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Pesquisas em políticas de comunicação em contextos de crise

GERALDES, E.; DOMINGUES-DA-SILVA, J.; OLIVEIRA, G. P.. Resistências e inovações:. políticas de comunicação em tempos de crise. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Comunicação, 2019.

Agrupar a diversidade temática, teórica e metodológica das pesquisas em políticas de comunicação é o principal desafio e a grande contribuição do livro “Resistências e inovações: políticas de comunicação em tempos de crise” (GERALDES; DOMINGUES-DA-SILVA; OLIVEIRA, 2019GERALDES, E.; DOMINGUES-DA-SILVA, J.; OLIVEIRA, G. P. (Orgs.). Resistências e inovações: políticas de comunicação em tempos de crise. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Comunicação, 2019. 387 p. Disponível em: https://faclivros.wordpress.com/. Acesso em: 18 nov. 2019.
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). Perante a “elástica” capacidade deste campo científico “comportar” diferentes objetos e perspectivas, o livro se configura como uma amostra de tendências e possibilidades. A coletânea reúne 21 artigos científicos apresentados majoritariamente ao GP (Grupo de Pesquisa) Políticas e Estratégias de Comunicação, do congresso nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Resistências, inovações e contextos são as perspectivas que conduzem a obra, costuradas pelo pressuposto de que o momento brasileiro é de profunda crise. A divisão segue a lógica editorial, pois esses elementos dialógicos não podem ser desassociados: inovação é resistência, dependendo do contexto; contextos suscitam resistências e inovações; resistências inovam contextos.

A pesquisa social crítica e o compromisso com um “saber militante” e socialmente engajado (BRITTES, 2013BRITTES, J. (Org.). Saber militante: teoria e crítica nas políticas de comunicação do Brasil. São Paulo: Intercom, 2013. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/a0f3a9dc6864d63f39a34ae0d2f3cc4e.pdf. Acesso em: 1 nov. 2019.
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) permeiam os textos, que sugerem, também, um campo mais maduro, no qual cresce a articulação entre rigor metodológico e vontade de intervenção social. Por outro lado, afloram preocupações que convergem para diagnósticos de deslocamento entre promessas que emergiram da conjuntura recente de reorientação de políticas públicas para o setor e o efeito real dessas mudanças. Alterações que em pouco tempo foram desviadas, descontinuadas, extintas ou desacompanhadas de mudanças estruturais políticas, institucionais, sociais ou culturais.

No capítulo “A Sirene e o direito à comunicação dos atingidos pela lama”, Juçara Brittes e Rafael Drumond focam nas dinâmicas do jornal A Sirene, produzido pelos atingidos pela lama da barragem de Fundão – que se rompeu em 2015, em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG). Os autores versam sobre o modus operandi da cobertura jornalística de veículos convencionais e sobre a importância da comunicação comunitária para a construção de narrativas autônomas e representativas.

Em “Por uma plataforma para a regulamentação democrática da radiodifusão comunitária em tempos de convergência”, Adilson Cabral Filho enumera elementos jurídicos, políticos e socioculturais que desmobilizam essas emissoras e desconstroem a função essencial da comunicação comunitária: o direito humano à comunicação. Já “O debate sobre a democratização da mídia no pós-Confecom (2015-2019)” enfatiza o papel dos movimentos sociais no combate à concentração midiática. Nele, Carlos Demarchi sintetiza resultados da 1ª Conferência Nacional de Comunicação e evidencia as dificuldades de se construir uma agenda comum para as comunicações no país.

Eula Cabral traça horizontes para enfrentar os “Desafios para a democratização da mídia em tempos conturbados” e sugere um triplo movimento de resistência, envolvendo a promoção de análises científicas sobre o cenário midiático, o engajamento dos cidadãos em temas ligados à democratização da comunicação e da cultura e a realização de eventos para aproximar pesquisadores e sociedade. O texto “Políticas públicas de comunicação no Brasil: reflexões sobre a (não) regulação democrática da mídia”, de Gustavo Silva e Cristina Schmidt, propõe uma breve periodização das políticas de comunicação no Brasil, pontuando momentos históricos e enfatizando o poder dos meios de comunicação hegemônicos.

O tema da democratização é retomado ao final do livro, em “A radiodifusão pública e a crise da democracia no Brasil: contextos e aproximações”, de Gisele Pimenta de Oliveira. A autora resgata as imbricações entre mídia e democracia como aporte interpretativo do cenário contemporâneo de vulnerabilidade institucional da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). O capítulo “O Serviço de Radiodifusão Pública brasileiro sob o ponto de vista histórico-social compreensivo”, de Elton Bruno Pinheiro, examina aspectos da trajetória do SRP e de seus atores-chave a partir dos conceitos weberianos de ação social afetiva, tradicional e referente a fins ou valores. No texto “EBC, Manual de Jornalismo e alterações na lei: princípios e práticas”, Guilherme Strozi e Fernando Oliveira Paulino resgatam o histórico de criação do documento e avaliam a recente falta de correspondência entre as práticas da empresa e as diretrizes do Manual.

Elen Geraldes, Rafaela Caetano Pinto e Kênia Figueiredo, em “Ouvindo as ouvidorias do sistema prisional: direito à informação, LAI e cidadania”, investigam o cumprimento da Lei de Acesso à Informação e do direito à informação e à comunicação em espaços repressores e invisibilizados. Apontam para a necessidade de se romper com o silenciamento das unidades prisionais, mudar a visão social sobre as pessoas presas, humanizar experiências e construir mecanismos mais eficazes de gestão de dados.

O livro reúne, ainda, soluções com potencial inovador, como em “Técnicas para medir concentração de mercado de mídia: modo de usar”, no qual Juliano Domingues revisa ferramentas de mensuração mais usadas para aferir estruturas de mercados (oligopolizado ou diversificado) e indica possibilidades de aplicação dessas técnicas à comunicação. Em “Esfera pública, tecnologias e imagem: modos de compreensão dos territórios informacionais digitais”, Ana Clara Bianchi e Ruth Reis elaboram uma cartografia de Vitória (ES) a partir do estudo de fotografias sobre a cidade no Instagram.

No capítulo “Direito à comunicação no YouTube: perspectivas teóricas nas pesquisas da Intercom”, Felipe Mateus e Carlo Napolitano analisam as publicações científicas e revelam a escassez de estudos que relacionam os usos culturais da plataforma de vídeos e o direito à comunicação. O texto “As políticas de comunicação político-partidárias na conformação da representação política”, de Nelson Toledo Ferreira, traz intersecções entre as novas tecnologias informacionais, as estratégias de comunicação e a busca por representatividade dos partidos.

Em “Os desafios da comunicação pública em universidades federais: lei de acesso à informação e políticas de comunicação em instituições de ensino superior”, Elen Geraldes e Helen Lopes produzem um diagnóstico sobre a interação entre LAI e políticas de comunicação em cinco universidades, entendendo a dimensão comunicacional da norma como elemento crucial para que organizações superem a cultura do sigilo. Valquiria de Lima, autora de “A teoria da ação comunicativa e o direito à informação: contribuições de Habermas para os desafios da Lei de Acesso à Informação”, reflete sobre as dificuldades de implementação da lei em seu potencial de fortalecimento da democracia e da cidadania. Já Luma Poletti e Fernando Oliveira Paulino, em “A transparência como desafio: análise da criação da Lei de Acesso à Informação no México”, circunstanciam a aprovação da norma mexicana e indicam a necessidade de políticas contínuas de enforcement para assegurar o sucesso da transparência pública.

Em perspectiva contextual, “Narrativas de resistência na destituição de Dilma Rousseff: a atuação da imprensa como expressão da exclusão comunicacional”, de Alberto Perdigão, discorre sobre a perversa combinação entre o pouco acolhimento de vozes dissonantes por parte da grande mídia e a atrofia da capacidade problematizadora da esfera pública. Já “O impeachment de Dilma Rousseff sob a ótica do jornal Folha de S. Paulo”, de Mariane Campos, Mayra Coimbra e Deborah dos Santos, apresenta análises de conteúdo e de enquadramento sobre a cobertura do veículo, que segue a lógica midiática do conflito e do espetáculo, cujo jornalismo é capaz de interferir na realidade política e na formação da opinião pública. O segundo artigo das autoras, “Estratégias eleitorais nas redes sociais: um estudo de caso da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro à presidência”, dialoga com as noções de disputa por capital político e simbólico ao expor os temas que dominaram as postagens do Facebook e Twitter do então candidato. O texto “O “novo” e o “velho” na política: uma análise das estratégias midiáticas de Zema e Anastasia nas eleições de 2018”, de Deborah dos Santos, Willian José de Carvalho e Luiz Ademir de Oliveira, analisa o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral na televisão e a página do Facebook dos referidos candidatos ao governo de Minas Gerais.

Outro enfoque temático, teórico e metodológico é proposto por Carlos Potiara em “Comunicação assimétrica, justiça ambiental e o Protocolo de Consulta Munduruku”, que conecta a teoria dos jogos e dos fluxos comunicacionais à figura do atravessador e à relação autoritária estabelecida com povos tradicionais e locais, impasse que pode ser minimizado por uma comunicação que possibilite às comunidades vulneráveis acessarem informações estratégicas e independentes para então sistematizarem engajamento com stakeholders.

Se a cena política, econômica, social, institucional – e recentemente até a sanitária, pós-pandemia do novo coronavírus – é de profunda crise, a academia precisa se engajar na busca por respostas aos inúmeros desafios que se colocam ao mundo. Resistir e inovar – ideias que mobilizam essa obra – são horizontes concretos e efetivos de ação, mas é preciso unir forças. Mapear o que está sendo feito no âmbito das nossas universidades de Comunicação e conseguir articular coletividades talvez seja um dos poucos caminhos de esperança para alcançarmos algum tipo de “avanço” em meio ao caos.

Referências

  • BRITTES, J. (Org.). Saber militante: teoria e crítica nas políticas de comunicação do Brasil. São Paulo: Intercom, 2013. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/a0f3a9dc6864d63f39a34ae0d2f3cc4e.pdf Acesso em: 1 nov. 2019.
    » http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/a0f3a9dc6864d63f39a34ae0d2f3cc4e.pdf
  • GERALDES, E.; DOMINGUES-DA-SILVA, J.; OLIVEIRA, G. P. (Orgs.). Resistências e inovações: políticas de comunicação em tempos de crise. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Comunicação, 2019. 387 p. Disponível em: https://faclivros.wordpress.com/ Acesso em: 18 nov. 2019.
    » https://faclivros.wordpress.com/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2019
  • Aceito
    17 Jun 2020
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