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RETRATOS DO MISSIVISTA QUANDO JOVEM: FIGURAÇÕES DO ARTISTA MODERNO NA CORRESPONDÊNCIA AMOROSA DE JAMES JOYCE

PORTRAITS OF THE MISSIVE WRITER AS A YOUNG MAN: FIGURATIONS OF THE MODERN ARTIST IN JAMES JOYCE’S LOVE CORRESPONDENCE

Resumo

Abordamos, neste trabalho, a epistolografia amorosa do escritor irlandês James Joyce endereçada a sua mulher Nora Barnacle a partir das personas que o missivista desenvolve em suas cartas. Estas “personas epistolares” constituem figurações do artista moderno, tal como engendrado pelas estéticas romântico-simbolista, máscaras assumidas por Joyce no espaço cenográfico da carta. Assim, em um primeiro momento, privilegiamos uma perspectiva teórica da carta enquanto processo de performance, encenação e mascaramento do eu. A seguir, apresentamos a correspondência amorosa joyceana e o contexto em que foi produzida, para, por fim, analisar as personas que se expressam nessas cartas, em particular as figuras sociais e literárias do outsider e do dândi, com que Joyce reveste sua enunciação epistolar.

Palavras-chave
James Joyce; gênero epistolar; persona; outsider ; dândi

Abstract

In this paper, we approach Irish writer James Joyce’s love epistolography addressed to his wife Nora Barnacle departing from the personas the writer develops in his letters. These “epistolary personas”, themselves representations of the modern artist as produced by Romantic-Symbolist aesthetics, manifest themselves as masks adopted by Joyce in the letter’s scenographic stage. We first prioritize a theoretical perspective of the letter as a performatic process marked by the staging and masquerading of the self. Hereinafter, we present the Joycean love correspondence and its context of production, aiming to analyze the personas that are expressed in these letters, in particular the social and literary figures of the outsider and the dandy, and with which Joyce covers his epistolary enunciation.

Keywords
James Joyce; epistolary genre; persona; outsider; dandy

Introdução

A máscara e a pena, eis, portanto, os primeiros atores da correspondência. Será que a pena, porém, desenha uma máscara de palavras para aquele que a maneja ou, ao contrário, será que o desnuda em um efeito fulgurante de verdade?

Brigitte Diaz (2016, p. 115)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.

É comum atribuir ao gênero carta valores como verdade, sinceridade e espontaneidade, já que constituiria um escrito mais próximo da realidade que da ficção, na qual se veicularia um eu em acordo com o indíviduo real que assina a missiva. Porém, não é bem assim. Em toda carta existe, em maior ou menor grau, um trabalho de mascaramento e teatralização. Por mais confessional que seja, a carta dissimula, inventa e oferece não o indivíduo tal como é, mas tal como imaginado pelo missivista. A carta é sempre, “em graus variados, [...] ficcionalização da vida do epistológrafo” (HAROCHE-BOUZINAC, 2016HAROCHE-BOUZINAC, G. Escritas epistolares. Tradução de Líga Fonseca Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016., p. 197).

A escrita epistolar configura um ato de encenação e a carta é o palco onde o missivista assume um papel diante de seu “público”, posição delegada tanto ao destinatário imediato, quanto ao leitor futuro. Expressa-se, por meio da carta, uma forma de identidade performática, que o autor cria para si no espaço da mise en scène epistolar:

A carta aparece como teatro, não só na sua forma dialogada, pelas vozes que permite ouvir, como também na encenação de si por si, no exagero e na exaltação empregados principalmente nas formas líricas do monólogo em que a paixão cai na própria

(HAROCHE-BOUZINAC, 2016HAROCHE-BOUZINAC, G. Escritas epistolares. Tradução de Líga Fonseca Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016., p. 136).

Essa encenação de si pode ser compreendida, segundo a noção cunhada por Moraes (2007, p. 74)MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007., como “persona epistolar”. Em seu estudo sobre a epistolografia de Mário de Andrade, o pesquisador identifica, na dicção epistolar do poeta paulista, a tensão entre o desejo de se expressar de maneira “natural” e o sentimento de uma postura “posada” ou “encenada” (MORAES, 2007MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007.). Desse modo, “para o escritor, a desejada ‘naturalidade’ do eu epistolar se via encoberta por uma máscara – a ‘naturalidade falsa’” (MORAES, 2007MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007., p. 73). De fato, o que Mário intuía era “a encenação (mise en scène) que toda carta autoriza” (MORAES, 2007MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007., p. 70). A enunciação epistolar reveste o eu com uma máscara: “Essa segunda natureza, nascida [...] ao correr da pena, composta por intenções (conscientes ou inconscientes) e procedimentos discursivos, é a própria persona epistolar” (MORAES, 2007MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007., p. 73-74). O epistológrafo, ao investir na escrita de si, produz uma representação do eu, aquilo que Jovicic (2010, p. 56)JOVICIC, J. L’intime épistolaire (1850-1900): genre et pratique culturelle. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2010. denomina de mise en écriture.

O sentimento de estranhamento de Mário diante de um eu afetado, artificial e mascarado é revelador daquilo que demonstram Deleuze e Guattari (2017, p. 62)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Kafka: por uma literatura menor. Tradução de Cíntia Vieira da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. quanto ao processo de enunciação epistolar: este promove uma duplicação e um deslocamento, que transfere ao sujeito do enunciado o movimento que caberia ao sujeito da enunciação: “O desejo de cartas [...] confere ao sujeito de enunciado um movimento aparente, um movimento de papel, que poupa ao sujeito de enunciação todo movimento real”.

Outro importante poeta, Arthur Rimbaud (1991, p. 121)RIMBAUD, A. Carta a Paul Démeny. Tradução e notas de Maria Salete Bento Cicaroni. In: CHIAMPI, I. (Coord.) Fundadores da modernidade. São Paulo: Ática, 1991. p. 120-124., declarava, em fins do século XIX, que “Eu é um outro”, expondo a cisão relativa não apenas à personalidade do poeta moderno, como também a cisão inerente à linguagem no ato de se enunciar. A famosa declaração aparece, por sinal, nas performáticas “Cartas do Vidente”.

Em sintonia com a afirmação do poeta francês, Landowski (2002, p. 173, grifo no original)LANDOWSKI, E. A carta como ato de presença. In: LANDOWSKI, E. Presenças do outro: ensaios de sociossemiótica. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 165-181. compreende que o processo de enunciação epistolar produz um efeito insólito, uma disrupção entre o eu que escreve e o eu escrito:

enunciar, e em particular escrever, é sempre, de certo modo, desdobrar-se. É projetar para fora de si, fora do eu que enuncia, um outro “eu”, enunciado: si mesmo ainda, mas aparecendo já “como um outro”, a tal ponto que, com muita frequência, o primeiro mal chega a se reconhecer no segundo, nesse “eu” escrito, objetivado, “em papel”, e que uma vez posto em discurso escapa irremediavelmente a seu “autor”.

Segundo o teórico, além da distância física entre os correspondentes, fundamento da prática epistolar, a carta opera um segundo tipo de distanciamento: “ela tende a impor uma distância mais irredutível ainda, separando não mais do outro, mas de si mesmo, enquanto instância discursiva” (LANDOWSKI, 2002LANDOWSKI, E. A carta como ato de presença. In: LANDOWSKI, E. Presenças do outro: ensaios de sociossemiótica. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 165-181., p. 173). Ocorre, portanto, uma cisão entre o sujeito que escreve e o ente grafado no papel, o que acaba por fazer insurgir a persona, a máscara assumida pelo missivista: “Essa cisão, evidentemente, remete menos à falsidade do retrato epistolar que à construção de uma máscara desejada, uma projeção da personalidade” (MORAES, 2007MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007., p. 74).

O destinatário, por sua vez, torna-se também uma projeção, imagem idealizada pela imaginação do remetente. A imagem do destinatário norteia as imagens de si elaboradas pelo missivista, pois o interloctuor está sempre presente na imaginação do remetente, orientando suas representações. Como assinala Moraes (2007, p. 75)MORAES, M. A. de. Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2007.: “A experiência comum de quem escreve cartas não ignora que o carteador se modifica em graus diferentes, moldando-se pela imagem que tenciona mostrar ao outro”.

O gesto epistolar fundamenta-se nesta confluência entre imagens ou representações de si e do outro, o que acaba por incorrer na criação de um “espaço ficcional privilegiado para onde convergem personagens, situações, confrontos e ambiência histórica” (MORAES, 2000MORAES, M. A. de. Afinidades eletivas. In: ANDRADE, M. de; BANDEIRA, M. Correspondência de Mário de Andrade e Manuel Bandeira. MORAES, M. A. (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, 2000. p. 13-33., p. 13). É nesse espaço ficcional criado pelas cartas que se manifestam as personas. Estas, por conseguinte, constituem seres mutáveis, que se alternam e se adequam às configurações da mise en scène epistolar. A cada nova cenografia, novas personas são convocadas pelo missivista.

É preciso, portanto, perseguir as personas epistolares em sua dispersão, como um mosaico que nos oferece, de modo fragmentário e atomizado, a imagem do epistológrafo. Assim compreendida, podemos abandonar a tentativa de reconstrução fiel da identidade e intimidade do missivista, e acompanhar os movimentos fugidios das máscaras que ele nos oferece, de modo a iluminar não o ser que foi, que viveu e morreu no mundo, mas o ser que é, grafado e eternizado no papel. Como afirma Diaz (2016, p. 116)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.: “A carta é uma enunciação que se busca, e a única história que conta é a de uma palavra à procura de si mesma”.

De acordo com a perspectiva apresentada, abordaremos as cartas amorosas do escritor irlandês James Joyce, endereçadas a sua mulher Nora Barnacle, no intuito de apreender as máscaras e projeções da personalidade do autor que nelas se materializam.

Em sua correspondência, Joyce explora diferentes estéticas e convenções literárias, que tornam sua produção epistolar uma espécie de “laboratório textual” (DIAZ, 2016DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016., p. 99), que lhe permite experimentar variados registros, mesclando o vivido e o imaginado. A carta possibilita ao missivista submeter a experiência cotidiana a um filtro ficcional, carregando a enunciação epistolar com um suplemento imaginário que transforma a vida em criação estética. E os modelos literários, cultivados pelo autor, acabam por influir em sua retórica epistolar. “A carta nunca é imune aos modelos poéticos que [...] regem a literatura”, como nos lembra Diaz (2016, p. 59-60)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016..

A persona epistolar configura concomitantemente uma persona literária, construção que remete às referências literárias do missivista e, por meio da qual, reproduz as convenções presentes na literatura por ele consumida. O epistológrafo, especialmente quando é também escritor, tende a tornar a escrita epistolar um “princípio de realização estética de si” (DIAZ, 2016DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016., p. 131), que lhe permite realizar-se artisticamente, ao criar e afirmar as imagens do artista com o qual se identifica.

Richard Ellmann (1989, p. 19)ELLMANN, R. James Joyce.Tradução de Lya Luft. São Paulo: Globo, 1989., na introdução à biografia de Joyce, sugere que homem e artista são indissociáveis, pois, “artista e homem comandam um ao outro”, o que implica dizer que o autor tende a submeter a vida aos imperativos da arte. Também Umberto Eco (1989, p. 2, tradução nossa)ECO, U. The early Joyce. In: ECO, U. The aesthetics of Chaosmos: the Middle Ages of James Joyce. Tradução de Ellen Esrock. Cambridge: Harvard University Press, 1989. p. 1-32., ao comentar a influência dos poetas simbolistas sobre o jovem Joyce, afirma que esses impulsionaram nele “o ideal estético da vida devotada à arte e da arte como substituta para a vida”1 1 No original: “the aesthetic ideal of a life devoted to art and of art as a substitute for life” (ECO, 1989, p. 2). . Joyce pertence, portanto, àquela estirpe de artistas que, entre o fim do século XIX e início do XX, buscaram, como diz Bollon (1993, p. 229)BOLLON, P. A moral da máscara: merveilleux, zazous, dândis, punks, etc. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 1993., “poetizar suas vidas, acrescentar à realidade um ‘excedente poético’. Em suma, eles inventam a si mesmos, a ponto de não sabermos onde termina para eles a realidade e onde começa o artíficio”.

Esse cruzamento entre o real e o imaginado encontra-se sintetizado nas cartas endereçadas a Nora, em que vida e criação literária se mesclam e confundem-se. Segundo o teórico Vincent Kaufmann (1990, p. 8, tradução nossa)KAUFMANN, V. L’équivoque epistolaire. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990., a carta constitui “uma espécie de terreno vago [...], dissimulado entre a vida e a obra; uma zona enigmática conduzindo do que se é ao que se escreve, em que a vida passa por uma obra, e vice-versa”2 2 No original: “une sorte de terrain vague [...], dissimulé entre la vie et l’œuvre; une zone énigmatique conduisant de ce qu’il est à ce qu’il écrit, où la vie passe parfois dans une œuvre, et inversement” (KAUFMANN, 1990, p. 8). . Ela configura algo como um texto-limite, uma instância intermediária entre vida e obra. E, ao se desenvolver nos interstícios da literatura, a carta permite que o escritor experimente uma escrita particularmente híbrida, que oscila entre o vivido e o criado: “ela lhe permite experimentar, em sua relação com um outro já ausente, uma forma particular de fala com a qual ele se mantém mais perto da escritura propriamente dita” (KAUFMANN, 1990KAUFMANN, V. L’équivoque epistolaire. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990., p. 8, tradução nossa 3 3 No original: “elle lui permet d’éprouver, dans sa relation à un autre déjà absent, une forme particulière de parole avec laquelle il se tient au plus près de l’écriture proprement dite” (KAUFMANN, 1990, p. 8). ).

Em sua correspondência endereçada a Nora, Joyce projeta representações do artista moderno, figuras socias e literárias engendradas no século XIX e que, no início do século XX, continuavam a demarcar as posturas e atitudes do artista diante da sociedade. O artista moderno, a que o século XIX deu forma e conteúdo, é marcado pelo signo de oposição à sociedade estabelecida. A negação da ordem moral, social e religiosa é o fundamento do artista em seu escopo romântico, que invoca a figura de Lúcifer como símbolo de revolta e liberdade. Há duas personas assumidas por Joyce no espaço da mise en scène epistolar: o outsider e o dândi. Cada um a seu modo configura uma face do artista moderno em seu matiz diabólico. São as máscaras com as quais Joyce reveste sua enunciação epistolar. Analisaremos, portanto, essas figurações performadas pelo missivista em suas cartas.

Mas, antes, uma breve contextualização.

A correspondência de Joyce para Nora compreende três períodos: 1904, 1909 e 1912. A correspondência de 1904 é marcada por um momento conturbado pelo qual passa o escritor. É nesse ano que os conflitos familiares e sociais vivenciados por Joyce alcançam seu apogeu e a relação que estabelece com Nora se faz crucial para o movimento de ruptura do autor com a vida irlandesa, consolidado com o exílio do casal. Nas cartas, o missivista expressa sua recusa da vida social, religiosa e familiar, assumindo a postura de um sujeito à margem da sociedade, um outsider.

Já na correspondência de 1909, o relacionamento entre Joyce e Nora encontra-se devidamente consolidado. É nesse período que Joyce faz duas viagens de volta à Irlanda, enquanto Nora permanece em Trieste. A primeira viagem ocorre em julho de 1909, com a finalidade de encontrar uma editora para a publicação de Dublinenses, e a segunda, em outubro do mesmo ano, a fim de inaugurar o primeiro cinema irlandês. Esse é o período central da correspondência Joyce-Nora. Nessas cartas afloram os temas eróticos que tornariam célebre a epistolografia amorosa joyecana. Como enfatiza Walnice Nogueira Galvão (2000, p. 346)GALVÃO, W. N. Proust e Joyce: o encontro que não houve. In: GALVÃO, W. N; GOTLIB, N. B. (Orgs.). Prezado senhor, prezada senhora: estudos sobre cartas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 341-349., essas cartas constituem um fenômeno singular na história literária, pois “são cartas de sexo explícito, de um nível de carnalidade só comparável à obra de Sade e aos poemas de Catulo”.

Na mesma época, a relação entre o casal se vê abalada em decorrência de falsas alegações feitas por Vincent Cosgrave de que Nora teria traído o escritor no ano em que se conheceram. A paixão entre eles, apesar das intrigas e da distância, sustenta-se por meio das cartas, e até mesmo se intensifica após o desengano. É nessa fase que o missivista assume a máscara do dândi, cultor da beleza, do artíficio e da perversão.

Por fim, as cartas datadas do ano de 1912 compreendem a última viagem que Joyce faz à Irlanda, com a finalidade de apresentar os filhos aos parentes de Nora na cidade de Galway. Desse ano datam apenas três cartas.

Figurações do artista moderno na correspondência de James Joyce

Em Um retrato do artista quando jovem, romance autobiográfico publicado em 1916, o protagonista Stephen Dedalus, no ponto alto de seu processo de formação, invoca o Nom serviam luciferino, completando a associação do herói com a imagem do Anjo Caído: “Eu não vou servir àquilo em que não acredito mais, possa essa coisa se dizer minha casa, minha pátria ou minha Igreja” (JOYCE, 2016JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de Caetano W. Galindo; prefácio de Karl Ove Knausgard. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2016., p. 301). Ao negar o celibato e a vida espiritual em nome da heresia e do pecado, representados pela arte e pelo desejo sexual, Dedalus assume-se partidário do Diabo. A invocação da negação satânica marca a postura de insubordinação e rebeldia de Stephen e, por conseguinte, de Joyce. Essa postura marca, por sua vez, a posição de artista do escritor.

A simpatia pelo demônio compunha um elemento fundamental da personalidade de muitos poetas do período romântico:

O Romantismo tranformará Satã no símbolo do espírito livre, da vida alegre, não contra uma lei moral, mas segundo uma lei natural, contrária à aversão por este mundo pregada pela Igreja. Satanás significa liberdade, progresso, ciência e vida. Tornar-se-á moda a identificação com o Demônio, assim como procurar refletir no semblante o olhar, o riso, a zombaria impressas nas feições tradicionais do Diabo

(NOGUEIRA, 2002NOGUEIRA, C. R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru: Edusc, 2002., p. 104).

Nenhum poeta romântico incorporou tão bem as feições diabólicas quanto Lord Byron, que, no Retrato, Stephen afirma ser o “maior dos poetas” (JOYCE, 2016JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de Caetano W. Galindo; prefácio de Karl Ove Knausgard. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2016., p. 105) ainda que fosse, segundo seus colegas, “herege e [...] imoral” (JOYCE, 2016JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de Caetano W. Galindo; prefácio de Karl Ove Knausgard. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2016., p. 105), afirmando o engenho artístico acima de preceitos religosos ou morais. A surra que Stephen leva dos colegas por sua posição em favor de Byron estabelece simbolicamente a identificação de Dedalus com o poeta enquanto mártir, tal como Byron se via. Como afirma Nogueira (2002, p. 105)NOGUEIRA, C. R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru: Edusc, 2002., o Satã romântico representa a rebelião, “mas com a aceitação do sofrimento porque este é uma fonte purificadora do espírito, uma nobreza moral, da qual só pode surgir a bem da humanidade”.

Ainda segundo Nogueira (2002)NOGUEIRA, C. R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru: Edusc, 2002., o Lúcifer de Byron é um tipo prometeico, a imagem do herói trágico, tornado pária pelo seu desejo por conhecimento e liberdade. A identificação de Byron com o Diabo era cultivada tanto em sua personalidade, quanto nos protagonistas de suas obras, eles mesmos personificações do poeta. O herói byroniano é o arquétipo do melancólico solitário, orgulhoso de sua condição de exilado em razão de “um crime inominável em seu passado” (LUIJK, 2016LUIJK, R. V. The children of Lucifer: the origins of modern religious satanism. Nova York: Oxford University Press, 2016., p. 80, tradução nossa4 4 No original: “some nameless crime in his past” (LUIJK, 2016, p. 80). ).

O tipo diabólico é aquele que carrega a sina de sua heresia – o pecado do orgulho – e afirma uma profunda individualidade, contrariando a moral dominante e exilando-se da sociedade estabelecida. É nesse sentido que podemos ler o que afirma Joyce (2012a, p. 42)JOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a. em carta datada de 10 de setembro de 1904: “Existe também algo meio diabólico em mim que me faz sentir prazer em demolir as opiniões que as pessoas têm a meu respeito e em provar a elas que sou de fato egoísta, orgulhoso, espertalhão e indiferente com os outros”.

Em decorrência de sua condição, o autor assume uma postura de rejeição da vida social irlandesa e dos valores a ela vinculados, concebendo-se como um marginal e um outsider. O outsider vive o dilema de sua inadequação a um mundo que não o compreende e tampouco é capaz de suprir suas profundas necessidades existenciais, sendo dominado por um profundo sentimento de perda e “pela convicção dolorosa e melancólica de que o presente carece de certos valores humanos essenciais, que foram alienados” (LÖWY; SAYRE, 2015LÖWY, M.; SAYRE, R. Revolta e melancolia:o romantismo na contracorrente da modernidade. Tradução de Nair Fonseca. São Paulo: Boitempo, 2015., p. 43). Como afirma Wilson (1985, p. 43)WILSON, C. O outsider: o drama moderno da alienação e da criação. Tradução de Margarida Maria C. Oliva. São Paulo: Martins Fontes, 1985., o outsider “receia que o mundo não tenha sido criado para atender às exigências do espírito humano”. Ao revoltar-se contra a realidade insatisfatória, o outsider dela toma distância e procura combatê-la e reformá-la com as armas que lhe são caras: seu gênio e sua arte. O artista, na condição de outsider, é aquele que, como escreve Praz (1996, p. 90)PRAZ, M. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Tradução de Philadelpho Menezes. Campinas: Ed. Unicamp, 1996., “sonha aperfeiçoar o mundo por meio dos delitos”.

Em uma extensa e dolorosa carta datada de 29 de agosto de 1904, Joyce afirma-se como um marginal, alguém em completo descompasso com a vida social, um exilado: “Não posso fazer parte da ordem social senão como um vagabundo” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 37). Em outra passagem, o missivista declara sua rejeição às instâncias sociais, familiares e religiosas da Irlanda: “Minha consciência rejeita toda a ordem social atual e o cristianismo – lar, as virtudes reconhecidas, classes sociais e doutrinas religiosas” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 37).

Nessa carta, de marcante tom confessional, o missivista relata à destinatária os martírios pelos quais passou. Ele detalha as condições de seu núcleo familiar, arruinado, segundo ele, pelos hábitos de seu pai – alcoólatra –, os quais o escritor acreditava ter herdado, como uma espécie de herança maldita passada de geração a geração: “Meu lar foi simplesmente um de classe média arruinado por hábitos pródigos os quais herdei” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 37). Com relação à mãe, o autor se crê culpado por sua morte – ocorrida em 13 de agosto de 1903 –, visto que seu temperamento rebelde teria lhe impedido de realizar o sonho de sua mãe, católica fervorosa, que buscou educar o filho dentro dos parâmetros de sua religião: “Minha mãe foi morta lentamente, penso, pelo péssimo tratamento do meu pai, por anos de dificuldades e pela cínica franqueza da minha conduta” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 37).

A culpa pelo falecimento da mãe representa um dos pecados do passado que atormentam Joyce. Mas é contra a sociedade que tornou sua mãe uma “vítima” que o missivista canaliza sua revolta: “Quando olhei para o seu rosto no caixão – um rosto cinza e consumido pelo câncer – percebi que olhava para o rosto de uma vítima e amaldiçoei o sistema que fizera dela uma vítima” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 37).

Em carta posterior, datada de 16 de setembro de 1904, Joyce expressa a Nora sua visão da vida doméstica de classe média tipicamente irlandesa como inautêntica, vazia e destituída de vitalidade: “Não há vida aqui – nenhuma naturalidade ou honestidade. As pessoas moram juntas nas mesmas casas a vida toda e no final estão tão isoladas umas das outras como sempre” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 44). É contra esse núcleo familiar pequeno burguês – que era fundamentalmente o seu – que o jovem artista se revolta.

A morte da mãe adquire profundas ressonâncias simbólicas em Joyce. Ela é percebida por ele como uma espécie de mártir, morta em nome dos pecados do filho. Com a perda da mãe, o vínculo que o ligava à família é desligado. Como Joyce (apud ELLMANN, 1986ELLMANN, R. James Joyce.Tradução de Lya Luft. São Paulo: Globo, 1989., p. 79) teria dito um dia a seus pais após terem assistido a uma peça de teatro: “O assunto da peça é o gênio irrompendo na casa paterna e contra ela. Vocês não precisavam ter ido vê-la. Isso vai acontecer na sua própria casa”.

A revolta contra o pai espelha em Joyce sua revolta maior contra Deus, e o abandono da casa paterna adquire os contornos simbólicos da queda de Satã do reino dos céus. Como atesta o Lúcifer de Milton, é a busca por liberdade, que também é uma forma de exílio, que move Joyce. Em outra passagem da missiva de 29 de agosto, Joyce (2012a, p. 37)JOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a. delineia a Nora seu processo de apostasia religiosa, ocorrida ainda nos anos de adolescência, e que tanto sofrimento teria trazido a sua mãe:

Abandonei a igreja católica há seis anos, odiando-a profundamente. Descobri que me era impossível permanecer em seu seio devido aos impulsos da minha natureza. Quando era estudante travei uma guerra secreta contra ela e recusei aceitar as posições que me oferecia. Ao fazer isso eu me tornei um mendigo, mas mantive o meu orgulho. Agora travo uma guerra aberta contra ela por meio do que escrevo, digo e faço.

Como sugere o epistológrafo ao final do trecho citado, é por meio de sua escrita que ele combate a instituição religiosa. Nesse sentido, a própria carta transforma-se em ferramenta de combate simbólico contra a sociedade e os valores desprezados pelo autor: “Torpedo, foguete, a carta de juventude tem desses clarões que fazem dela uma extraordinária arma de ataque” (DIAZ, 2016DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016., p. 98). Segundo Diaz (2016, p. 96-97)DIAZ, B. O gênero epistolar ou o pensamento nômade: formas e funções da correspondência em alguns percursos de escritores no século XIX. Tradução de Brigitte Hervot e Sandra Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016., as cartas de juventude são marcadas pelo signo da rebelião, pois nelas “escreve-se contra a ordem estabelecida, familiar ou social”. A carta em questão configura, portanto, uma espécie de declaração de guerra contra a ordem social que circunda o escritor.

Ao chamar a atenção para a condição de “mendigo” que teria assumido ao rejeitar as posições religiosas, Joyce aproxima sua imagem à de James Clarence Mangan, poeta irlandês do século XIX, de que trata em dois ensaios publicados em 1902 e 1907. O retrato de Mangan que Joyce nos oferece nesses textos consiste na imagem por excelência do outsider, o poeta maldito, recriminado e hostilizado pelos compatriotas por seus vícios e por sua resistência em submeter sua arte a fins políticos e sociais. Mangan era uma figura do submundo de Dublin, que frequentava os inferninhos da capital irlandesa, um sujeito alienado da sociedade, tendo permanecido “um estranho em sua terra natal, uma figura rara e bizarra nas ruas, onde andava triste e solitariamente, como alguém que expia pecados antigos” (JOYCE, 2012bJOYCE, J. De santos e sábios:escritos estéticos e políticos. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de André Cechinel et al. São Paulo: Iluminuras, 2012b., p. 192).

No perfil do poeta delineado no ensaio, Joyce (2012b, p. 196)JOYCE, J. De santos e sábios:escritos estéticos e políticos. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de André Cechinel et al. São Paulo: Iluminuras, 2012b. projeta seus próprios ideais de liberdade artística:

Era um desses espíritos anormais e estranhos que acreditavam que a vida artística deveria ser a contínua e verdadeira revelação da sua vida espiritual; que acreditavam que a sua vida interna era tão valiosa que não teriam necessidade de apoio popular, por isso se abstinham de profissões de fé; que acreditavam, em suma, que o poeta se bastava a si mesmo, herdeiro e preservador de um patrimônio secular, e que não teria a necessidade urgente, portanto, de converter-se em agitador, pregador ou perfumista.

Joyce via em Mangan o artista liberto de amarras morais, religiosas ou políticas, que se orienta pura e simplesmente pela busca de uma expressão autêntica, que, segundo Wilson (1985)WILSON, C. O outsider: o drama moderno da alienação e da criação. Tradução de Margarida Maria C. Oliva. São Paulo: Martins Fontes, 1985., é o ideal máximo do outsider. Mangan e Joyce, ao optarem por uma vida de abnegação, foram ambos abandonados pela sociedade, especialmente por seus compatriotas. André Cechinel (2012, p. 297)CECHINEL, A. Meus múltiplos mins. In: JOYCE, J. De santos e sábios:escritos estéticos e políticos. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de André Cechinel et al. São Paulo: Iluminuras, 2012. p. 295-299. afirma que “Joyce associa Mangan à ideia de traição, abandono e autoexílio”, e, ao valorar o poeta abandonado, Joyce almeja criar para si uma “tradição do abandono” (CECHINEL, 2012CECHINEL, A. Meus múltiplos mins. In: JOYCE, J. De santos e sábios:escritos estéticos e políticos. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de André Cechinel et al. São Paulo: Iluminuras, 2012. p. 295-299., p. 297). Ambos compartilham, portanto, a condição de poetas mártires, que, com seu sofrimento (e a criação artística que dele deriva), expiam os pecados da humanidade que os traiu.

Ao abandonar o lar, negar a religião e apartar-se da sociedade, a sensação que acomete Joyce nesses dias é de ser um exilado em sua própria terra. Alienado de sua comunidade, o autor a vê como traiçoeira, medíocre e mesquinha. O sentimento de traição por parte dos conterrâneos é sugerido em outro excerto da carta supracitada: “Quando eu era mais novo tive um amigo com quem ficava à vontade – às vezes mais, às vezes menos do que fico com você. Ele era irlandês, quer dizer, ele me traiu” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 39).

Joyce percebia a história da Irlanda como uma sucessão de traições. Para ele, as mais brilhantes mentes irlandesas foram traídas por seus próprios compatriotas, terminando a vida em miséria e decadência. Mangan simboliza essa traição no campo artístico: o poeta que buscou, por meio de sua arte, elevar os valores espirituais e estéticos da nação, terminando por sofrer com a rejeição e com a incompreensão dos conterrâneos; no campo político, é Parnell quem simboliza essa traição: o parlamentar e líder nacionalista procurou conduzir a Irlanda à independência política, mas acabou difamado e caluniado pela imprensa nacional em razão de seu envolvimento com uma mulher casada.

Como Joyce se considerava sucessor desses espíritos elevados, era apenas questão de tempo para que ele próprio fosse enredado pelas redes que a Irlanda lança para limitar o voo de seus filhos mais pródigos. Como diz Dedalus a um jovem nacionalista em certa altura do Retrato: “Quando a alma de um homem nasce nesta terra, ela encontra as redes lançadas para impedir seu voo. Você me fala de nacionalidade, língua, religião. Eu vou tentar voar e escapar dessas redes” (JOYCE, 2016JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de Caetano W. Galindo; prefácio de Karl Ove Knausgard. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2016., p. 249). Para Joyce, a Irlanda era “a porca velha que come a ninhada” (JOYCE, 2016JOYCE, J. Um retrato do artista quando jovem. Tradução de Caetano W. Galindo; prefácio de Karl Ove Knausgard. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2016., p. 250).

O escritor via-se, por isso, em uma cruzada contra a estreiteza moral, espiritual e estética de seu povo. Como escreve em carta a Nora: “Sou inimigo da baixeza e da escravização de pessoas mas não de você” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 39). Ele enxerga nos compatriotas inimigos que conspiram contra sua união amorosa:

Certas pessoas que sabem que estamos muito unidos frequentemente me insultam falando de você. Eu os escuto calmamente, desdenhando lhes responder mas a menor palavra deles faz meu coração soçobrar como um pássaro na tempestade

(JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 39).

Em outra carta, datada de 16 de setembro de 1904, Joyce (2012a, p. 44)JOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a. escreve que “parecia que eu lutava por você contra todas as forças religiosas e sociais na Irlanda e que não podia confiar em mais ninguém exceto em mim mesmo”. A paixão por Nora adquire contornos beligerantes, torna-se o estandarte de seu embate contra a sociedade irlandesa. Löwy e Sayre (2015, p. 46)LÖWY, M.; SAYRE, R. Revolta e melancolia:o romantismo na contracorrente da modernidade. Tradução de Nair Fonseca. São Paulo: Boitempo, 2015. afirmam que a “paixão amorosa” é uma das formas encontradas pelos românticos para se oporem à atomização e ao individualismo burguês. O amor adquire, para o artista romântico, os contornos de uma “transgressão social” (PAZ, 2013PAZ, O. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo: Cosac Naify, 2013., p. 50).

Na condição de outsider, que nutre o sentimento de estar encerrado em uma sociedade marcada pela traição, Joyce (2012a, p. 36)JOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a. encontra em Nora o único ser digno de sua confiança: “Quando estou com você ponho de lado minha natureza desconfiada e desdenhosa.” Ele vê nela alguém capaz de compreendê-lo, atenuar suas angústias e enxergar no profundo de sua alma: “Penso que nunca um ser humano esteve tão próximo da minha alma como você” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 39).

Francesco Alberoni (1988, p. 7)ALBERONI, F. Enamoramento e amor. Tradução de Ary Gonzalez Galvão. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. denomina de enamoramento o processo de ruptura que se desenvolve entre dois indivíduos apaixonados e as instituições que os enredam, de modo a constituir “um novo sujeito coletivo, um novo ‘nós’ que, no caso da paixão, é formado pelo par amante-amado”. Esse movimento tem como princípio o desafio aos obstáculos morais e sociais que impedem a livre fruição amorosa entre os amantes (ALBERONI, 1988ALBERONI, F. Enamoramento e amor. Tradução de Ary Gonzalez Galvão. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.). Contra a existência atomizada e as relações apáticas e desapaixonadas que Joyce observa na vida social e familiar irlandesa, ele invoca em resposta a paixão, vivida em toda sua intensidade. Como escreve Alberoni (1988, p. 15)ALBERONI, F. Enamoramento e amor. Tradução de Ary Gonzalez Galvão. Rio de Janeiro: Rocco, 1988., o enamoramento desata os antigos laços para criar novos: “o enamoramento só pode existir quando separa o que estava unido e une o que estava dividido”. Com isso, o movimento amoroso liga-se ao movimento de ruptura do artista com a sociedade que despreza.

Próximo ao fim de 1904, ao decidir abandonar a Irlanda, Joyce procura concretizar no plano material o exílio que o acometia no plano existencial, e convida Nora a partir com ele: “O fato de que você possa escolher ficar assim ao meu lado nesta vida arriscada me deixa muito orgulhoso e feliz” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 44). Ao optar por ficar ao lado do escritor e aceitar acompanhá-lo nessa trajetória de riscos e incertezas, Nora torna-se sua companheira espiritual na revolução promovida por ele, deslocando-se simbolicamente para o centro de sua existência. Joyce torna Nora a substituta simbólica de tudo que renegou: família, pátria e religião.

Alguns anos mais tarde, em 1909, quando precisa retornar à Irlanda a trabalho, o sentimento de exílio acompanha Joyce5 5 A única peça de teatro escrita por Joyce intitula-se Exilados e tematiza justamente o retorno do artista à terra natal e o sentimento de não pertencimento que o acompanha. , intensificado pela alegação de que Nora o teria traído. Após a história ser desmentida, cresce no escritor o ressentimento contra seus conterrâneos e o sentimento de angústia e isolamento intensifica-se. A paixão por Nora, por sua vez, ao ser colocada em risco, acaba por adquirir mais força. Distante de sua “pequena Irlanda de olhos estranhos” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 111), a verdadeira pátria à qual tanto desejava retornar, Joyce encontra na imaginação e na fantasia, mobilizadas pela escrita epistolar, o seu refúgio.

Alberoni (1988)ALBERONI, F. Enamoramento e amor. Tradução de Ary Gonzalez Galvão. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. afirma que o artista enamorado sofre uma espécie de hipertrofia criativa e tende a tingir a realidade com as tintas da expressão artística, encastelando-se em mundos imaginários para os quais transporta o ser amado. O artista enamorado aproxima-se, assim, da condição do “homem estético”, descrito por Eduard Spranger (1976, p. 179)SPRANGER, E. O homem estético. In: SPRANGER, E. Formas de vida: psicologia entendida como ciência do espírito e ética da personalidade. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 177-204. como aqueles tipos que “se deixam envolver permanentemente por um [...] véu da fantasia, para contemplar através dele a si próprios e as vivências quotidianas”. Spranger (1976, p. 188)SPRANGER, E. O homem estético. In: SPRANGER, E. Formas de vida: psicologia entendida como ciência do espírito e ética da personalidade. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 177-204. ainda reforça a relação entre paixão e esteticismo ao afirmar que “todo estético declarado é um erótico declarado”.

A tendência a transpor para a vida a vitalidade da experiência artística toma a forma, na virada do século XIX para o século XX, do dandismo, que se tornaria corrente entre muitos artistas do fin de siècle, a exemplo de Baudelaire e Oscar Wilde. Wilde foi, na literatura anglófona, o maior expoente da atitude do dândi, tendo buscado a todo custo cultivar uma forma de vida estética, fundada na beleza, no refinamento e no apuro das sensações raras. A concepção wildeana de arte, que encontra no artificial seu valor essencial, é tornada pura forma de vida na figura do dândi: “aquele que, pelo artifício, pela mentira, portanto, encontra sua verdade”, como assinala Bollon (1993, p. 185)BOLLON, P. A moral da máscara: merveilleux, zazous, dândis, punks, etc. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.. O dândi é, portanto, o ser mascarado por excelência, cujo culto das aparências, da subversão moral e estética são erigidos em valor máximo.

É nessa chave que leremos a máscara assumida por Joyce na epistolografia datada de 1909. Nela, o missivista utiliza a arte como meio de sanar as insuficiências da realidade imediata. Nessas missivas, Joyce estetiza a vida, entrincheirando-se em um universo imaginário, como forma de reação à realidade insatisfatória em que se encontra. A carta torna-se veículo das fantasias criadas pelo escritor, nas quais podemos vislumbrar as veleidades perversas do dândi joyceano.

O dândi de Joyce dota Nora de diversos adornos que concedem à moça uma aura mística e artificial. Baudelaire (2010)BAUDELAIRE, C. O pintor da vida moderna. DUFILHO, J.; TADEU, T. (Orgs.). Tradução e notas de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntia, 2010., em O pintor da vida moderna, afirma que a mulher natural detém uma beleza impura e, sendo esta um ídolo, deve ornar-se de artifícios que propiciem o seu culto por parte do esteta. Ela deve dotar-se, assim, de uma aura “mágica e sobrenatural” (BAUDELAIRE, 2010BAUDELAIRE, C. O pintor da vida moderna. DUFILHO, J.; TADEU, T. (Orgs.). Tradução e notas de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntia, 2010., p. 72), que apenas os recursos da moda ou da maquilagem, ao aproximarem o humano da condição ornamentada da obra de arte, podem proporcionar. É esse efeito que Joyce parece almejar ao ornar Nora de vestes exóticas. O missivista busca torná-la uma obra, deseja moldá-la como uma criação artística, recriar seu corpo e espírito. Em carta de 25 de outubro de 1909, ele promete presentear Nora com roupas luxuosas e exuberantes: “Estou tentando te comprar um esplêndido conjunto de peles de zibelina, capa, estola e regalo” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 77). Em outra carta, datada de 6 de dezembro de 1909, as vestimentas incidem sobre o ato sexual, adquirindo contornos marcadamente fetichistas:

Gostaria que você usasse calças com três ou quatro babados sobrepostos nos joelhos e ao longo das coxas com grandes laços carmesim, quero dizer não as calças de alunas com uma fina borda de renda pobre, apertando as pernas e tão finas que se vê a pele através delas mas as calças de mulheres (ou se você prefere a palavra) de senhoras com o fundo solto e amplo e as pernas largas, todas com babados e rendas e fitas, e pesadas de perfume de modo que cada vez que você as mostrar, seja tirando as tuas roupas apressadamente para fazer alguma coisa ou te encolhendo lindamente na cama pronta para ser comida, eu possa ver apenas uma massa dilatada de tecidos e babados brancos e ao me inclinar sobre você para abri-los e dar um beijo ardente e luxurioso na tua indecente nádega desnuda eu posso sentir o cheiro da tua calça assim como o odor quente da tua xoxota e o cheiro forte do teu traseiro

(JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 97).

A profusão de detalhes, cores, texturas, meticulosamente detalhados pelo missivista, cria um marcante contraste entre o tecido e a pele, de modo que o jogo entre nu e vestido produz aquela “encenação de um aparecimento-desaparecimento”, característico do jogo erótico, segundo Barthes (2015, p. 16)BARTHES, R. O prazer do texto. 6. ed. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Pespectiva, 2015.. A obsessão pelos detalhes e adornos acaba por criar uma ambientação artificialesca e voluptuosa, na qual imperam os sentidos: visão, tato, olfato. O missivista deleita-se com a mulher como se estivesse a fruir de um objeto de arte, a partir do recurso à descrição ornamentada, imagética e sinestésica.

Em outra passagem é sugerida a comunhão dos amantes na arte, como registrado em carta de 31 de agosto de 1909: “Talvez seja na arte, Nora queridinha, que você e eu encontremos um conforto para nosso amor” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 64). Em missiva datada de 22 de agosto de 1912, o desejo de orientar o gosto de Nora nas artes surge de modo ainda mais explícito: “Ninguém te ama como eu e adoraria ler contigo os diferentes poetas e dramaturgos e romancistas como o seu guia. Eu te darei o que é mais belo e melhor em literatura” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 124-125).

A arte se faz mediadora entre os amantes. Por meio da fruição artística veicula-se a fruição erótica entre eles. Busca-se, assim, uma unidade espiritual entre os parceiros através do sublime artístico. Como escreve Castello Branco (1984, p. 12)CASTELLO BRANCO, L. O que é erotismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.: “A expressão artística se realiza em função de um [...] impulso para a totalidade do ser, para sua permanência além de um instante fugaz e sua união com o universo”. Ainda segundo a autora, a arte, como o erotismo, proclama a autonomia do prazer, desvinculado de valores utilitários: “A arte [...] sustenta a realização do prazer pelo prazer, do gozo estético, ou do gozo erótico, como fins em si” (CASTELLO BRANCO, 1984CASTELLO BRANCO, L. O que é erotismo. São Paulo: Brasiliense, 1984., p. 13).

Há uma relação íntima entre gozo estético e erótico na correspondência amorosa joyceana. Tal relação pode ser vislumbrada nesta longa passagem de carta de 2 de dezembro de 1909, em que a representação sexual é envolta por uma gama de tensões:

Mas, ao lado e no interior desse amor espiritual que sinto por você há também uma ânsia selvagem e bestial por cada centímetro do teu corpo, por cada parte secreta e indecente dele, por cada um dos teus odores e atos. Meu amor por você me permite rogar ao espírito da eterna beleza e ternura refletido nos teus olhos ou te lançar debaixo de mim deitada sobre essa tua barriga macia e te foder por trás, como um porco montado numa porca, me gloriando no próprio fedor e no suor do teu traseiro, me gloriando na vergonha exposta do teu vestido virado para cima e da tua calça branca de mocinha e no tumulto das bochechas ardentes e do cabelo emaranhado. Ele permite que eu me debulhe num choro de piedade e amor à menor palavra, que eu trema de amor por você ao som de qualquer acorde ou cadência musical ou que eu me deite contigo com a cabeça nos pés sentindo os teus dedos afagarem e coçarem o meu saco ou que eu tenha sobre mim a tua bunda e que teus lábios quentes chupem o meu pau enquanto a minha cabeça se enfia entre as tuas coxas grossas, que as minhas mãos apertem as almofadas redondas da tua bunda e a minha língua lamba sofregamente a tua viçosa boceta vermelha

(JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 92-93, sublinhado no original).

No decorrer do excerto, a cena erótica desenvolve-se em um crescendo, por meio do contraste que se estabelece entre carnal e espiritual. O entrelaçamento entre amor e erotismo, como lembra Paz (1994)PAZ, O. A dupla chama: amor e erotismo. Tradução de Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994., almeja a integridade do ser, conjugar corpo e espírito. O erotismo personifica, pela imaginação, aquilo que o amor idealiza: “Sem erotismo, sem forma visível que entra pelos sentidos – não há amor, mas este atravessa o corpo desejado e procura a alma no corpo e, na alma, o corpo. A pessoa inteira” (PAZ, 1994PAZ, O. A dupla chama: amor e erotismo. Tradução de Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994., p. 34). Nesse sentido, a tensão entre corpo e alma demonstra um desejo, por parte do missivista, de conjunção com o objeto amado, de integração das instâncias física e metafísica. A busca pela totalidade do ser também é evocada, em outra passagem, no ímpeto de fundir matéria e espírito: “Meu corpo em breve penetrará no teu, Oh se a minha alma também pudesse!” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 71).

A conjugação dos corpos no ato sexual transforma-se, assim, na conjunção essencial dos seres, evocada por Bataille (2013, p. 44)BATAILLE, G. O erotismo. Tradução de Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.: “É o ser pleno, ilimitado, que a descontinuidade pessoal não mais limita. É, numa palavra, a continuidade do ser percebida como uma liberação a partir do ser do amante”.

Em meio ao jogo de oposições, o objeto amado é ora adorado, ora degradado. Imagens celestiais e sublimes associam-se a outras abissais e grotescas. A apreensão do corpo feminino é produzida a partir de um movimento vertical, de modo que o baixo e o elevado são demarcados pelas regiões corporais: da adoração pelos olhos do ente amado, o missivista passa às nádegas. O epistológrafo estabelece um jogo de relações entre as duas instâncias corporais: os olhos, ligados ao espírito, e o orifício anal, vinculado à carnalidade. Por meio do contraste e da semelhança olho-ânus, é estabelecida uma relação de analogia entre corpo e alma. As polaridades, portanto, se fundem e sintetizam-se na figura da mulher amada.

Essa conjunção de polos opostos vincula-se às transformações na concepção do belo que foram engendradas na virada do século. Os artistas finisseculares, ao renunciarem aos modelos de beleza clássicos, possibilitaram que as expressões do horrível, do obsceno e do grotesco passassem a integrar gradativamente os domínios do belo. Como expõe Praz (1996, p. 45)PRAZ, M. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Tradução de Philadelpho Menezes. Campinas: Ed. Unicamp, 1996.:

A descoberta do horror como fonte de deleite e de beleza terminou por agir sobre o conceito de beleza: o horrível, na categoria do belo, terminou por se tornar um dos elementos próprios do belo: do belamente horrível se passou, em graus insensíveis, ao horrivelmente belo.

É possível depreender assim que Joyce, sob a máscara do dândi, explora as convenções que as estéticas do século XIX possibilitaram. Ao final da passagem supracitada, a cena erótica se encerra com os amantes como que “emoldurados” em uma posição sexual na qual os parceiros se deitam em posição transversal e praticam sexo oral simultaneamente. A descrição da cena constrói gradativamente uma imagem que se desenha como a pintura de um quadro. A gama de efeitos sinestésicos também ajuda a proporcionar um efeito de adensamento semântico, criando um espetáculo sensorial através dos elementos táteis e gustativos (“afagar”, “coçar”, “chupar”), da adjetivação que produz efeitos de calor (“lábios quentes”), cromáticos (“boceta vermelha”) e de espessura e textura (“viçosa”, “almofadas”, “redondas”, “grossas”).

Em outra carta, datada de 22 de agosto de 1909, Nora é transfigurada em um ser metamórfico, que se transfigura ao sabor do desejo e do olhar do missivista: “Eu te vejo em centenas de poses, grotesca, indecente, virginal, lânguida” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 61). Sob o olhar do amante, Nora é transformada em uma figura ambivalente, que flui entre as instâncias do belo e do horrível, da inocência e da devassidão. Ela encarna aquele tipo de “beleza meduséia” de que fala Praz (1996)PRAZ, M. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Tradução de Philadelpho Menezes. Campinas: Ed. Unicamp, 1996., beleza cuja marca da corrupção tanta atração e fascínio produziu nos dândis finisseculares.

Mais adiante, a imagem de Nora adquire contornos míticos. O epistológrafo a aproxima da figura da Virgem Maria: “Você tem sido para a minha jovem virilidade o que a ideia de Virgem Abençoada foi para a minha meninice” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 65), escreve em carta datada de 31 de agosto de 1909. A imagem etérea, idealizada e inalcançável da Virgem, que despertava a libido do jovem Joyce, é substituída pela mulher real, de carne e osso, tornando o que era sagrado em profano, espiritual em carnal, mas, ao mesmo tempo, endeusando Nora. Fica sugerida uma oposição entre castidade e pecado, que se produz por meio da associação entre Nora e a Virgem. Essa associação surge também em carta de 2 de setembro de 1909, fundamentada na polaridade entre a imagem da santa e da devassa: “Em certos momentos te vejo como uma virgem ou madona, em outros te vejo desavergonhada, insolente, seminua e obscena!” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 67).

Ao estabelecer essa tensão, Joyce torna Nora uma Madona que acolhe em seus braços o filho-amante traído, martirizado e abandonado. A dupla associação incestuosa entre mãe e amante surge também na carta datada de 5 de setembro de 1909: “Oh se eu pudesse me aninhar no teu ventre como uma criança nascida da tua carne e do teu sangue, ser alimentado pelo teu sangue, adormecer na cálida obscuridade secreta do teu corpo!” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 71). O missivista deseja retornar ao útero materno, tornar ao caos original, ao momento da criação, de modo a ser uno com a amante. Aí se expressa o desejo de aniquilação por meio da união dos seres. Em outro trecho dessa carta, o desejo de desfalecimento torna-se ainda mais explícito: “Oh, como desejo sentir o teu corpo confundido com o meu, ver você desfalecer e desfalecer e desfalecer sob os meus beijos!” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 71).

Como escreve Bataille (2013, p. 41)BATAILLE, G. O erotismo. Tradução de Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.:

Que significa o erotismo dos corpos senão uma violação do ser dos parceiros? Uma violação que confina com a morte? Que confina com o assassinato?

Toda a operação do erotismo tem por fim atingir o ser no mais íntimo, no ponto em que o coração desfalece. A passagem do estado normal ao de desejo erótico supõe em nós a dissolução relativa do ser constituído na ordem descontínua.

Em outro excerto de carta de 2 de dezembro de 1909, o missivista rememora o primeiro encontro sexual do casal. A representação de Nora, nesta passagem, torna-se ainda mais ambígua:

Foi você mesma, astuta garota desavergonhada, quem primeiro me levou por esse caminho. Não fui eu quem primeiro te tocou por baixo há muito tempo em Ringsend. Foi você que deslizou a tua mão para baixo para baixo [sic] dentro das minhas calças e puxou a minha camisa suavemente para o lado e tocou o meu cacete com os teus deliciosos dedos longos e pouco a pouco foi tomando-o todo, grosso e duro como estava, na tua mão e me masturbou lentamente até que eu gozei entre os teus dedos, todo esse tempo inclinada sobre mim e me olhando com os teus calmos olhos de santa. Também foram os teus lábios que primeiro disseram uma palavra obscena. Eu me lembro bem daquela noite na cama em Pola. Cansada de ficar sob um homem uma noite você arrancou violentamente a tua camisola e assumiu o comando me cavalgando nua. Você enfiou o meu cacete na tua xoxota e começou a subir e descer montada em mim. Talvez a minha tromba não fosse grande o bastante para ti, pois me lembro que você se curvou sobre o meu rosto e murmurou afetuosamente “Me fode, amor! me fode!”

(JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 94-95).

Nora é figurada como um ser lúgubre e sensual. A sequência é construída por meio do contraste entre a imagem pura da moça que observa o autor com “calmos olhos de santa” e os atos licenciosos que se desenrolam. A imagem que se constrói de Nora é fundamentada nesse jogo de ambivalências. A visão de Nora que o missivista elabora aproxima-se, assim, da figura da femme fatale, musa da tradição romântico-decadente que tem como marca sua aura sedutora e fatal, misteriosa e licenciosa. Detentora de uma beleza quase opressiva, ela causa terror e fascínio naqueles que a contemplam. No trecho em questão, Nora encarna uma espécie de súcubo, demônio sexual que desperta no pudico Joyce um desejo bestial, pois, como ele afirma em outro momento, ela o transforma “num animal” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 94). A cena chega mesmo a adquirir um teor animalesco por conta das ações de “montar” e “cavalgar” ou pelo uso do substantivo “tromba” para caracterizar o órgão sexual masculino.

Por fim, a ambiguidade da representação de Nora espelha a própria dualidade do missivista, como fica patente na seguinte passagem: “Então você é também como eu, num momento no alto como as estrelas, no outro mais baixa do que os mais baixos patifes?” (JOYCE, 2012aJOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a., p. 67). As figurações de Nora que vislumbramos na correspondência joyceana são, portanto, projeções dos desejos e fantasias do missivista. Como bem lembra Bataille (2013, p. 53, grifos no original)BATAILLE, G. O erotismo. Tradução de Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., reforçando a dimensão narcísica e projetiva da pulsão erótica: “O erotismo é um dos aspectos da vida interior do homem. Enganamo-nos quanto a isso porque ele busca incessantemente no exterior um objeto de desejo. Mas esse objeto responde à interioridade do desejo”.

Assim, ao assumir a máscara do dândi, Joyce erotiza, transfigura, sacraliza e mitifica, torna sua escrita epistolar prenhe de vitalidade estética por meio das imagens e associações que elabora da mulher amada, fazendo dela reflexo de suas fantasias eróticas. Como pontua Spranger (1976, p. 188-189)SPRANGER, E. O homem estético. In: SPRANGER, E. Formas de vida: psicologia entendida como ciência do espírito e ética da personalidade. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 177-204.: “a humanidade só vem a se completar enquanto forma de vida estética no erotismo”. E é na conjunção entre erótico e estético que Joyce fundamenta sua escrita epistolar amorosa datada de 1909.

Considerações finais

Como procuramos demonstrar, a correspondência amorosa de James Joyce é povoada por personas, desdobramentos da personalidade do missivista que se expressam no espaço da enunciação epistolar. Essas personas constituem figurações do artista moderno, cujo fundamento consiste na oposição à sociedade e aos valores estabelecidos. A isso se vincula a personalidade satânica, remetendo à concepção romântica do artista.

Em suas cartas de juventude, Joyce assume a máscara do outsider, imagem do artista revoltado e prostrado à margem da sociedade estabelecida, que renega as instituições sociais para afirmar sua individualidade e identidade artística. A revolta cultivada por Joyce encontra em Nora um alento, tornando a carta um meio para expurgar os conflitos de juventude e expressar sua rebelião pessoal contra a vida familiar, social e religiosa.

Posteriormente, o missivista assume outra persona, uma versão depurada do outsider dos anos anteriores. Assumindo a máscara do dândi, o epistológrafo busca o prazer na arte, no artifício e no êxtase erótico. Nora, por sua vez, é transformada em ser metamórfico e ambíguo, de modo a figurar as fantasias do missivista. A temática sexual que surge nessas cartas remete à tendência subversiva, idólatra e voluptuosa das correntes artísticas finisseculares, que encontram na arte a forma de perenização do prazer fugidio. Talvez possamos dizer que o escritor faz, de fato, um uso diabólico da epistolografia, ao subverter a finalidade comunicativa da carta, tornando-a meio de expressão artística e literária.

Assim, Joyce transfigura a vida mundana, torna a escrita epistolar um meio de transcender os limites da realidade prosaica, transforma o êxtase erótico em êxtase estético e produz todo um rito em torno da figura de Nora, alvo de sua idolatria poética. Na formulação oferecida por Joyce (2012a, p. 72)JOYCE, J. Cartas a Nora. MEDEIROS, S.; AMARANTE, D. W. (Orgs.). Tradução de Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2012a. a respeito de suas cartas: “Algumas passagens são feias, obscenas e bestiais, outras são puras e sagradas e espirituais: sou tudo isso”. Há, portanto, uma dualidade elementar que permeia a escrita epistolar joyceana. Ela conjuga as tensões que enredam o James Joyce missivista ao veicular as figurações do artista que o autor projeta em sua correspondência, deixando entrever os conflitos fundamentais do James Joyce escritor – a arte, o artista, a família, o exílio, a cristandade, a profanação, o mito, o desejo – que seriam elaborados e reelaborados gradativamente até alcançar a excelência e a complexidade de suas obras maduras.

  • 1
    No original: “the aesthetic ideal of a life devoted to art and of art as a substitute for life” (ECO, 1989ECO, U. The early Joyce. In: ECO, U. The aesthetics of Chaosmos: the Middle Ages of James Joyce. Tradução de Ellen Esrock. Cambridge: Harvard University Press, 1989. p. 1-32., p. 2).
  • 2
    No original: “une sorte de terrain vague [...], dissimulé entre la vie et l’œuvre; une zone énigmatique conduisant de ce qu’il est à ce qu’il écrit, où la vie passe parfois dans une œuvre, et inversement” (KAUFMANN, 1990KAUFMANN, V. L’équivoque epistolaire. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990., p. 8).
  • 3
    No original: “elle lui permet d’éprouver, dans sa relation à un autre déjà absent, une forme particulière de parole avec laquelle il se tient au plus près de l’écriture proprement dite” (KAUFMANN, 1990KAUFMANN, V. L’équivoque epistolaire. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990., p. 8).
  • 4
    No original: “some nameless crime in his past” (LUIJK, 2016LUIJK, R. V. The children of Lucifer: the origins of modern religious satanism. Nova York: Oxford University Press, 2016., p. 80).
  • 5
    A única peça de teatro escrita por Joyce intitula-se Exilados e tematiza justamente o retorno do artista à terra natal e o sentimento de não pertencimento que o acompanha.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2020
  • Aceito
    05 Mar 2021
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