Acessibilidade / Reportar erro

Índice tornozelo-braquial elevado prediz eventos e mortalidade cardiovasculares nos pacientes em hemodiálise com hiperparatireoidismo secundário grave

Resumo

Introdução:

A calcificação vascular relacionada ao hiperparatireoidismo secundário (HPTS) grave é uma causa importante de complicações cardiovasculares e ósseas, levando a alta morbidade e mortalidade em pacientes com doença renal crônica (DRC) em hemodiálise (HD). O presente estudo objetivou analisar se o índice tornozelo-braquial (ITB), uma ferramenta diagnóstica não invasiva, pode predizer desfechos cardiovasculares nesta população.

Métodos:

Selecionamos 88 adultos em HD há pelo menos 6 meses, com PTHi sérico>1.000pg/mL. Coletamos dados clínicos, parâmetros bioquímicos e hormonais, e ITB (sonar-Doppler). A calcificação foi avaliada por radiografia lateral do abdome e por escore de calcificação vascular simples (ECVS). Esta coorte foi monitorada prospectivamente entre 2012 e 2019 para desfechos cardiovasculares (óbito, infarto do miocárdio (IM), acidente vascular cerebral e calcifilaxia) para estimar a precisão do ITB neste cenário.

Resultados:

Os valores basais foram: PTHi: 1770±689pg/mL, P: 5,8±1,2 mg/dL, Ca corrigido: 9,7±0,8mg/dL, 25(OH)vit D: 25,1±10,9ng/Ml; 65% dos pacientes apresentaram ITB>1,3 (variando de 0,6 a 3,2); 66% tiveram ECVS≥3, e 45% calcificação da aorta (Kauppila≥8). A avaliação prospectiva (51,6±24,0 meses) forneceu os seguintes desfechos cardiovasculares: 11% de óbitos, 17% de IM não fatal, um AVC, 3% de calcifilaxia. Após ajustes, pacientes com ITB≥1,6 tiveram risco 8,9 vezes maior de eventos cardiovasculares (p=0,035), e ITB≥1,8 apresentaram risco 12,2 vezes maior de mortalidade cardiovascular (p=0,019).

Conclusão:

A presença de calcificações vasculares e rigidez arterial foi altamente prevalente em nossa população. Sugerimos o ITB, uma ferramenta diagnóstica simples e econômica, para ser usada em ambulatório para prever eventos cardiovasculares em pacientes com HPTS grave em HD.

Descritores:
Índice Tornozelo-Braço; Evento Cardiovascular; Diálise Renal; Hiperparatireoidismo Secundário; Calcificação Vascular

Abstract

Introduction:

Vascular calcification related to severe secondary hyperparathyroidism (SHPT) is an important cause of cardiovascular and bone complications, leading to high morbidity and mortality in patients with chronic kidney disease (CKD) undergoing hemodialysis (HD). The present study aimed to analyze whether ankle-brachial index (ABI), a non-invasive diagnostic tool, is able to predict cardiovascular outcomes in this population.

Methods:

We selected 88 adult patients on HD for at least 6 months, with serum iPTH>1,000pg/mL. We collected clinical data, biochemical and hormonal parameters, and ABI (sonar-Doppler). Calcification was assessed by lateral radiography of the abdomen and by simple vascular calcification score (SVCS). This cohort was monitored prospectively between 2012 and 2019 for cardiovascular outcomes (death, myocardial infarction (MI), stroke, and calciphylaxis) to estimate the accuracy of ABI in this setting.

Results:

The baseline values were: iPTH: 1770±689pg/mL, P: 5.8±1.2 mg/dL, corrected Ca: 9.7±0.8mg/dL, 25(OH)vit D: 25.1±10.9ng/mL. Sixty-five percent of patients had ABI>1.3 (ranging from 0.6 to 3.2); 66% had SVCS≥3, and 45% aortic calcification (Kauppila≥8). The prospective evaluation (51.6±24.0 months), provided the following cardiovascular outcomes: 11% of deaths, 17% of nonfatal MI, one stroke, and 3% of calciphylaxis. After adjustments, patients with ABI≥1.6 had 8.9-fold higher risk of cardiovascular events (p=0.035), and ABI≥1.8 had 12.2-fold higher risk of cardiovascular mortality (p=0.019).

Conclusion:

The presence of vascular calcifications and arterial stiffness was highly prevalent in our population. We suggest that ABI, a simple and cost-effective diagnostic tool, could be used at an outpatient basis to predict cardiovascular events in patients with severe SHPT undergoing HD.

Keywords:
Ankle Brachial Index; Cardiovascular event; Renal Dialysis; Hyperparathyroidism, Secondary; Vascular Calcification

Introdução

A calcificação vascular é um forte marcador prognóstico de mortalidade cardiovascular e total em pacientes em hemodiálise11 London GM, Guérin AP, Marchais SJ, Métivier F, Pannier B, Adda H. Arterial media calcification in end-stage renal disease: impact on all-cause and cardiovascular mortality. Nephrol Dial Transplant. 2003 Sep;18(9):1731-40.. A ocorrência deste processo pode ser tanto passiva quanto ativa, com a presença de calcificação de placas ateroscleróticas, lesão à parede do vaso devido à uremia, estresse oxidativo ou inflamação, e depende do equilíbrio entre indutores (sialoproteína óssea, fosfatase alcalina, osteocalcina, osteonectina, BMP-2) e inibidores da calcificação vascular (proteína GLA da matriz, osteoprotegerina, fetuina-A, pirofosfato, BMP-7)22 Giachelli CM. The emerging role of phosphate in vascular calcification. Kidney Int. 2009 May;75(9):890-7.

3 Vervloet M, Cozzolino M. Vascular calcification in chronic kidney disease: different bricks in the wall?. Kidney Int. 2017 Apr;91(4):808-17.
-44 Lomashvili KA, Garg P, Narisawa S, Millan JL, O'Neill WC. Upregulation of alkaline phosphatase and pyrophosphate hydrolysis: potential mechanism for uremic vascular calcification. Kidney Int. 2008 May;73(9):1024-30..

As células do músculo liso vascular podem se diferenciar em células do tipo osteoblasto, que produzem proteínas, colágeno e fosfatase alcalina e predispõem à deposição de hidroxiapatita na parede vascular, levando à rigidez vascular22 Giachelli CM. The emerging role of phosphate in vascular calcification. Kidney Int. 2009 May;75(9):890-7.. Este processo ativo de alteração fenotípica é acionado pela ativação do fator de ligação central α-1 (Cbfa-1, do inglês core binding factor α-1) promovido pelo fósforo. O acúmulo de fósforo com a progressão da doença renal crônica (DRC) está diretamente envolvido na patogênese do hiperparatireoidismo secundário (HPTS)55 Slatopolsky E, Brown A, Dusso A. Role of phosphorus in the pathogenesis of secondary hyperparathyroidism. Am J Kidney Dis. 2001 Jan;37(1 Suppl 2):S54-S7.. Além disso, o HPTS grave aumenta a renovação óssea, o que eleva ainda mais a fosfatemia pelo aumento da reabsorção óssea devido à atividade osteoclástica66 Hruska KA, Mathew S, Lund R, Qiu P, Pratt R. Hyperphosphatemia of chronic kidney disease. Kidney Int. 2008 Jul;75(2):148-57.. Ambos os fatores contribuem para a progressão da calcificação vascular.

Além da hiperfosfatemia, o PTH elevado está associado a várias outras alterações, como distúrbios do cálcio, aumento do produto CaxP, baixos níveis de vitamina D, e anemia. Estes fatores podem ser responsáveis pelo aumento da morbidade e mortalidade encontradas em pacientes com HPTS grave77 Fukagawa M, Kido R, Komaba H, Onishi Y, Yamaguchi T, Hasegawa T, et al. Abnormal mineral metabolism and mortality in hemodialysis patients with secondary hyperparathyroidism: evidence from marginal structural models used to adjust for time-dependent confounding. Am J Kidney Dis. 2014 Jun;63(6):979-87.. O depósito de cálcio na parede do vaso pode ser detectado por exame radiográfico. Adragão et al. (2012)1010 Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25. sugeriram um escore de calcificação vascular simples (ECVS) semiquantitativo usando radiografias da pelve e da mão88 Adragao T, Pires A, Lucas C, Birne R, Magalhaes L, Goncalves M, et al. A simple vascular calcification score predicts cardiovascular risk in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2004 Jun;19(6):1480-8. e o escore de Kauppila detecta calcificação da aorta lombar99 Kauppila LI, Polak JF, Cupples LA, Hannan MT, Kiel DP, Wilson PW. New indices to classify location, severity and progression of calcific lesions in the abdominal aorta: a 25-years follow-up study. Atherosclerosis. 1997 Jul;132(2):245-50.. Todos estes métodos são preditores bem conhecidos de eventos cardiovasculares na população em diálise88 Adragao T, Pires A, Lucas C, Birne R, Magalhaes L, Goncalves M, et al. A simple vascular calcification score predicts cardiovascular risk in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2004 Jun;19(6):1480-8.,99 Kauppila LI, Polak JF, Cupples LA, Hannan MT, Kiel DP, Wilson PW. New indices to classify location, severity and progression of calcific lesions in the abdominal aorta: a 25-years follow-up study. Atherosclerosis. 1997 Jul;132(2):245-50.. Além disso, o índice tornozelo-braquial (ITB), uma ferramenta simples e barata, que pode ser realizado no exame físico, também pode ser aplicado para avaliar a rigidez do vaso. A doença arterial obstrutiva pode ser identificada por ITB baixo (<0,9), enquanto ITB alto (>1,3) tem sido associada à calcificação vascular devido à incompressibilidade arterial1010 Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25.,1111 Aboyans V, Criqui MH, Abraham P, Allison MA, Creager MA, Diehm C, et al. Measurement and interpretation of the ankle-brachial index: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2012 Dec;126(24):2890-909.. Em pacientes em diálise, ITB baixo e alto foram relacionados a eventos e mortalidade cardiovasculares1010 Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25.,1212 Ono K, Tsuchida A, Kawai H, Matsuo H, Wakamatsu R, Maezawa A, et al. For the GUNMA Dialysis and ASO Study Group. Ankle-brachial blood pressure index predicts all-cause and cardiovascular mortality in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol. 2003 Dec;14(6):1591-8.

13 Jimenez ZNC, Pereira BJ, Romão Junior JE, Makida SCS, Abensur H, Moyses RMA, et al. Ankle-brachial index: a simple way to predict mortality among patients on hemodialysis - a prospective study. PloS One. 2012;7(7):e42290.
-1414 Bevc S, Purg D, Knehtl M, Hren M, Turnsek N, Hojs N, et al. Ankle-brachial index and long-term (10 years) survival of nondiabetic hemodialysis patients. Ther Apher Dial. 2016 Jun;20(3):277-80..

O objetivo deste estudo foi investigar o papel do ITB na predição de desfechos cardiovasculares em pacientes em hemodiálise com HPTS grave.

Materiais e Métodos

Este estudo prospectivo, observacional e de centro único avaliou 88 pacientes da clínica ambulatorial para distúrbio mineral ósseo da doença renal crônica (DMO-DRC) no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética local, de acordo com a Declaração de Helsinque. Incluímos pacientes maiores de 18 anos, em hemodiálise há pelo menos 12 meses, que apresentavam PTHi>1000pg/mL. Excluímos pacientes com doença óssea identificada (Paget, mieloma múltiplo, metástases) e fazendo uso de medicamentos que afetam o metabolismo ósseo ou a calcificação vascular (anticonvulsivantes, varfarina e corticosteroides). Pacientes com menos de 12 meses de acompanhamento também foram excluídos.

Analisamos dados clínicos e laboratoriais, radiografias e medição do ITB mensurados no início do estudo. Em relação aos testes laboratoriais, avaliamos cálcio sérico total (8,5-10,5mg/dL), fósforo (2,5-4,5mg/dL), fosfatase alcalina (65-300U/L), PTHi (ensaio imunométrico quimioluminescente de segunda geração, 12-65pg/mL), 25(OH) vitamina D (30ng/mL), albumina (3,6-4,8g/dL), proteína C reativa (0-5mg/dL), ferritina (28-365ng/mL), índice de saturação da transferrina (20-50%), hemoglobina (12-16g/dL) e bicarbonato (22-26mmol/L). O ITB foi determinado usando um esfigmomanômetro adequado para circunferências de braço e perna e um sonar-Doppler Medpej DF7001VN, sonda de 10MHz. O exame foi realizado no período interdialítico com o paciente em decúbito dorsal com as extremidades no mesmo nível do coração, após 10 minutos de repouso. Medimos a pressão arterial no braço sem fístula arteriovenosa e em ambos os membros inferiores. O ITB foi calculado dividindo a pressão arterial sistólica do tornozelo (PAS) / PAS braquial. Valores abaixo de 0,9 estão associados à doença arterial periférica, entre 0,9 e 1,3 são normais, e valores maiores que 1,3 estão associados à calcificação vascular e à incompressibilidade do vaso1111 Aboyans V, Criqui MH, Abraham P, Allison MA, Creager MA, Diehm C, et al. Measurement and interpretation of the ankle-brachial index: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2012 Dec;126(24):2890-909..

As radiografias foram analisadas por dois autores, mas o nome, resultados bioquímicos e valor de ITB dos pacientes foram ocultados no momento desta análise. Avaliamos o ECVS (escore de Adragão) por radiografias da mão e pelve. Cada filme foi dividido em 4 quadrantes e somente calcificações lineares foram consideradas na topografia do vaso. A presença de calcificação em cada quadrante contabilizou 1 ponto, com o escore total variando de 0 a 8 pontos88 Adragao T, Pires A, Lucas C, Birne R, Magalhaes L, Goncalves M, et al. A simple vascular calcification score predicts cardiovascular risk in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2004 Jun;19(6):1480-8.. A calcificação da aorta foi analisada pela radiografia lateral do abdome e calculamos o escore de calcificação da aorta abdominal (CAA) desenvolvido por Kauppila99 Kauppila LI, Polak JF, Cupples LA, Hannan MT, Kiel DP, Wilson PW. New indices to classify location, severity and progression of calcific lesions in the abdominal aorta: a 25-years follow-up study. Atherosclerosis. 1997 Jul;132(2):245-50., que avalia a calcificação na parede anterior e posterior da aorta na altura da primeira à quarta vértebra lombar (L1-L4); o comprimento da calcificação menor que 1/3 da vértebra recebeu 1 ponto, menor que 2/3 recebeu 2, e maior que 2/3 recebeu 3 pontos, com escore total de 0 a 24.

A população do estudo foi monitorada prospectivamente em regime ambulatorial entre Abril de 2012 e Outubro de 2019. Os desfechos cardiovasculares foram óbito, arritmia cardíaca (documentada por estudo eletrocardiográfico), infarto agudo do miocárdio (confirmado por cateterismo cardíaco), acidente vascular cerebral (diagnosticado por tomografia computadorizada do cérebro), ou calcifilaxia (confirmada por exames radiológicos e histopatológicos).

A análise estatística foi realizada utilizando o SPSS v24. Os dados são expressos como porcentagens ou média ± desvio padrão. Testes t de Student não pareados (variáveis contínuas) e testes Qui-quadrado (variáveis categóricas) foram usados para comparação entre dois grupos independentes. O ponto de corte do ITB foi calculado pela curva Receiver Operating Characteristic (ROC), e análise de sobrevida de Kaplan-Meier com teste de Log rank, seguido pelo Modelo de Regressão de Cox para predição de perigos e riscos. O valor de P<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Dos 88 pacientes, 46% eram homens e 50% tinham a cor da pele branca, com média de idade de 47,4±10,8 anos, e em hemodiálise há quase dez anos. As principais características clínicas e laboratoriais são mostradas na Tabela 1. A hipertensão foi a principal causa de doença renal, em 23% a causa era indeterminada, e apenas 2 pacientes tinham diabetes mellitus. Os pacientes estavam em hemodiálise intermitente (três sessões por semana), com concentração de cálcio no dialisato de 3,0mEq/L. Na admissão, 9% tinham histórico de fraturas, 100% dos pacientes estavam em uso de quelantes de fósforo (sevelâmer e/ou carbonato de cálcio), 61% em uso de análogos de vitamina D (12% usavam colecalciferol, 57% calcitriol e 3% paricalcitol), e 36% em uso de cinacalcet.

Tabela 1
Parâmetros clínicos e bioquímicos da população total

Todos os pacientes estavam na lista de paratireoidectomia, mas apenas 50% realizaram o procedimento cirúrgico. Onze por cento morreram antes do procedimento e 16% apresentaram doença coronariana ou disfunção cardíaca que contraindicavam a cirurgia. Durante o período de acompanhamento, todos os pacientes foram tratados com medicamentos (análogos de vitamina D, calcimimético, quelante de fósforo ou reposição de cálcio) de acordo com os resultados laboratoriais, enquanto aguardavam pela paratireoidectomia. Cabe ressaltar que o uso de calcitriol diminuiu, enquanto o calcimimético e o análogo seletivo da vitamina D aumentaram significativamente durante o acompanhamento.

O ITB médio no início foi de 1,8±0,7 (variando de 0,6 a 3,2) e apenas cinco pacientes apresentaram um ITB<0,9. Sessenta e cinco por cento dos pacientes apresentaram ITB>1,3. Na avaliação do escore de calcificação vascular baseada em filmes radiográficos simples de pelve e mão (ECVS ou Escore de Adragão), 66% dos pacientes apresentaram ECVS ≥ 3. Na avaliação do escore de calcificação vascular baseada na calcificação da aorta lombar por raio-X (escore CAA ou Kauppila), 45% dos pacientes apresentaram escore CAA ≥ 8.

Na avaliação de acompanhamento (51,6±24,0 meses), observamos: 11% de óbitos, 17% de IM não fatal, um AVC, e 3% de calcifilaxia. Entre as causas dos óbitos, uma foi morte súbita e as outras foram IM fatal.

Usamos a curva ROC para encontrar o valor de ITB mais preciso para prever eventos cardiovasculares e mortalidade. Um ITB de 1,6 apresentou AUC de 0,773 (95%IC 0,67-0,85, p=0,0001), com 92% de sensibilidade e 60% de especificidade para predizer eventos cardiovasculares, enquanto um ITB de 1,8 apresentou AUC de 0,840 (95%IC 0,75-0,90, p=0,0001), com 90% de sensibilidade e 63% de especificidade para predizer mortalidade cardiovascular (Figura 1). As curvas de Kaplan-Meier foram aplicadas para avaliar a ocorrência de eventos, comparando os grupos ITB≥1,6 versus ITB<1,6 ou ITB≥1,8 versus ITB<1,8 (Figura 2). O grupo ITB≥1,6 (p=0,029) teve significativamente mais eventos cardiovasculares, e os pacientes do grupo ITB≥1,8 (p=0,007) tiveram significativamente mais óbitos cardiovasculares. No Modelo de Regressão de Cox, a razão de risco para os eventos cardiovasculares foi de 9,7 (95%IC 1,26-75,0; p=0,03) no grupo ITB≥1,6. A razão de risco para a mortalidade cardiovascular foi de 9,9 (95%IC 1,25-78,4; p=0,03) no grupo ITB≥1,8. Após ajuste para idade e sexo, a razão de risco para eventos cardiovasculares foi de 8,9 (95%IC 1,17-69,0; p=0,035) no grupo ITB≥1,6, e a mortalidade cardiovascular foi de 12,2 (95%IC 1,51-99,7; p=0,019) no subgrupo ITB≥1,8.

Figura 1
Analise da curva de caracteristica de operacao do receptor (ROC) do indice tornozelo-braquial (ITB) para evento cardiovascular (ESQUERDA) e mortalidade cardiovascular (DIREITA).

Figura 2
Curvas de Kaplan-Meyer para ocorrencia de eventos cardiovasculares (ESQUERDA) comparando o grupo com indice tornozelo-braquial (ITB) abaixo de 1,6 versus grupo ITB acima de 1,6 e mortalidade cardiovascular (DIREITA) comparando o grupo ITB abaixo de 1,8 versus grupo ITB acima de 1,8. *Log Rank (Mantel Cox).

Com base nestas diferenças significativas nos desfechos cardiovasculares, analisamos as características clínicas, laboratoriais e de imagem de cada grupo classificado pelo ITB. Como foi demonstrado na Tabela 2, os pacientes com ITB≥1,8 apresentaram maior fosfatemia e tempo de HD, enquanto ambos os grupos apresentaram fosfatase alcalina mais elevada e maior calcificação vascular (ECVS≥3 e escore CAA≥8).

Tabela 2
Características basais de participantes do estudo de acordo com o ITB (Índice Tornozelo-Braquial)

Discussão

Apesar de vários medicamentos estarem disponíveis para o tratamento de hiperparatireoidismo secundário, esta condição é altamente prevalente, especialmente em países em desenvolvimento onde sua gravidade é maior. De acordo com o estudo DOPPS II, 26,3% dos pacientes apresentam PTHi>300pg/mL1515 Young EW, Akiba T, Albert JM, McCarthy JT, Kerr PG, Mendelssohn DC, et al. Magnitude and impact of abnormal mineral metabolism in hemodialysis patients in the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis. 2004 Nov;44(5 Suppl 2):34-8., enquanto esta prevalência atinge 51,4% na Argentina1616 Douthat WG, Castellano M, Berenguer L, Guzmán MA, Arteaga J, Chiurchiu CR, et al. High prevalence of secondary hyperparathyroidism in chronic kidney disease patients on dialysis in Argentina. Nefrologia. 2013;33(5):657-66.. Na América do Sul há uma alta prevalência de hiperparatireoidismo grave (PTHi>1000pg/mL), chegando a 13,3% na Argentina e 10,7% no Brasil1717 Oliveira RB, Silva EN, Charpinel DMF, Gueiros JEB, Neves CL, Sampaio EA, et al. Situação do hiperparatireoidismo secundário autônomo no Brasil: dados do Censo Brasileiro de Paratireoidectomia J Bras Nefrol. 2011 Nov/Dec;33(4):457-62.. Com relação aos achados bioquímicos, o último censo brasileiro de diálise1818 Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Censo de diálise SBN 2016 [Internet]. São Paulo: SBN; 2017; [access in 2017 Jul 09]. Available from: http://www.censo-sbn.org.br/cp16baixa.php?arquivo=Censo_2016.pptx2017
http://www.censo-sbn.org.br/cp16baixa.ph...
, assim como dados da Europa, Estados Unidos e Japão1919 Fernández-Martín JL, Carrero JJ, Benedik M, Bos WJ, Covic A, Ferreira A, et al. COSMOS: the dialysis scenario of CKD-MBD in Europe. Nephrol Dial Transplant. 2013 Jul;28(7):1922-35.,2020 Young E, Albert J, Satayathum B, Goodkin D, Pisoni R, Akiba T, et al. Predictors and consequences of altered mineral metabolism: the dialysis outcomes and practice patterns study. Kidney Int. 2005 Mar;67(3):1179-87., todos têm documentado consistentemente a alta prevalência de distúrbios minerais e hormonais, embora esses documentos não forneçam subanálise de PTH. Em comparação com estes dados, nossos pacientes com HPTS grave (PTHi>1.000pg/mL) apresentaram mais hiperfosfatemia e hipovitaminose D. Os altos níveis de PCR e ferritina encontrados em nossa população sugerem fortemente uma inflamação crônica. A associação de inflamação e acidose metabólica também desempenha um papel no osso ao reduzir a atividade osteoblástica, aumentar a osteoclástica e piorar o HPTS, pois aumenta a liberação de PTH, o número de receptores de PTH e a atividade deste hormônio em seus receptores, aumentando as complicações cardiovasculares e ósseas2121 Mehrotra R, Kopple J, Wolfson M. Metabolic acidosis in maintenance dialysis patients: clinical considerations. Kidney Int Suppl. 2003 Dec;64(88):S13-S25..

Em nosso estudo, o tempo de HD foi um risco para o desenvolvimento de HPTS grave, exigindo paratireoidectomia2222 Tominaga Y. Current status of parathyroidectomy for secondary hyperparathyroidism in Japan. NDT Plus. 2008 Aug;1(Suppl 3):iii35-8.. Entre as principais causas de DRC terminal, a hipertensão foi a mais prevalente em nosso estudo. No entanto, apesar de o diabetes mellitus (DM) ser a segunda causa de disfunção renal no Brasil1818 Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Censo de diálise SBN 2016 [Internet]. São Paulo: SBN; 2017; [access in 2017 Jul 09]. Available from: http://www.censo-sbn.org.br/cp16baixa.php?arquivo=Censo_2016.pptx2017
http://www.censo-sbn.org.br/cp16baixa.ph...
, sua prevalência neste estudo foi baixa. Isto pode ocorrer pois pacientes diabéticos apresentam níveis 20-50% mais baixos de PTH e baixa remodelação óssea, seja por hiperglicemia (acúmulo de produtos finais da glicação), redução do fator de crescimento semelhante à insulina 1 (que estimula a proliferação de osteoblastos), aumento da esclerostina ou alterações hormonais (disfunção gonadal)2323 Rubin MR. Bone cells and bone turnover in diabetes mellitus. Curr Osteoporos Rep. 2015 Jun;13(3):186-91..

A presença de calcificação vascular está associada a um alto risco de evento e mortalidade cardiovascular11 London GM, Guérin AP, Marchais SJ, Métivier F, Pannier B, Adda H. Arterial media calcification in end-stage renal disease: impact on all-cause and cardiovascular mortality. Nephrol Dial Transplant. 2003 Sep;18(9):1731-40.. A rigidez dos vasos aumenta a pós-carga, levando à hipertrofia ventricular esquerda (HVE), aumento da demanda miocárdica e subsequente disfunção diastólica e sistólica. Além disso, a doença coronariana e a redução da perfusão coronariana por HVE aumentam o risco de infarto agudo do miocárdio, disfunção cardíaca, arritmias e insuficiência cardíaca2424 Ix JH, Katz R, Peralta CA, Boer IH, Allison MA, Bluemke DA, et al. A high ankle brachial index is associated with greater left ventricular mass MESA (multi-ethnic study of atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2010 Jan;55(4):342-9.

25 London GM. Left ventricular alterations and end-stage renal disease. Nephrol Dial Transplant. 2002;17(Suppl 1):29-36.
-2626 Chena SC, Huanga JC, Sub HM, Chiua YW, Changa JM, Hwanga SJ, et al. Prognostic cardiovascular markers in chronic kidney disease. Kidney Blood Press Res. 2018;43(4):1388-407.. A calcifilaxia ou arteriolopatia urêmica calcificante (CUA, do inglês calcific uremic arteriolopathy) é uma calcificação grave de pequenos vasos, como derme e arteríolas subcutâneas, e também pode determinar reduções no fluxo sanguíneo arteriolar e sérias complicações, levando a alta mortalidade e morbidade2727 Nigwekar SU, Thadhani R, Brandenburg VM. Calciphylaxis. N Engl J Med. 2018 May;378(18):1704-14..

Para a medição do ITB, usamos o método com a melhor acurácia (sonar-Doppler). Segundo a American Heart Association, os valores normais para ITB estão entre 0,9 e 1,3; um ITB≥1,4 está relacionado à incompressibilidade vascular devido à calcificação vascular. Deve ser enfatizado que a presença de vasos rígidos não exclui lesões oclusivas, mas a doença estenótica não pode ser detectada pelo ITB1111 Aboyans V, Criqui MH, Abraham P, Allison MA, Creager MA, Diehm C, et al. Measurement and interpretation of the ankle-brachial index: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2012 Dec;126(24):2890-909.. Em nosso estudo, a maioria dos pacientes apresentou rigidez vascular segundo o ITB, provavelmente devido à gravidade do HPTS e à alta prevalência da hiperfosfatemia. Apesar de vários estudos em que um ITB>1,3 demonstrou uma maior ocorrência de eventos cardiovasculares, em pacientes em diálise1010 Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25.,1212 Ono K, Tsuchida A, Kawai H, Matsuo H, Wakamatsu R, Maezawa A, et al. For the GUNMA Dialysis and ASO Study Group. Ankle-brachial blood pressure index predicts all-cause and cardiovascular mortality in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol. 2003 Dec;14(6):1591-8.

13 Jimenez ZNC, Pereira BJ, Romão Junior JE, Makida SCS, Abensur H, Moyses RMA, et al. Ankle-brachial index: a simple way to predict mortality among patients on hemodialysis - a prospective study. PloS One. 2012;7(7):e42290.
-1414 Bevc S, Purg D, Knehtl M, Hren M, Turnsek N, Hojs N, et al. Ankle-brachial index and long-term (10 years) survival of nondiabetic hemodialysis patients. Ther Apher Dial. 2016 Jun;20(3):277-80. ou não2828 Chen J, Mohler ER, Garimella PS, Hamm LL, Xie D, Kimmel S, et al. Ankle brachial index and subsequent cardiovascular disease risk in patients with chronic kidney disease. J Am Heart Assoc. 2016 May;5(6):e003339.

29 Criqui MH, McClelland RL, McDermott MM, Allison MA, Blumenthal RS, Aboyans V, et al. The ankle-brachial index and incident cardiovascular events in the MESA (multi-ethnic study of atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2010 Oct;56(18):1506-12.

30 Nishimura H, Miura T, Minamisawa M, Ueki Y, Abe N, Hashizume N, et al. Clinical characteristics and outcomes of patients with high ankle-brachial index from the IMPACT-ABI study. PLoS One. 2016 Nov;11(11):e0167150.

31 Resnick HE, Lindsay RS, McDermott MM, Devereux RB, Jones KL, Fabsitz RR, et al. Relationship of high and low ankle brachial index to all-cause and cardiovascular disease mortality the strong heart study. Circulation. 2004 Feb;109(6):733-9.
-3232 Gu X, Man C, Zhang H, Fan Y. High ankle-brachial index and risk of cardiovascular or all-cause mortality: a meta-analysis. Atherosclerosis. 2019 Mar;282:29-36., não encontramos estudos em pacientes com HPTS grave. London et al. (2015)3333 London GM, Marchais SJ, Guérin AP, Vernejoul MC. Ankle-brachial index and bone turnover in patients on dialysis. J Am Soc Nephrol. 2015 Feb;26(2):476-83. demonstraram que a baixa renovação óssea estava relacionada à doença arterial periférica (DAP) e inversamente relacionada à paratireoidectomia (PTX). Além disso, esse estudo demonstrou que mais de 54% dos pacientes com ITB>1,4 haviam sido submetidos a PTX, e esse fato pode sugerir o aumento da calcificação vascular em pacientes que apresentaram PTH elevado.

É bem conhecido que o ITB<0,9 está associado à DAP e que valores decrescentes estão relacionados com a gravidade da doença, pois pacientes com ITB<0,4 apresentam DAP grave3434 Kullo IJ, Rooke TW. Peripheral artery disease. N Engl J Med. 2016 Mar;374(9):861-71.. No entanto, o mesmo não ocorre com o ITB elevado, pois se sabe que está relacionado com a incompressibilidade do vaso, mas não há graduação de gravidade. Como a prevalência do ITB>1,3 em nosso estudo foi muito alta, avaliamos se pacientes com valores de ITB mais altos apresentaram mais desfechos. A curva ROC definiu o valor de ITB≥1,6 como o melhor preditor de evento cardiovascular e ITB≥1,8 um preditor de mortalidade cardiovascular. Estes achados sugerem que quanto maior a rigidez dos vasos, maior a gravidade do desfecho cardiovascular.

Em 2004, Adragão et al.1010 Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25. avaliaram pacientes em diálise, independentemente do nível de PTH, e sugeriram um método simples para avaliar a calcificação vascular pela presença de depósito de cálcio nos vasos de cada quadrante nas radiografias de mão e pelve, com o máximo de 8 pontos88 Adragao T, Pires A, Lucas C, Birne R, Magalhaes L, Goncalves M, et al. A simple vascular calcification score predicts cardiovascular risk in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2004 Jun;19(6):1480-8.. Estes autores demonstraram a associação deste escore com eventos cardiovasculares quando o ECVS foi ≥3. A observação de depósitos lineares de cálcio em pequenos vasos, como na mão, um local geralmente resistente à aterosclerose, indica uma calcificação média33 Vervloet M, Cozzolino M. Vascular calcification in chronic kidney disease: different bricks in the wall?. Kidney Int. 2017 Apr;91(4):808-17. e consequentemente uma maior rigidez vascular. Em nosso estudo, quase todos os pacientes com ITB≥1,6 tinham ECVS≥3 e escore CAA≥8. Usando o sonar-Doppler, a incompressibilidade causada pelos depósitos de cálcio na parede vascular, visualizada nas radiografias da aorta, pelve e mãos, pode ser examinada à beira do leito. Também encontramos uma forte correlação positiva entre o ITB e o ECVS, em acordo com Adragão et al. (2012)1010 Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25.. Eles demonstraram que um ITB>1,3 estava associado à calcificação das artérias periféricas e distais e a um aumento do risco de mortalidade cardiovascular e total dos pacientes.

Quando analisamos os grupos de acordo com o ITB, ambos os grupos ITB≥1,6 e ITB≥1,8 apresentaram fosfatase alcalina mais elevada. A elevação deste marcador de atividade osteoblástica pode refletir o aumento na renovação óssea promovida pelo PTH elevado, que estimula tanto a formação como a reabsorção óssea e pode estar associado ao aumento do efluxo de fósforo e cálcio para o sangue3535 Chiang C. The use of bone turnover markers in chronic kidney disease-mineral and bone disorders. Nephrology (Carlton). 2017 Mar;22(Suppl 2):11-3.. As fraturas também podem aumentar os níveis deste biomarcador3636 Bover J, Ureña P, Aguilar A, Mazzaferro S, Benito S, López-Báez V, et al. Alkaline phosphatases in the complex chronic kidney disease-mineral and bone disorders. Calcif Tissue Int. 2018 Aug;103(2):111-24., mas em nosso estudo não houve diferença em pacientes com fraturas entre grupos. Entretanto, estudos já demonstraram que o aumento da fosfatase alcalina tecidual inespecífica pode estar relacionado à calcificação vascular, já que o pirofosfato, inibidor da calcificação vascular, pode ser degradado pela fosfatase alcalina tecidual, contribuindo assim para a deposição de hidroxiapatita e, consequentemente, para a calcificação arterial33 Vervloet M, Cozzolino M. Vascular calcification in chronic kidney disease: different bricks in the wall?. Kidney Int. 2017 Apr;91(4):808-17.,44 Lomashvili KA, Garg P, Narisawa S, Millan JL, O'Neill WC. Upregulation of alkaline phosphatase and pyrophosphate hydrolysis: potential mechanism for uremic vascular calcification. Kidney Int. 2008 May;73(9):1024-30.,3737 Schoppet M, Shanahan CM. Role for alkaline phosphatase as an inducer of vascular calcification in renal failure?. Kidney Int. 2008 May;73(9):989-91..

Observamos também que a hiperfosfatemia apresentou uma diferença significativa no grupo ITB≥1,8, sugerindo o papel do fósforo na fisiopatologia da calcificação vascular33 Vervloet M, Cozzolino M. Vascular calcification in chronic kidney disease: different bricks in the wall?. Kidney Int. 2017 Apr;91(4):808-17., aumentando a expressão de Runx-2 e a diferenciação de células do músculo liso vascular em células semelhantes ao osteoblasto. O estudo NEFRONA3838 Arroyo D, Betriu A, Valls J, Gorriz J, Pallares V, Abajo M, et al. Factors influencing pathological ankle-brachial index values along the chronic kidney disease spectrum: the NEFRONA study. Nephrol Dial Transplant. 2017 Mar;32(3):513-20. demonstrou que um ITB>1,4 está relacionado à HD e à hiperfosfatemia. Vários autores encontraram uma correlação positiva entre o fósforo sérico e a calcificação vascular, sendo ambas variáveis também associadas a eventos cardiovasculares11 London GM, Guérin AP, Marchais SJ, Métivier F, Pannier B, Adda H. Arterial media calcification in end-stage renal disease: impact on all-cause and cardiovascular mortality. Nephrol Dial Transplant. 2003 Sep;18(9):1731-40.,3939 Goodman WG, Goldin J, Kuizon BD, Yoon C, Gales B, Sider D, et al. Coronary-artery calcification in young adults with end-stage renal disease who are undergoing dialysis. N Engl J Med. 2000 May;342(20):1478-83.,4040 Baralic M, Brkovic V, Stojanov V, Stankovic V, Lalic N, Duric P, et al. Dual roles of the mineral metabolism disorders biomarkers in prevalent hemodilysis patients: in renal bone disease and in vascular calcification. J Med Biochem. 2019 Apr;38(2):134-44.. A associação do ITB elevado com o tempo de HD encontrada neste estudo também foi observada por outros autores3333 London GM, Marchais SJ, Guérin AP, Vernejoul MC. Ankle-brachial index and bone turnover in patients on dialysis. J Am Soc Nephrol. 2015 Feb;26(2):476-83.,4040 Baralic M, Brkovic V, Stojanov V, Stankovic V, Lalic N, Duric P, et al. Dual roles of the mineral metabolism disorders biomarkers in prevalent hemodilysis patients: in renal bone disease and in vascular calcification. J Med Biochem. 2019 Apr;38(2):134-44., sugerindo que pacientes expostos a distúrbios minerais por longo período de tempo podem desenvolver maior rigidez.

Nossa população de estudo foi composta por pacientes com hiperparatireoidismo muito grave e consequentes distúrbios ósseos e extraesqueléticos. A prevalência de calcificação vascular nesses pacientes foi bastante alta e detectada por uma ferramenta amplamente disponível e de baixo custo, como o sonar-Doppler. Segundo nosso conhecimento, este foi o primeiro estudo a avaliar o ITB como preditor de desfecho cardiovascular em pacientes em hemodiálise com hiperparatireoidismo grave. Mostramos que pacientes com ITB≥1,6 demonstraram um risco nove vezes maior de apresentar um evento cardiovascular, enquanto pacientes com ITB≥1,8 apresentaram um risco doze vezes maior de óbito cardiovascular. Esta informação deve ser considerada ao escolher uma terapia. Como afirmado anteriormente, o HPTS grave é uma realidade em muitos países ao redor do mundo, seja pela dificuldade em adquirir os medicamentos ou realizar a paratireoidectomia em centros especializados. Além disso, estudos futuros podem avaliar se níveis mais elevados de ITB podem representar diferentes graus de gravidade, como já ocorre com níveis baixos de ITB.

A principal limitação do presente estudo foi o desenho observacional de centro único, com um número relativamente pequeno de pacientes. Além disso, utilizamos apenas os testes laboratoriais disponíveis na prática clínica e não fomos capazes de avaliar biomarcadores, como o FGF-23 ou a fetuína A, que forneceriam mais informações sobre a fisiopatologia da calcificação vascular.

Em conclusão, o presente estudo mostrou que o uso do ITB por sonar-Doppler pode proporcionar melhor conhecimento sobre a prevalência de calcificações vasculares em HPTS grave, bem como desfechos clínicos. Sugerimos que esta simples ferramenta de diagnóstico seja usada como preditor de eventos cardiovasculares e mortalidade, especialmente em doentes com ITB≥1,6 em pacientes em HD com HPTS grave. Esta ferramenta fácil e relativamente econômica pode contribuir para a decisão terapêutica e ajudar a selecionar os pacientes que devem ser priorizados para a paratireoidectomia.

References

  • 1
    London GM, Guérin AP, Marchais SJ, Métivier F, Pannier B, Adda H. Arterial media calcification in end-stage renal disease: impact on all-cause and cardiovascular mortality. Nephrol Dial Transplant. 2003 Sep;18(9):1731-40.
  • 2
    Giachelli CM. The emerging role of phosphate in vascular calcification. Kidney Int. 2009 May;75(9):890-7.
  • 3
    Vervloet M, Cozzolino M. Vascular calcification in chronic kidney disease: different bricks in the wall?. Kidney Int. 2017 Apr;91(4):808-17.
  • 4
    Lomashvili KA, Garg P, Narisawa S, Millan JL, O'Neill WC. Upregulation of alkaline phosphatase and pyrophosphate hydrolysis: potential mechanism for uremic vascular calcification. Kidney Int. 2008 May;73(9):1024-30.
  • 5
    Slatopolsky E, Brown A, Dusso A. Role of phosphorus in the pathogenesis of secondary hyperparathyroidism. Am J Kidney Dis. 2001 Jan;37(1 Suppl 2):S54-S7.
  • 6
    Hruska KA, Mathew S, Lund R, Qiu P, Pratt R. Hyperphosphatemia of chronic kidney disease. Kidney Int. 2008 Jul;75(2):148-57.
  • 7
    Fukagawa M, Kido R, Komaba H, Onishi Y, Yamaguchi T, Hasegawa T, et al. Abnormal mineral metabolism and mortality in hemodialysis patients with secondary hyperparathyroidism: evidence from marginal structural models used to adjust for time-dependent confounding. Am J Kidney Dis. 2014 Jun;63(6):979-87.
  • 8
    Adragao T, Pires A, Lucas C, Birne R, Magalhaes L, Goncalves M, et al. A simple vascular calcification score predicts cardiovascular risk in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2004 Jun;19(6):1480-8.
  • 9
    Kauppila LI, Polak JF, Cupples LA, Hannan MT, Kiel DP, Wilson PW. New indices to classify location, severity and progression of calcific lesions in the abdominal aorta: a 25-years follow-up study. Atherosclerosis. 1997 Jul;132(2):245-50.
  • 10
    Adragão T, Pires A, Branco P, Castro R, Oliveira A, Nogueira C, et al. Ankle-brachial index, vascular calcifications and mortality in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2012 Jan;27(1):318-25.
  • 11
    Aboyans V, Criqui MH, Abraham P, Allison MA, Creager MA, Diehm C, et al. Measurement and interpretation of the ankle-brachial index: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2012 Dec;126(24):2890-909.
  • 12
    Ono K, Tsuchida A, Kawai H, Matsuo H, Wakamatsu R, Maezawa A, et al. For the GUNMA Dialysis and ASO Study Group. Ankle-brachial blood pressure index predicts all-cause and cardiovascular mortality in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol. 2003 Dec;14(6):1591-8.
  • 13
    Jimenez ZNC, Pereira BJ, Romão Junior JE, Makida SCS, Abensur H, Moyses RMA, et al. Ankle-brachial index: a simple way to predict mortality among patients on hemodialysis - a prospective study. PloS One. 2012;7(7):e42290.
  • 14
    Bevc S, Purg D, Knehtl M, Hren M, Turnsek N, Hojs N, et al. Ankle-brachial index and long-term (10 years) survival of nondiabetic hemodialysis patients. Ther Apher Dial. 2016 Jun;20(3):277-80.
  • 15
    Young EW, Akiba T, Albert JM, McCarthy JT, Kerr PG, Mendelssohn DC, et al. Magnitude and impact of abnormal mineral metabolism in hemodialysis patients in the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis. 2004 Nov;44(5 Suppl 2):34-8.
  • 16
    Douthat WG, Castellano M, Berenguer L, Guzmán MA, Arteaga J, Chiurchiu CR, et al. High prevalence of secondary hyperparathyroidism in chronic kidney disease patients on dialysis in Argentina. Nefrologia. 2013;33(5):657-66.
  • 17
    Oliveira RB, Silva EN, Charpinel DMF, Gueiros JEB, Neves CL, Sampaio EA, et al. Situação do hiperparatireoidismo secundário autônomo no Brasil: dados do Censo Brasileiro de Paratireoidectomia J Bras Nefrol. 2011 Nov/Dec;33(4):457-62.
  • 18
    Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Censo de diálise SBN 2016 [Internet]. São Paulo: SBN; 2017; [access in 2017 Jul 09]. Available from: http://www.censo-sbn.org.br/cp16baixa.php?arquivo=Censo_2016.pptx2017
    » http://www.censo-sbn.org.br/cp16baixa.php?arquivo=Censo_2016.pptx2017
  • 19
    Fernández-Martín JL, Carrero JJ, Benedik M, Bos WJ, Covic A, Ferreira A, et al. COSMOS: the dialysis scenario of CKD-MBD in Europe. Nephrol Dial Transplant. 2013 Jul;28(7):1922-35.
  • 20
    Young E, Albert J, Satayathum B, Goodkin D, Pisoni R, Akiba T, et al. Predictors and consequences of altered mineral metabolism: the dialysis outcomes and practice patterns study. Kidney Int. 2005 Mar;67(3):1179-87.
  • 21
    Mehrotra R, Kopple J, Wolfson M. Metabolic acidosis in maintenance dialysis patients: clinical considerations. Kidney Int Suppl. 2003 Dec;64(88):S13-S25.
  • 22
    Tominaga Y. Current status of parathyroidectomy for secondary hyperparathyroidism in Japan. NDT Plus. 2008 Aug;1(Suppl 3):iii35-8.
  • 23
    Rubin MR. Bone cells and bone turnover in diabetes mellitus. Curr Osteoporos Rep. 2015 Jun;13(3):186-91.
  • 24
    Ix JH, Katz R, Peralta CA, Boer IH, Allison MA, Bluemke DA, et al. A high ankle brachial index is associated with greater left ventricular mass MESA (multi-ethnic study of atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2010 Jan;55(4):342-9.
  • 25
    London GM. Left ventricular alterations and end-stage renal disease. Nephrol Dial Transplant. 2002;17(Suppl 1):29-36.
  • 26
    Chena SC, Huanga JC, Sub HM, Chiua YW, Changa JM, Hwanga SJ, et al. Prognostic cardiovascular markers in chronic kidney disease. Kidney Blood Press Res. 2018;43(4):1388-407.
  • 27
    Nigwekar SU, Thadhani R, Brandenburg VM. Calciphylaxis. N Engl J Med. 2018 May;378(18):1704-14.
  • 28
    Chen J, Mohler ER, Garimella PS, Hamm LL, Xie D, Kimmel S, et al. Ankle brachial index and subsequent cardiovascular disease risk in patients with chronic kidney disease. J Am Heart Assoc. 2016 May;5(6):e003339.
  • 29
    Criqui MH, McClelland RL, McDermott MM, Allison MA, Blumenthal RS, Aboyans V, et al. The ankle-brachial index and incident cardiovascular events in the MESA (multi-ethnic study of atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2010 Oct;56(18):1506-12.
  • 30
    Nishimura H, Miura T, Minamisawa M, Ueki Y, Abe N, Hashizume N, et al. Clinical characteristics and outcomes of patients with high ankle-brachial index from the IMPACT-ABI study. PLoS One. 2016 Nov;11(11):e0167150.
  • 31
    Resnick HE, Lindsay RS, McDermott MM, Devereux RB, Jones KL, Fabsitz RR, et al. Relationship of high and low ankle brachial index to all-cause and cardiovascular disease mortality the strong heart study. Circulation. 2004 Feb;109(6):733-9.
  • 32
    Gu X, Man C, Zhang H, Fan Y. High ankle-brachial index and risk of cardiovascular or all-cause mortality: a meta-analysis. Atherosclerosis. 2019 Mar;282:29-36.
  • 33
    London GM, Marchais SJ, Guérin AP, Vernejoul MC. Ankle-brachial index and bone turnover in patients on dialysis. J Am Soc Nephrol. 2015 Feb;26(2):476-83.
  • 34
    Kullo IJ, Rooke TW. Peripheral artery disease. N Engl J Med. 2016 Mar;374(9):861-71.
  • 35
    Chiang C. The use of bone turnover markers in chronic kidney disease-mineral and bone disorders. Nephrology (Carlton). 2017 Mar;22(Suppl 2):11-3.
  • 36
    Bover J, Ureña P, Aguilar A, Mazzaferro S, Benito S, López-Báez V, et al. Alkaline phosphatases in the complex chronic kidney disease-mineral and bone disorders. Calcif Tissue Int. 2018 Aug;103(2):111-24.
  • 37
    Schoppet M, Shanahan CM. Role for alkaline phosphatase as an inducer of vascular calcification in renal failure?. Kidney Int. 2008 May;73(9):989-91.
  • 38
    Arroyo D, Betriu A, Valls J, Gorriz J, Pallares V, Abajo M, et al. Factors influencing pathological ankle-brachial index values along the chronic kidney disease spectrum: the NEFRONA study. Nephrol Dial Transplant. 2017 Mar;32(3):513-20.
  • 39
    Goodman WG, Goldin J, Kuizon BD, Yoon C, Gales B, Sider D, et al. Coronary-artery calcification in young adults with end-stage renal disease who are undergoing dialysis. N Engl J Med. 2000 May;342(20):1478-83.
  • 40
    Baralic M, Brkovic V, Stojanov V, Stankovic V, Lalic N, Duric P, et al. Dual roles of the mineral metabolism disorders biomarkers in prevalent hemodilysis patients: in renal bone disease and in vascular calcification. J Med Biochem. 2019 Apr;38(2):134-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2020
  • Aceito
    23 Mar 2021
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com