Acessibilidade / Reportar erro

Neoplasia de pulmão após tratamento: lesões residuais, recorrência e segunda neoplasia primária

No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, um artigo original questiona o uso de rotina de TC na pesquisa de recidiva e de segunda neoplasia primária de pulmão.11 Morellato JBF, Guimarães MD, Medeiros MLL, Carneiro HA, Oliveira AD, Médici JPO, et al. Routine follow-up after surgical treatment of lung cancer: is chest CT useful? J Bras Pneumol. 2021;47(4):20210025. Este é um assunto relevante, especialmente no campo de imagem em oncologia.

Em anos recentes vários autores têm descrito um aumento na sobrevida de pacientes com câncer de pulmão. Isso está relacionado a melhores opções de tratamento, as quais visam o controle do câncer de pulmão e de sua recorrência por meio de cirurgia, radioterapia e terapias sistêmicas, além de novas modalidades experimentais.22 Mahvi DA, Liu R, Grinstaff MW, Colson YL, Raut CP. Local Cancer Recurrence: The Realities, Challenges, and Opportunities for New Therapies. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):488-505. https://doi.org/10.3322/caac.21498
https://doi.org/10.3322/caac.21498...

Embora a probabilidade de recorrência local e à distância do tumor original diminua com o tempo, isso não ocorre com o risco de uma segunda neoplasia, sendo que Rice et al.33 Rice D, Kim HW, Sabichi A, Lippman S, Lee JJ, Williams B, et al. The risk of second primary tumors after resection of stage I nonsmall cell lung cancer. Ann Thorac Surg. 2003;76(4):1001-1008. https://doi.org/10.1016/S0003-4975(03)00821-X
https://doi.org/10.1016/S0003-4975(03)00...
e Fink-Neuboek et al.44 Fink-Neuboeck N, Lindenmann J, Porubsky C, Fediuk M, Anegg U, Maier A, et al. Hazards of Recurrence, Second Primary, or Other Tumor at Ten Years After Surgery for Non-Small-Cell Lung Cancer. Clin Lung Cancer. 2020;21(4):333-340. https://doi.org/10.1016/j.cllc.2020.02.011
https://doi.org/10.1016/j.cllc.2020.02.0...
descreveram incidências de 8,6% e 7,3%, respectivamente. Outro estudo relatou que, independentemente do estádio ou tipo histológico da neoplasia pulmonar, os pacientes estão mais propensos a apresentar metástases à distância do que recorrência local, sendo candidatos a um tratamento adicional.55 Consonni D, Pierobon M, Gail MH, Rubagotti M, Rotunno M, Goldstein A, et al. Lung cancer prognosis before and after recurrence in a population-based setting. J Natl Cancer Inst. 2015;107(6):djv059. https://doi.org/10.1093/jnci/djv059
https://doi.org/10.1093/jnci/djv059...

Um número considerável de pacientes em estádios I-III de câncer de pulmão irá apresentar recorrência local (22-50%) ou à distância (3-20%) após tratamento com intuito curativo.66 Choi PJ, Jeong SS, Yoon SS. Prediction and prognostic factors of post-recurrence survival in recurred patients with early-stage NSCLC who underwent complete resection. J Thorac Dis. 2016;8(1):152-160. https://doi.org/10.3978/j.issn.2072-1439.2016.01.10
https://doi.org/10.3978/j.issn.2072-1439...
Devido ao alto risco de recorrência de neoplasias de pulmão não pequenas células e de segundos tumores primários de pulmão, a National Comprehensive Cancer Network e a American Association for Thoracic Surgery sugerem a realização de monitorização desses pacientes.77 Kandathil A, Sibley RC III, Subramaniam RM. Lung Cancer Recurrence: 18F-FDG PET/CT in Clinical Practice. AJR Am J Roentgenol. 2019;213(5):1136-1144. https://doi.org/10.2214/AJR.19.21227
https://doi.org/10.2214/AJR.19.21227...
A American Society of Clinical Oncology recomenda o seguimento desses pacientes utilizando TC de tórax a cada seis meses nos primeiros dois anos após tratamento para detectar recorrência e, posteriormente, a cada ano para a identificação de uma nova neoplasia primária de pulmão.88 Schneider BJ, Ismaila N, Aerts J, Chiles C, Daly ME, Detterbeck FC, et al. Lung Cancer Surveillance After Definitive Curative-Intent Therapy: ASCO Guideline. J Clin Oncol. 2020;38(7):753-766. https://doi.org/10.1200/JCO.19.02748
https://doi.org/10.1200/JCO.19.02748...
Radiologistas e médicos nucleares devem reconhecer os achados relacionados às diferentes formas de tratamento realizadas e àqueles relacionados aos da neoplasia. Quando comparada com a TC, a 18F-FDG PET/TC apresenta um índice mais elevado de detecção de recorrências pós-cirúrgicas, sendo recomendada pela National Comprehensive Cancer Network para a diferenciação entre recorrência tumoral e alterações benignas, como atelectasias, consolidações e fibrose actínica, devendo-se, contudo, lembrar que é bastante comum haver captação do radiofármaco até cerca de três meses após a cirurgia para a retirada do tumor e até cerca de seis meses após tratamento radioterápico, principalmente quando utilizada radioterapia estereotáxica corporal, sem que isso signifique recidiva neoplásica.77 Kandathil A, Sibley RC III, Subramaniam RM. Lung Cancer Recurrence: 18F-FDG PET/CT in Clinical Practice. AJR Am J Roentgenol. 2019;213(5):1136-1144. https://doi.org/10.2214/AJR.19.21227
https://doi.org/10.2214/AJR.19.21227...

A definição da Union for International Cancer Control para ressecção incompleta considera a presença de tumor no sítio primário, em linfonodos ou à distância após o tratamento.99 Edwards JG, Chansky K, Van Schil P, Nicholson AG, Boubia S, Brambilla E, et al. The IASLC Lung Cancer Staging Project: Analysis of Resection Margin Status and Proposals for Residual Tumor Descriptors for Non-Small Cell Lung Cancer. J Thorac Oncol. 2020;15(3):344-359. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.10.019
https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.10.0...
,1010 Wittekind C, Compton CC, Greene FL, Sobin LH. TNM residual tumor classification revisited. Cancer. 2002;94(9):2511-2516. https://doi.org/10.1002/cncr.10492
https://doi.org/10.1002/cncr.10492...
Isso é de fundamental importância quanto ao prognóstico e para que se indique tratamento adicional. Não é fácil estabelecer se há recorrência ou tumor residual quando houve, aparentemente, ressecção completa de um tumor, o que tem levado os cirurgiões a procurar refinamentos desses conceitos. A Spanish Society of Pulmonology and Thoracic Surgery propôs em 1998 as seguintes definições para a ressecção completa: (a) margens de ressecção sem evidência de comprometimento microscópico; (b) linfadenectomia mediastinal completa; (c) ausência de infiltração extracapsular de linfonodos; e (d) cadeias de linfonodos mais distantes livres de doença, ou seja, aqueles localizados mais superiormente em cadeias paratraqueais superiores e mais inferiormente na altura do ligamento pulmonar.99 Edwards JG, Chansky K, Van Schil P, Nicholson AG, Boubia S, Brambilla E, et al. The IASLC Lung Cancer Staging Project: Analysis of Resection Margin Status and Proposals for Residual Tumor Descriptors for Non-Small Cell Lung Cancer. J Thorac Oncol. 2020;15(3):344-359. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.10.019
https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.10.0...
Deste modo, em relação à ressecção, a ausência de tumor residual é classificada como R0, a presença de neoplasia residual microscópica como R1 e, quando a evidência de lesão remanescente é macroscópica, como R2. A International Association for the Study of Lung Cancer propõe ainda um grupo que não é classificável nas definições de ressecção, ou seja, indeterminado (Ri).1111 Rami-Porta R, Wittekind C, Goldstraw P; International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC) Staging Committee. Complete resection in lung cancer surgery: proposed definition. Lung Cancer. 2005;49(1):25-33. https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2005.01.001
https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2005.0...
As condições para a inclusão nesse grupo são as seguintes: exame de menos de três linfonodos N1 e de três N2, dissecção sistemática de linfonodos em relação a um lobo específico inferior ao preconizado, linfonodos comprometidos em cadeias mediastinais mais altas, carcinoma in situ na margem de ressecção brônquica e exame citológico do líquido pleural positivo.1111 Rami-Porta R, Wittekind C, Goldstraw P; International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC) Staging Committee. Complete resection in lung cancer surgery: proposed definition. Lung Cancer. 2005;49(1):25-33. https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2005.01.001
https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2005.0...

Conforme apresentado no artigo de Morellato et al.,11 Morellato JBF, Guimarães MD, Medeiros MLL, Carneiro HA, Oliveira AD, Médici JPO, et al. Routine follow-up after surgical treatment of lung cancer: is chest CT useful? J Bras Pneumol. 2021;47(4):20210025. a literatura médica apresenta controvérsias quanto às modalidades de exames a serem realizadas nesses pacientes, assim como sua frequência e por quanto tempo. Além disso, os conceitos de neoplasia residual, recorrência e segundo tumor primário não são tão fáceis de serem estabelecidos. Nesse sentido, a discussão multidisciplinar integrando todos os profissionais envolvidos no diagnóstico e tratamento, do diagnóstico inicial e ao longo do seguimento, pode minimizar muitas dessas dúvidas.

REFERENCES

  • 1
    Morellato JBF, Guimarães MD, Medeiros MLL, Carneiro HA, Oliveira AD, Médici JPO, et al. Routine follow-up after surgical treatment of lung cancer: is chest CT useful? J Bras Pneumol. 2021;47(4):20210025.
  • 2
    Mahvi DA, Liu R, Grinstaff MW, Colson YL, Raut CP. Local Cancer Recurrence: The Realities, Challenges, and Opportunities for New Therapies. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):488-505. https://doi.org/10.3322/caac.21498
    » https://doi.org/10.3322/caac.21498
  • 3
    Rice D, Kim HW, Sabichi A, Lippman S, Lee JJ, Williams B, et al. The risk of second primary tumors after resection of stage I nonsmall cell lung cancer. Ann Thorac Surg. 2003;76(4):1001-1008. https://doi.org/10.1016/S0003-4975(03)00821-X
    » https://doi.org/10.1016/S0003-4975(03)00821-X
  • 4
    Fink-Neuboeck N, Lindenmann J, Porubsky C, Fediuk M, Anegg U, Maier A, et al. Hazards of Recurrence, Second Primary, or Other Tumor at Ten Years After Surgery for Non-Small-Cell Lung Cancer. Clin Lung Cancer. 2020;21(4):333-340. https://doi.org/10.1016/j.cllc.2020.02.011
    » https://doi.org/10.1016/j.cllc.2020.02.011
  • 5
    Consonni D, Pierobon M, Gail MH, Rubagotti M, Rotunno M, Goldstein A, et al. Lung cancer prognosis before and after recurrence in a population-based setting. J Natl Cancer Inst. 2015;107(6):djv059. https://doi.org/10.1093/jnci/djv059
    » https://doi.org/10.1093/jnci/djv059
  • 6
    Choi PJ, Jeong SS, Yoon SS. Prediction and prognostic factors of post-recurrence survival in recurred patients with early-stage NSCLC who underwent complete resection. J Thorac Dis. 2016;8(1):152-160. https://doi.org/10.3978/j.issn.2072-1439.2016.01.10
    » https://doi.org/10.3978/j.issn.2072-1439.2016.01.10
  • 7
    Kandathil A, Sibley RC III, Subramaniam RM. Lung Cancer Recurrence: 18F-FDG PET/CT in Clinical Practice. AJR Am J Roentgenol. 2019;213(5):1136-1144. https://doi.org/10.2214/AJR.19.21227
    » https://doi.org/10.2214/AJR.19.21227
  • 8
    Schneider BJ, Ismaila N, Aerts J, Chiles C, Daly ME, Detterbeck FC, et al. Lung Cancer Surveillance After Definitive Curative-Intent Therapy: ASCO Guideline. J Clin Oncol. 2020;38(7):753-766. https://doi.org/10.1200/JCO.19.02748
    » https://doi.org/10.1200/JCO.19.02748
  • 9
    Edwards JG, Chansky K, Van Schil P, Nicholson AG, Boubia S, Brambilla E, et al. The IASLC Lung Cancer Staging Project: Analysis of Resection Margin Status and Proposals for Residual Tumor Descriptors for Non-Small Cell Lung Cancer. J Thorac Oncol. 2020;15(3):344-359. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.10.019
    » https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.10.019
  • 10
    Wittekind C, Compton CC, Greene FL, Sobin LH. TNM residual tumor classification revisited. Cancer. 2002;94(9):2511-2516. https://doi.org/10.1002/cncr.10492
    » https://doi.org/10.1002/cncr.10492
  • 11
    Rami-Porta R, Wittekind C, Goldstraw P; International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC) Staging Committee. Complete resection in lung cancer surgery: proposed definition. Lung Cancer. 2005;49(1):25-33. https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2005.01.001
    » https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2005.01.001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: jbp@sbpt.org.br