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Como chegar aos fármacos verde-amarelos?

EDITORIAL

Como chegar aos fármacos verde-amarelos?

O investimento médio para a descoberta de um novo fármaco, segundo especialistas e afirmativas de executivos das indústrias que descobrem medicamentos, considerando todo o processo da cadeia inovativa de fármacos, que se inicia com a concepção da arquitetura molecular do novo agente terapêutico e termina nas prateleiras das farmácias, gira em torno de US$ 800 milhões. Este valor contabiliza os custos financeiros dos insucessos das moléculas pesquisadas que não chegaram a ser comercializadas e toda a propaganda feita para o lançamento do novo fármaco.

É amplamente divulgado pelas empresas farmacêuticas que, de cada 10000 moléculas pesquisadas, apenas uma transforma-se em medicamento e que o investimento delas em PD&I corresponde a ca. 10% de seus faturamentos. De fato, o processo de inovação em fármacos e medicamentos demanda tempo e recursos, em média 10 anos e centenas de milhões de dólares, respectivamente.

Esses custos e os marcos regulatórios rígidos das agências reguladoras fazem da descoberta de novos medicamentos um investimento de risco elevado que exige grande aporte de capital.

A necessidade imperiosa de inovar, força-motriz da indústria farmacêutica inovadora e a capacidade atual restrita de fazê-lo de forma adequada, inspiraram algumas fusões entre empresas farmacêuticas, consideradas líderes, criando novas super-empresas e, também, motivou muitas aquisições de empresas de alta-tecnologia o que, nos últimos 10 anos, contribuiu para o dinamismo do mercado farmacêutico mundial, capaz de atingir valores de ca. US$ 785 bilhões em 2009 e previsões de US$ 1.300 bilhões em 2020.

Alguns analistas acreditam que a chave do sucesso para a descoberta de novos fármacos, realmente inovadores, reside no gigantismo da empresa.

Não há dúvida de que a capacidade de investimentos, dependente do capital da empresa, é um dos fatores importantes no processo. Entretanto, não havendo no Brasil grandes empresas farmacêuticas de capital nacional,1 capazes de fazer frente às big-pharmas multinacionais, algumas com chifre-d'affaires superiores ao PIB de nações pobres, se torna necessária a elaboração de estratégias capazes de viabilizar o autêntico fármaco verde-amarelo, compatível com as demandas de saúde de nossa população e com a realidade de mercado do setor.

A elaboração dessas estratégias não é trivial. Exige, antes de tudo, coordenação e parcerias do governo com o setor industrial e com a academia.

Apenas dois fármacos foram, efetivamente, desenvolvidos no Brasil e chegaram às prateleiras da farmácia: um representado por uma molécula de substância pura, sintética, lodenafila (HellevaR) do laboratório Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda., com indicação para o tratamento da disfunção erétil e o fitoterápico Acheflan, de uso tópico, dos laboratórios Aché, com base na erva-baleeira, para o tratamento de tendinite crônica e dores miofaciais.

Para um mercado como o brasileiro, cujas estimativas de vendas no varejo e no atacado deverá, em 2010, atingir R$ 28 bilhões, dois fármacos é muito pouco; daí ser esta uma das razões do déficit da balança comercial do setor de saúde: cerca de R$ 8 bilhões.

Para o Brasil se transformar num player na descoberta de novos fármacos, é necessário, antes de tudo, que os bons grupos acadêmicos de químicos medicinais recebam investimentos contínuos e que sejam incentivados pelas agências de fomento a firmarem parcerias sólidas com os empresários nacionais, em ambiente jurídico confortável para ambos.

Apenas cinco grupos de pesquisa em química medicinal já produziram, no Brasil, mais de cinco mil novas moléculas, originais, na busca de protótipos. Esta quimioteca (biblioteca de compostos), apesar de pequena, tem grande valor científico, porque foi idealizada com base em planejamentos sólidos de química medicinal.

Se até as gigantes farmacêuticas não desprezam os grupos acadêmicos de química medicinal, por que é tão difícil, no Brasil, que não tem tradição nem grandes empresas farmacêuticas, consolidar parcerias entre a Academia e os laboratórios farmacêuticos?

A descoberta de novos fármacos no Brasil passa por estas parcerias. Fazê-las, como? Este é o momento. O Brasil tem hoje uma boa base industrial, grupos acadêmicos de pesquisas em química medicinal com alta qualificação e doutores preparados para o desafio. Falta o catalisador para que ocorra a reação que produza um novo panorama da indústria farmacêutica brasileira. Só assim chegaremos aos fármacos verde-amarelos.

Angelo C. Pinto - UFRJ

Editor JBCS

Membro da Comissão de Governança e

Acompanhamento - (INCT-INOFAR)

Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro - UFRJ

Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e

Tecnologia de Fármacos e Medicamentos

Referências

  • 1. Barreiro, E. J. L.; Pinto, A. C.; J. Braz. Chem. Soc. 2010, 21, 775.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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