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Historiografia da Educação: métodos e perspectivas contemporâneas

Historiografía de la Educación: métodos y perspectivas contemporáneas

Historiography of Education: methods and contemporary perspectives

Historiographie de l'Éducation: méthods et perspectives contemporaines

VEIGA, Cynthia Greive; OLIVEIRA, Marcus Aurelio Taborda de. (Orgs.). Historiografia da Educação: abordagens teóricas e metodológicas. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019.

Marcada por um caráter coletivo e por ampla diversidade temática, a coletânea Historiografia da Educação: abordagens teóricas e metodológicasVEIGA, Cynthia Greive; OLIVEIRA, Marcus Aurelio Taborda de. (Orgs.). Historiografia da Educação: abordagens teóricas e metodológicas. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019., organizada pelos professores Cynthia Greive Veiga e Marcus Aurelio Taborda de Oliveira1 1 Ambos os autores são professores titulares da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. , oferece ao público interessado um panorama atualizado a respeito de alguns dos principais debates da área de História da Educação. Conforme anuncia o subtítulo, o livro tem como principais objetivos refletir sobre os parâmetros teóricos e metodológicos que orientam os pesquisadores e pesquisadoras do campo e oferecer subsídios para os estudos vindouros.

A forte marca da coletividade que permeia os sete capítulos que compõem a obra não é, contudo, mero fator do acaso. Todos os textos apresentados têm em comum a mesma origem institucional: trata-se do dinâmico Centro de Estudos e Pesquisas em História da Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (GEPHE-UFMG).

O GEPHE, que nasceu como grupo de estudos e pesquisas, cresceu e se diversificou nas últimas duas décadas, e hoje é considerado referência nacional na área de História da Educação. De caráter multifacetado, organizado em vários subgrupos, o Centro congrega pesquisadores de diferentes instituições, interessados nos mais variados temas, recortes e perspectivas de análise. (FARIA FILHO; CARVALHO, 2019FARIA FILHO, Luciano Mendes de; CARVALHO, Carlos Henrique de. Os caminhos da pesquisa em História da Educação no Brasil. In: FONSECA, Thais Nivia de Lima e (org.). História da Educação em Minas Gerais: da Colônia à República: volume 1: Colônia. Uberlândia: EDUFU, 2019.) Assim, conforme os próprios organizadores afirmam na apresentação da coletânea, os textos apresentados são expressões de aprendizagens coletivas e do diálogo acadêmico sistemático que, ao longo dos anos, têm se desenvolvido no âmbito do GEPHE-UFMG.

Mirian Jorge Warde, que assina o prefácio do livro, também aponta para as relações entre a origem institucional dos pesquisadores e as características da obra. Segundo a autora, a qualidade dos textos reflete a multiplicidade de talentos que se congregam em torno do GEPHE. Warde afirma, ainda, que a atenção focalizada nos procedimentos analíticos e ferramentas metodológicas que orienta os textos guarda relações diretas com a dinamicidade daquele ambiente de pesquisa.

A apresentação do volume, assinada pelos organizadores, indica, de antemão, um questionamento que é comum a todos os capítulos e, por consequência, interliga e unifica as análises: de que forma problematizar e discutir as dinâmicas históricas que produziram a educação como uma medida de diferenciação social? A leitura da obra completa permite afirmar, com plena convicção, que são oferecidas não uma, mas várias e diferentes respostas para o mesmo problema, observado por meio de perspectivas diversas.

No primeiro capítulo, intitulado “Pesquisa sobre educação no Antigo Regime luso-americano: percursos metodológicos”, Thais Nivia de Lima e Fonseca2 2 Professora Titular de História da Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. apresenta uma importante análise a respeito das relações entre a produção recente na área de História da Educação e as discussões da historiografia geral do período colonial. A autora organiza o capítulo de modo a demonstrar que os estudiosos dedicados a compreender as dinâmicas educativas que tiveram espaço na América Portuguesa têm de lidar, antes, com as discussões a respeito do lugar ocupado por esta porção de território no quadro mais amplo do Império Português. Nesse sentido, Fonseca sublinha a importância de se ter em vista a natureza das relações estabelecidas entre Brasil e Portugal para melhor compreender o fenômeno específico dos processos educativos na colônia, sejam eles escolares ou não. Além da relevante lição teórico-metodológica, o capítulo apresenta, ainda, uma incursão diversificada pelos diferentes conjuntos documentais que vêm sendo utilizados pelos historiadores da educação que se dedicam ao período colonial, como fontes administrativas, tratados pedagógicos, documentação camarária, correspondências institucionais, fontes notariais, entre outras. Trata-se, portanto, de importante contribuição, tendo em vista que, no âmbito das pesquisas em História da Educação, o período colonial, em geral, recebe menor destaque. Conforme demonstram os balanços historiográficos, tal realidade se deve - entre outros motivos - às dificuldades encontradas pelos pesquisadores para localizar, identificar, acessar e interpretar as fontes relativas ao período (ANTUNES, 2015ANTUNES, Álvaro de Araújo. O Inventário Crítico das Ausências: a produção historiográfica e as perspectivas para a história da educação na América Portuguesa. História e Cultura, Franca, v. 4, n. 2, p. 100-117, set. 2015. Disponível em:http://https://ojs.franca.unesp.br/index.php/historiaecultura/article/view/1387 >. Acesso em: 10 fev. 2023.
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).

O segundo texto que compõe a coletânea é de autoria de Cynthia Greive Veiga. Em “Escola pública, processo civilizador, modernidade eurocêntrica e exclusão sociorracial: diálogos com Anibal Quijano e Norbert Elias”, a autora desenvolve uma reflexão teórica a respeito das ideias que historicamente fundamentaram as políticas de escolarização. A partir de uma perspectiva crítica, Veiga aponta para as práticas de desqualificação social que a matriz de modernidade eurocêntrica produziu. No caso brasileiro, a desqualificação atinge, sobretudo, grupos e segmentos sociais subalternizados, como negros e indígenas, mas também analfabetos, população rural, migrantes e outros sujeitos. O texto de Cynthia Greive Veiga se alinha a uma produção contemporânea, de matriz decolonial, que tem buscado desnudar os mecanismos de exclusão e subalternização - entre eles, a escola - aplicados em diferentes espaços sociais no mundo ocidental. Para analisar e compreender essas formas de exclusão, Veiga apresenta duas abordagens teóricas diferentes e complementares, derivadas, respectivamente, do pensamento de Norbert Elias e Aníbal Quijano. Ambos os caminhos põem à disposição do leitor um panorama teórico profícuo e promissor. A aplicação desse aparato em pesquisas na área de História da Educação, certamente, pode contribuir para a revisão crítica de discursos e narrativas históricas já cristalizadas.

Em “Pesquisas sobre a educação dos sentidos e das sensibilidades na história da educação: algumas indicações teórico-metodológicas”, terceiro capítulo da coletânea, Marcus Aurelio Taborda de Oliveira, se propõe a percorrer os esteios que estruturam um campo ainda pouco explorado na historiografia. O autor demonstra que o tema dos sentidos e das sensibilidades já está presente, há décadas, em diversas tradições historiográficas. Contudo, para ele, as relações existentes entre as transformações históricas nesses campos e as dinâmicas sociais e culturais são, ainda, pouco investigadas. Diante disso, Taborda de Oliveira busca discutir e explicitar os fundamentos teóricos que permitem analisar as mudanças nas sensibilidades e nos sentidos do ponto de vista de uma história social da cultura. Ao mesmo passo, o autor sublinha o papel determinante que as práticas de educação dos sentidos desempenharam nesse processo. O ponto de destaque do capítulo é a importante ênfase no caráter não necessariamente escolar da educação dos sentidos. As reflexões desenvolvidas a esse respeito, ficam mais evidentes a partir do esforço do autor em reunir exemplos de fontes diversificadas e possibilidades de análise disponíveis, como os temas das sensibilidades ligadas ao espaço urbano e da educação dos sentidos dos trabalhadores. O texto de Taborda de Oliveira, aponta, assim, para uma ampla e diversa gama de potencialidades em aberto para as investigações neste campo.

O quarto capítulo é escrito por Andrea Moreno e Anderson da Cunha Baía3 3 Andrea Moreno é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, e Anderson da Cunha Baía é professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa. e intitula-se “Itinerários de saberes: compreendendo a circulação de saberes sobre ginástica”. No texto, os autores buscam problematizar a difusão e a apropriação do conhecimento sobre ginástica - em especial, sobre o método sueco - não só no Brasil, mas em outras partes do mundo. Além de um importante balanço historiográfico a respeito da produção mais recente sobre História da Educação Física e História da Ginástica no Brasil, Moreno e Baía oferecem um claro conjunto de instruções metodológicas. Estas são sistematizadas através do diálogo com autores e estudos das áreas de História Cultural, História Intelectual, História da Leitura, História dos Impressos. O capítulo tem o mérito de apontar para a potencialidade do uso de categorias de análise ainda pouco utilizadas nas pesquisas sobre História da Educação Física, como circulação, tradução, redes de sociabilidades, entre outras. Ademais, os autores destacam alguns pontos que comumente não são focalizados como objetos nos estudos históricos sobre a ginástica. Os manuais, os congressos e a atuação de determinados sujeitos, produtores e divulgadores de conhecimento sobre o tema, são apontados, nesse sentido, como possíveis objetos centrais para novas pesquisas. Moreno e Baía demonstram, desse modo, que a atenção a esses e outros novos objetos pode promover o aprofundamento das discussões da área.

O capítulo cinco, redigido por Mônica Yumi Jinzenji e Eliezer Raimundo de Sousa Costa4 4 Mônica Yumi Jinzenji é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, e Eliezer Raimundo de Sousa Costa é professor do Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais. , é intitulado “Adolescência e juventude como categorias de análise nas pesquisas em História da Educação: contribuições teórico-metodológicas”. O texto problematiza as duas categorias indicadas no título e demonstra as possibilidades do seu uso no campo de pesquisa da História da Educação. Jinzenji e Costa partem de uma reflexão conceitual e teórica a partir do diálogo com vários autores que, desde as décadas iniciais do século XX, tematizam o período da adolescência e da juventude em diferentes campos das ciências sociais. Ao definir a historicidade da conformação conceitual das categorias em análise, os autores desenvolvem uma crítica à forma como a história dos jovens é comumente tratada nos estudos de História da Educação. Assim, a principal contribuição oferecida pelo capítulo é a relativização da abordagem comum que associa, necessariamente, a história dos jovens à história da escola. Contudo, Jinzenji e Costa desenvolvem, ainda, um percurso crítico e pormenorizado ao longo de variadas tipologias de fontes históricas que oferecem potencialidades para o estudo a respeito dos jovens no século XIX, dentre as quais se destacam a literatura, os dicionários de época, a legislação imperial e a imprensa.

No sexto capítulo, intitulado “Análise de impressos e seus leitores: uma proposta teórico-metodológica para pesquisas em História da Educação”, as autoras Ana Maria de Oliveira Galvão e Juliana Ferreira de Melo5 5 Ana Maria de Oliveira Galvão é professora titular da Faculdade de Educação e Juliana Ferreira de Melo é professora de língua portuguesa do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional, ambas vinculadas à Universidade Federal de Minas Gerais. discutem, de forma clara e didática, as possibilidades disponíveis para a investigação sobre um dos tipos documentais mais focalizados na historiografia da educação: os impressos. Ao mobilizar alguns dos instrumentos metodológicos oferecidos pelos campos da História Cultural e da Análise do Discurso, Galvão e Melo buscam ressaltar o uso dos impressos enquanto objeto de pesquisa, e não apenas como fonte. Tendo como foco mais específico o estudo dos leitores, as autoras perpassam pelas diferentes formas existentes para acessar, por meio dos impressos, o chamado “leitor visado”, isto é, o interlocutor pretendido pelo autor e/ou editor da obra em questão. Nesse ponto, vale notar, o capítulo apresenta uma importante lição que, embora evidente, deve ser sempre lembrada: a análise dos impressos e de seus leitores enquanto objetos devem ser compreendida como recurso para a compreensão de processos históricos mais amplos, e não como um fim em si mesma. Além disso, Galvão e Melo apontam para a necessidade de diversificar os procedimentos metodológicos comumente utilizados nas pesquisas desse campo, destacando a importância da análise das estratégias discursivas e dos aspectos materiais que compõem os impressos.

Fechando a coletânea, o último capítulo, de autoria de Luciano Mendes de Faria Filho6 6 Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. , faz uma incursão pelas conexões existentes entre as áreas de História da Educação, História Cultural e História Intelectual. A partir do relato de diferentes experiências de pesquisa, o autor demonstra, com exemplos, a operacionalidade de algumas categorias de análise próprias desses campos, tais como as noções de representação, apropriação, mediação cultural, repertórios, redes e sociabilidades intelectuais. A análise desenvolvida por Faria Filho ressalta a potencialidade de caminhos de pesquisa ainda pouco explorados, como, por exemplo, a investigação sobre as representações construídas acerca do Brasil em livros didáticos produzidos em outros países, como o México, objeto de estudo do autor. Por outro lado, o capítulo também tem o mérito de destacar a conveniência da análise das trajetórias intelectuais, sobretudo a partir das redes, relações e lugares de sociabilidade, para aprofundar o conhecimento a respeito da constituição histórica de campos específicos, como o da História e da Sociologia da Educação.

Ao fim e ao cabo, a coletânea põe à disposição dos leitores um conjunto de ferramentas teórico-metodológicas que, além de amplo e diversificado, é de grande utilidade para as pesquisas em História da Educação. De modo inconteste, as discussões apresentadas têm o potencial de inspirar novas e frutuosas investigações que, certamente, encontrarão nos trabalhos reunidos nesta obra uma gama variada de recursos e instrumentos de pesquisa.

Referências

  • ANTUNES, Álvaro de Araújo. O Inventário Crítico das Ausências: a produção historiográfica e as perspectivas para a história da educação na América Portuguesa. História e Cultura, Franca, v. 4, n. 2, p. 100-117, set. 2015. Disponível em:http://https://ojs.franca.unesp.br/index.php/historiaecultura/article/view/1387 >. Acesso em: 10 fev. 2023.
    » http://https://ojs.franca.unesp.br/index.php/historiaecultura/article/view/1387
  • FARIA FILHO, Luciano Mendes de; CARVALHO, Carlos Henrique de. Os caminhos da pesquisa em História da Educação no Brasil. In: FONSECA, Thais Nivia de Lima e (org.). História da Educação em Minas Gerais: da Colônia à República: volume 1: Colônia. Uberlândia: EDUFU, 2019.
  • VEIGA, Cynthia Greive; OLIVEIRA, Marcus Aurelio Taborda de. (Orgs.). Historiografia da Educação: abordagens teóricas e metodológicas. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019.
  • 1
    Ambos os autores são professores titulares da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
  • 2
    Professora Titular de História da Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
  • 3
    Andrea Moreno é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, e Anderson da Cunha Baía é professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa.
  • 4
    Mônica Yumi Jinzenji é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, e Eliezer Raimundo de Sousa Costa é professor do Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais.
  • 5
    Ana Maria de Oliveira Galvão é professora titular da Faculdade de Educação e Juliana Ferreira de Melo é professora de língua portuguesa do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional, ambas vinculadas à Universidade Federal de Minas Gerais.
  • 6
    Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

Editado por

Editora responsável:

Tatiane de Freitas Ermel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2023
  • Aceito
    29 Jun 2023
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