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Tromboendarterectomia pulmonar em paciente com 80 anos de idade

Resumos

A hipertensão pulmonar secundária a tromboembolismo é uma doença grave e debilitante. Ocorre em aproximadamente 0,5-1,0% dos pacientes que sobrevivem a um episódio de tromboembolismo agudo. Descreve-se pela primeira vez no Brasil, um paciente de 80 anos de idade com hipertensão pulmonar grave secundária a tromboembolismo, que foi submetido a tromboendarterectomia e que apresentou boa evolução.Os autores acreditam que este procedimento cirúrgico é uma boa opção terapêutica para este tipo de hipertensão pulmonar mesmo em pacientes com idade avançada sem co-morbidades.

Tromboendarterectomia; Hipertensão pulmonar; Evolução clínica


Pulmonary hypertension secondary to thromboembolism is a serious and debilitating disease. It occurs in approximately 0.5-1.0% of patients who survive an episode of acute thromboembolism. This is the first reported case of successful thromboendarterectomy performed in an elderly patient in Brazil. The patient, an 80-year-old man, presented favorable postoperative evolution. The authors believe this surgical procedure is a viable option for treatment of this type of pulmonary hypertension even in patients of advanced age, providing that there are no comorbidities.

Thromboendarterectomy; Hypertension pulmonary; Clinical evolution


RELATO DE CASO

Tromboendarterectomia pulmonar em paciente com 80 anos de idade* * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia e Serviço de Cirurgia Torácica InCor - HCFMUSP

Mário Terra-Filho; Sabrina Correia da Costa Ribeiro; Rogério De Souza(TE SBPT); Fábio Bisceli Jatene(TE SBPT)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Mário Terra Filho Rua Pintassilgo 519 apt 80 CEP: 04514-032 São Paulo SP Tel: 55-11-5093 8775 E mail: pnemario@incor.usp.br

RESUMO

A hipertensão pulmonar secundária a tromboembolismo é uma doença grave e debilitante. Ocorre em aproximadamente 0,5-1,0% dos pacientes que sobrevivem a um episódio de tromboembolismo agudo. Descreve-se pela primeira vez no Brasil, um paciente de 80 anos de idade com hipertensão pulmonar grave secundária a tromboembolismo, que foi submetido a tromboendarterectomia e que apresentou boa evolução.Os autores acreditam que este procedimento cirúrgico é uma boa opção terapêutica para este tipo de hipertensão pulmonar mesmo em pacientes com idade avançada sem co-morbidades.

Descritores: Tromboendarterectomia/métodos. Hipertensão pulmonar/cirurgia. Evolução clínica.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:

TEP: tromboembolismo pulmonar

TEPCH: tromboembolismo pulmonar crônico hipertensivo

NYHA: New York Heart Association

INTRODUÇÃO

O tromboembolismo pulmonar agudo (TEP) é uma situação clínica freqüente, e em geral revestida de gravidade. TEP pode ser definido como a migração de um ou mais coágulos das veias sistêmicas para o leito vascular pulmonar1. Nos ultimos 20 anos diante dos bons resultados das novas opções terapêuticas, observou-se um grande interesse no estudo da circulação sangüinea e em particular das diversas formas de embolias por trombos, incluindo neste grupo o tromboembolismo pulmonar crônico hipertensivo (TEPCH). Define-se TEPC como o quadro de hipertensão pulmonar observado após um período mínimo de 3 meses depois de pelo menos 1 episódio de embolia de pulmão, desde que excluídas outras causas de hipertensão pulmonar . Aproximadamente de 0,5-1,5% dos casos de TEP evoluem com hipertensão pulmonar secundária1. Atualmente existem 2 formas de tratamento cirúrgico para TEPCH: a) o transplante pulmonar que é indicado nos casos em que os trombos se localizam predominantemente na porção distal dos vasos pulmonares, b) a tromboendarterectomia, procedimento de escolha em pacientes em que a obstrução vascular seja lobar/segmentar, em outras palavras, proximalmente a artéria pulmonar.

A tromboendarterectomia é cada vez mais utilizada no tratamento de tromboembolismo pulmonar crônico, embora a sua realização em decorrência de sua alta complexidade seja feita apenas em poucos centros de referência. Relatamos o primeiro caso no Brasil em que um paciente na oitava década de vida foi submetido com sucesso a este procedimento cirúrgico.

RELATO DO CASO

Homem 80 anos de idade, agricultor, referia um episódio de dispnéia súbita associada a dor e edema em membro inferior esquerdo há 4 anos. Na ocasião foi feito diagnóstico de trombose venosa profunda e embolia pulmonar. Após esse episódio evoluiu com dispnéia progressiva aos esforços, com rápida evolução (classe funcional NYHA III). A avaliação clínica inicial revelou P2 hiperfonética,, discreto edema de membros inferiores e saturação arterial de oxigênio de 92% em repouso (oxímetro de pulso).

À radiografia de tórax (Figura 1) notava-se aumento hilar bilateral devido ao aumento do componente das artérias pulmonares interlobares, além de abaulamento do arco da pulmonar. A angio tomografia computadorizada de tórax (angio-TC) mostrou achados compatíveis com hipertensão pulmonar secundária à embolia pulmonar crônica. Entre eles devemos destacar a dilatação do tronco da artéria pulmonar com 35 mm de diâmetro (normal até 29 mm) e aumento do diâmetro da artéria interlobar descendente direita com 20 mm de diâmetro (normal até 16 mm). Há também a presença de trombo excêntrico na artéria pulmonar direita e no seu ramo interlobar descendente (Figura 2). Por fim, na análise do parênquima, existe imagem compatível com perfusão em mosaico bilateralmente .



A arteriografia dos pulmões (Figura 3) mostrou trombos proximais bilaterais e pressão sistólica de artéria pulmonar de 75 mmHg. Foi submetido a tromboendarterectomia por esternotomia mediana. O procedimento foi realizado sob hipotermia profunda, com 59 minutos de parada cardiorespiratória total, e tempo de circulação extracorpórea de 140 minutos. Evoluiu com instabilidade hemodinâmica e síndrome de reperfusão. Foi traqueostomizado no 10º PO, e mantido sob ventilação mecânica até o 16º dia pós tromboendarterectomia. Teve alta hospitalar com grande melhora sintomática, encontrando-se atualmente em classe funcional I, com dispnéia apenas a grandes esforços, saturação arterial de O2 de 95 mmHg e redução da pressão sistólica de artéria pulmonar (estimada por ecocardiografia em 30 mmHg) após 6 meses.


DISCUSSÃO

A história natural do tromboembolismo pulmonar ainda não está completamente esclarecida, mas estudos recentes sugerem que a proporção de pacientes que evoluem com tromboembolismo pulmonar crônico é maior do que se imaginava, chegando a 1,5% de pacientes que sobrevivem ao evento agudo. Os idosos têm maior risco de desenvolver trombose venosa e embolia pulmonar, e a mortalidade causada por fenômenos tromboembólicos é maior nesta população. Pela técnica tomográfica podemos observar algumas características que permitem a separação do fenômeno tromboembólico agudo do TEPC. A perfusão em mosaico, isto é, regiões de hipertransparencia entremeadas com áreas de maior densidade radiológica, presença de trombos excêntricos e o alargamento do tronco da artéria pulmonar, sugerindo hipertensão, são no seu conjunto bem característicos de TEPC 1.

Ë provável que em pouco tempo, técnicas tomográficas helicoidais como o multi slice, possam substituir a arteriografia pulmonar como referência para o diagnóstico de todas as formas de TEP, e para o estadiamento vascular para os portadores de TEPC candidatos para o tratamento cirúrgico através da tromboendarterectomia (1).

A arteriografia pulmonar é o exame definitivo para o diagnóstico de TEP(2). Os melhores resultados são obtidos quando o cateter através do qual o meio de contraste será injetado está posicionado na artéria pulmonar direita ou esquerda. Este procedimento além de permitir uma boa visão contrastada da vasculatura pulmonar ipsilateral, também é capaz de proporcionar a medida da pressão da artéria pulmonar.

No TEP as alterações características do ponto de vista arteriográfico são as falhas de enchimento intraluminais bem definidas. No TEPC observa-se falhas de prenchimento vascular pelo contraste não tão bem definidas, que refletem os diferentes e complexos padrões de organização e recanalização parcial dos trombos (3).

A arteriografia é um procedimento invasivo, e portanto não é desprovido de riscos, também é pouco disponível o que limita muito sua ampla utilização. Em 1350 pacientes (4) que foram submetidos à arteriografia pulmonar da Duke University, ocorreram 3 mortes diretamente relacionada ao procedimento (0,2%) . Este método até hoje continua como a referência para o diagnóstico de qualquer episódio tromboembólico agudo ou crônico.

A indicação de tromboendarterectomia nos pacientes portadores de TPCH está relacionada principalmente à presença de limitação funcional importante e à hipertensão pulmonar devido a trombos proximais, acessíveis cirurgicamente. Apesar da diminuição da mortalidade perioperatória de 22% para aproximadamente 8% em algumas series, o procedimento tem uma morbi-mortalidade muito importante e a idade avançada e presença de co-morbidades são consideradas contra-indicações relativas. O resultado obtido com esse caso, em que as complicações ocorridas no pós operatório imediato, podem aparecer em qualquer faixa etária, sugere que pacientes idosos com hipertensão pulmonar secundária a tromboembolismo pulmonar devem ser avaliados para eventual tromboendarterectomia.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem ao Dr. Dany Jasinowodolinski pela reconstrução da figura 2.

Recebido para publicação, em 19/2/04. Aprovado, após revisão, em 12/5/04.

  • 1. Jatene FB, Bernardo WM, Monteiro R, Hueb AC, Terra-Filho M, Oliveira SA. Tratamento cirúrgico da hipertensão pulmonar tromboembólica. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2000;10:640-51.
  • 2. The PIOPED / investigations. Value of the ventilation/perfusion scan in acute pulmonary embolism: results of prospective investigation of pulmonary embolism (PIOPED). JAMA. 1990;263:2753-9.
  • 3. Fedullo PF, Auger WR, Kerr KM, Rubin LJ. Chronic thromboembolic pulmonary hypertension. N Engl J Med. 2001;345:1465-72.
  • 4. Mills SR, Jackson DC, Older RA. The incidence etiologies, and avoidance of complications of pulmonary angiography in large series. Radiology. 1980;136:295-300.
  • Endereço para correspondência
    Mário Terra Filho
    Rua Pintassilgo 519 apt 80
    CEP: 04514-032 São Paulo SP
    Tel: 55-11-5093 8775
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    Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia e Serviço de Cirurgia Torácica InCor - HCFMUSP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Recebido
      19 Fev 2004
    • Aceito
      12 Maio 2004
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