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Reflexões sobre o artigo “Associação entre função pulmonar, força muscular respiratória e capacidade funcional de exercício em indivíduos obesos com síndrome da apneia obstrutiva do sono”

Primeiramente, gostaríamos de parabenizarmos Carvalho et al. pelo artigo publicado no JBP intitulado “Associação entre função pulmonar, força muscular respiratória e capacidade funcional de exercício em indivíduos obesos com síndrome da apneia obstrutiva do sono” (SAOS),11 Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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assunto de extrema importância para os profissionais que atuam nessa área; essa situação clínica afeta um grande número de pessoas, com impacto direto na qualidade de vida desses.

Uma importante observação a ser feita sobre o estudo citado11 Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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é que ele tem delineamento transversal, que não estabelece um fator causal, ou seja, não é possível saber se as alterações de função pulmonar e de força muscular respiratória são decorrentes da obesidade ou da SAOS isoladamente. Essa hipótese pode ser evidenciada no estudo de Melo et al.,22 Melo LC, da Silva MA, Calles AC. Obesity and lung function: a systematic review. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(1):120-5. https://doi.org/10.1590/S1679-45082014RW2691
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que avaliaram uma população de obesos e observaram reduções da capacidade pulmonar total e da CVF, acompanhadas de redução do VEF1; tais achados foram os mais representativos dentre as amostras, sugerindo a presença de padrão respiratório restritivo associado à obesidade. O que se percebe é que a diminuição da capacidade pulmonar já é uma característica da obesidade, mesmo sem sua associação com a SAOS.22 Melo LC, da Silva MA, Calles AC. Obesity and lung function: a systematic review. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(1):120-5. https://doi.org/10.1590/S1679-45082014RW2691
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O estudo de Tassinari et al.,33 Tassinari CC, Piccin CF, Beck MC, Scapini F, Oliveira LC, Signori LU, et al. Capacidade funcional e qualidade de vida entre sujeitos saudáveis e pacientes com apneia obstrutiva do sono. Medicina (Rib Preto). 2016;49(2):152-9. https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v49i2p152-159
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citado no estudo em questão,11 Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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relatou que não foram observados prejuízos à função pulmonar e à musculatura respiratória nos pacientes eutróficos com SAOS, havendo, inclusive, similaridades entre aquele grupo de pacientes e sujeitos saudáveis.

Outro fator também limitante da amostra são as patologias prévias, como, por exemplo, diabetes mellitus do tipo II; foi relatado no estudo de Punjabi et al.44 Punjabi NM, Beamer BA. Alterations in Glucose Disposal in Sleep-disordered Breathing. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179(3):235-40. https://doi.org/10.1164/rccm.200809-1392OC
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que, independentemente da adiposidade, os distúrbios relacionados ao sono estão associados a prejuízos na sensibilidade à insulina e que a utilização do índice de massa corpórea como variável de avaliação, ou seja, sem diferenciação entre massa muscular e tecido adiposo, pode interferir nos resultados encontrados quanto à comparação do grau de obesidade de cada indivíduo.

Um achado a ser comentado é a falta de correlação da função pulmonar com o teste de caminhada de seis minutos naquela população,11 Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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uma vez que sua validade e reprodutibilidade já foram avaliadas em obesos, demonstrando que um aumento em 80 m na distância percorrida está relacionado à melhora clínica. Um possível fator para explicar tal achado foi demonstrado por Ucok et al.,55 Ucok K, Aycicek A, Sezer M, Genc A, Akkaya M, Caglar V, et al. Aerobic and anaerobic exercise capacities in obstructive sleep apnea and associations with subcutaneous fat distributions. Lung. 2009;187(1):29-36. https://doi.org/10.1007/s00408-008-9128-0
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que compararam indivíduos com SAOS e indivíduos saudáveis: indivíduos com menor consumo máximo de oxigênio apresentaram fadiga prematura dos membros inferiores. Esse distúrbio do metabolismo muscular está associado a níveis elevados de ácido lático no sangue e à diminuição da capacidade de reduzir esses níveis em pacientes com distúrbios do sono durante o exercício.55 Ucok K, Aycicek A, Sezer M, Genc A, Akkaya M, Caglar V, et al. Aerobic and anaerobic exercise capacities in obstructive sleep apnea and associations with subcutaneous fat distributions. Lung. 2009;187(1):29-36. https://doi.org/10.1007/s00408-008-9128-0
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Cabe-nos destacar que os resultados obtidos podem ser incrementados com um novo delineamento metodológico e redefinição da população estudada, incluindo indivíduos sem associações com outras patologias, evitando-se, assim, um possível viés de seleção.

REFERÊNCIAS

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    Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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    Melo LC, da Silva MA, Calles AC. Obesity and lung function: a systematic review. Einstein (Sao Paulo). 2014;12(1):120-5. https://doi.org/10.1590/S1679-45082014RW2691
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    Tassinari CC, Piccin CF, Beck MC, Scapini F, Oliveira LC, Signori LU, et al. Capacidade funcional e qualidade de vida entre sujeitos saudáveis e pacientes com apneia obstrutiva do sono. Medicina (Rib Preto). 2016;49(2):152-9. https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v49i2p152-159
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    Punjabi NM, Beamer BA. Alterations in Glucose Disposal in Sleep-disordered Breathing. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179(3):235-40. https://doi.org/10.1164/rccm.200809-1392OC
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    Ucok K, Aycicek A, Sezer M, Genc A, Akkaya M, Caglar V, et al. Aerobic and anaerobic exercise capacities in obstructive sleep apnea and associations with subcutaneous fat distributions. Lung. 2009;187(1):29-36. https://doi.org/10.1007/s00408-008-9128-0
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Resposta dos autores

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Inicialmente, gostaríamos de agradecer aos comentários, em forma de correspondência, sobre nosso artigo intitulado “Associação entre função pulmonar, força muscular respiratória e capacidade funcional de exercício em indivíduos obesos com síndrome da apneia obstrutiva do sono” (SAOS.11 Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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No artigo, nós mostramos que nossa amostra, composta por indivíduos obesos com SAOS não tratada, apresentou redução da função pulmonar, da força muscular inspiratória e da capacidade física. Além disso, observamos que, naqueles pacientes, o declínio da função pulmonar, mas não da força muscular respiratória, estava associado à redução da distância percorrida na realização do teste shuttle. No entanto, nenhuma correlação da função pulmonar e da força muscular respiratória foi encontrada com o desempenho no teste de caminhada de seis minutos (TC6).

Sobre o comentário a respeito do desenho do estudo, que é do tipo transversal observacional, e, dessa forma, não é o mais adequado a fim de estabelecer um fator causal da redução de força e de função pulmonar encontrada nos nossos pacientes, concordamos com a colocação dos autores. Inclusive, esse é um fator colocado por nós como sendo uma das limitações do nosso estudo. Sugerimos que, para uma melhor definição do fator causal, estudos com maior rigor metodológico sejam realizados, como um ensaio clínico randomizado, já que o nosso estudo avaliou apenas um grupo de indivíduos obesos e com SAOS, não havendo grupos para uma posterior comparação. Com relação à presença de comorbidades associadas, esse é um achado comum nos pacientes com SAOS. Os episódios intercorrentes de hipóxia e reoxigenação presentes na SAOS podem promover estresse oxidativo associado à liberação de marcadores inflamatórios, colaborando para o aparecimento dessas comorbidades e de consequências para a musculatura periférica e cardiorrespiratória, o que pode afetar diretamente a tolerância ao esforço. Sobre as considerações dos autores quanto à utilização do índice de massa corpórea como forma de caracterização da obesidade, concordamos que esse não é o método mais fidedigno para a classificação da obesidade, por não levar em consideração a composição corporal. Apesar disso, segundo um editorial no BMJ de 2018,22 Is BMI the best measure of obesity? BMJ. 2018;361:k2293. https://doi.org/10.1136/bmj.k1274
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o índice de massa corpórea continua a ser a medida mais comumente utilizada e largamente aceita para mensurar obesidade em adultos e crianças, além de apresentar uma forte correlação com as medidas consideradas padrão ouro para a mensuração da gordura corporal.

Por fim, quanto ao comentário sobre a ausência de correlação da função pulmonar com a distância percorrida no TC6, gostaríamos de destacar que a correlação entre as duas variáveis não está associada ao fato de o TC6 ser validado e reprodutível para obesos, como foi destacado nos comentários da correspondência. O que a ausência de correlação nos afirma, do ponto de vista estatístico, é que a alteração no valor de uma variável considerada independente (no caso, a função pulmonar) não provocou alterações no valor da outra variável considerada dependente (no caso, a distância percorrida no TC6). Resultados similares também foram encontrados por Ferreira et al.,33 Ferreira MS, Mendes RT, de Lima Marson FA, Zambon MP, Paschoal IA, Toro AA, et al. The relationship between physical functional capacity and lung function in obese children and adolescents. BMC Pulm Med. 2014;14:199. https://doi.org/10.1186/1471-2466-14-199
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ao analisarem crianças e adolescentes obesos, que não observaram correlações entre a função pulmonar e o desempenho no TC6.

Concluindo, gostaríamos de agradecer mais uma vez a continuidade de discussão sobre os aspectos metodológicos e resultados de nosso trabalho,11 Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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possibilitando ampliar o debate abordando a SAOS, um tema tão atual e importante dentro da área da pneumologia e da medicina do sono.

REFERÊNCIAS

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    Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
    » https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
  • 2
    Is BMI the best measure of obesity? BMJ. 2018;361:k2293. https://doi.org/10.1136/bmj.k1274
    » https://doi.org/10.1136/bmj.k1274
  • 3
    Ferreira MS, Mendes RT, de Lima Marson FA, Zambon MP, Paschoal IA, Toro AA, et al. The relationship between physical functional capacity and lung function in obese children and adolescents. BMC Pulm Med. 2014;14:199. https://doi.org/10.1186/1471-2466-14-199
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    Carvalho TMDCS, Soares AF, Climaco DCS, Secundo IV, Lima AMJ. Correlation of lung function and respiratory muscle strength with functional exercise capacity in obese individuals with obstructive sleep apnea syndrome. J Bras Pneumol. 2018;44(4):279-284. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000031
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    Is BMI the best measure of obesity? BMJ. 2018;361:k2293. https://doi.org/10.1136/bmj.k1274
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    Ferreira MS, Mendes RT, de Lima Marson FA, Zambon MP, Paschoal IA, Toro AA, et al. The relationship between physical functional capacity and lung function in obese children and adolescents. BMC Pulm Med. 2014;14:199. https://doi.org/10.1186/1471-2466-14-199
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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