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O cuidado no trabalho em saúde: implicações para a formação de enfermeiros

Healthcare at work: implications for nurse training

El cuidado en el trabajo en salud: implicaciones para la formación de enfermeros

Resumos

Com o objetivo de identificar necessidades de mudança na formação dos enfermeiros ao assumirem o cuidado como domínio do núcleo específico de sua prática, desenvolveu-se um estudo qualitativo utilizando-se dados de entrevistas em grupos focais com docentes e estudantes de escolas de enfermagem do estado de Minas Gerais, Brasil. Nessas escolas de enfermagem existe a concepção de cuidado traduzido como agir que incorpora uma visão integral do ser humano e que se concretiza em relações de intersubjetividade. Entretanto, prevalece uma prática pedagógica e assistencial que reitera o modelo biomédico e enfraquece a noção de cuidado expressa pelos participantes. Aponta-se, como desafio para a formação, a ocupação com um ensino que resgata as práticas cuidadoras do núcleo profissional específico e das intersecções no campo da saúde, num movimento que valoriza a aprendizagem pautada na realidade e no qual o estudante vivencia e reflete sobre o processo de cuidar.

Cuidado de Saúde; Cuidado de Enfermagem; Educação em Saúde


With the aim of identifying the needs for changes in nurse training when taking care to be the domain at the specific center of nursing practice, a qualitative study was developed using interview data from focal groups involving lecturers and students from nursing schools in the state of Minas Gerais, Brazil. In these nursing schools, the concept of care that translates how to act incorporates an integral view of human beings and takes shape through relationships of intersubjectivity. However, the prevailing pedagogical and assistance-providing practice reiterates the biomedical model and weakens the notion of care expressed by participants. This indicates that the challenge for training is to be occupied with teaching that conserves the care practices of the specific professional center and their intersections within the healthcare field, in a movement that gives value to learning guided by reality, within which students experience and reflect on the care process.

Healthcare; Nursing care; Health education


Con el objetivo de identificar las necesidades de cambios en la formación de los enfermeros al asumir el cuidado como dominio del núcleo específico de su práctica, se desrrolló un estudio cualitativo usándose datos de entrevistas en grupos focales con docentes y estudiantes de escuelas de enfermería del estado de Minas Gerais, Brasil. En tales escuelas de enfermería el concepto de cuidado se traduce como actuación que incorpora una visión integral del ser humano y se materializa en relaciones de inter-subjetividad. No obstante prevalece una práctica pedagógica y asistencial que reitera el modelo biomédico y debilita la noción de cuidado expresada por los participantes. Se enfatiza como desafío para la formación la ocupación con una enseñanza que rescata las prácticas cuidadoras del núcleo profesional específico y de las intersecciones en el campo de la salud, en un movimiento que valora el aprendizaje pautado en la realidad en el cual el estudiante reflexiona y vive el proceso de cuidar.

Cuidado de salud; Cuidado de enfermería; Educación en salud


DOSSIÊ

O cuidado no trabalho em saúde: implicações para a formação de enfermeiros

Healthcare at work: implications for nurse training

El cuidado en el trabajo en salud: implicaciones para la formación de enfermeros

Roseni Rosângela de SenaI; Kênia Lara SilvaII; Alda Martins GonçalvesIII; Elysângela Dittz DuarteIV; Suelene CoelhoV

IEnfermeira. Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG. Rua Curitiba, 2232/301 Lourdes Belo Horizonte MG 30.170-122 rosenisena@uol.com.br

IIEnfermeira. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

IIIEnfermeira. Escola de Enfermagem, UFMG

IVEnfermeira. Hospital Sofia Feldman, Belo Horizonte

VEnfermeira. Escola de Enfermagem, UFMG

RESUMO

Com o objetivo de identificar necessidades de mudança na formação dos enfermeiros ao assumirem o cuidado como domínio do núcleo específico de sua prática, desenvolveu-se um estudo qualitativo utilizando-se dados de entrevistas em grupos focais com docentes e estudantes de escolas de enfermagem do estado de Minas Gerais, Brasil. Nessas escolas de enfermagem existe a concepção de cuidado traduzido como agir que incorpora uma visão integral do ser humano e que se concretiza em relações de intersubjetividade. Entretanto, prevalece uma prática pedagógica e assistencial que reitera o modelo biomédico e enfraquece a noção de cuidado expressa pelos participantes. Aponta-se, como desafio para a formação, a ocupação com um ensino que resgata as práticas cuidadoras do núcleo profissional específico e das intersecções no campo da saúde, num movimento que valoriza a aprendizagem pautada na realidade e no qual o estudante vivencia e reflete sobre o processo de cuidar.

Palavras-chave: Cuidado de Saúde. Cuidado de Enfermagem. Educação em Saúde.

ABSTRACT

With the aim of identifying the needs for changes in nurse training when taking care to be the domain at the specific center of nursing practice, a qualitative study was developed using interview data from focal groups involving lecturers and students from nursing schools in the state of Minas Gerais, Brazil. In these nursing schools, the concept of care that translates how to act incorporates an integral view of human beings and takes shape through relationships of intersubjectivity. However, the prevailing pedagogical and assistance-providing practice reiterates the biomedical model and weakens the notion of care expressed by participants. This indicates that the challenge for training is to be occupied with teaching that conserves the care practices of the specific professional center and their intersections within the healthcare field, in a movement that gives value to learning guided by reality, within which students experience and reflect on the care process.

Key words: Healthcare. Nursing care. Health education.

RESUMEN

Con el objetivo de identificar las necesidades de cambios en la formación de los enfermeros al asumir el cuidado como dominio del núcleo específico de su práctica, se desrrolló un estudio cualitativo usándose datos de entrevistas en grupos focales con docentes y estudiantes de escuelas de enfermería del estado de Minas Gerais, Brasil. En tales escuelas de enfermería el concepto de cuidado se traduce como actuación que incorpora una visión integral del ser humano y se materializa en relaciones de inter-subjetividad. No obstante prevalece una práctica pedagógica y asistencial que reitera el modelo biomédico y debilita la noción de cuidado expresada por los participantes. Se enfatiza como desafío para la formación la ocupación con una enseñanza que rescata las prácticas cuidadoras del núcleo profesional específico y de las intersecciones en el campo de la salud, en un movimiento que valora el aprendizaje pautado en la realidad en el cual el estudiante reflexiona y vive el proceso de cuidar.

Palabras clave: Cuidado de salud. Cuidado de enfermería. Educación en salud.

Introdução

No presente artigo, apresentamos os resultados da pesquisa "Abordagem do cuidado em currículos de Escolas de Enfermagem do estado de Minas Gerais"* * Projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa sob processo 470752/2003-3. , realizada por pesquisadoras do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre o Ensino e a Prática de Enfermagem (NUPEPE), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O artigo tem como objetivo identificar as necessidades de mudança na formação dos enfermeiros ao assumirem o cuidado como domínio do núcleo específico de sua prática nas intersecções que esta realiza no trabalho em saúde. Para o desenho teórico-metodológico do estudo, foram consideradas como orientação as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Enfermagem, que estabelecem as competências e habilidades a serem desenvolvidas no processo de formação dos enfermeiros. Essas competências e habilidades tomam o cuidado como objeto do agir profissional na promoção da saúde, prevenção de adoecimentos e no tratamento e reabilitação das enfermidades (Brasil, 2001).

O estudo estabelece como premissa que as escolas de enfermagem tenham como propósito a execução de uma formação que considere as políticas públicas de saúde, e formulem e executem um projeto ético, político e pedagógico, aliado às lutas pelo Sistema Único de Saúde em um campo em que o objeto da prática profissional específica - o cuidado em enfermagem – se expressa como estratégia para qualificar o cuidado em saúde e aprofundar as lutas pela integralidade da atenção à saúde em nosso país.

Reconhecemos que o cuidado assume várias conotações que não se traduzem apenas como atividade realizada no sentido de tratar uma ferida, aliviar um desconforto e auxiliar na cura de uma doença. Entendemos que o sentido do cuidado humano é mais amplo e se revela como uma forma de expressão, de relacionamento com o outro e com o mundo, ou seja, como uma forma de viver plenamente (Waldow, 2001). Desta forma, o cuidado não se resume em um ato, mas numa atitude que "abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro", como profere Boff (2004, p.33).

As concepções sobre o cuidar estão presentes no debate sobre a qualidade da atenção à saúde, campo no qual a Enfermagem se articula para o desenvolvimento de sua prática social, tendo o cuidado como seu objeto nuclear específico. É preciso reconhecer que há uma diversidade de conceitos que perpassam o cuidar em saúde e em enfermagem, o que, muitas vezes, dificulta a construção de seu significado para os trabalhadores e usuários. Entretanto, há que se considerar que o cuidado é constituído por princípios fundamentais, como: direito, autenticidade, defesa da vida, acolhimento e alteridade (Ayres, 2004, 2001). Assim, mesmo que seja difícil a delimitação da concepção de cuidado que orienta as ações na atenção à saúde e na enfermagem, a explicitação dos seus elementos constitutivos torna-se fundamental para a prática das profissões que o assumem como diretriz ou se constituem por seu engedramento.

Com essas premissas, espera-se que as escolas operem um ensino que prepare um profissional altamente qualificado para o trabalho, isto é, com competências e habilidades para prestar cuidados de saúde em consonância com os princípios do SUS, imprimindo a lógica da integralidade e da humanização no cuidado no seu fazer.

Esta questão é central no enfrentamento das demandas atuais no campo do ensino e da assistência à saúde, tradicionalmente marcadas pela organização de práticas reducionistas, voltadas a problemas fisiopatológicos e a remissão de sintomas, que não contribuem para o entendimento do cuidado como construção de projetos de vida, de saúde e de enfrentamento de doenças. Implica um processo de ensino-aprendizagem marcado pelo partilhar de experiências e reflexões, buscando articulação de saberes, poderes e técnicas, contextualizados política e socialmente para uma prática assistencial orientada pela integralidade e pelo desenvolvimento da autonomia do outro.

Estão em expansão os estudos e discussões sobre o "cuidado humano", sendo esta a melhor tradução epistemológica da expressão enfermagem, característica essencial do conhecimento e da prática de enfermagem e definidora do seu corpo científico e profissional. Na área da educação em enfermagem, trabalhos recentes abordam o ensino do cuidar como prática cuidadora, a aplicação de modelos educativos e abordagens pedagógicas que priorizam o cuidado, e as experiências curriculares inovadoras que buscam centralidade no cuidado (Waldow, 2006).

Neste entendimento, reafirmamos a potencialidade de uma formação com coerência entre o projeto institucional e as políticas de saúde, articulando os espaços de gestão, formação e assistência para ampliar o território do cuidado em enfermagem e consolidar as práticas integrais e humanizadas.

Percurso metodológico

A pesquisa sustentou-se na abordagem qualitativa que, conforme Minayo (2004), considera a possibilidade de incorporar as questões do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas.

O referencial teórico-metodológico da pesquisa ancorou-se no método dialético para investigar a prática social da enfermagem no contexto das práticas de saúde. Adotamos a indicação de Gonçalves (2002) de que o método dialético constitui uma referência teórico-metodológica que permite analisar o objeto de estudo, tomando, como ponto de partida, a visão de mundo dos participantes da pesquisa, expressa nas suas formas de pensar a realidade social. Esse método se baseia na crença no movimento permanente que existe na natureza e na sociedade, bem como a crença de que essa sociedade, historicamente construída, pode ser transformada pela superação das contradições por meio da práxis criativa.

O cenário do estudo foi constituído por escolas de enfermagem do estado de Minas Gerais, Brasil. Após aprovação do projeto nas instâncias da Escola de Enfermagem e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, foi realizado o mapeamento das escolas no estado e identificaram-se 29 escolas de enfermagem autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC). Atualmente, existem 104 cursos de enfermagem, incluindo-se os autorizados pelo MEC, os em processo de reconhecimento e os autorizados pelo Conselho Estadual de Educação. Este dado demonstra a expansão vertiginosa do número de cursos de enfermagem no país (Brasil, 2007).

Para a inclusão das escolas como cenário, foram definidos como critérios que a instituição tivesse formado uma turma até 2003, início do projeto, e que, no conjunto das escolas-cenário, as diferentes regiões geopolíticas do estado fossem representadas. No caso de ter havido mais de uma escola com essas características, foram incluídas uma escola pública e uma privada, com preferência para aquelas com mais tempo de funcionamento, buscando-se garantir a presença da diversidade de aspectos organizacionais, administrativos e políticos de cada escola. Assim, 12 escolas atendiam aos critérios de inclusão e foram consultadas quanto ao interesse em participar da pesquisa. Tendo ocorrido a negativa de duas escolas, dez foram trabalhadas como cenário.

A coleta de dados se deu por meio de entrevistas coletivas na forma de grupos focais. Foram realizados dez grupos focais, um em cada cenário, com a participação de 58 estudantes e 58 docentes. No início da entrevista em grupo focal, foram apresentados os propósitos da pesquisa, os objetivos, os procedimentos de coleta de dados e assegurada a garantia do sigilo e do uso dos dados exclusivamente para a produção técnico-científica. Após os esclarecimentos, cada participante assinou o termo de consentimento livre e esclarecido.

A discussão do grupo focal foi disparada com base na questão norteadora "descreva a abordagem do cuidado no ensino de enfermagem nesta escola". A condução da discussão foi sustentada num roteiro com perguntas auxiliares, que permitiram explorar vários aspectos do tema estudado valendo-se das manifestações dos participantes.

Os grupos focais tiveram duração de, aproximadamente, duas horas, em cada cenário, e foram organizados segundo os momentos do trabalho grupal apresentado por Dall'agnol & Trench (1999). Os grupos foram conduzidos por um moderador e um observador, atuando o primeiro como um guia da discussão, moderando a participação de todos em torno do objetivo da pesquisa. Para garantir a fidedignidade na reprodução dos dados, as falas dos participantes nos grupos focais foram gravadas e, posteriormente, transcritas e submetidas à análise de discurso, segundo orientação de Minayo (2004). As falas dos participantes em cada grupo foram codificadas, usando-se as letras GF e a numeração de um a dez, correspondente à seqüência em que foram realizados os grupos, permitindo-se, assim, relacionar o conteúdo da fala dos participantes ao cenário da pesquisa sem identificar a Escola.

Os dados foram organizados em planilhas, constituindo o "corpus" da pesquisa em um banco de dados composto pelo conjunto dos dados dos cenários pesquisados. Essas planilhas apresentaram um panorama das informações obtidas nos dez cenários, possibilitando a análise por paridade entre os mesmos.

Após a leitura exaustiva e a identificação das idéias centrais, emergiram as categorias e subcategorias. As categorias foram organizadas buscando-se identificar uma lógica para o ordenamento dos temas centrais que as compõem. Na análise, buscou-se articular a realidade revelada pelos participantes do grupo focal com o aporte do conhecimento e vivência das autoras na construção das DCN de enfermagem (Silva & Sena, 2006, 2003; Sena et al., 2002).

Concepções de cuidado que emergem da formação do enfermeiro

Ao descreverem a abordagem do cuidado na formação do enfermeiro, os participantes do estudo revelaram os conceitos de cuidar e de práticas cuidadoras que perpassam o processo ensino-aprendizagem e traduzem as concepções sobre o objeto da prática de enfermagem em seus diversos cenários de atuação. Expressaram, também, as concepções de enfermagem e de trabalho em saúde, tematizando a essência da profissão e as contradições expressas no pensar, fazer e ser dos profissionais de enfermagem.

A análise dos discursos construídos nos grupos focais revelou que existem diferentes concepções sobre o cuidado. É importante ressaltar o fato de as possibilidades dos discursos apontarem uma liberdade de interpretação que parece fundamental para uma prática política e eticamente coerente com as necessidades e demandas de saúde da população e dos princípios do SUS.

Os discursos dos participantes do estudo evidenciaram uma concepção de cuidado na qual o cuidador e o Ser cuidado se relacionam e constroem um projeto terapêutico humanizado. Os participantes expressaram suas concepções de cuidar afirmando que "cuidar é ouvir, estar do lado" (GF3), "é respeitar a vontade do outro" (GF4), "é acolher, estar junto" (GF6).

A análise dos discursos permitiu afirmar que a compreensão do cuidado, como elemento para fortalecer a autonomia crítica dos sujeitos envolvidos no processo de cuidar, deve ser construída com base na flexibilidade, intersubjetividade, reconhecimento dos valores do ser humano e reconhecimento do outro como um ser diferente. Esta análise conduz a uma concepção de cuidado, descrita por Waldow (2001), como fundamentada em sua essência epistemológica: presença, consideração, interesse, zelo, preocupação e afeição.

Para enriquecer essa compreensão, buscamos o referencial de Ayres (2004, 2001) que, ao discutir a reconstrução das práticas em saúde, destaca aspectos relevantes para a análise do cuidado nesse âmbito. O autor apresenta os elementos movimento, interação, identidade, alteridade, plasticidade, desejo, projeto, temporalidade, não-causalidade e responsabilidade como inerentes e indispensáveis às múltiplas relações em que se constrói o cuidado.

Os participantes expressaram que o cuidado em enfermagem se concretiza na possibilidade da "atenção holística": "cuidar em todos os sentidos, ver a pessoa como um todo" (GF2), ou seja, uma compreensão do ser cuidado em todas as suas dimensões, possibilidades e interações. Com base nos discursos, foi possível reconhecer, também, que os participantes identificam que o cuidado em enfermagem deve considerar "a co-responsabilização" (GF4), "deve estimular a autonomia" (GF2) e "o respeito ao sujeito em decidir sobre sua vida" (GF2). Identificamos que o ser cuidado e o cuidador são considerados pelos entrevistados na perspectiva de suas singularidades, nos seus modos de ser, sentir e expressar, confirmando a aplicação dos princípios de humanização e integralidade no cuidado.

A prática cuidadora, revelada pelos sujeitos da pesquisa, está presente no toque, na fala, nas observações, na escuta, no acolhimento, no estabelecimento de vínculos e na capacidade de atuar em contextos de imprevisibilidade. Assim, as diferentes concepções sobre o cuidado, expressas pelos participantes do estudo, revelaram a intencionalidade de assumir a perspectiva do cuidado centrado no usuário. Essa consideração aponta para a necessidade de reconstrução das práticas pedagógicas e de saúde, capazes de incidir na configuração de um modelo de atenção centrado nos usuários. Visualiza-se a importância de se resgatar a natureza do cuidado como sustentado nas relações interpessoais mediatizadas por tecnologias leves, entendidas como aquelas que envolvem as relações entre os sujeitos, implicando vínculos, acolhimento e responsabilização (Merhy, 2002a). Importante destacar que o cuidado centrado no usuário, na percepção de Merhy (2002a), não contém sentido intimista, mas de contraposição ao cuidado centrado em procedimentos, nas rotinas institucionais, nas corporações profissionais ou em toda sorte de interesse privado (centrado no uso de produtos, equipamentos, serviços, instalações). O interesse do cuidado é relativo ao usuário, inclusive ao que nele pede passagem (vivência ético-estético-política).

Entretanto, os participantes revelaram que ainda prevalece na atenção à saúde uma prática centrada no ato dos profissionais e nas tecnologias com ênfase na atenção individual e curativa. Conforme Afanador (1998), constatamos que é preciso assumir um movimento de construção do cuidado que valorize: a autenticidade dos interlocutores, o respeito à originalidade alheia e própria, o desejo de compartilhar, a preocupação de fazer-se compreender, bem como uma atitude de escuta e atenção permanentes.

Esse reconhecimento reforça a importância do uso e valorização das tecnologias leves como definidoras do cuidado em enfermagem. Tais tecnologias devem se fazer presentes em todas as interações entre trabalhadores de enfermagem e demais trabalhadores da saúde, além de presidirem o cuidado às pessoas, tanto individual como coletivamente, no cuidado de famílias ou grupos populacionais.

A enfermagem, por sua natureza cuidadora, tem tradição no uso das tecnologias leves e precisa qualificá-las com o propósito de valorizar seu conhecimento, suas práticas e seu sentir como cuidadora. Assim, a formação dos profissionais de enfermagem precisa construir saberes sobre os fazeres relacionados às tecnologias leves: momentos de conversação, escutas e interpretação de sentidos, assim como momentos de cumplicidade, nos quais há produção de responsabilização para com os problemas a serem enfrentados, e momentos de confiabilidade e esperança, nos quais são geradas relações de vínculo e aceitação, como afirma Merhy (2002b).

A análise dos discursos dos participantes revela que ainda não se alcançou esse grau de acumulação na práxis do ensino e do cuidado em enfermagem. Os entrevistados expressaram a intencionalidade de resgatar e ressignificar as tecnologias leves no cuidado de enfermagem como um imperativo ético-político pela defesa da vida com qualidade e centralidade do cuidado a indivíduos, grupos e coletivos, num exercício de cidadania para o qual exigem-se mudanças na formação dos enfermeiros. Sobressai-se a necessidade de superar, nas práticas de saúde, o enfoque biológico, centrado na patologia e nos aspectos curativo e individual, características que se contrapõem às concepções de cuidado projetadas como imagem-objetivo pelos participantes do estudo.

Da análise dos dados foi possível extrair que o cuidado curativista ainda tem predominado nas práticas de enfermagem. Com base nessa constatação, percebeu-se o distanciamento que há entre as concepções de cuidado formuladas pelos entrevistados, o que eles expressam e o que se concretiza na prática cotidiana. Os participantes dos grupos focais expressaram que "o discurso do holístico é belo, mas a formação visa o patológico" (GF8), "há conflitos entre o discurso da escola e a situação real dos serviços" (GF8), "o cuidado volta-se ao biológico, patológico" (GF3).

Consuegra (1998), referindo-se à prática do cuidado, enfatiza ainda que o verdadeiro cuidador quer liberdade, diálogo e criatividade, fundamentos importantes para se discutir a prática docente na formação dos profissionais de enfermagem. Educar implica contextualizar o educando quanto às estruturas sociais e que, na enfermagem, a filosofia da formação e a do cuidado devem sustentar-se em um mesmo paradigma (Consuegra, 1998).

A análise dos discursos permite evidenciar que o cuidado em enfermagem ocorre de forma fragmentada, impossibilitado de articular-se com as práticas de cuidado integral, as quais apresentam potencial para superar a visão orientada pela doença; e, também, a necessidade de se utilizarem as ferramentas indispensáveis à construção das múltiplas relações em que se constrói o cuidado.

Nesse modo predominante, o saber e o fazer de enfermagem se curvam aos modelos hegemônicos de saber e de prática em saúde, sustentados no biológico, no curativo e na assistência individual focada na doença. Os participantes dos grupos focais expressaram que "o cuidado está muito arraigado ao biológico e isso vem ao longo do curso sendo muito pautado. Então, faz-se uma abordagem mesmo que superficial a uma patologia e, a partir daí, se insere o ensino do cuidado."(GF3).

Pode-se identificar nos discursos o reconhecimento da necessidade de mudança no enfoque da formação do enfermeiro, mas poucos elementos apresentados na análise dos dados sinalizaram um movimento de mudança. Percebeu-se uma reiteração das concepções hegemônicas orientadas pelo paradigma positivista, amplamente praticadas na saúde. Waldow (1998) analisa a construção do conhecimento na enfermagem, explicando a sustentação do mesmo no pensamento racional predominante da "Era Cientifica". A autora afirma que esse paradigma tem influenciado a enfermagem desde seu surgimento até a atualidade. Ao fazer críticas a essa influência, a autora propõe novas idéias centradas no cuidado humano como filosofia de vida e diretriz para a enfermagem.

A análise dos discursos permite inferir que o processo de mudança na formação do enfermeiro e a construção de outras possibilidades de cuidado na superação do modelo biomédico encontram desafios nas indefinições sobre os instrumentos próprios da profissão para a práxis do cuidado. Essa constatação é fundamental quando se pensa a necessidade de acumulação e movimentação de forças no sentido da construção de uma nova realidade tecnoassistencial da saúde, na qual a enfermagem se insira de maneira mais autoral.

Os participantes dos grupos focais indicaram a necessidade de se construírem metodologias de sistematização do cuidado de enfermagem e a definição de um corpo próprio de conhecimentos para a profissão, ambos sustentados em conceitos que possibilitem explicar a prática cuidadora. Ao realizarem essas indicações, os entrevistados nos permitem inferir que o projeto ético-político da enfermagem deve produzir conhecimentos e uma prática social que supere a reprodução de práticas hegemônicas e dominantes no campo da saúde.

É importante reconhecer que, ao apontarmos os desafios expressos nos discursos dos participantes dos grupos focais, buscamos contribuir para a construção de uma práxis criadora. Indica-se que esse aspecto deve ser retomado pelos docentes e estudantes entrevistados para que, em um diálogo com os enfermeiros de serviço e usuários, possam ser construídas novas possibilidades do cuidado, tendo como ênfase a prática cuidadora centrada no cuidado. Evidenciaram-se, nos discursos, novas práticas que reconhecem a importância das relações de subjetividade no cuidado, tanto para os profissionais quanto para os usuários. Foi expressa, ainda, pelos entrevistados, a urgência de se assumir o cuidado humano como uma atitude, conforme propõe Boff (2004).

A especificidade do cuidado no trabalho em saúde e as implicações na formação dos enfermeiros

Na análise dos discursos, fica revelado que, na realização do cuidado, a enfermagem opera em um campo comum aos trabalhadores de saúde. Seu conhecimento alimenta e expressa uma especificidade determinada e determinante da direcionalidade técnica própria do seu trabalho, que se articula ao trabalho dos demais profissionais de saúde. A especificidade da profissão fundamenta-se no cuidado como domínio específico do núcleo profissional, e apresenta-se, nos discursos dos entrevistados, como elemento que alimenta as tensões constitutivas da práxis cuidadora nas diferentes interseções que a profissão exerce no campo da saúde.

Foram revelados, pelos participantes do estudo, elementos constitutivos do processo de trabalho de enfermagem, focando o sujeito no ato vivo de cuidar. Os entrevistados destacaram que o enfermeiro, como cuidador, respalda-se no conhecimento e nas práticas de enfermagem, visando, no ato de cuidar, desenvolver a autonomia do Ser cuidado.

O trabalho de enfermagem é marcado pela complexidade e pelas possibilidades do trabalho vivo em ato (Merhy, 2002a) e contém diversidades de relações entre os participantes de uma equipe de saúde. São relações marcadas por aspectos culturais, socioeconômicos, éticos e subjetivos que definem essas e novas relações e a construção de projetos que se diferenciam a cada momento.

Para sua atuação, um profissional mobiliza seus saberes e modos de agir, inicialmente definidos pelo problema a ser enfrentado e utilizando-se dos saberes específicos do seu campo profissional de ação, configurando um núcleo específico de conhecimentos. Não obstante, mesmo com o saber territorializado, há o núcleo das atividades de cuidado que recobrem o conjunto dos núcleos específicos de cada profissão, inclusive da enfermagem, e é comum a todos os trabalhadores. Este é o campo onde ocorrem os processos relacionais que, por natureza, são cuidadores, uma vez que ativados pelo desejo de assistir em saúde (Merhy, 2002b).

Os entrevistados identificaram, na especificidade das profissões, aquilo que poderia potencializar as competências do núcleo específico de cada profissional e as competências comuns. Entre os enunciados identificados, alguns retomaram os conflitos entre as profissões, reafirmando a existência de relações de poder a serem alteradas.

A compreensão de que o cuidado se constrói pela interseção dos núcleos específicos das diferentes profissões, ao revelarem que "todas as profissões têm um cuidar" (GF1), é afirmada pelos participantes do estudo, ao mesmo tempo em que explicitam que "cuidar em enfermagem é mais bem recebido que o cuidar da medicina" (GF1), e que as outras profissões não têm uma visão do cuidar como enfermagem: "enxergar o todo, e não a doença" (GF1). Essa contraposição revela os conflitos que permeiam as relações entre os profissionais de enfermagem e destes com os profissionais da saúde, e que expressam um conjunto de tensões constitutivas no agir em saúde. Suscitaram, também, expressões que revelam a enfermagem como "uma profissão submissa e delegada" (GF4); a "subordinação do enfermeiro" (GF4); "a divisão social do trabalho permeada pelas definições de competências, e não de cuidado" (GF1); e a hierarquização do cuidado.

Por outro lado, outros enunciados indicam a intencionalidade de compreensão do trabalho em equipe: "precisa aprender a trabalhar em equipe" (GF5), "o trabalho em equipe faz crescer" (GF4). Esse desafio de trabalhar em equipe é apontado pelos entrevistados como fator que contribui para reduzir a fragmentação do cuidado, elevar a qualidade e a resolutividade do trabalho.

Ao ser aceita a construção do conhecimento não privativo das profissões, ainda que os exercícios profissionais constituam territórios particulares de produção aprofundada do saber e do fazer, está colocado para todas as profissões o desafio de conjugar fazeres e saberes dos núcleos específicos e dos campos comuns dos trabalhadores da saúde na construção do cuidado. Quando analisamos as expressões das participantes dos grupos focais relativas ao trabalho em equipe, verificamos que a análise está permeada por conflitos, limites e dificuldades. Os participantes afirmam a inexistência do trabalho em equipe, culminando com a parcialização do cuidado. Afirmam, também, que o trabalho em saúde é, marcadamente, individualizado e centrado nos atos por profissional.

Apesar de se referirem às limitações presentes nos serviços de saúde, relativas ao trabalho em equipe, os participantes reconhecem a potencialidade desse trabalho, tomando-o como um valor que se agrega ao núcleo comum da enfermagem e cria as oportunidades para o estabelecimento de acordos que favorecem o exercício multiprofissional com enfoque na interdisciplinaridade.

Assumimos que a especificidade da enfermagem se expressa pelas relações com saberes e fazeres próprios que configuram um campo de conhecimento que contribui para a qualidade do cuidado. Quando analisamos o núcleo de competências específicas do cuidado de enfermagem, deparamo-nos com uma explicação histórica do cuidado humano tornado científico, e encontramos a essencialidade do cuidado e a sua realização de forma hegemônica, por mulheres, como parte da divisão de gênero no trabalho. Também demarca o campo do cuidado em enfermagem a centralidade das relações intersubjetivas que foram sendo ofuscadas pelo predomínio da incorporação de tecnologias duras no assistir em saúde, marcas próprias dos séculos XIX e XX (Silva & Sena, 2004).

A práxis da enfermagem profissional está marcada por uma construção social, histórica e cultural, na qual a institucionalização transita entre o "natural" do cuidado e a profissionalização, incorporando o modelo de atenção sustentado na doença. Essa ambigüidade foi expressa pelos entrevistados como presente na formação do enfermeiro. Na análise dos discursos, foram identificadas expressões que apontam o legado histórico das mulheres como cuidadoras e o cuidado como opção de profissionalização dos trabalhadores de enfermagem. As expressões dos entrevistados são ricas em conteúdo e permitem qualificar a enfermagem e o cuidar com base nas contradições reveladas na análise da prática milenar de enfermagem, marcada pela presença das mulheres em uma forma de expressão de defesa da vida.

Reconhecemos que pensar, fazer e sentir o cuidado é complexo, extenso e permeado de imprevisibilidades e de conflitos, expressando diferentes projetos em disputa. O cuidado realiza-se em um campo amplo de possibilidades: gerência da equipe de enfermagem, previsão e provisão de recursos instrumentais e institucionais para a qualidade da proteção à saúde, e visão ampla dos vários atores envolvidos no cuidado (outros profissionais, familiares e integrantes dos laços afetivos, membros da cultura de inserção de indivíduos e coletividades etc.). O cuidado, em enfermagem, tem implicação individual, coletiva e institucional. Entendemos que, para ser realizado, essas possibilidades devem orientar-se em coerência com a prática cuidadora que se expressa no dia-a-dia do trabalho em saúde.

A análise do cuidado e de suas interfaces multiprofissionais como objeto comum com núcleos específicos de trabalho em saúde, fornece subsídios para a orientação da formação do enfermeiro sem supressão de especificidade e com reconhecimento dos valores profissionais singulares na ciência da enfermagem e nas práticas cuidadoras.

Nesse sentido, os participantes do estudo revelaram o direcionamento do ensino para a assunção do cuidado como conceito que perpassa toda a formação. Expressam que há conteúdos transversais que remetem ao cuidado e que são trabalhados ao longo do curso. Afirmam, também, que, para além dos conteúdos abordados nas disciplinas, o cuidado se concretiza na formação por meio das relações estabelecidas entre docentes e estudantes, e no cuidar que o estudante vai construindo ao longo do curso, nos diversos cenários de ensino-aprendizagem.

Uma questão importante destacada nos discursos refere-se à concepção sobre o cuidado que o estudante constrói com base em reflexões sobre a prática cotidiana do cuidado orientada pelo docente. Nesse sentido, uma das indicações da análise dos discursos refere-se à importância da inserção precoce dos estudantes em cenários reais, para que o cuidado possa ser assumido no cotidiano dos serviços de saúde. Essa análise reforça a necessidade da aproximação do ensino com as questões cotidianas dos serviços de saúde, permitindo a problematização da prática cuidadora do enfermeiro.

Infere-se, da análise dos discursos, que o ensino voltado para o cuidado deve se sustentar num referencial pedagógico que valoriza o papel ativo do estudante na construção do conhecimento e da concepção de cuidado. Essa construção é possibilitada por um ensino pautado na realidade concreta, no qual o estudante vivencia e reflete sobre o processo de cuidar.

Henriques & Acioli (2004) analisam que a formação profissional precisa dar conta de qualificar o enfermeiro para lidar com a multiplicidade de situações e tecnologias a favor do cuidado. Consideramos que essa análise converge para o cuidado centrado no usuário. Essa compreensão reforça a necessidade de se refletir sobre o cuidado em todas as suas dimensões na formação do enfermeiro, indicando que os desafios para abordagem do cuidado no ensino referem-se às concepções de educação que perpassam a prática do ensino da enfermagem e que repercutem na forma como são organizados e desenvolvidos os conteúdos curriculares durante a formação.

A análise dos discursos permite afirmar que a organização do processo ensino-aprendizagem centrado no cuidado deve superar as concepções tradicionais de educação em enfermagem, ancoradas na dicotomia entre teoria e prática, para assumir uma educação que contribua com a aquisição de competências e habilidades para o cuidado integral. Essa construção encontra respaldo em metodologias inovadoras de ensino que permitem a ação/reflexão/ação sobre o processo cuidador.

Com isso, aponta-se a necessidade de transformações no processo ensino-aprendizagem, implementando concepções pedagógicas que permitam a aproximação teoria/prática e a problematização da práxis cuidadora do enfermeiro como uma possibilidade para desenvolver o cuidado de forma integrada e contínua, individual ou coletivamente, orientado por um projeto ético-estético-político de defesa da vida. Dessa forma, defendemos que a abordagem do cuidado na formação do enfermeiro deve permitir a aquisição de competências a serviço de um projeto cuidador e integral que faça uma abordagem individual, sem desprezar a dimensão coletiva dos problemas de saúde, e que seja centrada no usuário, do modo como aponta Merhy (2002b).

Os participantes reconhecem que existe um processo em transição e indicam sinais de um novo pensar nas escolas: "a escola está em transição de um modelo curativo para a saúde preventiva" (GF5), "repensar constantemente os conceitos para prestar o cuidado" (GF4). Essas considerações são apresentadas como fatores positivos e identificam-se indicativos para que os processos de transformação possam ocorrer.

Além disso, os participantes reconhecem que é preciso uma decisão político-institucional para o processo de mudança que garanta mecanismos tais como: "o corpo docente deve estar mais preparado" (GF5), "falta apoio de uma ideologia para sustentar as mudanças" (GF8), "precisa de um sistema de avaliação dos docentes" (GF5), "o ensino do cuidado é gradual" (GF3). Mesmo reconhecendo os avanços, os participantes dos grupos focais refletiram sobre aspectos fundamentais para os processos de mudança que exigem superação: "falta coragem para mudar" (GF4).

Na análise dos discursos é possível identificar que existe uma acumulação de novas práticas pedagógicas e assistenciais, nas escolas-cenário do estudo, que sinaliza um processo de mudança na formação do enfermeiro. Evidencia-se que, apesar dos desafios enfrentados pelos sujeitos, para romper com os modelos tradicionais de ensino, existe uma tendência de as escolas adotarem concepções pedagógicas crítico-reflexivas, que têm orientado a adoção de metodologias no processo de formação com centralidade nos estudantes. O movimento de mudança no ensino, com incorporação do cuidado como eixo norteador da formação, aponta, na análise dos dados, como um orientador das mudanças requeridas nos cenários de atuação da enfermagem, com avanços na organização tecnológica do trabalho, na produção do conhecimento e no resgate do papel do enfermeiro no cuidado humano.

Considerações finais

A análise dos discursos revela aspectos críticos e potencialidades às escolas de enfermagem, para as necessárias modificações nos seus modelos de ensino, no que se refere ao objeto da prática de enfermagem - o cuidado. Existem avanços nas proposições quanto à articulação do cuidado nos currículos de enfermagem e nas políticas públicas de saúde. Entre os participantes do estudo, sinalizaram-se concepções de cuidado que resgatam a natureza epistemológica do cuidar, sustentado em características como vínculo, aceitação, acolhimento, responsabilização, afeto e intersubjetividade; mas foram explicitadas contradições, revelando que as concepções de cuidado idealizadas pelos participantes do estudo não se encontram ancoradas nas práticas pedagógicas e assistenciais.

Ficou indicada a necessidade da enfermagem construir um corpo ampliado e próprio de conhecimento, tendo como referência as tecnologias do campo dos saberes em saúde e do núcleo específico da enfermagem. Existe uma intencionalidade de mudança, expressa pelos docentes e estudantes, que vêem a necessidade de uma reflexão crítica do conjunto dos sujeitos responsáveis pelo processo de educar/formar em enfermagem.

O cotidiano do trabalho em saúde aparece marcado por conflitos e disputas entre os campos comuns e os núcleos específicos do cuidado em saúde. Pode-se concluir pela necessidade de mobilização da pesquisa, do ensino e da educação permanente em enfermagem, não apenas para a concretização dos estágios acadêmicos, mas também para que se aproxime o aperfeiçoamento do cuidado à realidade setorial, que está em mudança e na qual diversos desenhos tecnoassistenciais disputam por modos de exercer a atenção à saúde.

Uma diferença importante do cuidado designado como especificidade da enfermagem é que ele se refere ao conjunto da organização da assistência e, por isso, parece tão impalpável. O objeto da enfermagem é o todo organizador de sistema de cuidados. O cuidado, como prática social da enfermagem, e a enfermagem, como ciência do cuidado, estão presentes nos discursos e desafios para as transformações no sistema de saúde e no ensino da enfermagem. Com os resultados da pesquisa, apreendemos que a adoção de uma concepção crítico-reflexiva facilitará a implementação de um cuidar consoante e congruente com o rompimento do modelo hegemônico centrado na doença, para construir um pensar, um fazer e um ser que se sustentem no cuidado como essência da profissão e da orientação da formação em enfermagem.

Colaboradores

Os autores Roseni Rosângela de Sena e Kênia Lara Silva participaram, igualmente, da elaboração do artigo, de sua discussão e redação e da revisão do texto. Alda Martins Gonçalves, Elysângela Dittz Duarte e Suelene Coelho participaram da revisão bibliográfica, de discussões e revisão do texto.

Recebido em 11/08/06.

Aprovado em 13/09/07.

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    Projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa sob processo 470752/2003-3.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2007
    • Recebido
      11 Ago 2006
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