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GRAZIELA, Laura F. Gomes. Novela e sociedade no Brasil. Niterói, Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998. 137 p.

GRAZIELA, Laura F. Gomes. Novela e sociedade no Brasil. 1998. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 137

O livro de Laura Graziela Gomes, “Novela e sociedade no Brasil”, trata do fenômeno das telenovelas dentro de uma abordagem antropológica, propondo nos dar, como o próprio nome sugere, uma aproximação sociológica do assunto, destacando, principalmente, o seu plano narrativo. Ela expõe, desta forma, o que as telenovelas dramatizam e o que suas narrativas representam, pois, segundo a autora, a partir destas análises pode-se desvendar algumas representações que a sociedade brasileira faz de si mesma e explicar o porquê da consolidação do gênero no gosto popular brasileiro.

Para a autora, há uma relação intrínseca entre o gênero telenovela e a sociedade brasileira. Em outras palavras, “existe uma adequação causal entre o gênero como tal e certas representações existentes na sociedade brasileira, notadamente aquelas referentes à construção da ordem social, da verdade e, portanto, relacionados às formas de controle social e de resolução de conflitos” (p. 13).

Para realizar o trabalho. Gomes partiu do estudo da telenovela Roque Santeiro, que foi ao ar em junho de 1985 na Rede Globo de Televisão. Ela explica a escolha por se tratar de uma novela exemplar, tendo tido um sucesso absoluto junto a 45,3 milhões de telespectadores, e porque estreou em um momento de transição política e social no Brasil, um momento que representa o início de uma nova era no país – a primeira versão da novela, realizada em 1975, foi censurada pelo Ministro da Justiça.

Além de analisar a narrativa das telenovelas, a autora investiga o material publicado pela imprensa (entrevistas, artigos de periódicos e revistas), a fim de demonstrar as conexões necessárias para mostrar a relação do gênero com os acontecimentos políticos e sociais do povo brasileiro. Realizou-se, também, uma comparação dos modos de representação narrativa entre seriados norte-americanos e telenovelas brasileiras, para destacar, ainda mais claramente, a importância dos gêneros teledramatúrgicos para o estudo da sociedade. Gomes também lança mão dos dados de uma pesquisa de campo com 22 pessoas, pertencentes a quatro famílias cariocas – o que corresponderia a uma terceira fonte de seu trabalho.

Dividido em cinco partes, “Novela e sociedade no Brasil” aborda, inicialmente, o histórico das telenovelas no Brasil e a sua repercussão no povo brasileiro, mostrando, como Ondina Fachel Leal, na década de 80, que as telenovelas tornaram-se mais do que um hábito e se transformaram num ritual que independe de grupo ou de classe social. Desta forma, a autora também justifica a importância da novela ser estudada antropologicamente, pois é um fenômeno que guarda todos os caracteres essenciais definidores de seu gênero, que acabou reunindo inovações, chegando a se consagrar como uma criação “genuinamente brasileira” e podendo ser percebida nela o “inconsciente cultural” estabelecido.

No segundo capítulo, a autora, citando Umberto Eco, mostra-nos indícios de que a telenovela não é uma “obra aberta”, pois ela está mais próxima do discurso persuasivo e prescritivo do que do discurso aberto. Gomes também não concorda inteiramente com o “efeito catártico” que as novelas produzem, e diz que elas adquirem, sim, um acentuado grau de efeito pedagógico na sociedade brasileira, pois ocupam um espaço importante na vida dos telespectadores. Esta relação provém do fato de possuírem duas formas de racionalidade: a moderna – nas telenovelas são apresentadas inúmeras formas de mudanças sociais – e a tradicional – quando são apresentados sistemas de valores e de crenças considerados os corretos.

A terceira parte do livro centra-se exclusivamente da novela Roque Santeiro, mostrando o histórico da novela e a história de seu enredo. Explica também porque ela representou tanto para os brasileiros, e por que teve tanto sucesso. Analisando os personagens e a trama, ela vai explicando como o mito de uma cidade, “Asa Branca” – no caso de Roque Santeiro -, pode ser mais forte do que a própria realidade, sendo, inclusive, dependente deste para a construção de sua identidade e a de seus habitantes.

A autora preocupa-se também em abordar as diferenças entre as formas de representação que as sociedades fazem de si mesmas, utilizando como ponto de comparação cinco seriados norte-americanos, transmitidos naquela época (Magnum, Miami Vice, Profissão Perigo, A Gata e o Rato e Anjos da Lei) com as telenovelas brasileiras. A escolha deste gênero teledramatúrgico foi decorrente de sua proximidade com as telenovelas – no que diz respeito a serialidade, regularidade de transmissão e de suas tramas principais – e do fato de ser conhecido pelo telespectador brasileiro. Aqui a autora deixa claro como as diferenças entre as sociedades podem ser percebidas a partir dos gêneros narrativos dos programas de televisão, pois, sendo ficção ou realidade, eles acabam mostrando conceitos, padrões e valores de conduta que são importantes dentro de uma sociedade, e a forma de como eles vão sendo “manuseados” durante a trama.

Na conclusão, a autora volta a novela Roque Santeiro e explica os acontecimentos da novela e como eles, no decorrer da trama, estiveram ligados com os interesses políticos, econômicos e sociais do país. Durante toda a telenovela as contradições, as ambigüidades, os conflitos de identidades e valores e os problemas da sociedade brasileira podiam ser percebidos, tanto que no final da telenovela é mostrado claramente que a hierarquia aparece como um dado crucial na estrutura social do país.

De modo geral, o livro é bem escrito e fácil de ser lido, pois durante todo o seu percurso a autora dá explicações claras, com diversos exemplos para confirmar suas idéias e hipóteses. É comprovado, no livro, algo que já sabíamos ou, pelo menos, desconfiávamos, ou seja, o poder que a televisão exerce sobre o povo brasileiro. Como a própria autora esclarece, “o processo de construção da realidade na sociedade brasileira é intermediado fundamentalmente pela televisão. Entre nós, é a ‘telinha’ – o que é mostrado nela – que se constitui, nos tempos atuais, no principal ‘espelho’ ou ‘filtro’, através do qual olhamos para nós mesmos” (p. 39) e onde a narrativa das telenovelas acaba também sendo absorvida pelos eventos sociais, sejam eles de ordem política ou afetiva. E conclui que melodrama acaba sendo incorporado pelo social, tornando-se “a única forma narrativa de que a sociedade brasileira dispõe atualmente para narrar a si mesma seus dramas sociais”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 1999
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