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Morte nos búzios

RESENHAS

PRANDI, Reginaldo. Morte nos búzios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 241 p.

Ari Pedro Oro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil

Morte nos Búzios é o título de um romance policial cuja trama envolve homicídios que detêm características semelhantes aos sacrifícios de animais realizados no candomblé.

São 35 pequenos capítulos que envolvem o leitor do primeiro ao último. Porque já no primeiro ocorre um assassinato, seguido de outros, ao longo do livro, cujo desvendamento vai se dar somente no último capítulo, tal como ocorre nos melhores romances policiais.

O cenário do romance é a cidade de São Paulo, onde a mãe-de-santo Aninha de Oxalá prevê a morte nos búzios de três pessoas, mortes que ocorrem segundo as diretrizes próprias dos rituais de sacrifícios de animais. Num efeito mimético, tais assassinatos provocam mais de uma dezena de mortes semelhantes, inclusive em outras cidades e estados. Isso conduz o delegado Tiago Paixão, responsável pela investigação, assessorado por Fernando, um membro do candomblé, a distinguir os "sacrifícios autênticos", que obedecem minuciosamente as regras e etiquetas rituais do candomblé, e os "sacrifícios apócrifos", desprovidos do "selo" de autenticidade. Enquanto a polícia tenta encontrar o sacrificador autêntico, também para estancar a onda de crimes imitativos, grupos evangélicos aproveitam para desencadear uma "guerra santa" à brasileira, invadindo terreiros, agredindo e demonizando os seguidores das religiões afro-brasileiras. A repercussão dos crimes e da guerra santa mobiliza a mídia em geral, além de políticos, cientistas sociais, psicólogos e especialistas no comportamento humano.

Para além do entretenimento contido na trama policial, o romance apresenta uma sólida base sociológica e antropológica do campo religioso brasileiro. Escrito pelo sociólogo Reginaldo Prandi, um dos principais pesquisadores dos cultos afro-brasileiros do país, o enredo explicita o cotidiano dos terreiros, a hierarquia sacerdotal, a sociabilidade intra e extra-religiosas dos filhos-de-santo, o relacionamento de adeptos de diferentes classes sociais nos cultos, a mitologia dos orixás, os símbolos utilizados e os rituais celebrados. A trama expõe as tensas relações entre as religiões populares, o jogo das múltiplas pertenças e identidades religiosas, a discriminação aos cultos afro-brasileiros, o cotidiano da violência urbana e sua banalização, as intricadas redes sociais entre indivíduos com distintos estilos de vida, origens sociais e visões de mundo, o dia-a-dia de delegados de polícia.

Sem prejuízo do enredo, outros fenômenos atuais do campo religioso brasileiro são abordados, com larga desenvoltura, no livro. Entre eles, o sincretismo religioso, o controverso tema do sacrifício de animais e, em especial, a "guerra espiritual" movida diuturnamente por igrejas neopentecostais contra as religiões afro-brasileiras, em espetaculares rituais coletivos de exorcismo, em livros e órgãos oficiais da imprensa evangélica, em programas de rádio e tevê.

Em Morte nos Búzios, a ficção policial toma corpo, de forma inovadora, no interior de um universo simbólico e de um sistema de representações peculiares a determinadas parcelas da sociedade brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007
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