicamente avaliações deste campo da pesquisa.

Para mensurar o nível de segurança alimentar dos agricultores familiares, foi utilizado o Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares que valida a metodologia da EBIA e avança no entendimento de que outras variáveis interferem nas condições de SAN, não sendo somente a renda ( Almeida et al., 2015 Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. ; Cardozo, 2016 Cardozo, D. R. (2016). Renda, consumo alimentar e estado nutricional como indicadores complementares à insegurança alimentar e nutricional do Programa Bolsa Família (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara. ).

A EBIA é um instrumento de pesquisa que possibilita a estratificação dos sujeitos por níveis de insegurança alimentar: Segurança Alimentar (SA), quando não há restrição alimentar de qualquer natureza, nem mesmo a preocupação com a falta de alimento no futuro; Insegurança Alimentar Leve (IAL), quando a alimentação é afetada juntamente com a preocupação de que possam faltar alimentos num futuro próximo; Insegurança Alimentar Moderada (IAM), quando começa a haver restrição quantitativa na alimentação dos adultos da família; e Insegurança Alimentar Grave (IAG), deficiência quantitativa e com alta possibilidade de fome entre adultos e crianças da família ( Segall-Corrêa, 2007 Segall-Corrêa, A. M. (2007). Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estudos Avançados, 21(60), 143-154. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000200012.
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). Além disso, a escala é amplamente aplicada no país em ambientes populacionais devido a sua consistência interna e externa ( Cardozo, 2016 Cardozo, D. R. (2016). Renda, consumo alimentar e estado nutricional como indicadores complementares à insegurança alimentar e nutricional do Programa Bolsa Família (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara. ).

O índice “UFSCar” de segurança alimentar pode significar um avanço metodológico na compreensão do gradiente de (in)segurança alimentar, pois considera as especificidades de uma realidade territorial rural a partir da EBIA do sujeito agricultor familiar ( Almeida et al., 2015 Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. ).

Para a construção do Índice, utilizou-se a técnica de análise fatorial a partir de um conjunto de variáveis que tem aderência teórica e metodológica com a SAN de agricultores familiares: a renda familiar total (X1); diversificação da produção (X2): 0-não, 1-sim; nível de segurança alimentar segundo a escala EBIA (X3): 0-grave, 1-moderada, 2-leve, 3-segurança alimentar; participação em cooperativa (X4): 0-não, 1-sim; autoconsumo (X5): 0-não, 1-sim e porcentagem da renda agrícola para a renda total (X6): 0-0% a 25%, 1-25% a 50%, 2-50% a 75%, 3-75% a 100% ( Almeida et al., 2015 Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. ).

No presente artigo, o foco da discussão diz respeito ao efeito do PAA na segurança alimentar de agricultores familiares assentados. Para avaliar quantitativa e qualitativamente os efeitos e as efetividades da política, foi construído e mensurado um Índice de Efetividades do PAA para os agricultores familiares assentados do território investigado, conforme a metodologia da UFSCar, por meio da técnica de análise fatorial para a composição do índice, a partir de um conjunto de variáveis que foram selecionadas pela aderência teórica e metodológica com os objetivos institucionais do programa (fomentar a produção com geração de renda; acessar novas tecnologias, promover a segurança alimentar, fomentar a produção com sustentabilidade, o processamento de alimentos, industrialização e geração de renda; fortalecer redes de comercialização; incentivar a agricultura familiar; incentivar o consumo dos alimentos produzidos pela agricultura familiar; promover a inclusão social e econômica) e a SAN dos agricultores.

Segundo Johnson & Wichern (2008) Johnson, R. A., & Wichern, D. W. (2008). Applied multivariate statistical analysis (6. ed.). Upper Saddle River: Prentice Hall. , a técnica de análise fatorial tem como principal objetivo descrever a variabilidade de um conjunto de dados utilizando um número menor de variáveis não observáveis, denominadas fatores comuns. Esses fatores estão relacionados ao conjunto de dados por meio de um modelo linear, sendo que parte da variabilidade dos dados é atribuída aos próprios fatores e o restante, atribuído às variáveis que não foram incluídas no modelo, ou seja, o erro aleatório.

Em particular o modelo da análise fatorial é dado pela Fórmula 1:

( X μ ) ( p × 1 ) = L ( p × m ) * F ( m × 1 ) + ε ( p × 1 ) , (1)

em que: μi = média da variável i ; εi = i -ésimo fator específico; Fj = j -ésimo fator comum; e lij = carga fatorial da i -ésima variável no j -ésimo fator.

Uma característica importante dessa análise é a rotação fatorial, que permite rotacionar os fatores em torno da origem até que alguma outra posição mais interessante seja alcançada. Para este fim, utilizou-se um tipo de rotação ortogonal, que mantém os eixos entre os fatores a 90º, denominado Varimax. Esse tipo de rotação se concentra na simplificação das colunas da matriz fatorial, ou seja, maximiza a soma de variâncias de cargas exigidas da matriz fatorial. De acordo com Johnson & Wichern (2008) Johnson, R. A., & Wichern, D. W. (2008). Applied multivariate statistical analysis (6. ed.). Upper Saddle River: Prentice Hall. , essa abordagem busca a melhor rotação dos eixos de modo que a nova matriz de cargas fatoriais tenha o maior número de coeficientes nulos.

Visando à criação do índice mencionado, as seguintes variáveis foram consideras: renda agrícola total (X1); esforço para produzir novos produtos (X2): 0 - não, 1 - sim; esforço para aumentar a quantidade produzida (X3): 0 - não, 1 - sim; planejamento da produção (X4): 0 - não, 1 - sim; utilização de insumos e novas tecnologias (X5): 0 - não, 1 - sim; impacto do PAA na produção (X6): 0 - aumenta, 1 - mantém, 2 - diminui, 3 - diminui totalmente; e impacto do PAA na comercialização (X7): 0 - aumenta, 1 - mantém, 2 - diminui, 3 - diminui totalmente.

Foram considerados os indivíduos que apresentaram valores válidos nas 7 variáveis analisadas. Para estimação dos parâmetros do modelo fatorial, aplicou-se a análise fatorial por componentes principais a partir da matriz de correlação, R , dos dados. A utilização da matriz de correlação evita o problema de se ter uma variável com variância muito grande influenciando indevidamente a determinação das cargas fatoriais.

Metodologicamente, os índices de segurança alimentar dos agricultores familiares ( Almeida et al., 2015 Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. ) e das efetividades do PAA foram formulados a partir da soma dos escores fatoriais padronizados, ponderados pelas respectivas porcentagens de variabilidade explicada de cada fator analisado. A fórmula matemática resultante desse processo é dada pela Fórmula 2:

Im=j=1kλjtr(R)Fjm , (2)

em que: Im = valor do índice do m -ésimo indivíduo; λj = j -ésima raiz característica da matriz de correlação Rp×p das variáveis utilizadas; k = número de fatores escolhidos; Fjm = escore Imin m fatorial do -ésimo indivíduo, no fator j e tr = traço da matriz de correlação Rp×p .

Buscando facilitar a comparação dos índices criados, uma transformação na base foi aplicada, de modo que os novos valores obtidos fossem apresentados dentro do intervalo entre 0 e 100 ( Fórmula 3 ):

I m * = ( I m I m i n ) ( I m a x I m i n ) × 100, (3)

em que: Im* = valor do índice transformado do m -ésimo indivíduo; Im = valor do índice observado no m -ésimo indivíduo; Imax = índice máximo e = índice mínimo observado na amostra.

Para determinar o número de fatores a serem utilizados nas composições dos índices, levou-se em consideração o critério da raiz latente, que aconselha a seleção de fatores com autovalor maior do que 1, e a proporção da variabilidade total explicada.

Nesse caso, pode-se notar que as variáveis consideradas são as padronizadas. Distribuindo algebricamente a média e o desvio de cada variável, obtemos a seguinte Fórmula 4:

Índice=0,06×(X1653,47)+0,12×(X20,49)+0,12×(X30,48)+0,09×(X40,48)+0,09×(X50,50)+0,13×(X60,87)+0,11×(X70,91) , (4)

Por meio dos coeficientes, é possível observar que os pesos das variáveis no índice variam entre 0,06 e 0,13, sendo que a variável X6 (Impacto do PAA na produção) é a que contribui com maior peso, seguida de X2 (Esforço para produzir novos produtos), X3 (Esforço para aumentar a quantidade produzida) e X7 (Impacto do PAA na comercialização). Com relação às variáveis X4 (Planejamento da produção) e X5 (Utilização de insumos e novas tecnologias), nota-se que possuem contribuição intermediária. Ainda, a variável X1 (Renda agrícola total) é a que menos contribui para o valor do índice. Vale ressaltar que todas as variáveis consideradas apresentam contribuição positiva.

Para efeito de comparação e mudança de base, calculou-se o valor máximo e mínimo do índice simulando os valores para as respectivas variáveis por meio dos próprios dados observados na amostra utilizada (exceção para Renda agrícola total, em que o mínimo foi fixado como R$0,00 e o máximo como R$3.000,00).

Assim, o valor máximo é dado quando:

  • X1 (Renda agrícola total): R$3.000,00; X2 (Esforço para produzir novos produtos): 1-sim; X3 (Esforço para aumentar a quantidade produzida): 1-sim; X4 (Planejamento da produção): 1-sim; X5 (Utilização de insumos e novas tecnologias): 1-sim; X6 (Impacto do PAA na produção): 3-diminui totalmente e X7 (Impacto do PAA na comercialização): 3-diminui totalmente.

E o mínimo quando:

  • X1 (Renda agrícola total): R$0,00; X2 (Esforço para produzir novos produtos): 0-não; X3 (Esforço para aumentar a quantidade produzida): 0-não; X4 (Planejamento da produção): 0-não; X5 (Utilização de insumos e novas tecnologias): 0-não; X6 (Impacto do PAA na produção): 0 - aumenta e X7 (Impacto do PAA na comercialização): 0-aumenta.

Aplicando-se esses valores à fórmula do índice, temos: Imax=0,8 e Imin=1,12 . A partir desses valores obtidos, pode-se chegar à seguinte fórmula final do índice, expressa no intervalo entre 0 e 100 ( Fórmula 5 ):

Í n d i c e = 100 1,92 × ( 0,06 × ( X 1 653,47 ) + 0,12 × ( X 2 0,49 ) + 0,12 × ( X 3 0,48 ) + 0,09 × ( X 4 0,48 ) + 0,09 × ( X 5 0,50 ) + 0,13 × ( X 6 0,87 ) + 0,11 × ( X 7 0,91 ) ) . (5)

Alternativamente, é possível categorizar o valor final do índice e criar as seguintes categorias de segurança alimentar visando a uma análise qualitativa ( Figura 1 ).

Figura 1
Categorias qualitativas de (in) segurança alimentar. Fonte: Almeida et al. (2015) Almeida, L. M. M. C., Paulillo, L. F. O., Maiorano, A. C., & Louzada, F. (2015). Índice UFSCar de segurança alimentar para agricultores familiares. Revista de Política Agrícola, 24(4), 82-96. .

Vale ressaltar que o Índice pode ser aplicado em qualquer outra localidade alterando-se os valores máximo e mínimo, caso os valores observados diferirem dos aqui considerados.

As variáveis possibilitam a análise da rede localizada e formada pelo PAA para efetivar reduções de graus de insegurança alimentar em famílias de agricultores familiares de Araraquara a partir de características dos membros como esforços para mudanças, reciprocidade e confiança. Esforços para mudança da produção e comercialização remetem à noção de imbricação que permite melhor apreender a problemática do funcionamento da rede da política PAA ao considerar a interação entre indivíduos com interesses comuns e divergentes que, por sua vez, demandam grandes esforços para a manutenção e a sustentação desse relacionamento. Já os esforços para novos ganhos da rede são os resultados da ação individual que permite o surgimento de novas opções para adensar a rede, criando condições para o crescimento da política pública e para o nível de pertencimento e coesão social.

Reciprocidade pressupõe movimentos de recursos e informações entre pontos correlatos de agrupações simétricas. Uma relação em que a dimensão cooperativa e o valor de confiança são reconhecidos como essenciais para continuidade, estabilidade e eficiência do processo de interação. Sistemas de reciprocidade funcionam, principalmente, por meio de redes de cooperação.

Finalmente, confiança é um componente crucial para que as relações sejam bem-sucedidas, sendo que as relações passadas exercem um peso grande na construção da confiança. Elas afetam, por exemplo, as empresas marcadas por uma história de fraudes e destruição ambiental, dificultando a reversão do sentimento de desconfiança que despertam na sociedade, governos e parceiros de cadeia produtiva, a despeito de existência de acordos tácitos e/ou contratos mediando esses relacionamentos.

3.2 Contextualização e análise crítica do PAA

No ano de 2014, o Brasil saiu pela primeira vez do mapa da fome da ONU, consequência de um empenho político que combinou as políticas públicas de fortalecimento à agricultura familiar e a rede socioassistencial com os programas de transferência de renda ( Garrido, 2015 Garrido, H. C. C. (2015). Abordagem territorial da segurança alimentar: articulação do campo e da cidade no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): considerações sobre o caso Colombiano. Revista Nera, 26, 51-69. ).

As ações estruturantes de segurança alimentar conectadas ao fomento da agricultura familiar inicialmente aparecem como compromissos do Governo Lula no Projeto Fome Zero. A intenção política delimitou-se a partir das Diretrizes do Plano Safra 2003/2004 que, convertidas em atos normativos, criaram o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar ( Delgado et al., 2005 Delgado, G. C., Conceição, J. C. P. R., & Oliveira, J. J. (2005). Avaliação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. ).

O Programa Fome Zero possui como eixos articuladores o acesso à alimentação, a geração de renda, a articulação, mobilização e controle social, e o fortalecimento da agricultura familiar; além de três níveis de ações: políticas estruturais, específicas e locais. O PAA contextualiza-se no âmbito das políticas estruturais e representa a principal ação do Programa Fome Zero com foco no fortalecimento da agricultura familiar ( Muller et al., 2012 Muller, A. L., Silva, M. K., & Schneider, S. (2012). A construção de políticas públicas para a agricultura familiar o Brasil: o Programa de Aquisição de Alimentos. Revista Estudos Sociedade e Agricultura, 20, 139. ).

A criação do programa resultou de dois debates importantes da década de 1990 no Brasil: da SAN e do reconhecimento da agricultura familiar, que já havia ganhado mais expressão com a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) ( Grisa et al., 2009 Grisa, C., Schmitt, C. J., Mattei, L. F., Maluf, R. S., & Leite, S. P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In J. O. Romano & R. Heringer (Eds.), A política vivida: olhar crítico sobre monitoramento de políticas públicas (pp. 321-342). Rio de Janeiro: Ford Foundation. ).

O PAA foi criado a partir do artigo 19 da Lei n° 10.696, de 2 de julho de 2003, alterado pela Lei n° 12.512, de 14 de outubro de 2011, e regulamentado pelo decreto n°7.775, de 4 de julho de 2012 ( Brasil, 2003 Brasil. (2003, 3 de julho). Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003. Dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil. , 2011 Brasil. (2011, 17 de outubro). Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011. Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil. , 2012 Brasil. (2012, 5 de julho). Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012. Regulamenta o art. 19 da Lei no 10.696, de 2 de julho de 2003, que institui o Programa de Aquisição de Alimentos, e o Capítulo III da Lei no 12.512, de 14 de outubro de 2011, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil. ). Tem como finalidade incentivar a agricultura familiar; promover a inclusão social e econômica; fomentar a produção com sustentabilidade, o processamento de alimentos, industrialização e geração de renda; incentivar o consumo dos alimentos produzidos pela agricultura familiar; promover o acesso à alimentação em quantidade e qualidade necessárias das pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional; promover o abastecimento alimentar por compras governamentais de alimentos; constituir estoques públicos de alimentos; apoiar a formação de estoques pelas cooperativas e organizações formais da agricultura familiar; fortalecer redes de comercialização ( Brasil, 2015 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. (2015). Programa de aquisição de alimentos. Brasília: MDA. Recuperado em 6 de dezembro de 2017, de http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-paa/sobre-o-programa
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).

O programa é gerenciado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Ministério da Fazenda (MF); Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Ministério da Educação (MEC), responsáveis por definir as medidas necessárias à operacionalização do Programa ( Grisa et al., 2009 Grisa, C., Schmitt, C. J., Mattei, L. F., Maluf, R. S., & Leite, S. P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In J. O. Romano & R. Heringer (Eds.), A política vivida: olhar crítico sobre monitoramento de políticas públicas (pp. 321-342). Rio de Janeiro: Ford Foundation. ).

Os gestores responsáveis pela execução do PAA são os Estados, municípios, Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), gestores locais formados por agricultores e suas eventuais organizações (associações, cooperativas, etc.) e entidades socioassistenciais. A medida provisória n° 726, de 12 de maio de 2016 ( Brasil, 2016 Brasil. (2016, 12 de maio). Medida provisória nº 726, de 12 de maio de 2016. Altera e revoga dispositivos da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios . Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil. ), extinguiu o MDA e transferiu suas competências para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). O controle social é de responsabilidade dos representantes da sociedade civil: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) e Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) ( Grisa et al., 2009 Grisa, C., Schmitt, C. J., Mattei, L. F., Maluf, R. S., & Leite, S. P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In J. O. Romano & R. Heringer (Eds.), A política vivida: olhar crítico sobre monitoramento de políticas públicas (pp. 321-342). Rio de Janeiro: Ford Foundation. ).

Dessa forma, o programa compra alimentos produzidos pela agricultura familiar com dispensa de licitação e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e aos atendidos pela rede socioassistencial, podendo ser por meio das seguintes modalidades: compra direta da agricultura familiar; compra para doação simultânea; formação de estoque pela agricultura familiar; incentivo à produção e consumo de leite ( Grisa et al., 2009 Grisa, C., Schmitt, C. J., Mattei, L. F., Maluf, R. S., & Leite, S. P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In J. O. Romano & R. Heringer (Eds.), A política vivida: olhar crítico sobre monitoramento de políticas públicas (pp. 321-342). Rio de Janeiro: Ford Foundation. ).

Segundo o estudo realizado por Mattei (2007) Mattei, L. (2007). Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA): antecedentes, concepção e composição geral do programa. Cadernos do CEAM, 7, 33-44. no Estado de Santa Catarina, a modalidade de doação simultânea vem apresentando melhor desempenho, pela forma como as ações foram implementadas e pela expectativa muito favorável externada pelos atores entrevistados. A Região Sudeste possui um equilibro das modalidades Compra Direta, Formação de Estoque e Compra com Doação Simultânea. A região foi a que se mostrou mais estável em relação aos recursos disponibilizados entre 2003 e 2012, demonstrando evolução contínua ao longo do período ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

De acordo com Delgado et al. (2005) Delgado, G. C., Conceição, J. C. P. R., & Oliveira, J. J. (2005). Avaliação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. , o PAA inovou ao criar instrumentos de crédito com garantia de compra para fomento da produção, ao mesmo tempo que atende às populações em risco alimentar e apresenta novidades em relação a outras políticas públicas existentes para a agricultura familiar por sua trajetória e pelos atores que estiveram envolvidos ( Muller et al., 2012 Muller, A. L., Silva, M. K., & Schneider, S. (2012). A construção de políticas públicas para a agricultura familiar o Brasil: o Programa de Aquisição de Alimentos. Revista Estudos Sociedade e Agricultura, 20, 139. ).

O programa foca a comercialização dos alimentos oriundos da agricultura familiar articulando-se com outras políticas, como a merenda escolar e os estoques de alimentos e assistência alimentar ( Muller et al., 2012 Muller, A. L., Silva, M. K., & Schneider, S. (2012). A construção de políticas públicas para a agricultura familiar o Brasil: o Programa de Aquisição de Alimentos. Revista Estudos Sociedade e Agricultura, 20, 139. ). Em alguns casos, o mesmo tem incentivado a diversificação da produção e valorização de produtos locais na medida em que alia a oferta com uma demanda diversificada ( Grisa et al., 2009 Grisa, C., Schmitt, C. J., Mattei, L. F., Maluf, R. S., & Leite, S. P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In J. O. Romano & R. Heringer (Eds.), A política vivida: olhar crítico sobre monitoramento de políticas públicas (pp. 321-342). Rio de Janeiro: Ford Foundation. ).

Destaca-se na formação de mercados institucionais de comercialização direta entre GF e os produtores rurais, de forma que pode promover a garantia da comercialização dos produtos de origem camponesa, eliminando a figura do atravessador e promovendo a SAN de pessoas em situação de vulnerabilidades e riscos sociais ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

Em geral, os agricultores têm formas de comercialização bastante restritas que se limitam a vendas individuais para atravessadores e para consumidores locais em feiras. A garantia de venda e preço vantajosos oferecidos pelo PAA constitui uma oportunidade para que os agricultores invistam no processo produtivo ( Chmielewska et al., 2010 Chmielewska, D., Souza, D., & Lourete, A. A. (2010). O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e as práticas dos agricultores participantes orientadas ao mercado: estudo de caso no Estado de Sergipe. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. ).

O programa indica novas estratégias municipais para utilização do espaço agrícola, primeiro, porque produzir alimentos é uma prática inerente à população assentada, ainda que devesse ser mais incentivada; segundo, que a produção de alimentos obedece à lógica das famílias rurais diante das condições internas e externas atuais, ou seja, à capacidade produtiva da família e às condições de mercado. O aumento de variedades biológicas pode servir a eles como forma de fortalecer suas resistências às variações mercadológicas e mesmo proporcionar maior autonomia sobre seus lotes quando comparados a uma situação de monocultura ( Duval & Ferrante, 2008 Duval, H. C. & Ferrante, V. B. (2008). Produção de autoconsumo em assentamentos rurais: princípios da agricultura sustentável e desenvolvimento. In Anais do 46º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER). Rio Branco: SOBER. ).

A maior diversidade da produção encontra-se nos alimentos hortigranjeiros, sendo que esses alimentos são distribuídos para entidades socioassistenciais na modalidade de Compra com Doação Simultânea. A variedade de alimentos locais e regionais associada à sazonalidade tendia a ser negligenciada em razão do aumento da alimentação industrial ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

Grisa et al. (2009) Grisa, C., Schmitt, C. J., Mattei, L. F., Maluf, R. S., & Leite, S. P. (2009). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In J. O. Romano & R. Heringer (Eds.), A política vivida: olhar crítico sobre monitoramento de políticas públicas (pp. 321-342). Rio de Janeiro: Ford Foundation. colocam que o programa também incentiva a produção em moldes agroecológicos ou orgânicos, oferecendo um incentivo de preço de até 30% para os produtos com atestado de produção segundo tais sistemas de manejo. Porém, exige determinada organização, especialmente em relação à parte burocrática. Há dificuldades para acessarem o PAA, principalmente os que não possuem formalização jurídica ou não estão organizados em associações ou cooperativas ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

De acordo com dados da CONAB, em 2006, foram atendidas 86.543 famílias de agricultores, distribuídas em 18 Estados, com grande concentração na Região Sul. Geralmente, o PAA tem atuado de forma complementar na renda agrícola para agricultores já integrados aos meios de comercialização, porém, para grande parte dos agricultores, especialmente aqueles não atendidos pelas políticas conservadoras do Estado, o PAA tem sido a principal fonte de renda ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

No município de Ipameri-GO, o programa tem sido importante alternativa para sobrevivência da produção familiar no espaço rural, pois a comercialização de seus produtos é garantida e entregue diretamente nas escolas municipais, levando maior diversidade para a alimentação dos alunos. Dessa forma, o PAA tem demonstrado associar o crescimento ao desenvolvimento econômico e social deste território analisado ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

Doretto & Michellon (2007) Doretto, M., & Michellon, E. (2007). Avaliação dos impactos econômicos, sociais e culturais do Programa de Aquisição de Alimentos no Paraná. Sociedade e Desenvolvimento Rural, 1(1), 107-138. mostram que, no Estado do Paraná, o programa concedeu aos produtores uma maior segurança, pois a produção já estava garantida e com valores previamente combinados, restando apenas o risco da condição climática. Foram observados também incrementos nas rendas das famílias entrevistadas, com ênfase para famílias mais carentes - com renda máxima de R$ 2.500,00 para cada agricultor.

No município de Angatuba-SP, Ferreira et al. (2014) Ferreira, M. J., Borsatto, R. S., Gomes, R. R. S., Meira, B. C., & Bergamasco, S. M. P. P. (2014). Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como Instrumento para Organização Social de Agricultores Familiares: o caso de Angatuba, Estado de São Paulo. Informações Econômicas, 44(1). observaram que o programa impactou de forma positiva as rendas das famílias participantes, gerando maior seguridade e empenho no programa, promovendo incentivo à agricultura familiar, inclusão econômica e social e tornando o programa a principal fonte de renda agrícola para a maioria das famílias entrevistadas. Foi observada a dificuldade de estímulo ao cooperativismo e ao associativismo, uma vez que a associação de agricultores atuou somente como agente de comercialização.

Um estudo no Estado de Sergipe observou que o PAA gerou um aproveitamento do potencial das atividades agrícolas já existentes, como iniciativas de novos investimentos, representando aumento na área cultivada, início de diversificação na produção agrícola e maior uso da mão de obra, de insumos, de equipamentos e também maior controle de qualidade. No entanto, o programa não tem proporcionado acessos a outros mercados, visto que as vantagens oferecidas pelo programa e as possibilidades de comercialização são limitadas ( Chmielewska et al., 2010 Chmielewska, D., Souza, D., & Lourete, A. A. (2010). O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e as práticas dos agricultores participantes orientadas ao mercado: estudo de caso no Estado de Sergipe. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. ).

O PAA tem possibilitado no território da Região Norte do Brasil as inserções de comunidades indígenas como fornecedoras do PAA. Apesar de ainda pequena, as medidas podem colaborar para maior abrangência do programa como ampliação da geração de conhecimento e de fortalecimento do debate público sobre as características e impactos da participação indígena no programa.

No Pontal do Paranapanema, verificou-se que o PAA está possibilitando que parte da produção de alimentos nos assentamentos seja vendida de forma a garantir a complementação da renda e a diversificação da produção ( Leal, 2015 Leal, S. C. T. (2015). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no Pontal do Paranapanema. Revista Nera, 26, 147-164. ).

Em Araraquara-SP, foram constatadas irregularidades na gestão dos agentes executores municipais, o que gerou a interrupção do programa por cerca de dois anos. Contradições que vêm demonstrar que as políticas públicas federais, se não forem implantadas com vontade política por parte do poder local, podem ter sua eficácia reduzida ou anulada. Dessa maneira, a demanda pelo PAA varia de acordo com as características territoriais brasileiras e com a organização de agricultores e infraestruturas adequadas ao funcionamento do programa ( Peixoto & Oliveira, 2015 Peixoto, A. M. M., & Oliveira, A. R. (2015). A abordagem territorial nas políticas públicas de desenvolvimento rural: uma análise do PAA para a produção camponesa no município de Ipameri-Go. Revista Nera, 26, 70-79. ).

As perspectivas de continuidade do PAA no plano nacional vêm sofrendo restrições em função da reorientação dos rumos do Governo Federal na condução dos programas institucionais dirigidos aos agricultores familiares. No presente, segundo dados levantados na Coordenadoria de Agricultura do município de Araraquara, 90 agricultores estão participando do PAA, o que implica uma reativação deste programa, desativado na gestão política anterior.

3.3 O espaço da investigação: breve caracterização do território e amostragem

O espaço empírico escolhido para execução da pesquisa foi o município de Araraquara-SP, localizado na região central do Estado de São Paulo.

A mesorregião Araraquara apresenta elevado grau de urbanização, alta renda per capita, agricultura dinâmica baseada em padrão tecnológico alto, com predominância de culturas de exportação, como cana e laranja, além de pastagens e culturas anuais, representando um importante espaço para estudo e avaliação de políticas sociais para o campo ( Kageyama, 2003 Kageyama, A. (2003). Diversificação das rendas nos domicílios agrícolas no Brasil, 1992 e 2001. Economia e Sociedade, 12(1), 20. ).

As produções majoritárias no município em 2006, identificadas em dezembro do mesmo ano no censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2006), foram laranja (105.902 toneladas) e cana-de-açúcar (2.720.108 toneladas); em contrapartida, a quantidade de culturas alimentares produzidas foi bem menor, sendo milho (5.419 toneladas) e mandioca (2.071 toneladas) as mais observadas.

O território de Araraquara conta com três projetos de assentamentos rurais: Monte Alegre; Horto Bueno de Andrada e Bela Vista do Chibarro, caracterizando um possível espaço de convivência entre agricultura familiar e agricultura patronal ( Aro, 2012 Aro, D. T. (2012). Mulheres assentadas: da invisibilidade ao protagonismo (Dissertação de mestrado). Centro Universitário de Araraquara, Araraquara. ).

O censo agropecuário do IBGE (2006) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2006). Censo agropecuário: Brasil, grandes regiões e unidades da Federação . Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 6 de dezembro de 2017, de http://www.ruralbr.com.br/pdf/7078718.pdf
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identificou no município 620 unidades de estabelecimentos agrícolas de produtores individuais, que ocupavam uma área de 16.697 hectares e produtores assentados sem titulação definitiva, 107 unidades que ocupavam 1.435 hectares.

Para o cálculo do tamanho amostral, consideramos que todos os subgrupos são mutuamente exclusivos e compõem a mesma população, sendo essa dividida em três estratos: Bueno de Andrada, Monte Alegre IV, Bela Vista do Chibarro, o que implica a utilização da técnica de amostragem estratificada proporcional ( Cochran, 1953 Cochran, W. G. (1953). Sampling techniques. New York: John Wiley & Sons. ).

O cálculo do tamanho amostral baseia-se em uma questão-chave do tipo dicotômica em cada questionário aplicado, possuindo o contexto de maior variabilidade possível, ou seja, 50% de resposta para cada categoria (𝑝 = 0,50). Para exposição dos resultados, consideramos o erro amostral de 10% (𝐵 = 0,10) e um nível de significância correspondente a 5% (𝑍 = 1,96).

A expressão do cálculo do tamanho amostral para o caso de amostragem aleatória estratificada ( Fórmula 6 ) é dada a seguir ( Silva, 2001 Silva, N. N. (2001). Amostragem probabilística. São Paulo: Edusp. ):

n = i = 1 L ( N 2 i p i ( 1 p 1 ) W i ) N 2 ( B Z 2 ) 2 + i = 1 L N i p i ( 1 p i ) (6)
W i = N i N , n i = n w i e L = 8

Todo o procedimento assume que as unidades amostrais sejam coletadas aleatoriamente, assim, a população e amostra deste trabalho resumem-se na Tabela 1 .

Tabela 1
População e amostra.

Foram coletadas algumas entrevistas a mais para se evitar a diminuição da confiabilidade no caso de algum questionário ser respondido de forma incompleta, o que causa a perda do indivíduo em uma análise multivariada.

4 Discussão e análise dos dados

4.1 O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) na região de Araraquara/SP: uma análise a partir dos efeitos e entraves

Dos entrevistados, 38,1% acessaram o PAA. Apesar de ser minoria, apresenta abrangência bem maior do que os demais programas: Programa Bolsa Família (PBF) (11,11%), Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social (PPAIS) (11,11%), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) (3,17%) e feiras institucionais (20,63%). A participação em programas governamentais também é bem mais expressiva no assentamento Bela Vista do Chibarro do que nos demais assentamentos.

De acordo com a Tabela 2 , as principais dificuldades apontadas pelos participantes do programa são: dificuldades de cumprir os cronogramas (36,36%), valor da cota muito baixo (36,4%), quantidade produzida (22,73%), custos de entrega (18,2%) e atraso nos pagamentos (9,1%).

Tabela 2
Principais dificuldades de acesso ao PAA.

As dificuldades em cumprir os cronogramas referem-se principalmente à frequência de entrega dos produtos não representar o mesmo ritmo da produção, isto é, os trabalhadores cultivam e colhem de uma vez só, enquanto que o programa necessita de pequenas entregas semanais para atender às entidades socioassistenciais.

Estas dificuldades remetem à discussão da racionalidade econômica dos pequenos produtores que difere da premissa da maximização do capital (lógica do modelo capitalista), pois o modo de vida das famílias assentadas volta-se para as necessidades de autossustento, isto é, para a lógica da reprodução social ( Campoi, 2005 Campoi, A. M. (2005). Sistemas de produção e estratégias de vida para a permanência na terra: um estudo no projeto de assentamento Monte Alegre–Araraquara-SP (Dissertação de mestrado). Centro Universitário de Araraquara, Araraquara. ).

Entregas parceladas também dificultam o transporte individual, pois várias viagens semanais encarecem muito o valor da entrega e o valor pago não cobre os gastos. Por essa razão, só participam do programa aqueles trabalhadores que têm acesso a entregas coletivas por meio de cooperativas, ou já aproveitam a viagem quando vão realizar vendas no mercado tradicional.

Torna-se praticamente inviável a participação no programa por quem não tem acesso ao mercado tradicional ou não participe de uma cooperativa pela dificuldade nos custos de entrega. Os atrasos nos pagamentos também não permitem que os trabalhadores iniciem um novo cultivo, uma vez que muitos evitam o financiamento da safra por insegurança de não conseguir pagar os empréstimos.

Por essas razões, o PAA representa um incremento na produção, mas não garante acesso aos mercados para aqueles produtores que ainda não estão ou não tenham algum programa como feiras institucionais ou sem acesso ao mercado convencional.

As principais melhorias proporcionadas pelo PAA foram o aumento da produção (59,1%) e planejamento da produção (50%). A suspensão do programa diminuiria a produção de 54,5% dos agricultores participantes do programa ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Principais melhorias com ingresso no PAA.

Os produtores que diversificam sua produção têm como principal destino o autoconsumo (91,3%) e os mercados institucionais e tradicionais (50%). Ainda assim, entre os agricultores que diversificam sua produção, 45,65% encontram-se em situação de insegurança alimentar leve. A produção diversificada para o autoconsumo garante aos agricultores acesso a vários tipos de alimentos e permite às famílias enfrentar eventuais situações adversas ( Santos & Ferrante, 2003 Santos, I. P., & Ferrante, V. L. S. B. (2003). Da terra nua ao prato cheio: produção para o consumo familiar nos assentamentos rurais do Estado de São Paulo . Araraquara: Fundação Itesp, Universidade de Araraquara. ).

Conforme observado por Santos & Ferrante (2003) Santos, I. P., & Ferrante, V. L. S. B. (2003). Da terra nua ao prato cheio: produção para o consumo familiar nos assentamentos rurais do Estado de São Paulo . Araraquara: Fundação Itesp, Universidade de Araraquara. , a viabilidade econômica da comercialização depende dos resíduos da produção para o autoconsumo e vice-versa. Utiliza-se dos resíduos como as palhadas, do esterco de animais, da adubação das culturas comerciais, e dos recursos oferecidos pelo próprio ambiente, como a fertilidade natural do solo, a água, o clima.

4.2 Índice de efetividade do PAA na região de Araraquara/SP

O programa no geral teve impacto moderado de efetividade para a maioria dos agricultores familiares, fator que justifica sua importância e a necessidade de estudos que proponham aprimoramentos.

Observa-se, pelos resultados, uma maior efetividade do programa em produtores que se esforçaram para produzir novos produtos, aumentaram a quantidade produzida e que realizaram planejamentos para estas ampliações. A utilização de novas tecnologias na efetividade do programa teve pouca representatividade, observando-se uma leve melhora nos produtores que passaram a utilizá-las. Isso pode ser explicado pelo fato de os produtos mais utilizados serem variedades de hortaliças que exigem pouca tecnologia de produção. A melhoria mais observada no uso de tecnologia pelos participantes do programa foi a da utilização de sistemas de irrigação ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Índice de Efetividades do PAA na região de Araraquara-SP.

O PAA representa grande impacto tanto na produção quanto na comercialização. Segundo os entrevistados, se o programa fosse suspenso, a produção e a comercialização diminuiriam na maioria dos casos ou tenderiam a uma suspensão. Alguns produtores também comercializam os mesmos produtos em feiras institucionais ou diretamente ao consumidor, porém outros têm sua comercialização quase que exclusiva no PAA.

Esse fato chama a atenção, pois mesmo não garantindo a uma parcela de produtores o acesso a outros mercados, o PAA tem forte impacto mesmo naqueles produtores que possuem acesso a outros meios de comercialização.

Esses dados sugerem contribuições do PAA para o desenvolvimento da segurança alimentar na agricultura familiar do município de Araraquara. Demonstram também que, apesar dos esforços institucionais, a insegurança alimentar não foi erradicada neste segmento rural.

Os resultados demonstram também que metade dos participantes do PAA no município de Araraquara apresentou moderada SAN, 27,3% tiveram baixa SAN e 22,7% têm alta ou muito alta SAN. Isto é, 73% dos agricultores que acessaram o PAA regularmente no município apresentaram índice moderado ou alto de SAN, ao passo que 93% dos que não acessaram o programa apresentaram índice moderado e baixo de SAN ( Tabela 5 ).

Tabela 5
Índice UFSCar de Efetividades de SAN entre participantes ou não do PAA em Araraquara-SP.

Justifica-se então a extrema importância de políticas públicas para pequenos agricultores voltadas para a inserção em mercados e a garantia de comercialização com vistas à segurança alimentar.

5 Considerações finais

A pesquisa demonstrou que, apesar do avanço conquistado pelas políticas públicas para segurança alimentar e nutricional, a insegurança alimentar ainda está presente mesmo em uma região que se destaca economicamente, principalmente entre agricultores familiares, ainda que o predomínio da sua movimentação esteja no agronegócio.

Nos trabalhos de campo, observou-se que os agricultores familiares da região estudada, no geral, têm cumprido com a função da terra, cultivando uma produção diversificada e com foco no autoconsumo.

Observou-se que a renda gerada e consumida pelos agricultores é muito difícil de ser mensurada e que produtores “capitalizados” apresentam um consumo mais elevado de produtos oriundos do próprio lote do que os produtores “descapitalizados”, fator esse que influenciou a percepção desses trabalhadores a respeito de sua segurança alimentar.

Há controvérsias na discussão da avaliação das condições de produção/reprodução social dos assentados. Às vezes, esforços para produzir ou aumentar a quantidade não são dimensionados com um simples sim ou não, o mesmo pode-se afirmar para as outras variáveis relativas ao dimensionamento da segurança alimentar. Em função dessa controvérsia, há autores que enfatizam, na relação entre assentados/assentamentos, a existência de uma trama de tensões sociais na qual estes trabalhadores estão inseridos, como as resistências e pressões, os constrangimentos, a boa ou má vontade política dos governantes, mostrando que, quando se trata de assentamentos rurais, dificilmente temos resultados quantitativos absolutos e classificatórios.

Comprovaram-se a diversidade e a variação de agricultura familiar, de suas necessidades e demandas, fatores que tornam particularmente importante a elaboração de políticas públicas capazes de atender a maioria dos assentados. A participação em políticas públicas também ainda é pequena, com maior destaque para o PAA.

O índice UFSCar de segurança alimentar representou grande avanço metodológico e corroborou com a metodologia da EBIA. Os resultados demonstram a necessidade de aplicações do índice em regiões diversas a fim de oferecer subsídios científicos para a reconceitualização e aprimoramento de políticas públicas federais em contextos regionais.

Observa-se grande necessidade de ampliação do PAA e a criação de novos programas complementares. São necessários ajustes no programa para garantir que os produtores se adaptem melhor aos cronogramas de entrega e possam ser minimizados os seus custos.

É necessária a ampliação do programa para que as prefeituras possam adquirir um valor maior e uma produção mais diversificada de produtos dos agricultores familiares. Uma vez mais capitalizados, os produtores podem se sentir mais seguros para ampliar e diversificar a produção, fatores que contribuem, como observado pelos resultados deste trabalho, para maior efetividade do programa, minimização dos custos de entrega e geração de maior segurança alimentar.

Mesmo não garantindo acesso a outros mercados e no território estudado, fator que pode ser justificado pela forte presença da agricultura patronal, o programa representa um incremento importantíssimo na comercialização dos agricultores que estão inseridos em outros mercados e, para parcela significativa, representa o único meio de comercialização.

É necessário aprimoramento nesse aspecto da política, criar mecanismos, tecnologias para garantir que os agricultores familiares prosperem e possam acessar outros mercados, fator esse que também pode ser conquistado pela ampliação do PAA e criação de programas complementares. Uma situação que exige vontade política nas esferas federais e municipais de poder, ainda mais quando não constatado pelas últimas medidas institucionais em políticas públicas no plano da agricultura. Entretanto, pode-se afirmar que o planejamento de novas tecnologias adaptadas às institucionalidades da política já está sofrendo impactos na produção e comercialização dos agricultores familiares devido à redução do orçamento no plano nacional, o que acaba por interferir na manutenção de laços de reciprocidade e de cooperação, fundamentais para a garantia da segurança e soberania alimentar dos produtores.

Os dados sugerem contribuições do PAA para segurança alimentar dos agricultores familiares e demonstram que a insegurança alimentar ainda está presente e deve continuar como prioritária nas agendas institucionais.

  • Suporte financeiro: Nenhum.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2017
  • Aceito
    02 Fev 2018
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