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A influência de diferentes tipos de jejum no perfil lipídico em voluntários de um município do Rio Grande do Sul, Brasil

RESUMO

Introdução:

A determinação do perfil lipídico inclui dosagens de triglicerídeos (TG), colesterol total e frações do colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c) e do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c). Esses parâmetros são muito valiosos na avaliação do risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Porém, alguns fatores pré-analíticos, como o estado de jejum, podem interferir nos resultados desses exames.

Objetivo:

Avaliar se existem diferenças significativas nas dosagens do perfil lipídico em amostras de sangue coletadas em diferentes períodos de jejum em homens e mulheres com ou sem diagnóstico de hipercolesterolemia.

Método:

Foram avaliados 50 voluntários de ambos os sexos, com faixa etária entre 22 e 86 anos. Foram coletadas informações sociodemográficas e duas amostras de sangue, uma com jejum prévio de 12 horas e outra pós-prandial, com posterior dosagem de colesterol total, HDL-c, LDL-c e TG.

Resultados:

Ao comparar os valores obtidos do perfil lipídico nas duas coletas, observou-se que o colesterol total e o HDL-c não apresentaram diferenças significativas nos sujeitos avaliados. Por outro lado, o LDL-c e o TG expressaram valores significativamente mais elevados na coleta realizada de forma pós-prandial, preferencialmente no grupo masculino.

Conclusão:

O conjunto dos dados obtidos sugere que os níveis de TG e LDL-c são as frações com maior suscetibilidade a variações quando são coletadas sem jejum prévio.

Unitermos:
jejum; período pós-prandial; lipoproteínas

ABSTRACT

Introduction:

Determination of lipid profile includes triglycerides (TG), total cholesterol and fractions as high-density lipoprotein cholesterol (HDL-c) and low-density lipoprotein cholesterol (LDL-c). These parameters are valuable in the risk assessment of developing cardiovascular disease. However, some pre-analytical factors, such as the fasting state, may interfere with the results of these tests.

Objective:

The aim of this study was to evaluate differences on lipid profile measurements in blood samples collected at different fasting periods in men and women with or without a diagnosis of hypercholesterolemia.

Methods:

Fifty volunteers of both sexes, aged between 22 and 86 years, were evaluated. Sociodemographic data and two blood samples were collected, one after 12 hours fast and another during postprandial period, with subsequent measurement of total cholesterol, HDL-c, LDL-c and TG.

Results:

Comparing the values of the lipid profile obtained in the two collections, it was observed that the total cholesterol and HDL-c did not present significant differences among the evaluated subjects. On the other hand, LDL-c and TG showed significant higher values on postprandial samples, preferably in male group.

Conclusion:

These data suggest that TG and LDL-c levels are the fractions with greater susceptibility to variations when they are collected without prior fasting.

Key words:
fasting; postprandial period; lipoprotein

RESUMEN

Introducción:

La determinación del perfil lipídico incluye los triglicéridos (TG), colesterol total y fracciones del colesterol de la lipoproteína de alta densidad (HDL-c) y colesterol de la lipoproteína de baja densidad (LDL-c). Eses parámetros son muy valiosos en la evaluación del riesgo cardiovascular. Sin embargo, algunos factores preanalíticos, como el estado de ayuno, pueden interferir en los resultados de esos exámenes.

Objetivo:

Evaluar si hay diferencias significativas en la determinación del perfil lipídico en muestras de sangre recolectadas de hombres y mujeres con o sin diagnóstico de hipercolesterolemia.

Método:

Se evaluaron 50 voluntarios de ambos sexos, con edades comprendidas entre 22 y 86 años. Se recolectaron informaciones sociodemográficas y dos muestras de sangre, una con ayuno previo de 12 horas y otra posprandial, con determinación posterior de colesterol total, HDL-c, LDL-c, y TG.

Resultados:

Comparándose los valores obtenidos del perfil lipídico en las dos coletas, se observó que el colesterol total y el HDL-c no presentaron diferencias significativas en los sujetos evaluados. Al mismo tiempo, LDL-c y TG mostraron valores significativamente más elevados en la recolecta posprandial, preferencialmente en el grupo masculino.

Conclusión:

El conjunto de datos obtenidos sugiere que los niveles de TG y LDL-c son las fracciones con mayor susceptibilidad a variaciones cuando son recolectadas sin ayuno previo.

Palabras clave:
ayuno; periodo posprandial; lipoproteínas

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 20 milhões de indivíduos morrerão por doenças cardiovasculares até o ano de 2030. As doenças cardiovasculares, entre as doenças crônicas não transmissíveis, são responsáveis por cerca de 47,2% das mortes no mundo e por aproximadamente 33% de mortes no Brasil(11 Kim HC, Oh SM. Noncommunicable diseases: current status of major modifiable risk factors in Korea. J Prev Med Public Heal. 2013. doi:10.3961/jpmph.2013.46.4.165.
https://doi.org/10.3961/jpmph.2013.46.4....
).

Neste contexto, a triagem para dislipidemias como fator de risco para doenças cardiovasculares e o manejo de medicamentos hipolipemiantes são parte fundamental da atenção primária(22 Naugler C, Sidhu D. Break the fast? Update on patient preparation for cholesterol testing. Can Fam physician Médecin Fam Can. 2014. doi:60/10/895 [pii].
https://doi.org/60/10/895 [pii]....
). Por muitos anos, a determinação do perfil lipídico de rotina, incluindo triglicerídeos (TG), colesterol total e frações do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e do colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), vem sendo realizada em laboratório de análises clínicas em amostras de sangue coletadas em condição de jejum de no mínimo 8 horas(33 Perk J, De Backer G, Gohlke H, et al. European Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice (version 2012). Eur Heart J. 2012. doi:10.1093/eurheartj/ehs092.
https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehs092...
,44 National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel. Third report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) expert panel on detection, evaluation and treatment of high blood cholesterol in adults (Adult Treatment Panel III). Arch Intern Med. 2002. doi:10.1001/archinte.1991.00400060019005.
https://doi.org/10.1001/archinte.1991.00...
). O conjunto desses resultados adicionado à avaliação genética, comportamental e nutricional do sujeito podem prever o risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares crônicas(55 Dickstein K, Cohen-Solal A, Filippatos G, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2008. Eur J Heart Fail. 2008. doi:10.1016/j.ejheart.2008.08.005.
https://doi.org/10.1016/j.ejheart.2008.0...

6 Grillo LP, Crispim SP, Nardelli A, et al. Perfil lipídico e obesidade em escolares de baixa renda. Rev Bras Epidemiol. 2005. doi:10.1590/S1415-790X2005000100009.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500...

7 Oliveira MAM, Fagundes RLM, Moreira EAM, Trindade EBSM, Carvalho T. Relação de indicadores antropométricos com ffatores de risco para doença cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2010. doi:10.1590/S0066-782X2010005000012.
https://doi.org/10.1590/S0066-782X201000...
-88 Stone NJ, Robinson JG, Lichtenstein AH, et al. 2013 ACC/AHA guideline on the treatment of blood cholesterol to reduce atherosclerotic cardiovascular risk in adults: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014. doi:10.1016/j.jacc.2013.11.002.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.11.0...
). Dessa forma, são diversas as razões para a necessidade do jejum, principalmente porque o estado pós-prandial altera a composição de lipoproteínas, refletindo em um aumento na concentração de TG, o qual tem relação direta com o conteúdo de lipídios e carboidratos da alimentação. Além disso, o aumento do TG impacta no cálculo da fração LDL-c quando utilizada a equação de Friedwald(99 Rifai N, Young IS, Nordestgaard BG, et al. Nonfasting sample for the determination of routine lipid profile: is it an idea whose time has come? Clin Chem. 2016. doi:10.1373/clinchem.2015.247866.
https://doi.org/10.1373/clinchem.2015.24...
).

No entanto, sabe-se que a maior parte da vida dos indivíduos acontece em estado metabólico pós-prandial, e a coleta de amostra em jejum para determinar riscos cardiovasculares futuros tem sido muito contestada(1010 Driver SL, Martin SS, Gluckman TJ, Clary JM, Blumenthal RS, Stone NJ. Fasting or nonfasting lipid measurements it depends on the question. J Am Coll Cardiol. 2016. doi:10.1016/j.jacc.2015.12.047.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2015.12.0...
). Evidências recentes têm demonstrado que a concentração de TG mensurado em períodos sem jejum prévio foi considerada um melhor preditor para eventos coronarianos futuros, quando comparada com TG coletado em jejum, tanto em homens quanto em mulheres(99 Rifai N, Young IS, Nordestgaard BG, et al. Nonfasting sample for the determination of routine lipid profile: is it an idea whose time has come? Clin Chem. 2016. doi:10.1373/clinchem.2015.247866.
https://doi.org/10.1373/clinchem.2015.24...
). Porém, ainda há muitas controvérsias a respeito desse tema. A Sociedade Dinamarquesa de Bioquímica Clínica, em 2009, e o Instituto Nacional de Excelência Clínica do Reino Unido (NICE), em 2014, recomendaram a utilização de amostra de sangue sem jejum prévio para a determinação do perfil lipídico de rotina(1111 National Clinical Guideline Centre, NICE. Lipid modification: cardiovascular risk assessment and the modification of blood lipids for the primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Natl Inst Heal Care Excell. 2014. doi:10.1136/hrt.2008.150979.
https://doi.org/10.1136/hrt.2008.150979...
); a Sociedade Europeia de Aterosclerose e a Federação Europeia de Química Clínica e Medicina Laboratorial também seguem essa recomendação(1212 Nordestgaard BG, Langsted A, Mora S, et al. Fasting is not routinely required for determination of a lipid profile: clinical and laboratory implications including flagging at desirable concentration cutpoints-A joint consensus statement from the European Atherosclerosis Society and European Federat. Clin Chem. 2016. doi:10.1373/clinchem.2016.258897.
https://doi.org/10.1373/clinchem.2016.25...
). Em contraste, as diretrizes divulgadas em 2013 pelo Colégio Americano de Cardiologia/Associação Americana do Coração (ACC/AHA) apresentam predileção por amostras coletadas em jejum para essa finalidade(88 Stone NJ, Robinson JG, Lichtenstein AH, et al. 2013 ACC/AHA guideline on the treatment of blood cholesterol to reduce atherosclerotic cardiovascular risk in adults: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014. doi:10.1016/j.jacc.2013.11.002.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.11.0...
, 1313 Mora S. Nonfasting for routine lipid testing from evidence to action. JAMA Intern Med. 2016. doi:10.1001/jamainternmed.2016.1979.
https://doi.org/10.1001/jamainternmed.20...
).

No Brasil, segundo o Consenso Brasileiro para Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil lipídico, de dezembro de 2016, a flexibilização do jejum para a avaliação do perfil lipídico segue as seguintes motivações: a) o paciente encontra-se por mais tempo em estado alimentado, o que torna mais eficaz o seu potencial impacto sobre o risco cardiovascular; b) praticidade de coleta para o paciente; c) a coleta pós-prandial é mais segura em diversas situações, como em pacientes diabéticos; d) as dosagens não diferem significativamente se dosadas no estado pós-prandial ou em jejum; e) redução do congestionamento nos laboratórios, principalmente na parte da manhã; f) os principais ensaios disponíveis mitigaram as interferências causadas pela maior turbidez nas amostras, decorrentes de elevadas concentrações de TG, com os avanços tecnológicos nas metodologias diagnósticas(1414 Análises Clínicas SB, Diabetes SB, Cardiologia SB, Endocrinologia e Metabologia SB, Patologia Clínica/Medicina Laboratorial SB. Consenso brasileiro para a normatização da determinação do perfil lipídico. 2016. Available at: /www.google.com/search?source=hp&ei=2LudW7HRL8aGwgS0vbDoBQ&q=consenso+brasileiro+normatização+perfil+lipidico&oq=consenso+brasileiro+norma&gs_l=psyb.1.0.0j0i22i30k1l3.1978.409.0.6304.25.11.0.10.10.0.229.1066.0j6j1.7.0....0...1c.1.64.ps. [Accessed on: 2018, Sep 15].
/www.google.com/search?source=hp&ei=2Lud...
).

Assim, devido às controvérsias ainda existentes no que se refere as dosagens do perfil lipídico no estado pós-prandial e em jejum, este estudo objetivou avaliar se existem diferenças significativas nas dosagens do perfil lipídico em amostras de sangue coletadas em diferentes períodos de jejum em homens e mulheres com ou sem diagnóstico de hipercolesterolemia.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, exploratório e observacional/descritivo que foi realizado com 50 voluntários de ambos os sexos, com ou sem diagnóstico de hipercolesterolemia, habitantes da cidade de Severiano de Almeida, Rio Grande do Sul, Brasil. Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) e aprovado sob o parecer consubstanciado de número 2.578.688.

Como critérios de inclusão no estudo, foram considerados: ser adulto acima de 18 anos; fazer ou não tratamento medicamentoso para hipercolesterolemia; e ter disponibilidade para os horários das coletas estabelecidas. Como critérios de exclusão, foram considerados voluntários menores de 18 anos e aqueles que não atenderam aos procedimentos pré-coletas. Os voluntários participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e preencheram um formulário sociodemográfico que abordava questões que envolviam dados relacionados a sexo, idade, realização atividade física - quantas vezes por semana -, histórico familiar de doença cardiovascular - e o grau de parentesco -, se já foi diagnosticado com doença cardiovascular, se faz uso de alguma medicação - quais medicações e o tempo do tratamento - e se faz restrição alimentar.

A amostra foi obtida por meio de duas coletas de sangue para cada paciente, realizadas no Laboratório de Análises Clínicas Burlab S/C Ltda, pela farmacêutica Claudia Regina Colla. A primeira coleta foi realizada em condições de jejum prévio de 12 horas e a segunda, no mesmo dia, porém em condições pós-prandial, ou seja, duas horas após o almoço. Os tubos para a coleta de sangue foram identificados, e, em seguida, a coleta foi realizada por punção venosa, com assepsia prévia, obtendo uma quantidade de 5 ml de sangue por amostra, utilizando-se agulha de 25 × 7 mm, com uma seringa de volume total de 5 ml. A seguir, o sangue coletado foi transferido para um tubo com ativador de coágulo, já identificado no início da coleta. Ao final do procedimento, seringa e agulha eram descartadas em um coletor para perfurocortantes; colocou-se um stopper no local da punção. Após o encerramento das coletas, os voluntários foram informados sobre a data de liberação do laudo, porém só foram liberados os resultados do lipidograma correspondente aos valores de jejum.

Os tubos que continham as amostras de sangue foram centrifugados por 5 minutos a 3.000 rotações por minuto (rpm). Após a obtenção do soro, deu-se início às análises bioquímicas. Foram mensurados dois controles internos de qualidade antes do início das análises para avaliação do controle de qualidade de todos os procedimentos e parâmetros analisados. O equipamento utilizado para as análises foi o analisador bioquímico automático SX-160 da Sinnowa Brasil®, o qual utiliza o tubo primário. As mensurações de colesterol total e TG foram determinadas pelo método enzimático colorimétrico; o HDL-c, pelo método direto, utilizando reagentes da Biotécnica®; já o LDL-c, por sua vez, a partir da fórmula recomendada por Friedewald et al. (1972)(1515 Friedewald WT, Levy RI, Fredrickson DS. Estimation of the concentration of low-density lipoprotein cholesterol in plasma, without use of the preparative ultracentrifuge. Clin Chem. 1972. doi:10.1177/107424840501000106.
https://doi.org/10.1177/1074248405010001...
).

Todos os resultados obtidos foram compilados e apresentados por meio de gráficos. As variáveis qualitativas foram apresentadas de forma descritiva; as variáveis bioquímicas quantitativas, analisadas pelo teste t de Student para amostras pareadas, através do software GraphPad Prism®. A diferença estatística foi considerada significativa quando p < 0,05.

RESULTADOS

Dos 50 voluntários que participaram do estudo, 23 (46%) eram do sexo masculino e 27 (54%), do sexo feminino, com a faixa etária variando entre 22 e 86 anos e mediana de 32 anos.

De acordo com o questionário sociodemográfico preenchido pelos participantes voluntários, observou-se que 15 (30%) indivíduos realizavam atividades físicas, sendo elas caminhadas uma a três vezes por semana; 35 (70%) voluntários não realizavam nenhum tipo de atividade física. Em relação às doenças cardiovasculares, constatou-se que 14 (28%) participantes não têm histórico dessa patologia e 36 (72%) possuem familiares com alguma doença cardiovascular, com grau de parentesco próximo (pai, mãe e irmãos). Destes (72%), 10 (27,7%) já foram diagnosticados com alguma doença cardiovascular; entre eles, quatro (40%) fazem uso de medicação: atorvastatina 90 mg e sinvastatina 10 mg.

Quanto à dieta, 40 (80%) voluntários admitiram não fazer restrição alimentar; somente 10 (20%) fazem restrição, evitando frituras e gorduras.

Os resultados obtidos do perfil lipídico foram analisados de acordo com os dados encontrados na Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (2017), em condições metabólicas de jejum e pós-prandial, efetuando-se uma comparação em relação a sexo, diagnóstico ou não de hipercolesterolemia e uso de medicamentos.

A Figura 1 mostra os valores obtidos dos TG séricos (A e B), do colesterol total (C e D), do LDL-c (E e F) e do HDL-c (G e H) de todos os indivíduos avaliados em condições de jejum prévio e pós-prandial, bem como quando eles foram separados por sexo. Pode-se observar que houve um aumento significativo nas concentrações de TG quando mensurado o valor pós-prandial, tanto na população total (t(49) = 7,653; p < 0,001; Figura 1A) quanto no grupo de homens (t(20) = 5,751; p < 0,001) e de mulheres (t(28) = 5,457; p < 0,001) (Figura 1B). Por outro lado, notou-se diminuição significativa na concentração de LDL-c quando avaliada em todos os voluntários (t(47) = 4,499; p < 0,001; Figura 1E) e no grupo de homens (t(19) = 6,151; p < 0,001) e mulheres (t(27) = 2,342; p < 0,05) (Figura 1F).

FIGURA 1
Perfil lipídico de indivíduos mensurado após jejum prévio de 12 horas e de forma pós-prandial

A figura mostra a concentração de TG no soro (A), colesterol total (C), LDL-c (E) e HDL-c (G) no total dos voluntários (n = 50) avaliados, bem como a concentração de TG no soro (B), colesterol total (D), LDL-c (F) e de HDL-c (H) quando eles foram separados entre homens (n = 21) e mulheres (n = 29). Os dados representam a média ± o erro padrão da média.

TG: triglicerídeos; LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade; *p < 0,05 e ***p < 0,001 quando comparados os valores obtidos no jejum prévio e no pós-prandial do mesmo indivíduo (teste t de student para amostras pareadas).


Além desses valores, também se observou diminuição significativa na concentração de HDL-c quando comparados os resultados em jejum e pós-prandial, apenas no grupo composto por mulheres (t(28) = 2,057; p < 0,05) (Figura 1H). As concentrações de colesterol total não apresentaram diferença significativa entre os grupos (Figuras 1C e D).

A Figura 2 mostra os valores obtidos da mensuração de TG no soro em homens e mulheres, portadores ou não de hipercolesterolemia. Foi possível observar que a elevação dessa fração lipídica no período pós-prandial manteve-se de forma significativa em todos os grupos avaliados.

FIGURA 2
Concentração de TG no soro de indivíduos portadores e não portadores de hipercolesterolemia mensurada após jejum prévio de 12 horas e de forma pós-prandial

A figura mostra a concentração de TG no soro de indivíduos do sexo masculino não portadores (n = 13) e portadores (n = 8) de hipercolesterolemia (A), e de indivíduos do sexo masculino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 5) ou não (n = 3) (B). Também mostra a concentração de TG no soro de voluntários do sexo feminino não portadores (n = 15) e portadores (n = 14) de hipercolesterolemia (C), e de voluntários do sexo feminino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 8) ou não (n = 6) (D). Os dados representam a média ± o erro padrão da média.

TG: triglicerídeos; *p < 0,05 e ***p < 0,001 quando comparados os valores obtidos no jejum prévio e no pós-prandial do mesmo indivíduo (teste t de student para amostras pareadas).


Houve aumento significativo de TG em homens no período pós-prandial, tanto nos indivíduos portadores (t(7) = 4,880; p < 0,01) e não portadores (t(12) = 3,701; p < 0,01) de hipercolesterolemia (Figura 2A) como naqueles que realizavam tratamento (t(4) = 3,459; p < 0,05) ou não (t(2) = 7,835; p < 0,05) para essa condição metabólica (Figura 2B). O mesmo padrão de resultados foi observado nas mulheres: aumento significativo de TG no período pós-prandial nas portadoras (t(13) = 3,89; p < 0,01) e não portadoras (t(14) = 5,151; p < 0,001) de hipercolesterolemia (Figura 2C), bem como naquelas que realizavam tratamento (t(13) = 3,889; p < 0,01) ou não (t(5) = 3,310; p < 0,05) para essa condição metabólica (Figura 2D).

Com relação ao colesterol total, não foram evidenciadas diferenças significativas nos resultados das concentrações séricas, tanto nas mulheres quanto nos homens portadores ou não de hipercolesterolemia, bem como quando comparados os que fazem ou não uso de medicação (Figura 3).

FIGURA 3
Concentração de colesterol total de voluntários portadores e não portadores de hipercolesterolemia mensurada após jejum prévio de 12 horas e de forma pós-prandial

A figura mostra a concentração de colesterol total no soro de indivíduos do sexo masculino não portadores (n = 13) e portadores (n = 8) de hipercolesterolemia (A), e de indivíduos do sexo masculino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 5) ou não (n = 3) (B). Também mostra a concentração de colesterol total no soro de voluntários do sexo feminino não portadores (n = 15) e portadores (n = 14) de hipercolesterolemia (C), e de voluntários do sexo feminino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 8) ou não (n = 6) (D).

Os dados representam a média ± o erro padrão da média (teste t de student para amostras pareadas).


A Figura 4 mostra os resultados obtidos da mensuração de LDL-c no soro em homens e mulheres portadores e não portadores de hipercolesterolemia. No grupo masculino, foi possível observar uma diminuição significativa nessa fração lipídica quando mensurada no período pós-prandial dos indivíduos portadores (t(7) = 45,827; p < 0,001) e não portadores (t(11) = 3,758; p < 0,01) (Figura 4A), bem como naqueles que realizavam tratamento (t(4) = 4,384; p < 0,05) ou não (t(2) = 11,59; p < 0,01) para essa condição metabólica (Figura 4B).

FIGURA 4
Concentração de LDL-c no soro de indivíduos portadores e não portadores de hipercolesterolemia mensurada após jejum prévio de 12 horas e de forma pós-prandial

A figura mostra a concentração de LDL-c no soro de indivíduos do sexo masculino não portadores (n = 13) e portadores (n = 8) de hipercolesterolemia (A), e de indivíduos do sexo masculino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 5) ou não (n = 3) (B). Também mostra a concentração de LDL-c no soro de voluntários do sexo feminino não portadores (n = 15) e portadores (n = 14) de hipercolesterolemia (C), e de voluntários do sexo feminino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 8) ou não (n = 6) (D). Os dados representam a média ± o erro padrão da média.

LDL-c: colesterol da lipoproteína de baixa densidade; *p < 0,05, **p < 0,05 e ***p < 0,001 quando comparados os valores obtidos no jejum prévio e no pós-prandial do mesmo indivíduo (teste t de student para amostras pareadas).


Em relação ao grupo das mulheres, observou-se somente uma diminuição significativa na concentração de LDL-c pós-prandial nas voluntárias que não são portadoras de hipercolesterolemia (t(14) = 3,172; p < 0,05; Figura 4C) e naquelas que não fazem nenhum tratamento para essa condição metabólica (t(2) = 4,856; p < 0,05; Figura 4D).

Por fim, não foram observadas diferenças significativas nos resultados das concentrações séricas em jejum e pós-prandial de HDL-c nos portadores ou não de hipercolesterolemia de ambos os sexos avaliados e nos que fazem uso ou não de medicamentos para essa patologia (Figura 5).

FIGURA 5
Concentração de HDL-c no soro de indivíduos portadores e não portadores de hipercolesterolemia mensurada após jejum prévio de 12 horas e de forma pós-prandial

A figura mostra a concentração de HDL-c no soro de indivíduos do sexo masculino não portadores (n = 13) e portadores (n = 8) de hipercolesterolemia (A), e de indivíduos do sexo masculino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 5) ou não (n = 3) (B). Também mostra a concentração de HDL-c no soro de voluntários do sexo feminino não portadores (n = 15) e portadores (n = 14) de hipercolesterolemia (C), e de voluntários do sexo feminino portadores de hipercolesterolemia que fazem uso de medicamentos orais (n = 8) ou não (n = 6) (D). Os dados representam a média ± o erro padrão da média (teste t de student para amostras pareadas

HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade.


DISCUSSÃO

No presente estudo, foram avaliadas as características sociodemográficas e o perfil lipídico em dois períodos metabólicos: jejum de 12 horas e pós-prandial, de 50 voluntários de ambos os sexos, com diagnóstico confirmado ou não de hipercolesterolemia. Notou-se discrepância principalmente quando comparados os achados bioquímicos nas análises das concentrações séricas de LDL-c e TG, os quais se mostraram mais elevados no período pós-prandial. Por outro lado, o colesterol total e o HDL-c apresentaram pouca variação ao se comparar os resultados no estado de jejum e no pós-prandial.

No Brasil, a doença cardiovascular aterosclerótica é considerada um grave problema de saúde pública devido ao grande número de indivíduos acometidos e à falta de conhecimento dessa patologia, ou mesmo pela falta de orientações e tratamento adequado, aumentando os riscos para o desenvolvimento de doenças cardíacas(1616 Giganteli DP Moura EC, Sardinha LMV. Prevalência de excesso de peso e obesidade e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saúde Pública. 2009. doi:10.1590/S0034-89102009000900011.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...
). Nesse contexto, a dislipidemia é considerada um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares por conta da alteração na quantidade de lipoproteínas, representada pelo aumento e/ou pela diminuição das partículas, além de ser vista como uma desregulação metabólica frequente atualmente(1717 Vodnala D, Rubenfire M, Brook RD. Secondary causes of dyslipidemia. Am J Cardiol. 2012. doi:10.1016/j.amjcard.2012.04.062.
https://doi.org/10.1016/j.amjcard.2012.0...
). Mais precisamente, as determinações bioquímicas de TG, colesterol total e frações HDL-c e LDL-c constituem o perfil lipídico de uma maneira geral, o qual é importante para a análise de possíveis doenças coronarianas agudas nos indivíduos(1818 Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FAH, et al. IV Diretriz brasileira sobre dislipidemias e prevenção da aterosclerose: departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2007. doi:10.1590/S0066-782X2007000700002.
https://doi.org/10.1590/S0066-782X200700...
).

Em relação à mensuração dos TG no soro, foi observado em nosso trabalho um aumento quando avaliados em um período pós-prandial, ou seja, de 2 horas após a ingestão de alimentos. Segundo um consenso, por razão dessa circunstância, sugere-se jejum de 10 a 12 horas para a coleta da amostra e posterior dosagem, pelo fato de poderem ocorrer possíveis variações entre 25% e 50%(1818 Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FAH, et al. IV Diretriz brasileira sobre dislipidemias e prevenção da aterosclerose: departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2007. doi:10.1590/S0066-782X2007000700002.
https://doi.org/10.1590/S0066-782X200700...
).

Segundo Pereira et al. (2014)(1919 Pereira C, Miname M, Makdisse M, Kalil Filho R, Santos RD. Association of Peripheral Arterial and Cardiovascular Diseases in Familial Hypercholesterolemia. Arq Bras Cardiol. 2014. doi: 10.5935/abc.20140097
https://doi.org/10.5935/abc.20140097...
), a variação dos ácidos graxos consumidos e a relação quanto ao risco aumentado das doenças cardiovasculares, bem como as concentrações plasmáticas de lipídios e lipoproteínas têm sido amplamente demonstradas em diversos estudos experimentais e populacionais. Além disso, algumas pesquisas evidenciaram a hipertrigliceridemia como um fator de risco independente para doenças coronarianas, uma vez que ela contribui diretamente para a aterogênese das lipoproteínas ricas em TG, particularmente as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL)(2020 Nakaya N. [Hypertriglyceridemia as a cause of atherosclerosis]. Nihon Rinsho. 2002.). No entanto, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (2017), hipertrigliceridemia pode ser um distúrbio mais fácil de ser controlado, pois depende do estilo de vida, da dieta (ingestão de carboidratos simples em geral) e da frequência de atividade física. Dificilmente a elevação de TG é isolada; ela sempre vem acompanhada do aumento do colesterol total e do LDL-c e da diminuição de HDL-c. Por outro lado, o aumento do TG e do colesterol podem estar associados a uma doença genética do metabolismo das lipoproteínas, o qual independe de dieta. A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença hereditária autossômica dominante, sendo o diagnóstico feito por critérios clínicos e laboratoriais. Essa condição é caracterizada pelo aumento de partículas de LDL-c plasmática, que são passíveis de oxidação e contribuem para a formação da placa aterosclerótica(1818 Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FAH, et al. IV Diretriz brasileira sobre dislipidemias e prevenção da aterosclerose: departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2007. doi:10.1590/S0066-782X2007000700002.
https://doi.org/10.1590/S0066-782X200700...
).

Corroborando o nosso estudo, Schiavo et al. (2005)(2121 Schiavo M, Lunardelli A, Oliveira JR. Influência da dieta na concentração sérica de triglicerídeos. J Bras Patol Med Lab. 2005. doi:10.1590/s1676-24442003000400004.
https://doi.org/10.1590/s1676-2444200300...
) dosaram TG em indivíduos de ambos os sexos em diferentes dias da semana e demonstraram que as dosagens na segundafeira foram maiores do que as de quinta-feira, isso porque a alimentação do final de semana, com ingestão de alimentos mais gordurosos, normalmente difere da alimentação durante a semana. Esse achado permite concluir que somente o jejum de 12 horas não é suficiente para uma análise fidedigna das reais condições do paciente em relação às dosagens de TG. Da mesma forma, foi possível observar que as alterações de TG no presente estudo não mostram a real condição do paciente na coleta pós-prandial; isso evidencia que essa coleta não deveria ser feita com o paciente sem um jejum prévio. Como alternativa não medicamentosa, estudos demonstram que a redução da ingestão de carboidratos da dieta leva a uma menor ingestão calórica total, e os carboidratos poderiam ser substituídos por proteínas, o que auxiliaria na perda de peso, resultando em alterações metabólicas, melhorando as variáveis lipídicas e reduzindo níveis plasmáticos de TG, VLDL, colesterol total e LDL-c(2222 Cook S, Kavey REW. Dyslipidemia and pediatric obesity. Pediatr Clin North Am. 2011. doi:10.1016/j.pcl.2011.09.003.
https://doi.org/10.1016/j.pcl.2011.09.00...
).

No que se refere às dosagens de colesterol total, uma explicação para o fato de essa molécula não ter seu valor alterado significativamente quando comparadas as duas coletas em jejum e pós-prandial seria devido à hipercolesterolemia, que é um fator independente para a aterosclerose, pois, apesar de também se associar à ingestão de alimentos calóricos, se relaciona principalmente a fatores não controláveis, como idade, raça e hereditariedade(2323 Millonig G, Malcom GT, Wick G. Early inflammatory-immunological lesions in juvenile atherosclerosis from the Pathobiological Determinants of Atherosclerosis in Youth (PDAY)-study. Atherosclerosis. 2002. doi:10.1016/S0021-9150(01)00596-2.
https://doi.org/10.1016/S0021-9150(01)00...
). Assim, o reconhecimento precoce de pacientes portadores de hipercolesterolemia familiar auxilia na diminuição da morbimortalidade por meio de orientações adequadas e medidas terapêuticas necessárias(1919 Pereira C, Miname M, Makdisse M, Kalil Filho R, Santos RD. Association of Peripheral Arterial and Cardiovascular Diseases in Familial Hypercholesterolemia. Arq Bras Cardiol. 2014. doi: 10.5935/abc.20140097
https://doi.org/10.5935/abc.20140097...
).

Ademais, o aumento de colesterol total combinado com o LDL-c representa uma estreita correlação com o aumento do risco cardiovascular. Dessa forma, pode-se dizer que o aumento do LDL-c não acompanha a queda ou a elevação do TG, uma vez que esses dois parâmetros são independentes(1818 Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FAH, et al. IV Diretriz brasileira sobre dislipidemias e prevenção da aterosclerose: departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2007. doi:10.1590/S0066-782X2007000700002.
https://doi.org/10.1590/S0066-782X200700...
).

Neste estudo, quando avaliada a fração de LDL-c - partículas compostas por colesterol que, quando em excesso na corrente sanguínea, se oxidam e adentram na camada íntima da parede arterial, causando um processo inflamatório (o que favorece a obstrução do vaso) e aumentando relativamente o risco para a progressão de doença cardiovascular(2424 Libby P. Inflammation in atherosclerosis. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2012. doi:10.1161/ATVBAHA.108.179705.
https://doi.org/10.1161/ATVBAHA.108.1797...
) - houve uma variação significativa após a segunda coleta, ou pós-prandial. Segundo Polanckzyc (2005)(2525 Polanczyk CA. Fatores de risco cardiovascular no Brasil: os próximos 50 anos! Arq Bras Cardiol. 2005. doi:10.1590/s0066-782x2005000300001.
https://doi.org/10.1590/s0066-782x200500...
), concentrações elevadas LDL-c são consideradas um importante fator de risco para doenças cardiovasculares. Na maioria dos eventos cardiovasculares, salvo algumas exceções, a concentração das lipoproteínas séricas aumenta com a presença de células da musculatura lisa e deixa a lesão aterosclerótica mais evidente. A evolução desse processo faz com que a estrutura natural da musculatura lisa seja modificada, o que leva à perda do tônus e da resistência. Conforme a placa de ateroma aumenta de tamanho no interior das artérias, o lúmen diminui, podendo chegar a um nível crítico, dificultando o fluxo de sangue e acarretando angina e outras complicações, até óbito(2626 Xavier HT, Izar MC, Faria Neto JR, et al. V Diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013. doi:10.5935/abc.2013S010.
https://doi.org/10.5935/abc.2013S010...
).

De acordo com Oliveira et al. (2010)(77 Oliveira MAM, Fagundes RLM, Moreira EAM, Trindade EBSM, Carvalho T. Relação de indicadores antropométricos com ffatores de risco para doença cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2010. doi:10.1590/S0066-782X2010005000012.
https://doi.org/10.1590/S0066-782X201000...
), os níveis de LDL-c são mais elevados em homens quando comparados com as mulheres. Podemos associar esse fator à gordura abdominal e ao índice de massa corporal (IMC). De qualquer modo, a correlação entre índices antropométricos, perfil lipídico e hábitos de vida em ambos os gêneros resultam em fatores de risco para doença cardiovascular.

Neste estudo, o HDL-c não mostrou variação estatística significativa após a segunda coleta. Segundo Kelley et al. (2012)(2727 Kelley GA, Kelley KS. Effects of diet, aerobic exercise, or both on non-HDL-C in adults: A meta-analysis of randomized controlled trials. Cholesterol. 2012. doi:10.1155/2012/840935.
https://doi.org/10.1155/2012/840935...
), o HDL-c é o indicador do perfil mais sensível, pois responde rapidamente à dieta e à atividade física. Portanto, existe uma variação aproximadamente inversa entre os níveis de TG e de HDL-c, de modo que elevados níveis de TG tendem a associar-se a baixos níveis de HDL-c(2323 Millonig G, Malcom GT, Wick G. Early inflammatory-immunological lesions in juvenile atherosclerosis from the Pathobiological Determinants of Atherosclerosis in Youth (PDAY)-study. Atherosclerosis. 2002. doi:10.1016/S0021-9150(01)00596-2.
https://doi.org/10.1016/S0021-9150(01)00...
). Além disso, sabe-se que os níveis séricos de HDL-c retratam um fator protetor contra a aterosclerose através da remoção de lipídios oxidados do LDL-c, a inibição da fixação de moléculas de adesão e monócitos ao endotélio e a estimulação da liberação de óxido nítrico. Portanto, baixos níveis de HDL-c são conhecidos como fatores de risco para doença cardiovascular(2626 Xavier HT, Izar MC, Faria Neto JR, et al. V Diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013. doi:10.5935/abc.2013S010.
https://doi.org/10.5935/abc.2013S010...
).

As partículas de HDL-c são formadas no fígado, no intestino e na circulação e seu principal conteúdo proteico é representado pelas proteínas Apo AI e Apo AII(2828 Altmann SW, Davis HR, Zhu LJ, et al. Niemann-Pick C1 like 1 protein is critical for intestinal cholesterol absorption. Science. 2004. doi:10.1126/science.1093131.
https://doi.org/10.1126/science.1093131...
). Como essa lipoproteína não está presente na dieta, esse fato poderia explicar por que ela não sofreu alteração das duas coletas realizadas neste estudo, independente do jejum.

Estudos comprovam que o diagnóstico precoce de alterações no perfil lipídico é muito benéfico, tanto para a identificação daqueles indivíduos com maior risco, quanto para melhorar o tratamento e evitar doenças cardiovasculares futuras(2626 Xavier HT, Izar MC, Faria Neto JR, et al. V Diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013. doi:10.5935/abc.2013S010.
https://doi.org/10.5935/abc.2013S010...
). Para tanto, a necessidade de jejum mínimo foi estabelecida na literatura e nas normas vigentes, sendo utilizada para a maioria dos exames laboratoriais, variando de acordo com as particularidades de cada exame. Assim, definiu-se jejum como um período de 8 a 12 horas sem a ingestão de alimento, apenas água, pois se entende que o consumo de alimentos horas antes da coleta dos exames laboratoriais pode alterar seus resultados, particularmente aqueles cuja metodologia é sensível à turvação(1414 Análises Clínicas SB, Diabetes SB, Cardiologia SB, Endocrinologia e Metabologia SB, Patologia Clínica/Medicina Laboratorial SB. Consenso brasileiro para a normatização da determinação do perfil lipídico. 2016. Available at: /www.google.com/search?source=hp&ei=2LudW7HRL8aGwgS0vbDoBQ&q=consenso+brasileiro+normatização+perfil+lipidico&oq=consenso+brasileiro+norma&gs_l=psyb.1.0.0j0i22i30k1l3.1978.409.0.6304.25.11.0.10.10.0.229.1066.0j6j1.7.0....0...1c.1.64.ps. [Accessed on: 2018, Sep 15].
/www.google.com/search?source=hp&ei=2Lud...
).

Como podemos observar neste estudo, algumas frações sofreram alterações quando o paciente não estava em jejum adequado, o que resultou em valores maiores e não mostrou a real condição do organismo, podendo ocasionar um tratamento inadequado ou até mesmo desnecessário. Embora os dados apresentados referiram-se a uma única localidade e a um determinado grupo socioeconômico, o presente estudo é importante pela contribuição aos dados nacionais, principalmente em razão da pouca existência, na literatura, de trabalhos com enfoque no perfil lipídico relacionados com jejum, bem como sobre as possíveis variações nas frações, que também foram demonstradas.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados deste estudo, foi observado que o colesterol total e o HDL-c são os componentes do perfil lipídico que poderiam ser dosados sem jejum prévio, pois não tiveram alterações significativas nos indivíduos avaliados. Porém, os estudos que discutem esses critérios ainda são escassos. Dessa forma, são necessários mais estudos que tenham uma população maior e mais heterogênea, compreendendo diferenças socioeconômicas, de alimentação e estilo de vida. Além disso, constatou-se a necessidade de ações de promoção à saúde para a melhoria da qualidade de vida da população estudada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Unoesc e ao Laboratório de Análises Clínicas Burlab pelo espaço e suporte financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2019
  • Revisado
    19 Fev 2019
  • Aceito
    11 Mar 2019
  • Publicado
    20 Ago 2019
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