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Da liberdade religiosa ao pluralismo: a diversidade como valor no Ensino Religioso Escolar no Paraná

From religious freedom to pluralism: diversity as a value in School Religious Education in Paraná

Resumo

Este artigo examina como os valores de uma democracia pluralista foram ressignificados e incorporados aos objetivos pedagógicos da disciplina Ensino Religioso. Tomaremos como estudo de caso a experiência do Paraná, considerada pelos atores que militam nesse campo uma referência no trato da diversidade religiosa. Embora suas diretrizes tenham sido elaboradas por uma associação inter-religiosa, o formato desse ensino se assume, oficialmente, como não confessional. Examinaremos as diretrizes propostas para essa disciplina no documento Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações, de 2018 e publicado em 2020, as orientações da Base Nacional Comum Curricular, de 2017, e depoimentos de membros da associação inter-religiosa que colaboraram na sua redação. Demonstraremos que a inclusão dessa disciplina na grade curricular do ensino fundamental em 2017 consolidou um processo de transformação de seu estatuto, conteúdo e objetivos, iniciado nas décadas anteriores. Trata-se de examinar neste artigo os termos dessa integração, apreender suas articulações com outras disciplinas, e mapear seus valores intrínsecos.

Palavras-chave:
democracia pluralista; ensino religioso; diversidade; liberdade religiosa

Abstract

This article examines how a pluralistic democracy re-signified and incorporated its values into Religious Education in public schools. Paraná’s experience will be taken as a case study. It is considered a reference for its approach to religious diversity. Although an interreligious association drew up its guidelines, this teaching is considered a non-denominational teaching format. We will examine the guidelines proposed for this discipline in the document Principles, rights and Parana curricular guidelines, of 2018 and published in 2020, the 2017 guidelines of the National Common Curricular Base, and testimonials from members of the interfaith association who collaborated in its writing. We will demonstrate that the inclusion of this subject in the elementary school curriculum in 2017 consolidated a historic transformation of its status, content, and objectives, which began in previous decades. This article aims to examine the terms of this integration, apprehend its articulations with other school subjects, and map its intrinsic values.

Keywords:
pluralistic democracy; religious education; diversity; religious liberty

Introdução1 1 Este artigo é resultado do projeto de pesquisa “Pluralismo Religioso e Diversidades no Brasil Pós-Constituinte”, que coordenamos e é apoiado pela Fapesp (n. 2021/14038-6), a quem desde já agradecemos, e de nossa colaboração com o projeto “Nonreligion in a Complex Future”, coordenado por Lori Beaman, da Ottawa University. Agradecemos também a generosa leitura de Henrique Antunes e de Guilherme Costa, cujas sugestões contribuíram para o aprimoramento do texto.

Este artigo trata das transformações do estatuto e da forma do Ensino Religioso oferecido nas escolas públicas quando a agenda política do pluralismo, idealizada na Constituição de 1988 (Brasil, [2022a]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2022a]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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), começa a ser implementada na educação básica e fundamental. Tomando como referência o documento Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações de 2018 e publicado em 2020 (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), analisaremos como a diversidade religiosa e racial foi concebida e representada nesse documento e como foi transformada em ferramenta de ensino. Mapear o processo de inclusão da diversidade no Ensino Religioso e de seu enquadramento às normas que regulam o currículo escolar nos permite compreender como valores religiosos e cívicos vêm sendo articulados no ensino público nestas últimas décadas. Não se trata de avaliar se as propostas desse ensino têm atingido as metas determinadas pelas secretarias de estado ou se as disposições constitucionais sobre a laicidade vêm sendo respeitadas. Procura-se, ao contrário, compreender como o currículo escolar tem sido pensado como uma ferramenta para o enraizamento de uma ideologia pluralista de um lado, e como o processo de disciplinarização dessa matéria alterou o modo como a religião vem sendo representada, de outro.

O estudo desse caso nos pareceu particularmente interessante para explicitar as complexas modulações que articulam as imagens do civil e do religioso, modificando sua materialidade e formas de expressão. Procuraremos demonstrar que as tentativas de incluir os valores da diversidade nesse ensino alteraram seu estatuto, seu conteúdo e seus modos de apresentar o que se entende por religioso, tornando-o autônomo com relação à autoridade moral das igrejas e das famílias. Procuraremos examinar neste artigo os termos dessa integração ao currículo escolar, apreender suas articulações com outras disciplinas, e mapear seus valores intrínsecos a partir das diretrizes propostas no documento paranaense. Esse enfoque nos pareceu fundamental para compreender como o Ensino Religioso foi perdendo seu caráter catequético e doutrinário passando a se autodefinir e realizar no cotidiano escolar enquanto uma área de conhecimento privilegiada para estimular uma vivência ética da diversidade, do pluralismo e do respeito aos direitos humanos.

Além de situar o documento paranaense no contexto maior dos marcos legais que o embasam, para as finalidades de nossa análise procedemos à codificação do documento procurando responder a três questões fundamentais: como a disciplinarização do Ensino Religioso foi justificada? Como a introdução da diversidade como valor no currículo impactou o formato desse ensino? Quais habilidades e conhecimentos o ensino da diversidade religiosa pretende promover? Para tanto este texto buscará em um primeiro momento situar o documento Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações (Paraná, [2020]) no contexto normativo nacional que o embasou. Em seguida, trataremos da inserção do tema da diversidade na grade escolar procurando compreender seu impacto no Ensino Religioso. Finalmente, examinaremos como essa nova concepção do religioso é definida e ensinada e quais habilidades se busca desenvolver nos alunos.

A regulação nacional dos currículos escolares pós-Constituinte

No que se refere aos direitos à educação a Constituição Federal de 1988 alude, em seu artigo 210, ao conceito de “formação básica comum” (Brasil, [2022a]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2022a]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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). Essa fórmula recomenda a definição de um conteúdo mínimo para os currículos e propostas pedagógicas para todas as escolas públicas e privadas do Brasil. A implementação dessa orientação padronizadora da qualidade e conteúdo do ensino público se prolongou ao longo dos 30 anos subsequentes por meio de um conjunto de regulações infraconstitucionais nacionais e estaduais.2 2 Em especial as leis de 2003 e 2008 que regulamentam o ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (Brasil, 2003, 2008), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena de 1999 (Brasil, 1999) e Quilombola de 2012 (Brasil, 2012) e a Base Nacional Comum Curricular lançada em 2017 (Brasil, [2018]). A mais relevante para o tema que aqui nos interessa foi a de 1996, quando o Ministério da Educação lança um texto-base para orientar os currículos de todo o sistema educacional brasileiro, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (Brasil, [2022b]BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, [2022b]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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), a cujo artigo 33 foi posteriormente dada nova redação com a Lei nº 9.475, de 1997 (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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).3 3 Diz essa lei em seu artigo 33, na redação de 1997: “Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas para a definição dos conteúdos do ensino religioso” (Brasil, 1997). Dessa redação foi retirada a menção, incluída na versão anterior da lei, que proibia a remuneração aos professores dessa disciplina pelos cofres públicos. Foi removida também a menção às possibilidades de essa matéria escolar contar com as modalidades de ensino confessional e interconfessional com conteúdos elaborados exclusivamente por entidades religiosas (Brasil, [2022b]). Pela primeira vez a disciplina Ensino Religioso, que se mantivera como uma atividade relativamente marginal às políticas de regulamentação dos currículos, é inserida como componente curricular do ensino fundamental. Essa inclusão, ao torná-la objeto da regulamentação curricular, estimula a promoção de uma mudança paradigmática no seu estatuto, métodos e conteúdo. A tarefa de produzir uma diretriz curricular para essa disciplina foi delegada aos sistemas de ensino estaduais e municipais e as organizações religiosas foram chamadas a participar na formulação de seu conteúdo.

O desenvolvimento de uma base curricular comum para todas as disciplinas tinha como ensejo prioritário garantir a igualdade no conteúdo oferecido e na qualidade da formação escolar dos jovens brasileiros. Desde a Constituição de 1988, esse esforço de padronização vinha acompanhado da ressalva de que essa “formação básica” deveria respeitar “os valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (Brasil, [2022a]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2022a]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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, art. 210). Embora a Carta Magna não fizesse referência à religião, essa articulação de uma concepção de cidadania igualitária associada à proteção dos direitos à diversidade acaba por inserir uma tensão no contexto pedagógico que, nas décadas seguintes, reaparece nos debates em torno do currículo de Ensino Religioso. Desde sua formulação inicial na Constituição, por razões que procuraremos, em parte, abordar neste texto, essa noção de diversidade, que acompanhou desde o início o processo de padronização do ensino básico, foi sendo remodelada e complexificada, expandindo-se na década de 1990 do campo da cultura para o campo da diversidade religiosa e na década seguinte para as relações étnico-raciais e de gênero. Com efeito, já na formulação de alguns incisos da LDBEN de 1996 e no documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998 (Brasil, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) pode-se observar como a noção de diversidade vai deixando os domínios exclusivos da arte e cultura para abarcar outros marcadores sociais de diferenças.

No caso do Ensino Religioso é importante ressaltar que, embora ele tenha estado presente na grade escolar desde a primeira metade do século passado, fomentando o debate em torno da laicidade do Estado, a concepção de diversidade religiosa começa a ganhar corpo e visibilidade na escola a partir dos questionamentos que se seguiram à nova redação dada ao artigo 33 da LDBEN de 1996 (Brasil, [2022b]BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, [2022b]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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) pela Lei nº 9.475, de 1997 (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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). Esta lei facultou, pela primeira vez, outras religiões a se habilitarem para lecionar essa disciplina. Isso porque, em troca da transferência do custeio desse ensino para o Estado, o deputado federal Padre Roque Zimermann, do Partido dos Trabalhadores, conseguiu aprovar a supressão da referência à sua natureza confessional e interconfessional que constava na versão anterior da lei, de 1996. A revogação abriu o caminho para que o tema do respeito à diversidade religiosa entrasse na agenda escolar (Malvezzi, 2012MALVEZZI, M. C. F. Regulamentação do Ensino Religioso na escola pública: a experiência do Paraná entre 1990-2011. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012., p. 46). Àquela altura, a disputa sobre o proselitismo ou doutrinação na escola já estava sendo abandonada pela própria hierarquia da Igreja católica. Há mais de uma década os encontros mundiais da Igreja católica sobre catequese já vinham indicando que a catequese escolar enquanto aula de religião estava exaurida como modelo e que era preciso repensar a natureza do Ensino Religioso na escola diante da crescente pressão de outras religiões contra o controle católico dessa disciplina (Baptista; Siqueira, 2021BAPTISTA, P. A. N.; SIQUEIRA, G. do P. O ensino religioso, a relação educador-educando e a Base Nacional Comum Curricular e o currículo de referência de Minas Gerais. Revista Pistis e Práxis, Curitiba, v. 13, n. 1, p. 497-522, 2021.). Já nos anos 1970, o ecumenismo começa a emergir como proposta de educadores, pesquisadores, líderes e associações civis religiosas para inserir o reconhecimento da diversidade religiosa nesse ensino. Surgiram, então, as primeiras iniciativas para a oferta de formação de docentes em nível superior para o Ensino Religioso. Santa Catarina chegou a encaminhar proposições para habilitar professores de Educação Religiosa Escolar (ERE) ao então Conselho Federal de Educação (CFE) em 1972, 1985 e 1990.4 4 Nessa conjuntura, foi criado o primeiro Departamento de Ciências das Religiões no Brasil na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em junho de 1969. Seu objetivo era “o estudo sistemático e aconfessional do fenômeno da religiosidade”. Assim, as primeiras iniciativas de oferecer um ensino não confessional datam da década de 1970. Mas a formação de professores permaneceu confessional até 1990. A formação de agentes pastorais com a colaboração de instituições de ensino não era reconhecida pelo MEC (Baptista; Siqueira, 2021).

Tendo em vista que a LDBEN de 1996 estabelecera que fosse criada uma base curricular nacional para todas as disciplinas, associações que reuniam professores de Ensino Religioso, como a Associação Inter-Religiosa de Educação (Assintec) no Paraná, os Conselhos de Ensino Religioso do Estado de São Paulo e Santa Catarina e o Fórum Permanente do Ensino Religioso (Fonaper),5 5 O Fonaper, que congrega lideranças de diferentes religiões, foi criado em 1995 para acompanhar a elaboração da LDBEN de 1996 e tornar menos ostensiva a presença da CNBB na defesa da manutenção do Ensino Religioso na escola pública, com ônus para os cofres públicos (Malvezzi, 2012, p. 43). se movimentaram nessa direção, reunindo representantes de várias confissões para debater um conteúdo que atendesse às expectativas das diferentes organizações religiosas. Nesse movimento, o conceito de ensino confessional foi sendo progressivamente abandonado pelos próprios operadores religiosos das políticas educacionais.6 6 O próprio Fonaper, ao elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (Viesser, 1997), já compreendera que as modalidades de ensino “confessional e interconfessional” não eram mais compatíveis com a diversidade religiosa e tratou de desvinculá-lo dessa concepção transformando-o em disciplina (Junqueira, 2002, p. 72). Em seu lugar foi se consolidando o conceito de “Ensino Religioso Escolar” que acabou por colocar em segundo plano a disputa em torno da laicidade estatal e privilegiar o debate sobre a presença da diversidade religiosa na escola. Mais do que isso, para que o valor de “respeito à diversidade religiosa” pudesse constituir-se enquanto tal no ensino dessa disciplina foi preciso, antes, definir programaticamente o que o Estado passara a tomar por religião enquanto objeto do aprendizado escolar. Mas esse segundo passo tardou mais de uma década. Somente em 2017 a BNCC (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) inclui oficialmente definições curriculares e de conteúdo para o Ensino Religioso conferindo-lhe finalmente o estatuto de área de conhecimento. Até lá, esse ensino permanecera sem supervisão oficial e sua implementação e conteúdo mantivera-se sob responsabilidade das associações civis inter-religiosas. Isso porque a LDBEN de 1996 (Brasil, [2022b]BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, [2022b]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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), com a nova redação em seu artigo 33 dada pela Lei nº 9.475/1997, delegara, como mencionamos anteriormente, aos sistemas estaduais e municipais de educação a elaboração dos conteúdos e o planejamento didático-pedagógico para essa disciplina, bem como a responsabilidade da formação e habilitação de professores. A partir de então, secretarias estaduais de educação, como a do Paraná, se associaram a entidades religiosas como a Assintec no intuito de definir o conteúdo curricular dessa disciplina e as formas de contratação de professores.

No que diz respeito aos conteúdos curriculares como um todo, o Ministério da Educação preocupara-se em garantir a unidade da ação pedagógica e dos conteúdos no plano nacional. Para tanto publicou em 1998 os PCN (Brasil, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), oferecendo orientações gerais de como formular os currículos levando em conta as realidades locais. O Ensino Religioso, no entanto, não foi incluído nessas diretrizes. O Fonaper, no calor das disputas em torno do artigo 33, lançou uma proposta em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER), que jamais foram chancelados pelo Ministério da Educação (Malvezzi, 2012MALVEZZI, M. C. F. Regulamentação do Ensino Religioso na escola pública: a experiência do Paraná entre 1990-2011. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012.), embora tenha passado a orientar esse ensino em muitas escolas. Procurando adaptar-se às diretrizes curriculares oficiais, e com o apoio da Igreja católica, o documento da Fonaper sugere uma mudança no conteúdo do Ensino Religioso de modo a incluir a diversidade religiosa, eliminando seu caráter catequético anterior e transformando-o em uma disciplina de “natureza cientifica”. Nesse contexto redefine-se o conceito de “religião” como objeto de conhecimento a ser abordado a partir de outras disciplinas tais como a filosofia, história, sociologia e antropologia. O Ensino Religioso aprofunda assim seu processo de disciplinarização escolar desvinculando-se do ensino de religião nas igrejas e na família e apoiando-se cada vez mais nas instituições de ensino superior.

Ao admitir que o ensino religioso devesse ser tratado como uma “área de conhecimento” acessível a todos, independentemente de suas crenças pessoais, a proposta do Fonaper abre esse ensino para o problema da diversidade não religiosa. Essa mudança nos fundamentos da disciplina a fizeram relacionar-se com os outros componentes curriculares e seus modos de tratar as diferenças. Como veremos a seguir, a partir dos anos 2000, começam a ser implementadas políticas direcionadas à diversidade racial e étnica, inclusive na escola. Essa novidade exigiu que a questão da diversidade religiosa, até então tratada de maneira isolada no currículo do Ensino Religioso, se articulasse a outras formas de diversidade, em particular as étnicas e raciais tratadas em outras disciplinas.

Diversidade religiosa e diversidade étnico-racial na grade escolar

Os PCN lançados em 1998 não mencionam nem oferecem subsídios para a disciplina Ensino Religioso nas suas proposições. No entanto sublinham a pluralidade cultural e sexual como questões urgentes a serem tratadas transversalmente pelas disciplinas. No intuito de atender em parte esse requerimento, os PCN de 1998 aprovados pelo Congresso Nacional propõem uma escola indígena diferenciada, intercultural e bilíngue, atendida por professores indígenas, sem fazer referência à diversidade religiosa (Brasil, 1998BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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). Em 2003 e 2008 a LDBEN é novamente alterada pelas leis 10.639 (Brasil, 2003BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) e 11.645 (Brasil, 2008BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: Presidência da República, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) respectivamente para incluir a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e a questão indígena no currículo oficial da rede de ensino. A essas iniciativas seguiram-se as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2010 (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Brasília: CNE/CEB, 2010. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) para orientar, fortalecer e institucionalizar essas orientações na implementação desse conteúdo curricular em todo o sistema escolar Assim, quando o Conselho Nacional de Educação reitera, em parecer desse mesmo ano, o reconhecimento do Ensino Religioso como componente curricular, os conteúdos relativos à diversidade étnica e racial já estavam sendo introduzidos como temas transversais em todas as disciplinas. O encadeamento dessas decisões legislativas nos indicam que, no plano pedagógico, a diversidade racial e étnica foi introduzida no currículo como política pública afirmativa oficial, enquanto a diversidade religiosa foi tratada separadamente, no âmbito das associações civis inter-religiosas. Por essa razão os dois debates transcorreram de maneira paralela e em tempos distintos. Ao delegar a responsabilidade do Ensino Religioso para os poderes estaduais e associações civis com a nova redação dada ao artigo 33 pela Lei nº 9.475/1997 (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), a LDBEN deixara livre o caminho para que as associações inter-religiosas se encarregassem da tarefa de propor formas de adequar essa disciplina às diretrizes legais. Essa abertura não colheu as entidades religiosas no improviso, uma vez que as primeiras tentativas de empreender um ensino religioso não confessional datavam da década de 1970. Já a diversidade étnica-racial, formulada em termos do combate ao racismo e ao preconceito, começa a se expressar no debate sobre a educação básica somente a partir da década de 2000 quando, um ano depois da Lei nº 10.639/2003 (Brasil, 2003BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), que incluiu História e Cultura Afro-Brasileira no currículo, o Conselho Nacional de Educação estabelece diretrizes nacionais para o ensino dessa disciplina. Esses dois debates pedagógicos só começaram a intersecionar-se mais recentemente, com a inclusão oficial do Ensino Religioso na grade curricular comum em 2017. Alguns anos antes a CONAE 2010, em seu documento final (Conferência Nacional de Educação, 2010CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: o Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias de ação. Brasília: CONAE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://pne.mec.gov.br/images/pdf/CONAE2010_doc_final.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), já sugeria várias medidas nessa direção: propunha que o Ensino Religioso fosse incluído no Programa Nacional do Livro Didático, que os estudos de diversidade cultural-religiosa fossem incorporados aos currículos das licenciaturas e que os currículos do ensino fundamental se orientassem para o ensino da diversidade cultural-religiosa. Com essas medidas, as questões relativas à diversidade de religião que interessavam particularmente às organizações religiosas vão se articulando com as demandas relativas ao respeito das diferenças culturais, raciais e étnicas, ampliando a noção de diversidade com a qual passa a operar o novo paradigma do Ensino Religioso.

Embora o Estado não tenha estabelecido um curso específico de formação de professores na área do Ensino Religioso, ao reconhecê-lo como um componente do currículo em 1997, estimulou as associações civis inter-religiosas a incorporarem a essa área os mesmos subsídios ideológicos sobre a diversidade que passaram a orientar o ensino das outras disciplinas a partir de 2003. A movimentação para a criação de cursos de licenciatura plena para formação e habilitação de professores nessa área já se iniciara no final da década de 1990, liderada pelo Conselho de Igrejas para a Educação Religiosa de Santa Catarina (CIER) em parceria com universidades regionais (Universidade Regional de Blumenau - FURB, Universidade da Região de Joinville - Univille e Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul) do estado de Santa Catarina (Malvezzi, 2012MALVEZZI, M. C. F. Regulamentação do Ensino Religioso na escola pública: a experiência do Paraná entre 1990-2011. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012., p. 104). Assim, quando o Supremo Tribunal Federal decide em 20177 7 Para maiores detalhes sobre os argumentos expostos nessa votação, ver Neves e Almeida (2021). pela constitucionalidade do ensino confessional nas escolas, as próprias organizações inter-religiosas que se ocupam desse tema, como a Assintec e a Fonaper, já vinham, há quase duas décadas, trabalhando o conteúdo desse ensino em uma perspectiva transversal e plurirreligiosa.

A literatura sobre o tema observa que existe grande heterogeneidade na forma como os estados e municípios vêm interpretando, na prática, a legislação quanto ao conteúdo desse ensino (Ximenes, 2009XIMENES, S. B. O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: do direito à liberdade de crença e culto à prestação estatal positiva. In: RANIERI, N. B. S. (coord.); RIGHETTI, S. (org.). Direito à educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Edusp, 2009. p. 89-109.). Enquanto o Rio de Janeiro, por exemplo, assumiu uma modalidade confessional de ensino (Rio de Janeiro, 2000RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 3.459, de 14 de setembro de 2000. Dispõe sobre ensino religioso confessional nas escolas da rede pública de ensino do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2000. Disponível em: Disponível em: https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/136999/lei-3459-00 . Acesso em: 12 jan. 2022.
https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislac...
), São Paulo preferiu oferecer História das Religiões (São Paulo, 2002SÃO PAULO. Secretaria da Educação (Estado). Resolução SE-21, de 29 de janeiro de 2002. Dispõe sobre as aulas de ensino religioso na rede estadual de ensino e dá providências correlatas. São Paulo: SE, 2002. Disponível em: Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/21_2002.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), enquanto Santa Catarina adotou o enfoque das Ciências da Religião. No caso do Paraná, segundo a professora de Ensino Religioso infantil e membro da equipe pedagógica da Assintec Brígida Karina Liechocki, preferiu-se alocar essa matéria no âmbito das ciências humanas.

Não é possível enfrentar, no escopo deste trabalho, a análise dessas muitas experiências regionais. Nos limitaremos, portanto, ao exame do caso do Paraná, tido pelos que militam nesse campo como referência de sucesso na implantação desse ensino nas escolas estaduais e municipais e um dos poucos a, oficialmente, adotar um formato de ensino não confessional. Por essa razão, ele se torna um estudo de caso particularmente desafiador, uma vez que se propõe explicitamente a desenvolver, como veremos, um Ensino Religioso não religioso.

O Ensino Religioso Escolar no Paraná

Na visão dos estudiosos do Ensino Religioso, o estado Paraná tem sido considerado uma referência pelo seu pioneirismo em esboçar um perfil ecumênico para essa disciplina (Schlögl, 2005SCHLÖGL, E. “Não basta abrir as janelas”: o simbólico na formação do professor. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005., p. 30); pelo seu dinamismo na elaboração dos parâmetros curriculares enquanto uma política pública; pela sua capacidade de produção de material escolar e empenho na formação continuada de professores. A Secretaria de Educação do Paraná publicou seu Referencial Curricular em 2020, no qual incluiu as diretrizes para o Ensino Religioso. Em sua ficha técnica consta que os redatores do currículo dessa disciplina foram os professores Renata Carolina Z. Cardoso e Elói Correa dos Santos, técnicos pedagógicos da Secretaria da Educação, em colaboração com Brígida Karina Liechocki e Adriana M. Gaertner Fernandes, professores da rede de ensino da Prefeitura Municipal de Curitiba. Elói dos Santos e Brígida Karina Liechocki integram também a equipe pedagógica da Assintec.8 8 Fundada em 1973 a Associação Inter-Religiosa de Educação é uma entidade civil de caráter educacional que atua em parceria com as secretarias de educação na implementação da disciplina de Ensino Religioso na escola pública e no apoio pedagógico aos professores dessa disciplina. Teve como seu primeiro diretor o pastor luterano Carlos F. R. Dreher. No mesmo ano de sua fundação, celebrou um convênio com a Secretaria da Educação para implantar o Ensino Religioso interconfessional nas escolas do estado. Ao lado de outras entidades religiosas, a Assintec militou na Assembleia Nacional Constituinte pela proposta de emenda popular que garantia a presença do Ensino Religioso na grade curricular do 1º e do 2º grau. Na década de 1990, a associação se abre para organizações religiosas não cristãs, inclusive ateias. Nesse período firma convênio com a Universidade São Francisco e posteriormente com a PUC para a produção de material didático e formação de professores (Schlögl, 2005). Nesse sentido a redação do texto expressa também as propostas e interesses das organizações religiosas que fazem parte da associação.

A seguir, tendo como base as diretrizes de respeito à diversidade que passaram a orientar o currículo do Ensino Religioso nas escolas do Paraná a partir de 2018 e cinco depoimentos de dois membros da equipe pedagógica da Assintec que colaboram na condição de professores e coordenadores do Ensino Religioso junto à Secretaria da Educação, analisaremos de que modo o religioso é definido e ensinado sob essa nova concepção, bem como quais habilidades se busca desenvolver nos alunos a partir dela.

A diversidade como valor e suas ambivalências

Em documento produzido nos anos 2018 e 2019, Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), publicado em 2020, o Conselho Estadual de Educação (Consed) e a União dos Dirigentes Municipais (Undime) apresentaram o resultado dos esforços realizados para adaptar para as escolas do estado9 9 O sistema estadual inclui 2144 escolas estaduais, 4982 escolas municipais e 2399 escolas privadas que agregam um conjunto de 2.119.298 alunos dentre os quais 70% estão na rede pública. Com relação à cor, o estado apresenta uma população 70% branca, 25% parda, 3,7% preta e apenas 0,246% indígena. as orientações curriculares nacionais contidas na terceira versão da BNCC, de 2017 (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), em especial no que diz respeito à diversidade como valor.

Tomando esse documento como referência examinaremos como a diversidade foi concebida e representada e como ela foi transformada em ferramenta de ensino. Compreender esse enquadramento regulatório dos currículos e a explicitação de seus valores intrínsecos nos pareceu fundamental, uma vez que foi no processo de adequação ao contexto normativo nacional que o Ensino Religioso pôde se autodefinir e realizar como uma área de conhecimento autônoma. Como mencionamos acima, o Paraná, por razões que merecem ser melhor investigadas, foi um dos primeiros estados da federação brasileira a desenvolver um ensino interconfessional e um dos que mais rapidamente investiu na adequação do Ensino Religioso às diretrizes curriculares nacionais e na formação de professores, embora tenha se apoiado para tal na contratação de uma associação inter-religiosa, a Assintec. Essa circunstância, além de distinguir o caso paranaense como exemplar nesse campo aos olhos das organizações religiosas,10 10 Em São Paulo, ao contrário, a Secretaria de Educação não viu com bons olhos a colaboração do Conselho de Ensino Religioso do Estado de São Paulo (Coner), fundado em 1997, por considerá-lo demasiadamente confessional. O estado manteve o controle sobre a definição do formato dessa disciplina colocando-a como anexa à História, retirando-lhe, portanto, a autonomia. Assim, o material de capacitação docente foi encomendado em 2002 a pesquisadores da Unicamp na área de História (Lui, 2006). Já em Santa Catarina, o ensino religioso na rede pública do estado é oferecido desde 1995 pelo Conselho Interconfessional de Ensino Religioso (Cier). ainda chama atenção pelo fato de que a expressiva homogeneidade racial e religiosa do estado,11 11 Com relação à religião 69% da população se declara católica, 23% evangélica e 4,64% sem religião. As tradições afro e indígenas não chegam a 1%. A origem da população residente é majoritariamente da região Sul e a migração do exterior é residual. O imaginário de fundação da Assintec remete ao Mosteiro da Anunciação, em Curitiba, que na década de 1960 acolhia pessoas de qualquer crença. em princípio, não estimularia a proteção à diversidade como uma agenda política prioritária.

Os avanços na regulamentação do ensino no Paraná datam da década de 1980, quando o Ciclo Básico de Alfabetização foi incluído no sistema e o ensino de 2º grau foi reestruturado. Em 1992 a Assintec lança um documento contendo uma proposta de diretrizes para a implantação de um Currículo Básico de Ensino Religioso no Paraná (Wobeto; Mezzomo, 2014WOBETO, J. A.; MEZZOMO, F. A. A inserção do ensino religioso na escola pública do Paraná. Cadernos PDE, [s. l.], v. 1, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2014/2014_unespar-campomourao_hist_artigo_jerson_antonio_wobeto.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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). Naquele momento, embora já assumindo uma perspectiva ecumênica, esse documento ainda salientava uma preocupação com os temas da transcendência, espiritualidade e ética cristã. Com a promulgação da LDBEN em 1996 (Brasil, [2022b]BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, [2022b]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
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) e a alteração do seu artigo 33 em 1997 (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), que proíbe a catequese e promove a diversidade cultural e religiosa, o estado abandona o modelo ecumênico do trato da diversidade, ainda presente nas orientações Assintec, e inicia um processo de adaptação de seu sistema regulatório do Ensino Religioso à lei maior. Nesse processo a própria Assintec modifica seu rumo deixando de ser, segundo depoimento de Elói dos Santos, interconfessional para tornar-se inter-religiosa, pois, “ou ela mudava ou desaparecia”..12 12 O depoimento foi colhido em entrevista concedida a nossa equipe em 21/07/2021. Ainda que na primeira metade dos anos 2000 a Assintec tenha questionado várias decisões do Conselho Estadual de Educação quanto ao modo e o momento de ofertar a disciplina, o órgão lhe delegara a responsabilidade de definição dos seus conteúdos.

Em 2008 já haviam sido publicadas as Diretrizes Curriculares Estaduais da Educação Básica do Paraná, documento elaborado ao longo de cinco anos com a colaboração de várias entidades não governamentais como universidades e, no caso do Ensino Religioso, da Assintec. Tendo em vista que o ensino básico (para crianças de 0 a 5 anos) e o médio (de 6 a 14 anos) haviam sido reunidos em 2005 em um ciclo fundamental de nove anos, “sem definir a necessária metodologia articuladora das questões pedagógicas características dessa transição” (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 24), o estado do Paraná elaborou orientações pedagógicas específicas para cada ciclo, em 2010 e 2015 respectivamente, acompanhadas de subsídios para o acompanhamento da aprendizagem.

Assim, quando em 2018 o estado deu início à adaptação e implementação da nova BNCC (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), definida no ano anterior para todos os sistemas de ensino estaduais, ele já tinha atrás de si quase três décadas de experiência na elaboração de documentos de orientação curricular.

O documento Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) acompanha, de muito perto, a agenda nacional da BNCC de 2017 (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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) e, por via de consequência, o debate internacional sobre a diversidade religiosa e não religiosa. Em seu texto introdutório, o documento apresenta a educação inclusiva como o compromisso maior do sistema de ensino. Inspirado nos compromissos celebrados pela ONU em suas convenções de 1965, 1979 e 2001 para garantir a eliminação de todas as formas de discriminação racial, contra a mulher e pessoas deficientes, o documento se propõe a assegurar, por meio de ferramentas pedagógicas específicas, os direitos culturais, linguísticos e étnicos de crianças e adolescentes marginalizados ou em situação de vulnerabilidade. Ao lado da diversidade religiosa, o respeito à diversidade étnico-racial e de gênero se torna, portanto, uma dimensão importante da educação que se quer inclusiva.

Vemos, pois, que os valores que dão suporte à redação desse documento estão demarcados por uma ambivalência de origem, na qual os métodos pedagógicos precisam necessariamente considerar “as diferenças entre os sujeitos e as especificidades que essas diferenças impõem” e, ao mesmo tempo, promover “um desenho universal de aprendizagem” em momento em que “o direito à educação” (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 20-21) se tornava a palavra de ordem que a partir dos anos 1990 comandou a forte expansão do ensino básico no país.13 13 A universalidade do ensino gratuito é um fenômeno relativamente recente no Brasil. Apenas em 1934 a educação primária de quatro anos se torna obrigatória e gratuita para todos. Em 1967 ela foi estendida de quatro para oito anos. A Constituição de 1988 (Brasil, [2022a]) estabelece o ensino fundamental de oito anos como etapa obrigatória da educação básica e garante sua gratuidade. Sua obrigatoriedade foi se ampliando mais fortemente apenas na década de 2000. Em 2005 antecipou-se a idade da matrícula obrigatória da criança de 7 para 6 anos (Brasil, 2005) e ampliou-se, no ano seguinte, de oito para nove anos a duração do ensino fundamental (Brasil, 2006). Em 2009 a Emenda Constitucional nº 59 deu nova redação aos incisos I e VII do artigo 208, estendendo a obrigatoriedade da escolarização às etapas da educação infantil (a partir dos 4 anos) e ao ensino médio (dos 15 aos 17 anos) (Brasil, 2009, art. 1º). Assim, o documento expressa a tensão entre duas forças contrárias que se põem em movimento nos anos 1990, pressionando os sistemas de ensino: a universalização do acesso à escola para as populações marginalizadas e a atenção às particularidades individuais e culturais no sistema de aprendizado com a inclusão de novas faixas etárias ao sistema de ensino.

O termo “diversidade” aparece reiteradamente na afirmação dos princípios que devem reger a educação fundamental no Paraná. Como mencionamos acima, ele é utilizado para designar duas ordens de fenômenos conectados entre si: de um lado, o reconhecimento da singularidade de cada criança, de suas emoções e identidade, que obriga ensinar ao aluno a “compreender-se na diversidade humana”; de outro, a diversidade sociocultural (nomeadamente “étnico-raciais, de gênero, das sexualidades”) e socioambientais que não podem, segundo o documento “deixar de estar presentes no momento da construção dos currículos” (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 18). Note-se que a religião não é nomeada no rol dessa diversidade, mas seu ensino merecerá, como veremos adiante, um inciso à parte.

Esse modo de enquadrar a diversidade se conecta a uma tradição de pensamento ainda central no campo da educação, que remete à concepção de “educação integral”. Introduzida no Brasil na primeira metade do século XX por educadores de matrizes ideológicas diversas, conservadores, socialistas e anarquistas, católicos e não católicos, essa noção, tal como utilizada no documento, expressa o entendimento de que a educação deve desenvolver todas as dimensões da pessoa - intelectual, física, emocional, social e cultural. Enquanto projeto em implementação, a “educação integral” prevê a expansão de atividades curriculares para incluir esportes e lazer, artes, e também educação em meio ambiente, direitos humanos, comunicação, etc. Essa concepção está presente em todo o sistema regulatório da educação no Brasil desde os anos 1960 e se acentua quando, em 2012, o Conselho Nacional de Educação estabelece diretrizes nacionais para a educação em Direitos Humanos. O compromisso com a educação integral supõe, na leitura dada ao tema na BNCC de 2017, um “olhar inclusivo”. Quanto ao desenvolvimento das competências e valores, espera-se que o aluno seja “criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável […]”, tenha “autonomia para tomar decisões” e seja “proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções […]” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 14). Nota-se que são aqui nomeadas muito mais habilidades sociais e intelectuais do que morais. No plano dos valores políticos a escola se vê como um espaço de “democracia inclusiva” que se fortalece pela “prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 14).

Antes tida como regional e de classe, a diversidade, a partir da década de 2000, começa, como vimos, a definir-se mais claramente como étnica, racial e, posteriormente, de gênero. Essa nova perspectiva curricular, que tornou um imperativo ético o trato da diferença étnica, afetou, como observaremos a seguir, as diretrizes do Ensino Religioso em sua forma e conteúdo.

Nas diretrizes curriculares propostas pela Secretaria de Educação do Paraná a valorização da diversidade na prática pedagógica é formulada em termos do reconhecimento e respeito das diferenças “étnicas, culturais, sexuais, religiosas, articuladas aos conhecimentos, referenciais e instrumentos teóricos específicos de cada área de conhecimento” (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 19). Ao ser tratado como uma área de conhecimento ao lado de outras - como a sociologia, a história, a matemática, o português, etc. -, o “conhecimento religioso”, “objeto […] da área de Ensino Religioso”, passa a ser “produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico, [tais como] Ciências Humanas e Sociais” ou, notadamente, da(s) “Ciência(s) da(s) Religião(ões)” (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 399). Nessa formulação a competência de produção de conhecimento sobre esse tema é transferida das igrejas e da família para o campo acadêmico, ainda que este campo flerte com a teologia e esteja, no caso brasileiro, intimamente associado às universidades católicas (e às associações civis inter-religiosas).14 14 Desde os anos 1970 existem no Brasil programas de pós-graduação em teologia, classificados como uma subárea da Filosofia. Em 2016, a Portaria nº 174 (Brasil, 2016) da Capes separa as duas disciplinas em áreas autônomas. No ano seguinte, a área de Teologia é redesignada como Ciências da Religião e Teologia sob forte resistência da SBPC que, na pessoa de sua presidente Helena Bonciani Nader, via nessa nomenclatura o risco de intromissão do fundamentalismo religioso na academia. Àquela altura o país já contava com 12 programas de pós-graduação em ciência da religião e 11 em teologia. Apesar de seu crescimento ao longo dos anos, o campo de estudo permanece pouco respeitado e reconhecido pelas outras áreas de pesquisa do país (Stern, 2018). Além disso, note-se que nesse processo de transferência de competências “a religião” enquanto sistema de convicções e valores passa a ser redefinida como “fenômeno religioso”, objeto de conhecimento da pesquisa científica.

Vejamos, então, com mais vagar, como o documento do Referencial Curricular do Paraná e seu documento de referência, a Base Nacional Comum Curricular, tratam e definem as relações entre o fenômeno religioso, o conhecimento religioso e o Ensino Religioso.

A diversidade religiosa como princípio ético e de direito

O fenômeno religioso é definido na BNCC como “parte integrante do substrato cultural da humanidade” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 436). Assim, ele é concebido como universal na medida em que constituiu o humano “em sua busca por respostas aos enigmas do mundo, da vida e da morte” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 436). A religião faria, pois, parte da condição humana e dentre suas funções principais estaria a de conferir sentido à vida e à morte. O que se concebe como plural aqui são apenas as formas culturalmente específicas de manifestação do religioso: “as diversas ideias de divindade(s)” em torno das quais “se organizaram cosmovisões, linguagens, saberes, crenças, mitologias, narrativas, textos, símbolos, ritos, doutrinas, tradições, movimentos, práticas e princípios éticos e morais” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 436).

De partida já se pode observar a ambiguidade presente na fórmula que define o religioso como condição universal do humano e, ao mesmo tempo, reconhece a diversidade ética de diferentes coletivos. Para fazer frente a esse desafio o Ensino Religioso se propõe a “tratar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção […] sem desconsiderar a existência de filosofias seculares de vida” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 436). Note-se nessa formulação uma ambivalência com relação ao estatuto do conhecimento religioso: ora ele é pensado como produzido pela ciência e as diversas crenças constituiriam seu objeto, ora ele é concebido como sendo fruto do próprio pensamento religioso. Observe-se ainda que o não religioso é deslocado para um campo de conhecimento à parte, alcunhado de filosofia secular.

Mas quais as implicações para o Ensino Religioso quando se afirma que os conhecimentos religiosos devem ser tratados a partir de pressupostos científicos (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 437)?

O documento do Paraná esclarece que no componente curricular dessa disciplina “o Sagrado está definido como [seu principal] objeto de estudo” (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 399, grifo no original). Na BNCC a ideia de sagrado, em contrapartida, é pensada como intrinsicamente associada à noção de transcendência:

a dimensão da transcendência é matriz dos fenômenos e das experiências religiosas, uma vez que, em face da finitude, os sujeitos e as coletividades sentiram-se desafiados a atribuir sentidos e significados à vida e à morte. Na busca de respostas, o ser humano conferiu valor de sacralidade a objetos, coisas, pessoas, forças da natureza ou seres sobrenaturais, transcendendo a realidade concreta. (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
, p. 438, grifo no original).

Além do evidente enquadramento teológico cristão que preside essa concepção de uma realidade bipartida entre este mundo e um outro mundo, percebe-se nessa formulação as marcas de uma antropologia clássica que trata a religião como a projeção (enganosa) de uma reflexão humana sobre objetos e coisas, uma forma universal de pensamento que sacraliza lugares e ritualiza gestos em resposta ao drama da finitude humana.15 15 Ao aderir a essa concepção trans-histórica e transcultural de religião o documento do Paraná reproduz um dos pressupostos da tese weberiana do secularismo, e da literatura acadêmica e teológica que nela se inspirou. Ela postula que a secularização consiste na retirada do religioso para uma esfera própria e autônoma que ensejou, no mesmo processo, a diferenciação das demais esferas, como a economia, política, etc. Como bem observou Henrique Fernandes Antunes (em comunicação pessoal), essa concepção tem por consequência confinar o religioso a um domínio próprio da experiência humana e essencializá-lo, ignorando a contribuição de Talal Asad (2003) que o descreve como uma categoria historicamente construída. Ao esvaziar o conceito de religião de seus atributos históricos e políticos, sugere Antunes, essa visão o reduz a uma visão de mundo em competição, com uma variedade de visões alternativas. Uma vez estabelecido esse conceito trans-histórico de religião como ponto de partida do ensino trata-se em seguida de expor o aluno à variedade de linguagens que fazem a mediação entre este mundo e o outro mundo. São elas os símbolos, os ritos e os mitos. Esse modo de alocar o religioso no sistema de ensino trabalha, como se pode ver, na chave da representação que também aqui deixa implícita sua matriz cristã. Trata-se de elucidar para o aluno o que os diferentes símbolos significam, como os ritos narram e representam histórias e acontecimentos religiosos do passado, como os mitos simbolizam histórias que se apresentam como verdadeiras, “repletas de elementos imaginários” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
, p. 440). Essa operacionalização de uma concepção cristã de religião coloca uma antinomia no próprio trato da diversidade como direito. A operação que transforma a religião em uma visão de mundo entre outras, ainda que mantendo seu substrato cristão, torna possível imaginar um horizonte cognitivo de comparabilidade que autorize pensar e ensinar as religiões no plural e apresentá-las como relativas entre si. Ao enfatizar a diversidade religiosa esse movimento pedagógico busca, no plano dos valores, abrir o ensino escolar para uma experiência de convivência entre diferentes “crenças religiosas”. Mas ao se referir às religiões como “crenças” essa inovação acaba por introduzir uma nova ambiguidade: pela lei, para evitar o proselitismo e respeitar a laicidade, esse ensino, além de ser opcional, deveria respeitar a confessionalidade dos alunos, isto é, ser direcionado a alunos que já escolheram a religião que está sendo ensinada. Os depoimentos são unânimes em afirmar que essas duas condicionalidades são, na prática, difíceis de respeitar. Quanto à facultatividade, as possibilidades de dispensa de frequência na disciplina foram avaliadas pela professora Karin Willms (2019)WILLMS, K. Conexão professor: ensino religioso e interdisciplinaridade. [S. l.]: Secretaria da Educação e do Esporte [do Paraná], 16 ago. 2019. 1 vídeo (47min59s). Entrevista para o canal Canal do Professor - Formação continuada SEED PR. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rbtPzwD21Tw . Acesso em: 5 set. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=rbtPzwD2...
, coordenadora de Ensino Religioso na Secretaria Municipal de Curitiba, como remotas. Afinal, ao ser integrada na grade regular dos cursos, as horas dedicadas ao ensino religioso contam no total das 800 horas obrigatórias da carga anual. Quanto ao respeito à confessionalidade dos alunos, não existem recursos humanos e materiais nas escolas para que as classes possam ser subdivididas segundo suas crenças.

Assim, no que diz respeito à experiência do Paraná, se o que se deseja transmitir é “a convivência com o diferente”, como propõe os PCN, o ensino religioso deve não separar as classes por confissão, mas, ao contrário, além de colocar todas as crenças em interação, ser interdisciplinar, isto é, procurar “articular-se com outros componentes curriculares tais como História, Geografia, Língua Portuguesa […] como uma via de mão dupla” (Willms, 2019WILLMS, K. Conexão professor: ensino religioso e interdisciplinaridade. [S. l.]: Secretaria da Educação e do Esporte [do Paraná], 16 ago. 2019. 1 vídeo (47min59s). Entrevista para o canal Canal do Professor - Formação continuada SEED PR. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rbtPzwD21Tw . Acesso em: 5 set. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=rbtPzwD2...
).

Vemos, pois, que existem vários dilemas pedagógicos embutidos nessas formas de instanciação Ao contrário de outras disciplinas como a História das Populações Afro e Indígenas que, em princípio, exigem do aluno uma atitude cognitiva de natureza acadêmica em relação às diferenças de cultura, a exposição do aluno a “mitos, símbolos e ritos” de outras religiões, distintas daquela que o aluno professa, o obriga a produzir um distanciamento reflexivo relativo às suas próprias crenças subjetivas, de modo a ser capaz de relativizá-las. No entanto, como sugere Milot (2012MILOT, M. A educação intercultural e a abertura à diversidade religiosa. Visão Global, Joaçaba, v. 15, n. 1-2, p. 355-368, 2012., p. 359), o conhecimento das crenças e práticas religiosas dos outros, embora necessário, não seria suficiente para suscitar tal atitude e correria o risco de restringir-se a uma apresentação enciclopédica, folclórica ou mesmo idealizada de outras religiões. Mesmo porque se a crença é “aquele espaço que sobra para descrever o que não é verdade, razão ou filosofia”, como propõe Sherwood (2015SHERWOOD, Y. On the freedom of the concepts of religion and belief. In: SULLIVAN, W. et al. Politics of religious freedom. Chicago: The University of Chicago Press, 2015. p. 29-44., p. 32, tradução nossa), não haveria como transformá-la em conhecimento, como propõe a BNCC de 2017 (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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).

Essa contradição entre conhecimento e ética está efetivamente presente no caso aqui analisado, uma vez que as diretrizes formuladas no documento associam crenças e teologia - “as crenças fornecem respostas teológicas aos enigmas da vida e da morte […]” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 440) - e as situam em torno de temas abstratos tais como a vida terrena e o pós-morte sem remetê-los, pelo menos tal como formulado, a questões da vida prática e às escolhas morais vividas no cotidiano.

Uma observação atenta das práticas de ensino propostas nesse documento nos permite tornar mais claras as ambiguidades inerentes à tensão existente entre os processos de relativização das crenças religiosas e os processos de relativização dos códigos éticos. Isso porque, embora as crenças doutrinárias sejam tidas como direcionadoras das “condutas individuais e sociais” e enquanto tal associadas a “códigos éticos e morais” que “definem o que é certo ou errado, permitido ou proibido” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 440-441), veremos que os conteúdos religiosos não serão, eles mesmos, tomados como referência ética para uma “educação para a diversidade”. Com efeito, os objetivos éticos a se perseguir pelo ensino religioso, segundo os formuladores de suas diretrizes curriculares, não são de natureza religiosa, mas sim de natureza cívica, e dizem respeito à convivência, tolerância e inclusão da diversidade religiosa no imaginário da nação. Assim, para que a diversidade moral contida nas diversas crenças religiosas possa ser pensada como parte desse imaginário, os programas desse ensino operacionalizam um processo de redução (ou domesticação) do potencial de alteridade inerente a outras formas de conceber a relação com o outro presentes nessas religiões, tais como a possessão, o xamanismo, o canibalismo, a feitiçaria, etc. Por meio de um processo de simbolização e moralização das crenças, esse ensino, como veremos a seguir, reconfigura a alteridade em diferenças que compartilham uma mesma ética universal.

Sem uma análise detalhada das práticas pedagógicas e do material didático utilizado nas escolas não é possível avançar na reflexão de como esse dilema é resolvido no trato das diferentes doutrinas religiosas. No entanto, logo de início fica claro no documento que as filosofias de vida, que “se ancoram em princípios cujas fontes não advêm do universo religioso” são as únicas “crenças” que, por oferecerem princípios éticos universais, não precisam (ou devem) ser relativizados. Por decorrerem de fundamentos racionais, filosóficos ou científicos, esses princípios éticos “coincidem com o conjunto de valores seculares de mundo e de bem, tais como: o respeito à vida e à dignidade humana, o tratamento igualitário das pessoas, a liberdade de consciência, crença e convicções, e os direitos individuais e coletivos” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 441). Esses seriam, pois, os valores que devem balizar os processos pedagógicos de relativização das crenças religiosas, sem que eles mesmos possam ser relativizáveis. Em princípio esses princípios éticos deveriam ser capazes de suscitar nos alunos “disposições cívicas” e as habilidades que lhe dão sustentação. Vejamos, então, como são descritas nesse documento as habilidades e competências que essa disciplina visa estimular.

Competências e habilidades relativas à diversidade

Dentre as competências relativas à diversidade listadas no documento que o Ensino Religioso deve desenvolver salientaríamos duas que dizem respeito ao tema que aqui nos interessa: ampliar o conhecimento sobre a variedade religiosa e desenvolver habilidades que contribuam para o diálogo.

No que diz respeito à primeira competência, o documento do Paraná é claro quanto à definição da amplitude do espectro a ser ensinado:

Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos […] contemplando as 4 [quatro] matrizes que formam a religiosidade brasileira (Indígena, Afro, Ocidental e Oriental) (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 399, grifo nosso).

Chama, em primeiro lugar, nossa atenção a paradoxal vinculação entre a diversidade religiosa e a homogeneidade da nação. O texto reatualiza a já clássica premissa do sincretismo que alude à existência de uma “religiosidade brasileira” composta de três matrizes principais, aqui acrescida da vertente oriental. Esse modo de “nacionalizar” a religiosidade expressa uma maneira historicamente bem conhecida no Brasil de compatibilizar a diversidade religiosa dentro de um enquadramento hierárquico: embora diversas entre si todas as religiões são concebidas como parte, hierarquicamente posicionada, desse valor coletivo que é a nação. Vemos, pois, que o paradigma pluralista não implica a inteira superação do sincretismo como forma de pensar e produzir um modelo regulador das relações entre as diferenças religiosas. Enumerar quatro “matrizes” formadoras dessa religiosidade da nação reduz suas múltiplas expressões e diferenças a fontes originárias comuns, padroniza os objetos de conhecimento agrupando-os em grandes temas básicos comparáveis entre si - como as ideias de ancestralidade, reencarnação, ressurreição e transmigração - e organiza a descrição das diferenças em termos de práticas ritualísticas, lugares sagrados, crenças e doutrinas, sem mencionar as diferenças hierárquicas que as distinguem.

Nessa enumeração fica patente que as chamadas “filosofias de vida” não fazem parte dessa construção nacional imaginária justamente porque elas não partilham do mesmo estatuto “originário” das outras matrizes, mas, como veremos adiante, na divisão de trabalho entre conhecimento e crença, se tornam necessárias como ferramentas de pensamento para estabelecer/elaborar a ponte entre elas.

Os autores do documento do Paraná supõem que ao dar a conhecer aos alunos as “diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 437) o Ensino Religioso seria capaz de desenvolver neles novas habilidades e competências básicas.16 16 Na BNCC a noção de competência é definida como “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (Brasil, [2018], p. 8). Entre elas a habilidade de “compreender, valorizar e respeitar” as diferenças, a aptidão para a convivência com a “diversidade de crenças” e modos de vida outros e a capacidade de “debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso […]” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
, p. 437).

Esse objetivo pedagógico embutido no ensino religioso está em consonância com as competências e habilidades gerais que se espera desenvolver nos alunos em todas as outras disciplinas. Entre os dez itens listados no documento, ressaltamos os objetivos de:

Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

[…]

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e […] fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. (Paraná, [2020]PARANÁ. Referencial Curricular do Paraná: princípios, direitos e orientações: 2018. Curitiba: Consed: Undime, [2020]. Disponível em: Disponível em: http://fep.if.usp.br/~profis/arquivo/docs_curriculares/PR/Parana_Referencial_Curricular_2018_CEE.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 31-32, grifo nosso).

Fica bem claro nessa enumeração que a paleta de valores associados à diversidade que se pretende transmitir aos alunos do ensino básico e fundamental diz respeito à vida coletiva e à convivência entre diferenças na defesa do bem comum. Chama a atenção que dentre todas as diversidades imaginadas apenas o tema ambiental foi citado nominalmente. Também se observa que as habilidades requeridas supõem a produção de um indivíduo autônomo, consciente e responsável capaz de defender seus pontos de vista a partir da argumentação.

Vimos que o Ensino Religioso, ao ter sido equiparado a um campo de conhecimento, passou a ser tratado como uma área permeada pelas mesmas diretrizes ideológicas que orientam as outras disciplinas. Nesse sentido, as competências específicas descritas para o ensino religioso no documento em análise são muito semelhantes às outras em sua formulação. Na BNCC, o Ensino Religioso busca, entre outros objetivos,

construir, por meio do estudo dos conhecimentos religiosos e das filosofias de vida, atitudes de reconhecimento e respeito às alteridades. Trata-se de um espaço de aprendizagens, experiências pedagógicas e diálogos permanentes, que visam o acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz. (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 437, grifo nosso).

Esse componente curricular tem por objetivo garantir aos alunos o desenvolvimento das seguintes competências específicas:

Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.

[…]

Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.

[…]

Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e cultura de paz. (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 437, grifo nosso).

Apresentar as religiões a partir de um ponto de vista “científico, filosófico e ético” insere no aprendizado uma forma escolarizada de olhar para as religiões. Essa forma implica a produção de uma cesura entre vivencias e práticas corporais religiosas de um lado, e ideias religiosas de outro. Nesse processo as ideias religiosas são apresentadas independentemente de seus engajamentos práticos, isto é, separadas do exercício do “como fazer” ou do habitus, como diria Bourdieu (1989)BOURDIEU, P. A gênese dos conceitos de habitus e campo. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 59-74., do aprender por meio da incorporação de movimentos gestos e sensações. Esse modo de ensino exercita uma postura cognitivista, reforçada pela apresentação das categorias religiosas enquanto sistema de significados.17 17 Ver a esse respeito nosso comentário à crítica que Talal Asad faz ao conceito de religião enquanto símbolo em C. Geertz (Montero, 2010). Trata-se de familiarizar os alunos com “a simbologia, a nomenclatura, os conceitos” das religiões como nos conta em entrevista uma professora de ensino religioso no Paraná, ou, segundo a BNCC, desenvolver a habilidade de “identificar, distinguir e respeitar símbolos religiosos de distintas manifestações, tradições e instituições religiosas” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, p. 445). Desse esforço de nomeação e tradução de símbolos religiosos espera-se fazer emergir nos alunos não a adesão a certos conteúdos, mas sim uma disposição para o respeito e a valorização das diferenças. Assim, não é o que os símbolos religiosos eles mesmos significam que promove valores e juízos morais, mas sim a “convivência” pedagogicamente construída com as diferenças. Na verdade, essa pedagogia da diversidade se produz em descontinuidade com a experiência cotidiana. É o esforço pedagógico de nomear, assinalar, descrever e comparar as quatro matrizes que produz o efeito ideológico de tornar presente a diversidade, uma vez que ela não é vivida no cotidiano familiar ou religioso.

Essa prescrição curricular busca modelar também uma outra competência escolar considerada importante: a de ser capaz de debater, problematizar e posicionar-se. Surpreende-nos que se espere o aprendizado dessa habilidade, inerente ao tipo de reflexividade presente na pesquisa acadêmica, por parte das crianças e adolescentes. Soma-se a isso o fato de que o conteúdo que se pretende transmitir - narrativas míticas, descrição de ritos e lugares sagrados, explicação do sentido dos símbolos, etc. - não é matéria que enseje esse tipo de tratamento reflexivo. Um exemplo de como isso é ressignificado e colocado em prática em sala de aula nos permitirá compreender melhor como se pretende estimular essa disposição para o debate e para a problematização. Em entrevista concedida ao canal do YouTube “Caio Alberto - Entrevistas”, a já mencionada Brígida K. Liechocki (2015)LIECHOCKI, B. K. Dinâmicas para as aulas de Ensino Religioso. [S. l.]: Caio Alberto, 15 mar. 2015. 1 vídeo (14min52s). Entrevista para o canal Caio Alberto - Entrevistas. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qW06WFD1J1Y . Acesso em: 5 set. 2022.
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conta que, em uma de suas aulas, encenou uma sessão deliberativa de um Comitê da ONU. Cada aluno foi instituído como representante de uma religião (não necessariamente a dele). Munidos de alguns subsídios oferecidos pela professora os jovens foram instados a propor ideias e soluções para um “problema” e sugeria-se que o fizessem a partir da “identidade religiosa” que lhes fora designada. Infelizmente não dispomos de mais detalhes a respeito dessa interessante experiência pedagógica: qual o problema escolhido para ser debatido? Quais as religiões ali representadas? Qual conhecimento sobre elas foi mobilizado, e como? A respostas a essas perguntas nos permitiria compreender melhor o que está sendo chamado aqui de aquisição de competência para o “debate” e “posicionamento”.

Uma primeira reflexão que se coloca a partir dessa experiência, no entanto, diz respeito ao modo como ela exterioriza uma maneira de pensar a relação entre religiões e o “problema coletivo”. Essa relação é ela própria muito controversa. No debate sobre o secularismo muito já se escreveu a respeito de como e se os valores religiosos poderiam contribuir para a construção da esfera pública (Calhoun, 1996CALHOUN, C. (ed.). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press, 1996.; Habermas, 2006HABERMAS, J. Religion and the public sphere. European Journal of Philosophy, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 1-25, 2006.; Laborde, 2017LABORDE, C. Liberalism’s religion. Cambridge: Harvard University Press, 2017.; Modood; Sealy, 2021MODOOD, T.; SEALY, T. Freedom of religion and the accomodation of religious diversity: multiculturalising secularism. Religions, [s. l.], v. 12, 868, 2021.; Taylor, 1994TAYLOR, C. The politics of recognition. In: GUTMAN, A. (ed.). Multiculturalism: examining the politics of recognition. Princeton: Princeton University Press, 1994. p. 25-75.). Não se trata aqui de retomar essa questão teórica, mas de observar como ela reverbera na política pública. Na experiência relatada percebe-se que a disciplina trabalha com o suposto de que as religiões, em sua diversidade de valores, podem contribuir positivamente para resolver “problemas” que interessam à sociedade como um todo. De maneira mais específica presume-se que diferentes religiões produziriam identidades específicas que corresponderiam a visões de mundo, senão antagônicas, pelo menos discrepantes. Finalmente, a partir de uma troca de sugestões emanadas das posições religiosas seria possível chegar a um “posicionamento” a respeito da melhor solução. Chama nossa atenção, nesse exemplo, o modo estandardizado de tratar as religiões já observado na seção anterior: cada religião corresponderia a uma identidade e a uma visão de mundo específica. Não é o caso de retomarmos aqui a crítica, já bastante trabalhada pela literatura, a esse entendimento sincrônico, substantivo, autorreferido e subjetivista de identidade religiosa (Asad, 2003ASAD, T. Formations of the secular: Christianity, Islam, modernity. Stanford: Standford University Press, 2003.; Butler, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo. São Paulo: Autêntica, 2015.). Em trabalho recente tratamos essas relações entre pessoas e repertórios religiosos enquanto processos interativos de identificação, circunstanciais e mutantes, comunicativamente dependentes da audiência para a qual se apresentam e que produzem o ator religioso para o outro (Montero; Silva; Sales, 2018MONTERO, P.; SILVA, A.; SALES, L. Fazer religião em público: encenações religiosas e influência pública. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 24, n. 52, p. 131-164, set./dez. 2018.). No exemplo citado a única interação prevista na encenação é argumentativa. Mas para além dos insumos sobre cada religião oferecidos para que o aluno represente a “sua” religião não há menção a outros dados empíricos que eles devessem levar em conta para “se posicionar” diante do problema. Tal como descrita, a encenação de “pessoas religiosas razoáveis ou bem informadas”, para parafrasear Laborde (2017)LABORDE, C. Liberalism’s religion. Cambridge: Harvard University Press, 2017., exercitando seus argumentos em uma arena pública (a ONU) prevê apenas a contraposição de valores religiosamente fundados.

O esforço para desenvolver a habilidade do debate e do posicionamento entre os alunos parece ecoar, de maneira talvez mais performática do que substantiva, um modelo deliberativo de democracia no qual as decisões devem ser justificadas a partir de razões convincentes. E o que se pretende com o experimento é, aparentemente, reduzir as diferentes visões de mundo religiosas em confronto na solução de um problema coletivo aos parâmetros da “razoabilidade” - isto é, aceitar a contribuição dos argumentos religiosos apenas à medida que respeitem os direitos humanos, os princípios de justiça, a dignidade humana, enfim, a agenda dos valores consensualmente democráticos. Esse é talvez o sentido da seguinte afirmação, aparentemente contraditória, de Elói dos Santos (2020)SANTOS, E. C. dos. Ensino religioso nos anos finais do ensino fundamental. [S. l.]: Caio Alberto, 5 dez. 2020. 1 vídeo (52min29s). Entrevista para o canal Caio Alberto - Entrevistas. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TjUgAc80l4I&t=185s . Acesso em: 5 set. 2022.
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: “o Ensino Religioso não trabalha com valores, mas tem um valor por trás: o respeito à diversidade cultural e religiosa, uma vivência ética.”

Considerações finais

Até muito recentemente o debate sobre a presença do ensino religioso na escola pública mobilizava sobretudo argumentos em torno da questão da laicidade e de suas principais condicionantes: a separação entre Estado e religião, a neutralidade estatal e a proteção à liberdade religiosa. Mas, a partir da década de 1990, com a progressiva integração do ensino religioso à grade curricular comum e aos protocolos e diretrizes oficiais que passaram a orientar as políticas de ensino nas décadas subsequentes, os termos do debate modificaram-se. O reconhecimento da presença da pluralidade religiosa no ensino escolar deslocou progressivamente a disputa das questões em torno da liberdade, a ser garantida por meio do caráter opcional desse ensino, para os dilemas colocados pelo ensino da diversidade. As condicionalidades anteriores que serviam de justificativa para a proteção da laicidade - a liberdade de escolha do aluno e a oferta de ensino religioso condizente com as crenças de cada um -, além de pouco operacionais no cotidiano escolar, perderam credibilidade, até mesmo para as associações inter-religiosas encarregadas de colaborar com a definição de seu conteúdo. Nesse processo, a questão do ensino da “diversidade religiosa” toma o lugar do ensino da “religião” como objeto privilegiado do currículo.

Mas a “educação para a diversidade”, ao introduzir uma abordagem que relativiza as crenças religiosas individuais, fez emergir uma nova tensão: a da relativização dos códigos éticos. Para contorná-la, os valores relativos ao bem comum foram separados das ideias religiosas, ensinadas como próprias a cada sistema simbólico. Ao universalizar uma ideia de fenômeno religioso subsumida à ética dos direitos humanos espera-se com esse método fazer florescer nos alunos uma disposição cidadã voltada para a convivência estética com as diferenças, uma vez que as religiões devem ser percebidas como distintas em sua forma de aparecer e expressar, mas iguais em seu valor.

Note-se que nesse movimento a noção de religião, definida no debate anterior como fé pessoal cuja liberdade era preciso proteger, se desloca para uma apresentação da religião não mais como convicção interior, mas sim como identidade coletiva ou tradição (as quatro matrizes formadoras da nação mencionadas acima), que aparecem como modos de fazer. Esse deslocamento acrescenta uma nova tensão ao ensino da diversidade. Ao produzir uma intersecção entre diversidade religiosa e diversidade racial coloca-se o desafio para o trato igualitário das distintas práticas das quatro tradições religiosas integrantes da nação que, historicamente, sempre foram desigualmente percebidas como verdadeiras em sua consideração pública.

Vimos que a conjuntura na qual evolui essa dinâmica é de grande expansão do ensino médio, de implementação de políticas nacionais e estaduais de padronização curricular, iniciativas estas sintonizadas com o debate em torno das prescrições curriculares voltadas para os povos indígenas e para as populações remanescentes de quilombos, respaldadas por leis específicas em 2003 e 2008. Elas vêm acompanhadas da expansão de associações inter-religiosas regionais e nacionais desejosas de pautar a agenda do Ensino Religioso e pelo crescimento dessa área nas pós-graduações de algumas universidades. Nesse novo contexto a regulação estatal deixa em segundo plano o princípio jurídico da neutralidade e promove ativamente valores pró-diversidade religiosa, contrariando os que sustentam a retirada Ensino Religioso do espaço público como a melhor estratégia para combater o preconceito.

Segundo Modood e Sealy (2021)MODOOD, T.; SEALY, T. Freedom of religion and the accomodation of religious diversity: multiculturalising secularism. Religions, [s. l.], v. 12, 868, 2021., a relação entre liberdade religiosa e acomodação da diversidade religiosa se tornou um tema central no debate político e acadêmico europeu e também, diríamos nós, dos países do norte da América. Interessantemente, ao contrário dessas experiências onde essa agenda se desenvolve em torno da “acomodação” da diversidade religiosa (Taylor, 1994TAYLOR, C. The politics of recognition. In: GUTMAN, A. (ed.). Multiculturalism: examining the politics of recognition. Princeton: Princeton University Press, 1994. p. 25-75.),18 18 Segundo Taylor, o liberalismo igualitário seria cego a diferenças culturais. Ele concebe uma variante que seja capaz de acomodá-las politicamente flexibilizando a neutralidade estatal. no material aqui analisado essa perspectiva não aparece. São as religiões, concebidas como tradições, e não as crenças individuais que devem ser igualmente respeitadas na escola. Prevalece, assim, um ponto de vista no qual a preocupação com a igualdade no trato das religiões, pensadas como tradições, se sobrepõe aos dilemas da acomodação das demandas de respeito às diferenças religiosas, entendidas como convicções pessoais. Para Elói Santos (2020)SANTOS, E. C. dos. Ensino religioso nos anos finais do ensino fundamental. [S. l.]: Caio Alberto, 5 dez. 2020. 1 vídeo (52min29s). Entrevista para o canal Caio Alberto - Entrevistas. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TjUgAc80l4I&t=185s . Acesso em: 5 set. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=TjUgAc80...
, por exemplo, “não importa a religião [de cada] criança na aula de Ensino Religioso, nem a do professor. Como qualquer componente curricular é preciso profissionalismo e ética, respeitando a religiosidade, ou a falta dela.” Assim embora reconhecendo as religiões em suas diferenças, os professores associados à Assintec sustentam o preceito formal da neutralidade com relação à diversidade religiosa individual; em contrapartida, não reivindicam um tratamento diferenciado para as religiões minoritárias enquanto um direito de viver conforme os ditames de uma comunidade de costumes.

O tema do religioso, pelo menos no caso aqui analisado, é tratado em termos de uma ferramenta “que trabalha a diversidade cultural e religiosa” para o “exercício da cidadania” (Santos, 2020SANTOS, E. C. dos. Ensino religioso nos anos finais do ensino fundamental. [S. l.]: Caio Alberto, 5 dez. 2020. 1 vídeo (52min29s). Entrevista para o canal Caio Alberto - Entrevistas. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TjUgAc80l4I&t=185s . Acesso em: 5 set. 2022.
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). Assim, o problema a ser resolvido tal como ele se apresenta nesta proposta não é o da acomodação das convicções religiosas pessoais nas estruturas organizacionais, que se expressaria nos trajes, na alimentação ou nos gestos de um aluno em particular no ambiente escolar pensado enquanto neutro, tal como se viu nos conhecidos episódios da proibição do uso da adaga cerimonial sikh por parte de um aluno do ensino médio no Canadá ou o debate sobre o uso do véu islâmico na escola na França. As conexões entre Estado e religião nos exemplos citados por essa literatura são julgados, como sugerem Modood e Sealy (2021MODOOD, T.; SEALY, T. Freedom of religion and the accomodation of religious diversity: multiculturalising secularism. Religions, [s. l.], v. 12, 868, 2021., p. 3), em temos de um “individualismo moral” no qual as cortes regulam “o que conta como sinceridade da crença”. No caso da regulação curricular aqui examinada, percebe-se que não é a proteção da consciência religiosa individual19 19 Em contraste com essa percepção, no Brasil, frequentemente a noção de liberdade religiosa não é concebida em termos individuais. Em seu texto que analisa o voto da ADI 4439 em 2017 sobre o Ensino Religioso, Neves e Almeida (2021, p. 332) observam que os juízes “endossam uma noção de liberdade religiosa, menos como um direito individual e mais como uma prerrogativa das entidades religiosas”, isto é, liberdade de elas se organizarem de maneira mais ou menos autônoma com relação à jurisdição estatal. Ainda assim, essa noção de liberdade religiosa se diferencia do multiculturalismo, uma vez que não se trata de exigir o reconhecimento de direitos relativos a diferenças culturais coletivas baseados na ancestralidade, mas sim o reconhecimento da liberdade de organização religiosa. ou a crença que está em jogo, mas sim o controle acadêmico do conteúdo do ensino relativo às tradições e o modo como a escola enfrenta o imperativo ético do trato igualitário dos grupos religiosos racializados. Ao expor os alunos aos diversos lugares sagrados, símbolos, textos, ritos, mitos e festas de diferentes religiões tal como trabalhados pelas Ciências Humanas, esse ensino se apresenta como o lugar privilegiado da inclusão, do reconhecimento e do trato respeitoso e moral de toda diferença religiosa que aparece como etnicamente demarcada.

Assim, as políticas públicas diferencialistas, na sua implementação no ensino do Paraná, tomaram o caminho da etnicização e publicização do religioso, mas não abriram mão da igualdade como estratégia de promoção da tolerância e integração das minorias. Nesse sentido, trata-se de regular por meio do Ensino Religioso não a liberdade de consciência, mas a competição entre as identidades religiosas, equilibrando-se entre o respeito dos direitos individuais de escolha da profissão de fé, que permanecem no campo da subjetividade privada, e os direitos coletivos relativos à proteção da manifestação pública das tradições etnorreligiosas. Seus protagonistas reivindicam a importância da racialização desse ensino como antídoto contra uma cidadania hierarquizada. Como mostramos em trabalho anterior (Montero, 2021MONTERO, P. Secularismo brasileiro à luz das categorias de “injúria” e “intolerância religiosa”. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 55-60, 2021.), também na visão de representantes das religiões afro-brasileiras essa disciplina se mostra uma aliada no reconhecimento de suas tradições e na luta contra o “racismo religioso”, neologismo que associa a desigualdade religiosa à hierarquia racial. Assim, a importância desse ensino reside no seu conteúdo ético: mais do que proteger ou fomentar convicções e motivações religiosas individuais, por um lado, ou promover a defesa de um modo de viver associado a determinados costumes religiosos, por outro, ele visa dar a conhecer o caráter moral desses coletivos religiosos e promover o respeito igual, “o repúdio a toda forma de preconceito e discriminação religiosa” (Santos, 2020SANTOS, E. C. dos. Ensino religioso nos anos finais do ensino fundamental. [S. l.]: Caio Alberto, 5 dez. 2020. 1 vídeo (52min29s). Entrevista para o canal Caio Alberto - Entrevistas. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TjUgAc80l4I&t=185s . Acesso em: 5 set. 2022.
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). O suposto implicado nessa fórmula é de que o princípio da igualdade constitui um caminho para lidar com os conflitos que decorrem de visões éticas diferentes sobre a “boa vida”.

Essa abordagem do Ensino Religioso reconhece que todas as religiões são igualmente fontes de valor coletivo e admite que elas colaboram do mesmo modo na construção da esfera pública política e para o imaginário da nação. Nesse sentido, entende que o Ensino Religioso, por tratar as religiões e suas diferenças, se constituiu no lugar privilegiado e legitimo para abordar, no espaço escolar, o território espinhoso de todas as diversidades, mesmo aquelas não religiosas, como as de gênero, racial, ambiental, etc. Com efeito, a aceitação da diversidade religiosa como fato e valor a ser ensinado acabou por promover, como vimos, a intersecção dessa disciplina com questões raciais e étnicas tratadas na disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Ao fazê-lo, novas abordagens da religião e igualdade emergiram: o Ensino Religioso deixou de ser o ensino de religião e seus preceitos doutrinários e morais para se tornar o lugar do exercício das competências para o convívio com a diversidade. Nesse movimento o ensino dissociou-se dos sistemas de validação associados às práticas religiosas das igrejas e das famílias, por um lado, e às práticas das comunidades étnicas, de outro, para constituir uma nova forma autorizada de falar de religião: o Ensino Religioso Escolar.

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    Este artigo é resultado do projeto de pesquisa “Pluralismo Religioso e Diversidades no Brasil Pós-Constituinte”, que coordenamos e é apoiado pela Fapesp (n. 2021/14038-6), a quem desde já agradecemos, e de nossa colaboração com o projeto “Nonreligion in a Complex Future”, coordenado por Lori Beaman, da Ottawa University. Agradecemos também a generosa leitura de Henrique Antunes e de Guilherme Costa, cujas sugestões contribuíram para o aprimoramento do texto.
  • 2
    Em especial as leis de 2003 e 2008 que regulamentam o ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (Brasil, 2003BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    , 2008BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: Presidência da República, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    ), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena de 1999 (Brasil, 1999BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais da educação escolar indígena. Brasília: CNE, 14 set. 1999. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1999/pceb014_99.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
    http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
    ) e Quilombola de 2012 (Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar quilombola. Brasília: CNE, 5 jun. 2012. Disponível em: Disponível em: http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/diretrizes_curric_educ_quilombola.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
    http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pd...
    ) e a Base Nacional Comum Curricular lançada em 2017 (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
    http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
    ).
  • 3
    Diz essa lei em seu artigo 33, na redação de 1997: “Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas para a definição dos conteúdos do ensino religioso” (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    ). Dessa redação foi retirada a menção, incluída na versão anterior da lei, que proibia a remuneração aos professores dessa disciplina pelos cofres públicos. Foi removida também a menção às possibilidades de essa matéria escolar contar com as modalidades de ensino confessional e interconfessional com conteúdos elaborados exclusivamente por entidades religiosas (Brasil, [2022b]BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, [2022b]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    ).
  • 4
    Nessa conjuntura, foi criado o primeiro Departamento de Ciências das Religiões no Brasil na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em junho de 1969. Seu objetivo era “o estudo sistemático e aconfessional do fenômeno da religiosidade”. Assim, as primeiras iniciativas de oferecer um ensino não confessional datam da década de 1970. Mas a formação de professores permaneceu confessional até 1990. A formação de agentes pastorais com a colaboração de instituições de ensino não era reconhecida pelo MEC (Baptista; Siqueira, 2021BAPTISTA, P. A. N.; SIQUEIRA, G. do P. O ensino religioso, a relação educador-educando e a Base Nacional Comum Curricular e o currículo de referência de Minas Gerais. Revista Pistis e Práxis, Curitiba, v. 13, n. 1, p. 497-522, 2021.).
  • 5
    O Fonaper, que congrega lideranças de diferentes religiões, foi criado em 1995 para acompanhar a elaboração da LDBEN de 1996 e tornar menos ostensiva a presença da CNBB na defesa da manutenção do Ensino Religioso na escola pública, com ônus para os cofres públicos (Malvezzi, 2012MALVEZZI, M. C. F. Regulamentação do Ensino Religioso na escola pública: a experiência do Paraná entre 1990-2011. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012., p. 43).
  • 6
    O próprio Fonaper, ao elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (Viesser, 1997VIESSER, L. C. Parâmetros curriculares nacionais do ensino religioso. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 20., 1997, Santos. Anais […]. São Paulo: Intercom, 1997. Disponível em: Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/fcd5be4b5d7d8e84a850ee93a46a040b.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
    http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/...
    ), já compreendera que as modalidades de ensino “confessional e interconfessional” não eram mais compatíveis com a diversidade religiosa e tratou de desvinculá-lo dessa concepção transformando-o em disciplina (Junqueira, 2002JUNQUEIRA, S. R. A. O processo de escolarização do ensino religioso no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 72).
  • 7
    Para maiores detalhes sobre os argumentos expostos nessa votação, ver Neves e Almeida (2021)NEVES, R.; ALMEIDA, R. Os sentidos do público: religião e ensino na Constituição. In: FIORE, M.; DOLHNIKOFF, M. (org.). Mosaico de olhares: pesquisa e futuro no cinquentenário do Cebrap. São Paulo: Edições SESC, 2021. p. 327-338..
  • 8
    Fundada em 1973 a Associação Inter-Religiosa de Educação é uma entidade civil de caráter educacional que atua em parceria com as secretarias de educação na implementação da disciplina de Ensino Religioso na escola pública e no apoio pedagógico aos professores dessa disciplina. Teve como seu primeiro diretor o pastor luterano Carlos F. R. Dreher. No mesmo ano de sua fundação, celebrou um convênio com a Secretaria da Educação para implantar o Ensino Religioso interconfessional nas escolas do estado. Ao lado de outras entidades religiosas, a Assintec militou na Assembleia Nacional Constituinte pela proposta de emenda popular que garantia a presença do Ensino Religioso na grade curricular do 1º e do 2º grau. Na década de 1990, a associação se abre para organizações religiosas não cristãs, inclusive ateias. Nesse período firma convênio com a Universidade São Francisco e posteriormente com a PUC para a produção de material didático e formação de professores (Schlögl, 2005SCHLÖGL, E. “Não basta abrir as janelas”: o simbólico na formação do professor. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005.).
  • 9
    O sistema estadual inclui 2144 escolas estaduais, 4982 escolas municipais e 2399 escolas privadas que agregam um conjunto de 2.119.298 alunos dentre os quais 70% estão na rede pública. Com relação à cor, o estado apresenta uma população 70% branca, 25% parda, 3,7% preta e apenas 0,246% indígena.
  • 10
    Em São Paulo, ao contrário, a Secretaria de Educação não viu com bons olhos a colaboração do Conselho de Ensino Religioso do Estado de São Paulo (Coner), fundado em 1997, por considerá-lo demasiadamente confessional. O estado manteve o controle sobre a definição do formato dessa disciplina colocando-a como anexa à História, retirando-lhe, portanto, a autonomia. Assim, o material de capacitação docente foi encomendado em 2002 a pesquisadores da Unicamp na área de História (Lui, 2006LUI, J. de A. “Em nome de Deus”: um estudo da implementação do ensino religioso nas escolas públicas de São Paulo. 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.). Já em Santa Catarina, o ensino religioso na rede pública do estado é oferecido desde 1995 pelo Conselho Interconfessional de Ensino Religioso (Cier).
  • 11
    Com relação à religião 69% da população se declara católica, 23% evangélica e 4,64% sem religião. As tradições afro e indígenas não chegam a 1%. A origem da população residente é majoritariamente da região Sul e a migração do exterior é residual. O imaginário de fundação da Assintec remete ao Mosteiro da Anunciação, em Curitiba, que na década de 1960 acolhia pessoas de qualquer crença.
  • 12
    O depoimento foi colhido em entrevista concedida a nossa equipe em 21/07/2021.
  • 13
    A universalidade do ensino gratuito é um fenômeno relativamente recente no Brasil. Apenas em 1934 a educação primária de quatro anos se torna obrigatória e gratuita para todos. Em 1967 ela foi estendida de quatro para oito anos. A Constituição de 1988 (Brasil, [2022a]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2022a]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 20 dez. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ) estabelece o ensino fundamental de oito anos como etapa obrigatória da educação básica e garante sua gratuidade. Sua obrigatoriedade foi se ampliando mais fortemente apenas na década de 2000. Em 2005 antecipou-se a idade da matrícula obrigatória da criança de 7 para 6 anos (Brasil, 2005BRASIL. Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005. Altera os arts. 6º, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade. Brasília: Presidência da República, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11114.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ) e ampliou-se, no ano seguinte, de oito para nove anos a duração do ensino fundamental (Brasil, 2006BRASIL. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Brasília: Presidência da República, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11274.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    ). Em 2009 a Emenda Constitucional nº 59 deu nova redação aos incisos I e VII do artigo 208, estendendo a obrigatoriedade da escolarização às etapas da educação infantil (a partir dos 4 anos) e ao ensino médio (dos 15 aos 17 anos) (Brasil, 2009BRASIL. Emenda constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias […]. Brasília: Presidência da República, 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm . Acesso em: 12 jan. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    , art. 1º).
  • 14
    Desde os anos 1970 existem no Brasil programas de pós-graduação em teologia, classificados como uma subárea da Filosofia. Em 2016, a Portaria nº 174 (Brasil, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria nº 174, de 11 de outubro de 2016. Cria as áreas de avaliação de Filosofia e de Teologia. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ano 153, n. 197, p. 18, 13 out. 2016. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=18&data=13/10/2016 . Acesso em: 12 jan. 2022.
    https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
    ) da Capes separa as duas disciplinas em áreas autônomas. No ano seguinte, a área de Teologia é redesignada como Ciências da Religião e Teologia sob forte resistência da SBPC que, na pessoa de sua presidente Helena Bonciani Nader, via nessa nomenclatura o risco de intromissão do fundamentalismo religioso na academia. Àquela altura o país já contava com 12 programas de pós-graduação em ciência da religião e 11 em teologia. Apesar de seu crescimento ao longo dos anos, o campo de estudo permanece pouco respeitado e reconhecido pelas outras áreas de pesquisa do país (Stern, 2018STERN, F. A criação da área de avaliação das ciências da religião e teologia na coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Espaços, [s. l.], v. 26, n. 1, p. 73-91, 2018.).
  • 15
    Ao aderir a essa concepção trans-histórica e transcultural de religião o documento do Paraná reproduz um dos pressupostos da tese weberiana do secularismo, e da literatura acadêmica e teológica que nela se inspirou. Ela postula que a secularização consiste na retirada do religioso para uma esfera própria e autônoma que ensejou, no mesmo processo, a diferenciação das demais esferas, como a economia, política, etc. Como bem observou Henrique Fernandes Antunes (em comunicação pessoal), essa concepção tem por consequência confinar o religioso a um domínio próprio da experiência humana e essencializá-lo, ignorando a contribuição de Talal Asad (2003)ASAD, T. Formations of the secular: Christianity, Islam, modernity. Stanford: Standford University Press, 2003. que o descreve como uma categoria historicamente construída. Ao esvaziar o conceito de religião de seus atributos históricos e políticos, sugere Antunes, essa visão o reduz a uma visão de mundo em competição, com uma variedade de visões alternativas.
  • 16
    Na BNCC a noção de competência é definida como “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (Brasil, [2018]BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, [2018]. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf . Acesso em: 12 jan. 2022.
    http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
    , p. 8).
  • 17
    Ver a esse respeito nosso comentário à crítica que Talal Asad faz ao conceito de religião enquanto símbolo em C. Geertz (Montero, 2010MONTERO, P. Talal Asad: para uma crítica da teoria do símbolo na antropologia religiosa de Clifford Geertz. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 19, p. 259-261, 2010.).
  • 18
    Segundo Taylor, o liberalismo igualitário seria cego a diferenças culturais. Ele concebe uma variante que seja capaz de acomodá-las politicamente flexibilizando a neutralidade estatal.
  • 19
    Em contraste com essa percepção, no Brasil, frequentemente a noção de liberdade religiosa não é concebida em termos individuais. Em seu texto que analisa o voto da ADI 4439 em 2017 sobre o Ensino Religioso, Neves e Almeida (2021NEVES, R.; ALMEIDA, R. Os sentidos do público: religião e ensino na Constituição. In: FIORE, M.; DOLHNIKOFF, M. (org.). Mosaico de olhares: pesquisa e futuro no cinquentenário do Cebrap. São Paulo: Edições SESC, 2021. p. 327-338., p. 332) observam que os juízes “endossam uma noção de liberdade religiosa, menos como um direito individual e mais como uma prerrogativa das entidades religiosas”, isto é, liberdade de elas se organizarem de maneira mais ou menos autônoma com relação à jurisdição estatal. Ainda assim, essa noção de liberdade religiosa se diferencia do multiculturalismo, uma vez que não se trata de exigir o reconhecimento de direitos relativos a diferenças culturais coletivas baseados na ancestralidade, mas sim o reconhecimento da liberdade de organização religiosa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2022
  • Aceito
    18 Ago 2022
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