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Estadiamento do câncer de pulmão: uma visão epidemiológica brasileira

O câncer de pulmão é sabidamente o primeiro tipo de câncer tanto em incidência como em mortalidade no mundo.11 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424. https://doi.org/10.3322/caac.21492
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O tabagismo é o principal fator de risco prevenível para o desenvolvimento do câncer de pulmão.22 Inoue-Choi M, Liao LM, Reyes-Guzman C, Hartge P, Caporaso N, Freedman ND. Association of Long-term, Low-Intensity Smoking With All-Cause and Cause-Specific Mortality in the National Institutes of Health-AARP Diet and Health Study. JAMA Intern Med. 2017;177(1):87-95. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2016.7511
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O Brasil tem se destacado nas ações contra o tabagismo, fato que tem contribuído para a diminuição da prevalência do tabagismo entre os brasileiros nas últimas décadas. Contudo, apesar de todos os esforços para o controle do consumo de tabaco no país, o câncer de pulmão tem um grande período de latência, o que tem relação tanto com a incidência da doença quanto com a mortalidade.33 Cantley LC, Dalton WS, DuBois RN, Finn OJ, Futreal PA, Golub TR, et al. AACR Cancer Progress Report 2012. Clin Cancer Res. 2012;18(21 Suppl):S1-S100. https://doi.org/10.1158/1078-0432.CCR-12-2891
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Malta et al.44 Malta DC, Abreu DM, Moura Ld, Lana GC, Azevedo G, França E. Trends in corrected lung cancer mortality rates in Brazil and regions. Rev Saude Publica. 2016;50:33. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006209
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demonstraram uma queda discreta na taxa de mortalidade por câncer de pulmão em homens no Brasil entre os anos de 1996 e 2011, o que ainda não foi observado nas mulheres.

No presente número do JBP, Costa et al.55 Costa GJ, Mello MJG, Bergmann A, Ferreira CG, Thuler LCS. Tumor-node-metastasis staging and treatment patterns of 73,167 patients with lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(1)e20180251. publicaram um estudo epidemiológico retrospectivo, no qual caracterizaram o perfil de 73.167 pacientes diagnosticados com câncer de pulmão no Brasil entre 2000 e 2014, estratificados nos diferentes estádios da doença. Esse estudo é de extrema importância e apresentou resultados relevantes para serem analisados, o que ajudará a repensar a política de saúde nacional para o câncer de pulmão.

Costa et al.55 Costa GJ, Mello MJG, Bergmann A, Ferreira CG, Thuler LCS. Tumor-node-metastasis staging and treatment patterns of 73,167 patients with lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(1)e20180251. obtiveram os dados por meio do cadastro existente no integrador do Sistema de Registro Hospitalar de Câncer do Instituto Nacional do Câncer, localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), e de registros hospitalares de câncer da Fundação Oncocentro de São Paulo, na cidade de São Paulo (SP). Uma vez que a análise foi retrospectiva e realizada a partir de dados de hospitais terciários especializados em câncer e localizados em grandes capitais brasileiras, torna-se necessário considerar os vieses inerentes ao delineamento do estudo. Primeiro, há dificuldades na generalização dos resultados, que podem não refletir o vasto cenário nacional quando pensamos nas diferenças geográficas, culturais e de acesso aos serviços de saúde. Nesse sentido, Kaliks et al.66 Kaliks RA, Matos TF, Silva VA, Barros LHC. Differences in systemic cancer treatment in Brazil: my Public Health System is different from your Public Health System. Braz J Oncol. 2017;13(44):1-12. demonstraram diferenças significativas nos tratamentos sistêmicos do câncer no Brasil, tanto em relação às medicações disponibilizadas como aos protocolos para tratamento, e atribuíram essas diferenças à falta de amplas discussões sobre o tema, envolvendo governo, sociedade médica e sociedade civil.

É também importante ressaltar que, durante o período estudado, novas tecnologias foram incorporadas na prática diária, tanto para o diagnóstico como para o tratamento do câncer de pulmão. Dentre elas, destacamos a tomografia por emissão de pósitrons/CT, a qual foi incorporada à rotina clínica no Instituto Nacional do Câncer em 2013, embora já estivesse sendo utilizada em ensaios clínicos desde 2010. Esse método contribui para o refinamento do estadiamento clínico de câncer de pulmão e, consequentemente, pode ter influenciado e explicar, em parte, as curvas de distribuição dos estádios da doença especialmente a partir de 2010.

O estudo de Costa et al.55 Costa GJ, Mello MJG, Bergmann A, Ferreira CG, Thuler LCS. Tumor-node-metastasis staging and treatment patterns of 73,167 patients with lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(1)e20180251. confirmou que, no Brasil, assim como na maioria dos países, o câncer de pulmão é diagnosticado em estádios avançados da doença (III e IV) em aproximadamente 70% dos casos, apresentando baixas taxas de sobrevida e gerando um maior comprometimento da qualidade de vida e maiores custos relacionados ao tratamento.77 Araujo LH, Baldotto C, Castro G Jr, Katz A, Ferreira CG, Mathias C, et al. Lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2018;44(1):55-64. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000135
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Outro aspecto a ser destacado é que, no período estudado, o estadiamento tumor-nódulo-metástase para o câncer de pulmão foi atualizado por duas vezes (5ª, 6ª e 7ª edições).88 Chheang S, Brown K. Lung cancer staging: clinical and radiologic perspectives. Semin Intervent Radiol. 2013;30(2):99-113. https://doi.org/10.1055/s-0033-1342950
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Assim, deve-se levar em consideração importantes mudanças nos descritores, especialmente a respeito dos componentes tumor e metástase e, por conseguinte, do estadiamento clínico ao longo do tempo, pois não há homogeneidade na definição dos descritores intraestádios.

Em conformidade com a literatura vigente, o estudo de Costa et al.55 Costa GJ, Mello MJG, Bergmann A, Ferreira CG, Thuler LCS. Tumor-node-metastasis staging and treatment patterns of 73,167 patients with lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(1)e20180251. também demonstrou o aumento da prevalência de adenocarcinoma e a redução da prevalência de carcinoma de células escamosas na amostra estudada.99 Tsukazan MTR, Vigo Á, Silva VDD, Barrios CH, Rios JO, Pinto JAF. Lung cancer: changes in histology, gender, and age over the last 30 years in Brazil. J Bras Pneumol. 2017;43(5):363-367. https://doi.org/10.1590/s1806-37562016000000339
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,1010 Costa G, Thuler LC, Ferreira CG. Epidemiological changes in the histological subtypes of 35,018 non-small-cell lung cancer cases in Brazil. Lung Cancer. 2016;97:66-72. https://doi.org/10.1016/j.lungcan.2016.04.019
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Ressaltamos o mérito da existência de um registro nacional de câncer para estimular o delineamento de estudos populacionais sobre o tema, os quais são de suma importância para estabelecer políticas públicas para o câncer de pulmão em todas as etapas, desde o diagnóstico até a terapêutica. Concordamos com os autores que é crucial a capacitação de profissionais da saúde da atenção primária e secundária, bem como o alinhamento dos serviços de saúde, no sentido de conceber uma linha de cuidado e, com isso, otimizar tempo e recursos para o diagnóstico precoce e assim realizar o tratamento com intuito curativo.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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