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Acampamento educacional para crianças asmáticas

EDITORIAL

Acampamento educacional para crianças asmáticas

A. Sonia BuistI; Sandra R. WilsonII

IMD Universidade de Saúde e Ciência de Oregon Portland, OR, EUA

IIPhD Instituto de Pesquisa da Fundação Médica Palo Alto Palo Alto, CA, EUA

Todo médico que trata de crianças observa que várias delas sofrem de asma. A boa notícia é que há medicamentos altamente eficientes que podem tratar e controlar a asma, permitindo, assim, que a maioria dessas crianças possam levar uma vida normal.(1-3) A má notícia é que a adesão a qualquer esquema de tratamento para doença crônica é difícil, especialmente quando os sintomas não são graves o bastante para comprometer a qualidade de vida de modo significativo. No caso da asma, muitos estudos mostraram que a adesão a um esquema de tratamento de manutenção é de 50% ou menos.(4,5) Uma escolha entre o tratamento regular e ativo de um transtorno crônico e a restrição de atividades a fim de conter os sintomas pode ser feita a nível inconsciente, sendo a restrição de atividades (modificar o estilo de vida) a opção padrão. Os pais são geralmente avessos a medicar seus filhos de modo rotineiro. Como médicos, nosso trabalho na educação de nossos pacientes com asma deixa a desejar, pois muitos deles nem se dão conta que, malgrado ser a asma uma doença crônica, seus sintomas podem ser controlados, permitindo-lhes que levem uma vida normal. O conceito de que podem controlar sua asma ao invés de serem controlados por ela é importante, e precisamos ensiná-lo a nossos pacientes asmáticos de todas as idades.

O estudo conduzido por Costa et al.(6) e publicado neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia mostra que uma intervenção simples, bem planejada e potencialmente pouco dispendiosa no cenário de um acampamento para asmáticos pode aumentar o conhecimento do paciente sobre a asma e, o que é mais importante, pode melhorar suas habilidades no manejo da asma, potencialmente ajudando as crianças a levar uma vida mais ativa. Este artigo é importante, ainda, porque demonstra que simples estudos de pesquisa, se bem feitos, podem fornecer informação que motive mudanças no modo de gerenciar nossos pacientes. A pesquisa sobre acampamentos pediátricos para asmáticos tem sido feita em diversos países. Entretanto, a pesquisa realizada em outro país pode ou não ser generalizada para o ambiente no qual trabalhamos, já que as populações de pacientes e sua escolaridade, bem como os padrões estabelecidos dos sistemas de saúde e de gerenciamento, provavelmente irão divergir. A pesquisa clínica é extremamente valiosa quando envolve pacientes oriundos do ambiente no qual será aplicada.

Costa et al. fizeram importante indagação: "Pode um programa curto (5 dias) de acampamento para crianças asmáticas que incorpora educação e tipos comuns de atividades esportivas e de recreação melhorar o entendimento que tais crianças têm sobre sua asma, bem como aguçar suas habilidades no uso de medicamentos inalatórios e reduzir sua dispnéia?" Os investigadores usaram uma equipe multidisciplinar que incluía médicos, enfermeiras, um psicólogo e um fisioterapeuta. Foram estudadas 37 crianças com idade entre 8-10 anos. O programa do acampamento incluía uma sessão educacional interativa de 20min, diariamente, com foco no entendimento e manejo da asma. Além disso, a técnica do uso de pico de fluxo e inaladores era avaliada diariamente. Vale ressaltar que Rosa Mota, famosa corredora de maratona portuguesa que sofre de asma, visitou o acampamento e conversou com as crianças.

Os investigadores avaliaram a eficácia do programa mediante o uso de questionários, aplicados às crianças no primeiro e último dias do acampamento, que exploraram seu conhecimento sobre a asma, inclusive desencadeadores de asma, sintomas, estratégias de manejo, sua capacidade para praticar esportes e seu escore de dispnéia (um estudo não controlado de dois momentos: antes e depois). Os autores relataram melhora significativa no conhecimento sobre asma, no uso de inaladores para asma e no escore de dispnéia, bem como na mudança na percepção (reconhecimento do fato de que crianças com asma podem praticar esportes e de que há medicações preventivas disponíveis para a asma).

Há agora forte (nível A) evidência que a educação para o automanejo da asma é eficiente no contexto clínico.(2) Alguns programas educacionais sobre asma, de base escolar, mostraram sucesso na redução de sintomas e no uso de medicação de resgate, bem como na melhora de freqüência e desempenho escolar (evidência de nível B).(2) O desafio é fornecer educação sobre asma para pacientes asmáticos de todas as idades. Acampamentos para crianças, onde a educação é oferecida em ambiente descontraído e recreativo, no qual pode-se mostrar às crianças de modo muito direto que elas podem ser bastante ativas fisicamente sem as restrições dos sintomas de asma, fornecem tal oportunidade. No entanto, dado o custo de propiciar um programa educacional multidisciplinar neste contexto, é importante que o valor de tal programa seja documentado. É difícil determinar, porém, a relação custo-efetividade e custo-benefício para tais programas, já que ensaios randomizados controlados são raros. Além disso, os custos do cuidado com a asma e os benefícios que gostaríamos de ver (isto é, aumento da atividade física da criança no ambiente doméstico) ocorreriam após a experiência do acampamento, requerendo, assim, coleta de dados a longo prazo.

O programa mais convincente e que demonstrou custo-efetividade a nível nacional talvez tenha sido o Programa Nacional de Asma organizado pelo Ministério de Assuntos Sociais e Saúde na Finlândia, em 1994, com o objetivo de melhorar os cuidados com a asma e limitar aumentos projetados de custo.(7) Este programa ambicioso incorporou educação e habilidades de automanejo de modo profundo no sistema nacional de saúde na Finlândia e demonstrou que tal programa pode ser altamente custo-efetivo em um período de 10 anos. O programa assemelha-se à experiência feita no contexto de um hospital militar comunitário nos Estados Unidos que também atrelava a educação do paciente e do provedor a mudanças no fornecimento de cuidados de saúde para crianças com asma, relatado como estudo de caso pelos US Centers for Disease Control.(8) Naquele estudo, os investigadores relataram significativa redução nos custos como resultado do programa, e uma parcela desta redução permitiu que o hospital pudesse apoiar o programa de educação da asma. Uma chave para o sucesso de tal programa foi que ele combinou um programa de educação da asma de efetividade comprovada com um requisito que todos os médicos fornecessem planos de ação para a asma e encaminhassem crianças recentemente diagnosticadas com asma e seus pais para aulas de educação sobre asma.

Como aplicar as experiências da Finlândia e do Texas em outros países, maiores e mais diversos e com menos recursos, é uma questão importante e desafiadora. O programa finlandês era multidisciplinar e englobava quatro princípios: 1) iniciar tratamento antiinflamatório efetivo precocemente, ganhar a confiança do paciente e melhorar o desfecho; 2) tratar de acordo com a gravidade da doença; 3) tratar exacerbações precocemente; e 4) educar o paciente e prover um plano de automanejo por escrito. O programa de acampamento para crianças em Portugal era multidisciplinar e incorporou a maioria destes princípios. Dado o sucesso do programa, estender o programa de acampamento para crianças asmáticas de todas as idades e para outros contextos nos quais as crianças tenham antecedentes educacionais e sócio-econômicos mais diversos seria obviamente importante e gratificante. Com dados convincentes que demonstram efetividade, pode até ser possível persuadir as autoridades da saúde a estabelecer um programa nacional piloto baseado na premissa que tal programa controlará, ou até mesmo reverterá, o crescente custo dos cuidados com asma, melhorando a qualidade de vida dos que sofrem com esta doença.

  • 1. Global Initiative for Asthma (GINA) [Homepage on the Internet]. Bethesda: National Heart, Lung and Blood Institute. National Institutes of Health, US Department of Health and Human Services; c2000 [updated Sep 2006; cited 2008 Jan 31]. Available from: http://www.ginasthma.org
  • 2. EPR--3. Expert panel report 3: guidelines for the diagnosis and management of asthma (EPR--3 2007). NIH Publication No. 07-4051. Bethesda, MD: U.S. Department of Health and Human Services; National Institutes of Health; National Heart, Lung, and Blood Institute; National Asthma Education and Prevention Program, 2007. Available at http://www.nhlbi.nih.gov/guidelines/asthma/asthgdln.pdf
  • 3. EPR--Update 2002. Expert panel report: guidelines for the diagnosis and management of asthma. Update on selected topics 2002 (EPR--Update 2002). NIH Publication No. 02-5074. Bethesda, MD: U.S. Department of Health and Human Services; National Institutes of Health; National Heart, Lung, and Blood Institute; National Asthma Education and Prevention Program, June 2003. Available at http://www.nhlbi.nih.gov/guidelines/asthma/asthmafullrpt.pdf
  • 4. Bosley CM, Parry DT, Cochrane GM. Patient compliance with inhaled medication: does combining beta-agonists with corticosteroids improve compliance? Eur Respir J. 1994;7(3):504-9.
  • 5. Sackett DL, Snow JC. The magnitude of compliance and non-compliance. In: Haynes RB, Taylor WD, Sackett DL, eds. Compliance in Health Care. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 1979. p. 11-22.
  • 6. Costa MR, Oliveira MA, Santoro IL, Juliano Y, Pinto JR, Fernandes AL. Educational camp for children with asthma. J Bras Pneumol. 2008;34(4):191-195.
  • 7. Haahtela T, Tuomisto LE, Pietinalho A, Klaukka T, Erhola M, Kaila M, et al. A 10 year asthma programme in Finland: major change for the better. Thorax. 2006:61(8):663-70.
  • 8. Centers for Disease Control and Prevention [Homepage on the Internet]. Atlanta: The Centers; 2008 [cited 2008 Jan 31]. Wee Wheezers Asthma Education Program. Available from: http://www.cdc.gov/asthma/interventions/wee_wheezers.htm

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2008
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