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Medição da capacidade vital lenta para detectar limitação do fluxo aéreo em uma mulher com dispneia e relação VEF1/CVF preservada

CENÁRIO CLÍNICO

Uma mulher de 42 anos com índice de massa corpórea (IMC) de 51,2 kg/m2 foi encaminhada à clínica respiratória para a investigação de falta de ar progressiva que havia piorado nos últimos 5 anos - sua pontuação na escala modificada do Medical Research Council ao dar entrada era 3 (ou seja, ela relatou ter que parar para respirar depois de caminhar por apenas alguns minutos). Ela nunca foi fumante, e sua dispneia foi atribuída principalmente à obesidade.

FISIOLOGIA SUBJACENTE

A espirometria mostrou uma redução proporcional de leve a moderada no VEF1 e na CVF, o que resultou em uma relação VEF1/CVF preservada (Figura 1A). Segundo o mais recente algoritmo da American Thoracic Society/European Respiratory Society para a interpretação de testes de função pulmonar, a decisão de rotular esse padrão como restritivo ou obstrutivo depende das medidas da CPT.11 Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J. 2005;26(5):948-68. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00035205
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Os autores daquele documento também afirmaram que, embora a CVF seja frequentemente utilizada na relação acima mencionada, é preferível usar a maior CV disponível, seja aquela obtida durante a inspiração, seja aquela obtida durante a expiração lenta ou aquela obtida durante a expiração forçada. No entanto, a CVF pode subestimar a CV “verdadeira” máxima devido ao fechamento precoce das pequenas vias aéreas em baixos volumes pulmonares. Isso é especialmente verdadeiro na presença de aumento da compressibilidade ou colapsabilidade das pequenas vias aéreas.22 Brusasco V, Pellegrino R, Rodarte JR. Vital capacities in acute and chronic airway obstruction: dependence on flow and volume histories. Eur Respir J. 1997;10(6):1316-20. https://doi.org/10.1183/09031936.97.10061316
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Segue-se que uma relação VEF1/CVF “pseudonormal” pode ocorrer em pacientes com distúrbio ventilatório obstrutivo, desde que exista uma grande diferença entre a capacidade vital lenta (CVL) e a CVF. No entanto, existem poucos valores de referência para a CVL. É possível que a CVF diminua com o envelhecimento em um ritmo mais rápido do que a CVL33 Marsh S, Aldington S, Williams M, Weatherall M, Shirtcliffe P, McNaughton A, et al. Complete reference ranges for pulmonary function tests from a single New Zealand population. N Z Med J. 2006;119(1244):U2281; isto é, uma baixa relação VEF1/CVL pode simplesmente refletir os efeitos fisiológicos da senescência. Portanto, há vantagens e desvantagens potenciais em se usar a CVL ao invés da CVF na relação VEF1/CV. Um grande estudo recente que analisou 13.893 adultos consecutivos com relações VEF1/CVF e CPTs preservadas lançou uma nova luz sobre esse assunto controverso.44 Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M, et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio? Chest. 2019. pii: S0012-3692(19)30143-6. Os autores relataram o seguinte: um em cada cinco sujeitos apresentou uma baixa relação VEF1/CVL (sujeitos “discordantes”); a maioria dos indivíduos que apresentavam obstrução apenas de acordo com a relação VEF1/CVL tinha alta probabilidade de ter doença e disfunção das vias aéreas de acordo com um conjunto de variáveis clínicas e fisiológicas; independentemente do sexo do sujeito, as variáveis idade < 60 anos, IMC > 30 kg/m2 e VEF1 > 70% do previsto estavam todas associadas à “discordância”; e os sujeitos “discordantes” com idade ≥ 70 anos não apresentaram outras evidências de doença ou disfunção das vias aéreas.

Figura 1
Em A e em B, respectivamente, CVF e capacidade vital lenta (slow VC) basais. Em C, curvas de fluxo-volume antes e depois da administração aguda de salbutamol (linhas azul e vermelha, respectivamente) e valores e variações pós-broncodilatador (∆) em relação aos valores basais. BD: broncodilatador; LLN: lower limit of normality (limite inferior de normalidade); ULN: upper limit of normality (limite superior de normalidade); e % pred: porcentagem do valor previsto.

PANORAMA

Devido ao tempo e a restrições operacionais, a maioria dos laboratórios de testes de função pulmonar na atenção primária ainda realiza apenas a manobra de expiração forçada.55 Ferguson GT, Enright PL, Buist AS, Higgins MW. Office spirometry for lung health assessment in adults: A consensus statement from the National Lung Health Education Program. Chest. 2000;117(4):1146-61. https://doi.org/10.1378/chest.117.4.1146
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Dados os resultados do estudo acima mencionado,44 Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M, et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio? Chest. 2019. pii: S0012-3692(19)30143-6. adicionar-se a manobra de CVL pode representar uma estratégia simples para revelar um distúrbio obstrutivo ventilatório que não foi determinado a partir da relação VEF1/CVF em um indivíduo obeso não idoso (< 60 anos de idade) com uma alta probabilidade pré-teste de doença das vias aéreas. Uma resposta positiva de fluxo ou volume à administração de broncodilatador inalatório também pode ser útil para revelar a limitação do fluxo aéreo nesses indivíduos. Considerando o risco de diagnósticos excessivos de obstrução em idosos (indivíduos > 70 anos de idade), parece ser prudente evitar o uso da CVL na relação VEF1/CV nessa subpopulação. Uma abordagem caso a caso deve ser aplicada em indivíduos com 60 a 70 anos de idade.

DESFECHO

No caso aqui apresentado envolvendo uma mulher obesa de meia idade com relação VEF1/CVF preservada (Figura 1A), a limitação do fluxo aéreo foi detectada com base na CVL (Figura 1B). Uma resposta positiva do volume ao salbutamol inalatório evidenciou ainda mais o diagnóstico de um distúrbio ventilatório obstrutivo (Figura 1C). De fato, a paciente relatou uma melhora perceptível na falta de ar após iniciar o tratamento com formoterol mais budesonida inalatórios duas vezes ao dia.

REFERENCES

  • 1
    Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J. 2005;26(5):948-68. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00035205
    » https://doi.org/10.1183/09031936.05.00035205
  • 2
    Brusasco V, Pellegrino R, Rodarte JR. Vital capacities in acute and chronic airway obstruction: dependence on flow and volume histories. Eur Respir J. 1997;10(6):1316-20. https://doi.org/10.1183/09031936.97.10061316
    » https://doi.org/10.1183/09031936.97.10061316
  • 3
    Marsh S, Aldington S, Williams M, Weatherall M, Shirtcliffe P, McNaughton A, et al. Complete reference ranges for pulmonary function tests from a single New Zealand population. N Z Med J. 2006;119(1244):U2281
  • 4
    Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M, et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio? Chest. 2019. pii: S0012-3692(19)30143-6.
  • 5
    Ferguson GT, Enright PL, Buist AS, Higgins MW. Office spirometry for lung health assessment in adults: A consensus statement from the National Lung Health Education Program. Chest. 2000;117(4):1146-61. https://doi.org/10.1378/chest.117.4.1146
    » https://doi.org/10.1378/chest.117.4.1146

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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