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Diagnosticando depressão em pacientes internados com doenças hematológicas: prevalência e sintomas associados

Diagnosing depression among hematological impatients: prevalence and associated symptons

Resumos

INTRODUÇÃO: Não encontramos estudos avaliando o diagnóstico e a prevalência de depressão em pacientes hematológicos aqui no Brasil. OBJETIVO: Verificar a prevalência dos sintomas depressivos e quais deles mais se associam à depressão em pacientes internados com doenças hematológicas. MÉTODOS: Num estudo transversal, 104 pacientes consecutivamente internados nos leitos da hematologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) foram avaliados. Foram preenchidos questionários de variáveis sociodemográficas e de história psiquiátrica. O índice Charlson de co-morbidade (IC) foi usado para medir gravidade física. Foi aplicado, também, o inventário Beck de depressão (BDI). Aqueles que tiveram pontuação acima de 9 na soma dos 13 primeiros itens do BDI (BDI-13) foram considerados deprimidos. Também foi verificada a freqüência caso fosse utilizada a escala completa com 21 itens (BDI-21), com ponto de corte 16/17. RESULTADOS: As prevalências foram: BDI-13 = 25% e BDI-21 = 32,7%. Após controle para fatores de confusão, os sintomas que permaneceram no modelo da regressão logística, indicando que melhor detectavam os deprimidos, foram sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga. CONCLUSÃO: Cerca de um quarto a um terço dos pacientes internados com doenças hematológicas tinham sintomas depressivos significativos, e os sintomas que melhor os discriminaram foram sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga.

sintomas depressivos; hematologia; pacientes internados; co-morbidade psiquiátrica; prevalência


INTRODUCTION: We did not find studies evaluating diagnosis and prevalence of depression in patients with hematological diseases in Brazil. OBJECTIVE: To verify the prevalence of depressive symptoms and to identify which of them better help discriminate hematological inpatients who are depressed. METHODS: A transversal study was conducted with 104 inpatients consecutively admitted to the hematology ward of Hospital Universitário of Universidade Federal de Santa Catarina. Data on sociodemographic variables and history of psychiatric disorders were collected. The Charlson Comorbidity Index (CI) was used to measure medical comorbidity. Depressive symptoms were assessed using the Beck Depression Inventory (BDI). Those who scored above 9 in the sum of the first 13 items (BDI-13) were considered depressed. We also evaluated prevalence using all the 21 items (BDI-21), by means of a cut-off score of 16/17. RESULTS: Prevalences were: BDI-13 = 25% and BDI-21 = 32.7%. After control for confounders, the symptoms that remained in the logistic regression model, indicating their ability to detect depressed patients, were sense of failure, anhedonia, guilt and fatigue. CONCLUSIONS: Around a quarter to a third of hematological inpatients had significant depressive symptoms and the ones that better discriminated depressed patients were sense of failure, anhedonia, guilt and fatigue.

depressive symptoms; hematology; medical inpatients; psychiatric comorbidity; prevalence


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Diagnosticando depressão em pacientes internados com doenças hematológicas: prevalência e sintomas associados

Diagnosing depression among hematological impatients: prevalence and associated symptons

Letícia M. Furlanetto; Joanita Ângela Gonzaga Del Moral; Ana Heloísa B. Gonçalves; Kenia Rodrigues; Maria Eduarda M. L. Polli Jacomino

Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (CCS/UFSC)

Correspondência para Correspondência para: Letícia Maria Furlanetto Departamento de Clínica Médica, 3º andar, HU/UFSC Caixa Postal 5199, Campus Universitário 88040-970 – Florianópolis-SC Tel./fax: (48) 3234-9756 E-mail: leticiafurlanetto@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Não encontramos estudos avaliando o diagnóstico e a prevalência de depressão em pacientes hematológicos aqui no Brasil.

OBJETIVO: Verificar a prevalência dos sintomas depressivos e quais deles mais se associam à depressão em pacientes internados com doenças hematológicas.

MÉTODOS: Num estudo transversal, 104 pacientes consecutivamente internados nos leitos da hematologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) foram avaliados. Foram preenchidos questionários de variáveis sociodemográficas e de história psiquiátrica. O índice Charlson de co-morbidade (IC) foi usado para medir gravidade física. Foi aplicado, também, o inventário Beck de depressão (BDI). Aqueles que tiveram pontuação acima de 9 na soma dos 13 primeiros itens do BDI (BDI-13) foram considerados deprimidos. Também foi verificada a freqüência caso fosse utilizada a escala completa com 21 itens (BDI-21), com ponto de corte 16/17.

RESULTADOS: As prevalências foram: BDI-13 = 25% e BDI-21 = 32,7%. Após controle para fatores de confusão, os sintomas que permaneceram no modelo da regressão logística, indicando que melhor detectavam os deprimidos, foram sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga.

CONCLUSÃO: Cerca de um quarto a um terço dos pacientes internados com doenças hematológicas tinham sintomas depressivos significativos, e os sintomas que melhor os discriminaram foram sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga.

Palavras-chave: sintomas depressivos, hematologia, pacientes internados, co-morbidade psiquiátrica, prevalência.

ABSTRACT

INTRODUCTION: We did not find studies evaluating diagnosis and prevalence of depression in patients with hematological diseases in Brazil.

OBJECTIVE: To verify the prevalence of depressive symptoms and to identify which of them better help discriminate hematological inpatients who are depressed.

METHODS: A transversal study was conducted with 104 inpatients consecutively admitted to the hematology ward of Hospital Universitário of Universidade Federal de Santa Catarina. Data on sociodemographic variables and history of psychiatric disorders were collected. The Charlson Comorbidity Index (CI) was used to measure medical comorbidity. Depressive symptoms were assessed using the Beck Depression Inventory (BDI). Those who scored above 9 in the sum of the first 13 items (BDI-13) were considered depressed. We also evaluated prevalence using all the 21 items (BDI-21), by means of a cut-off score of 16/17.

RESULTS: Prevalences were: BDI-13 = 25% and BDI-21 = 32.7%. After control for confounders, the symptoms that remained in the logistic regression model, indicating their ability to detect depressed patients, were sense of failure, anhedonia, guilt and fatigue.

CONCLUSIONS: Around a quarter to a third of hematological inpatients had significant depressive symptoms and the ones that better discriminated depressed patients were sense of failure, anhedonia, guilt and fatigue.

Key words: depressive symptoms, hematology, medical inpatients, psychiatric comorbidity, prevalence.

Introdução

Evidências sugerem um aumento da freqüência de depressão nos pacientes com doenças físicas (de Jonge et al., 2006a). Além disso, indivíduos com sintomas depressivos desenvolvem mais comumente determinadas doenças: diabetes (Golden et al., 2004), hipertensão arterial (Everson et al., 2000) e acidente vascular encefálico (AVE) (Larson et al., 2001). Essa co-morbidade é preocupante porque um paciente clínico deprimido ajuda menos no tratamento (Lin et al., 2004), tem pior controle de sua doença de base (Lustman e Clouse, 2005), pior qualidade de vida (de Jonge et al., 2006b), maior prejuízo funcional (van Gool et al., 2005) e maior mortalidade (Colon et al., 1991; Furlanetto et al., 2000; Rumsfeld et al., 2005). A associação entre sintoma depressivo e doença clínica está bem estabelecida, sobretudo em cardiologia, endocrinologia e neurologia. Contudo existem poucos estudos sobre prevalência e diagnóstico da depressão em pacientes com doenças hematológicas, e não encontramos nenhum artigo com dados sobre a nossa realidade (realizado aqui no Brasil).

Existe ampla variação nas taxas de depressão em pacientes clínicos: de 3% a 75%, dependendo do local de seleção (pacientes internados ou ambulatoriais), do modo de avaliação (definição de caso, instrumento, ponto de corte) ou das características específicas da doença física avaliada (Evans et al., 2005). Assim, caso seja usada uma entrevista estruturada e critérios diagnósticos para depressão maior em pacientes ambulatoriais clinicamente compensados, podemos encontrar taxas mais baixas. Por outro lado, se forem utilizadas escalas que medem sintomas depressivos em geral em pacientes internados, submetidos a diversos tratamentos, com dor e gravemente enfermos, essas taxas serão bem maiores. Outro fator que potencialmente pode levar a diferentes taxas consiste no fato de que sintomas vegetativos e somáticos causados unicamente pela doença de base (p. ex.: fadiga, insônia) podem ser confundidos com sintomas depressivos. Contudo um estudo recente mostrou a validade e a utilidade dos sintomas somáticos como critérios para depressão, mesmo nos pacientes com doenças físicas em geral (Simon e Von Korff, 2006). Neste trabalho, evidenciou-se correlação entre a gravidade dos sintomas somáticos (fadiga, alterações no apetite, peso, psicomotricidade e sono) e a gravidade da depressão. Além disso, houve melhora desses sintomas com o tratamento antidepressivo, tanto nos pacientes que tinham doenças físicas concomitantes como naqueles que não as possuíam. Nesse mesmo sentido uma pesquisa revelou que pacientes com linfoma de Hodgkin que estavam deprimidos apresentavam escores significativamente mais altos em um questionário de fadiga do que os não-deprimidos, independentemente de gravidade física (Loge et al., 2000).

São escassos os artigos sobre prevalência e sintomas associados à depressão em pacientes com doença hematológica. Além disso, alguns deles tiveram amostras pequenas e usaram diversos instrumentos ao mesmo tempo, sem esclarecer qual foi a definição de caso usada. Como exemplo citamos um estudo no qual foram avaliados 22 pacientes com leucemia, usando ao mesmo tempo a escala de Hamilton, o inventário Beck de depressão (BDI) e a escala de Zung. Esses autores não disseram como, mas relataram ter encontrado 18% de transtornos adaptativos depressivos. Referem também que tais transtornos foram mais freqüentes nos pacientes do sexo masculino (Hurtado et al., 1993).

Outros estudos com critérios um pouco mais claros, mas ainda com amostras pequenas, de 31 a 51 pacientes com leucemias e linfomas, revelaram taxas de depressão que variaram de 6% a 55% (dos Santos et al., 1991; Hosaka et al., 1994; Montgomery et al., 2003). Assim, quando foi utilizada uma entrevista estruturada e os critérios da terceira revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III-R), foi encontrada a taxa de 6% de pacientes com depressão maior e 23% com transtorno de ajustamento (Hosaka et al., 1994). Quando foi usada a escala de Zung com o ponto de corte de 39/40, deparou-se com a taxa de 55% de sintomas depressivos (Hosaka et al., 1994). Já em outra pesquisa, através da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD), verificaram-se taxas de 51% ou 14%, caso fossem utilizados os pontos de corte 13 ou 19, respectivamente (Montgomery et al., 2003). Nessa pesquisa houve associação entre idade mais avançada e depressão (Montgomery et al., 2003). Por fim, autores portugueses relataram que usaram uma entrevista semi-estruturada e os critérios do DSM-II-R, encontrando 30% de pacientes com "distúrbios adaptativos com humor depressivo ou misto (ansiedade e depressão)".

Já um estudo bem controlado e de critérios claros (DSMIV), realizado em 1.062 pacientes com neoplasias hematológicas internados para realização de transplante de medula óssea, revelou as taxas de 14% de depressão maior e 28% de transtorno de ajustamento (Prieto et al., 2002). Cerca de 30% de 290 pacientes internados com mieloma múltiplo assinalaram que "se sentiam muito deprimidos" no instrumento intitulado Multiple Affective Adjective Check List (Silberfarb et al., 1991). Uma pesquisa na qual 90 pacientes com linfoma de Hodgkin e não-Hodgkin foram questionados sobre sintomas depressivos, em média 32 meses após receberem o diagnóstico, revelou taxa de 20% de transtornos depressivos durante esse período (Devlen et al., 1987). Entretanto uma limitação do estudo é a possibilidade de ter ocorrido o viés das lembranças.

Em relação à depressão em doenças hematológicas nãoneoplásicas hão que se mencionar os estudos na doença falciforme. Uma pesquisa que avaliou 440 desses pacientes em nível ambulatorial com a escala de depressão do Centro para Estudos Epidemiológicos (CES-D) mostrou taxas de 43% e 18%, com os pontos de corte de 16 e 27, respectivamente (Wison Schaeffer et al., 1999). Nesse grupo a depressão foi mais freqüente nas pacientes do sexo feminino e naqueles indivíduos que tinham mais baixa renda familiar. Outra investigação com 50 pacientes atendidos em um ambulatório para pacientes com doença falciforme revelou que 44% deles apresentavam sintomas depressivos, pelo menos leves, pelo BDI (Hasan et al., 2003).

Algumas pesquisas delineadas para avaliar a associação entre depressão e deficiência de vitamina B12 e anemia mostraram resultados interessantes. Contudo não é possível, através de seus relatos, estabelecer a prevalência de depressão nesses grupos específicos, pois só referem a prevalência dessas deficiências em deprimidos e não-deprimidos (Penninx et al., 2000; Onder et al., 2005; Skarstein et al., 2005). Uma delas, na qual foram avaliadas 700 idosas na comunidade, revelou que a prevalência de deficiência de vitamina B12 nas pacientes sem sintomas depressivos foi de 15%, e naquelas com sintomas depressivos graves, 27% (Penninx et al., 2000). Outra pesquisa, com 986 idosos, detectou anemia em 8% e 15% daqueles sem e com sintomas depressivos, respectivamente (Onder et al., 2005). Uma investigação realizada com 532 pacientes com neoplasias (não só hematológicas) também mostrou a relação entre níveis de hemoglobina e gravidade de sintomas depressivos (Skarstein et al., 2005). Há que se ressaltar, entretanto, que, apesar de esses trabalhos mostrarem a associação entre sintomas depressivos e deficiência de B12 ou anemia, seus delineamentos não permitem que seja estabelecida a relação de causa e efeito. Podem significar que pacientes com anemia ou deficiência de B12 apresentam mais sintomas depressivos; que pacientes deprimidos terminam por ter mais deficiência de B12 ou anemia; ou até mesmo que uma mesma causa possa levar aos dois desfechos (Onder et al., 2005). Outros autores não encontraram essa relação entre anemia e depressão no pós-parto (Paterson et al., 1994).

Como se pode notar, a literatura ainda é confusa e não temos pesquisas revelando dados da nossa realidade. Portanto os objetivos deste estudo são verificar a prevalência de sintomas depressivos e quais deles mais se associam à depressão em pacientes internados com doenças hematológicas.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal no qual 104 pacientes consecutivamente internados nos leitos da hematologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) foram avaliados dentro da primeira semana de internação. Foram colhidos dados sociodemográficos e feita a avaliação de história psiquiátrica pessoal e familiar, de acordo com o modelo realizado por Koenig et al. (Koenig et al., 1997). Foi aplicado o BDI (Beck et al., 1961), sendo utilizada a versão validada em português (Gorenstein e Andrade, 1996). Além dis-so, foi utilizado o índice de Charlson para medir a co-morbidade física dos pacientes (Charlson et al., 1987).

Na análise estatística, foram descritos os dados sociodemográficos, de história psiquiátrica e sintomas depressivos encontrados através de porcentagens, médias e ±, conforme apropriado. Foram descritas também as freqüências de sintomas depressivos moderados a graves (escores 2 e 3 em cada item do BDI). Foram considerados deprimidos os indivíduos que tiveram pontuação acima de 10 na subescala cognitivo-afetiva, composta dos primeiros 13 itens do BDI (BDI-13). Essa subescala é preconizada por Beck em seu manual (Beck e Steer, 1993) para ser utilizada em pacientes com doenças físicas, tendo sido recentemente validada com essa finalidade em pacientes internados no Hospital Geral aqui no Brasil (Furlanetto et al., 2005). Somente a título de comparação, foi verificada também a prevalência caso fosse utilizada a escala completa de 21 itens (com ponto de corte 16/17). Também foram observadas as prevalências caso fossem avaliados separadamente pacientes com e sem neoplasias.

A seguir foram comparados os pacientes considerados deprimidos (de acordo com o BDI-13) com aqueles não-deprimidos em relação a variáveis sociodemográficas, história prévia de depressão, co-morbidade física e os itens do BDI. Para essa análise, as variáveis categóricas foram comparadas usando-se o teste do qui-quadrado, e as variáveis ordinais e contínuas foram avaliadas usando-se teste t de Student para médias independentes ou o teste exato de Fischer, conforme apropriado. Foram considerados estatisticamente significativos os valores de p < 0,05. As variáveis que apresentaram diferença estatisticamente significativa foram utilizadas na análise multivariada. Para verificar quais sintomas mais se associavam ao diagnóstico de depressão de acordo com o BDI-13 foi realizado o teste da regressão logística, com o método stepwise likelihood ratio.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da UFSC. Todos os participantes assinaram termo de consentimento após esclarecimento. Aqueles indivíduos que apresentavam co-morbidade psiquiátrica e que desejavam ser acompanhados através de interconsulta psiquiátrica assim o foram.

Resultados

Foram elegíveis 123 pacientes, e, desses, 19 foram excluídos por impossibilidade física (9), prejuízo cognitivo (8) ou recusa (2). A amostra (n = 104) foi composta predominantemente de pacientes do sexo feminino (55,8%), brancos (81,7%), casados (55,8%), com média de idade de 48,1 ± 19,8 anos, escolaridade média de 6,1 ± 3,7 anos e renda familiar de 3,2 ± 3,5 salários mínimos. A Tabela 1 detalha as características sociodemográficas da amostra.

Quinze pacientes relataram história prévia de depressão (14,4%). A média do índice de Charlson foi 1,4 ± 1,8. Em relação ao diagnóstico hematológico, a porcentagem de pacientes com doenças oncológicas (52,9%) foi semelhante à dos pacientes da hematologia geral (sem neoplasias) (47,1%) (Tabela 2).

A prevalência de sintomas depressivos moderados a graves de acordo com o BDI-13 (subescala cognitivo-afetiva) foi de 25% e, de acordo com a escala completa (BDI-21), 32,7%. Não houve diferenças estatisticamente significativas na prevalência de sintomas depressivos quando foram comparados os pacientes que apresentavam doenças onco-hematológicas (BDI-13 = 25,5% e BDI-21 = 34,5%) com aqueles da hematologia geral (BDI-13 = 24,5% e BDI-21 = 30,6%).

A Tabela 3 descreve as freqüências de sintomas moderados a graves de acordo com cada item do BDI na amostra. Os sintomas mais freqüentes foram perda da libido (38%) e irritabilidade (36%).

Na análise bivariada, as variáveis que mostraram diferenças estatisticamente significativas entre deprimidos e não-deprimidos foram baixa escolaridade (p = 0,04), história de depressão (p < 0,001), índice Charlson de co-morbidade (p = 0,04) e todos os itens do BDI (todos com p < 0,01). Portanto esses itens foram inseridos na análise multivariada. Após controle para fatores de confusão, os sintomas depressivos que permaneceram no modelo da regressão logística indicando que melhor ajudavam a diagnosticar depressão foram: sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga (Tabela 4).

Discussão

Nosso estudo mostrou que 25% a 32,7% dos pacientes internados com doenças hematológicas apresentavam sintomas depressivos moderados a graves. Não houve diferença na freqüência de sintomas depressivos entre os pacientes hematológicos com e sem doenças oncológicas. Além disso, depois de controle para possíveis fatores de confusão (gravidade física, escolaridade e história de depressão), os sintomas que mais se associaram ao diagnóstico de depressão foram: sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga.

Essa prevalência de sintomas depressivos em torno de 30% é semelhante à encontrada em vários estudos (dos Santos et al., 1991; Silberfarb et al., 1991; Wison Schaeffer et al., 1999). Contudo é mais alta do que as taxas de 6% e 14% evidenciadas em duas investigações que utilizaram entrevistas estruturadas e os critérios do DSM-IV para depressão maior (Hosaka et al., 1994; Prieto et al., 2002). Por outro lado, é mais baixa que as taxas de 44%, 51% e 55%, encontradas quando foram utilizadas escalas (Hosaka et al., 1994; Hasan et al., 2003; Montgomery et al., 2003). Provavelmente as diferenças são decorrentes do modo de avaliação. É possível que muitos indivíduos deprimidos não cheguem a preencher critérios para depressão maior, mas já tenham sofrimento psíquico suficiente para obter pontuação nas escalas de depressão. Além disso, dependendo do ponto de corte utilizado na escala para detectar os casos, a prevalência pode sofrer variação. Esse provavelmente foi o motivo da diferença em relação ao único estudo que utilizou o BDI (mesmo instrumento que usamos) e encontrou 44% de sintomas depressivos. Esses autores utilizaram um ponto de corte mais baixo (9) com a escala completa (21 itens), incluindo, portanto, pacientes com síndromes depressivas leves (Hasan et al., 2003).

Como significado clínico de nossos achados ressalta-se que o conhecimento dos sintomas que mais se associaram à depressão pode ser útil para aumentar a detecção dessa co-morbidade e para melhor compreendermos os pacientes hematológicos deprimidos. A sensação de fracasso pode estar associada não só à depressão, mas também à desmoralização que esses pacientes sentem. Esse constructo elaborado por Frank se refere à perda da autoconfiança que pode ocorrer em pessoas com situação de vida desfavorável (Dohrenwend et al., 1980). A própria doença hematológica e seus tratamentos geram uma série de alterações no funcionamento e na aparência, deixando o indivíduo com a sensação de ser incapaz, um peso para todos. Isso provavelmente funciona como estressor importante que faz precipitar episódios depressivos naqueles que são vulneráveis à depressão. Uma vez iniciada, a depressão tem como um de seus sintomas a baixa auto-estima, o que agrava ainda mais a sensação de fracasso dos pacientes, e o círculo vicioso é mantido. A anedonia (perda de interesse e prazer) é um sintoma central da depressão e sabidamente responde a tratamentos farmacológicos. Embora pacientes clínicos estejam impossibilitados para muitas atividades prazerosas, aqueles que não estão deprimidos ainda conseguem imaginar ter prazer com o que antes gostavam (Furlanetto e Brasil, 2006). É interessante notar que já em 1917, em seu texto intitulado Luto e Melancolia, Freud referia que o sintoma culpa ajuda a diferenciar o luto (tristeza pela perda) da doença (melancolia) (Freud, 1953). Fadiga é um sintoma muito freqüente em pacientes com doenças hematológicas, sobretudo naqueles que estão anêmicos, com neoplasias e fazendo tratamentos como quimioterapia e radioterapia (Devlen et al., 1987; Sobrero et al., 2001). Contudo, quando a fadiga está associada a humor depressivo ou anedonia e excede o esperado para a gravidade da doença, deve levantar a suspeita de que esteja sendo piorada pela depressão (von Ammon Cavanaugh, 1995). A fadiga é sintoma que pode piorar a qualidade de vida e funcionar como um estressor a mais, precipitando ou agravando a depressão. Além disso, existem medidas, como a atividade física no leito, que podem ajudar a preveni-la (Dimeo et al., 1999).

Algumas limitações desse estudo merecem ser apontadas: 1) o uso de escalas permite verificar a presença de sintomas depressivos auto-relatados, mas não substitui o diagnóstico feito por profissional experiente utilizando entrevista estruturada e critérios diagnósticos estabelecidos. Entretanto, uma vez que a simples presença de sintomas depressivos já está associada a pior prognóstico (Furlanetto et al., 2000), o seu conhecimento pode ser útil para implementar medidas de prevenção e tratamento; 2) existe sobreposição dos sintomas depressivos àqueles causados pela doença hematológica, não sendo possível estabelecer a origem exata de cada um. A fadiga encontrada nesse grupo provavelmente teve várias causas concomitantes: aumento do metabolismo (febre, neoplasia, etc.); diminuição de substrato (anemia, hipoxemia, plaquetopenia ou baixo estado nutricional); liberação de substâncias que alteram o metabolismo ou o funcionamento dos músculos (citocinas, lactato) e depressão propriamente dita em alguns casos. Contudo, como já demonstrado, existe maior risco de fadiga em pacientes com doença de Hodgkin que estão deprimidos (Loge et al., 2000). Portanto, o raciocínio mais provável quando existe fadiga em excesso ao esperado é que ela seja oriunda da doença, dos tratamentos e da depressão concomitantemente.

Conclusão

Cerca de um quarto a um terço dos pacientes internados com doenças hematológicas apresentaram sintomas depressivos de intensidade moderada a grave. Eles foram mais freqüentes em indivíduos com história prévia de depressão, baixa escolaridade e maior co-morbidade física. Os sintomas que melhor ajudaram a detectar pacientes com síndromes depressivas moderadas a graves foram: sensação de fracasso, anedonia, culpa e fadiga.

São necessários estudos verificando se medidas visando a precocemente detectar e abordar esses sintomas podem contribuir para melhorar a qualidade de vida e o prognóstico desses pacientes.

Recebido 10-05-06

Aprovado 30-06-06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 2006
    • Recebido
      10 Maio 2006
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