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Ventilação oscilatória de alta frequência em crianças: uma experiência de 10 anos

Resumos

OBJETIVOS: O objetivo do estudo foi descrever a experiência com ventilação oscilatória de frequência (VOAF) em uma unidade portuguesa de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos e avaliar se a VOAF permitiu uma melhoria na oxigenação e na ventilação. MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo observacional em crianças submetidas À ventilação com VOAF entre janeiro de 2002 e dezembro de 2011. Os seguintes parâmetros foram registrados: dados demográficos e clínicos; gases sanguíneos; e parâmetros ventilatórios durante as primeiras 48 horas de VOAF. RESULTADOS: O estudo incluiu 80crianças com uma idade média de 1,5 mês (mínima: uma semana; máxima: 36 meses). Pneumonia (n = 50; 62,5%) e bronquiolite (n = 18; 22,5%) foram os principais diagnósticos. Cerca de 40% (n = 32) dos pacientes desenvolveram a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). A ventilação mecânica convencional foi utilizada em 68 (85%) pacientes antes da VOAF. Todos os pacientes que começaram a VOAF tiveram hipoxemia, e 56 (70%) também apresentaram hipercapnia persistente. Duas horas após o início da VOAF, foi observada uma melhoria significativa na proporção SatO2/FiO2 (128 ± 0,63 em comparação a 163 ± 0,72; p < 0,001), que foi mantida durante as 24 horas de VOAF, e uma redução da FiO2. Desde o início da VOAF, a PCO2 média teve uma queda significativa (87 ± 33 em comparação a 66 ± 25; p < 0,001) e o pH aumentou significativamente (7,21 ± 0,17 em comparação a 7,32 ± 0,15; p < 0,001). A sobrevida geral foi de 83,8%. CONCLUSÕES: A VOAF permitiu uma melhoria na hipercapnia e na oxigenação. Trata-se de uma opção segura no tratamento da SARA e de doenças graves das pequenas vias aéreas.

Ventilação oscilatória de alta frequência; Criança; Insuficiência respiratória aguda; Bronquiolite; Pneumonia; Síndrome da angústia respiratória aguda


OBJECTIVES: The aim of the study was to describe the experience with high-frequency oscillatory ventilation (HFOV) in a Portuguese Pediatric Critical Care Unit, and to evaluate whether HFOV allowed improvement in oxygenation and ventilation. METHODS: This was a retrospective observational cohort study of children ventilated by HFOV between January, 2002 and December, 2011. The following parameters were recorded: demographic and clinical data, and blood gases and ventilatory parameters during the first 48 hours of HFOV. RESULTS: 80 children were included, with a median age of 1.5 months (min: one week; max: 36 months). Pneumonia (n = 50; 62.5%) and bronchiolitis (n = 18; 22.5%) were the main diagnoses. Approximately 40% (n = 32) of the patients developed acute respiratory distress syndrome (ARDS). Conventional mechanical ventilation was used in 68 (85%) of patients prior to HFOV. All patients who started HFOV had hypoxemia, and 56 (70%) also presented persistent hypercapnia. Two hours after starting HFOV, a significant improvement in SatO2/FiO2 ratio (128 ± 0.63 vs. 163 ± 0.72; p < 0.001) that was sustained up to 24 hours of HFOV and a decrease in FiO2 were observed. Since the beginning of HFOV, the mean PCO2 significantly decreased (87 ± 33 vs. 66 ± 25; p < 0.001), and the pH significantly improved (7.21 ± 0.17 vs. 7.32 ± 0.15; p < 0.001). Overall survival was 83.8%. CONCLUSIONS:HFOV enabled an improvement in hypercapnia and oxygenation. It is a safe option for the treatment of ARDS and severe small airway diseases.

High frequency oscillatory ventilation; Child; Acute respiratory failure; Bronchiolitis; Pneumonia; Acute respiratory distress syndrome


ARTIGO ORIGINAL

Ventilação oscilatória de alta frequência em crianças: uma experiência de 10 anos

Marta MonizI,* * Autor para correspondência. E-mail: marta.moniz@gmail.com (M. Moniz). , Catarina SilvestreII; Pedro NunesII; Clara AbadessoII; Ester MatiasII; Helena LoureiroII; Helena AlmeidaIII

IFellow Pediatrician, Departamento de Pediatria, Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Amadora, Portugal

IIMédico. Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos, Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Amadora, Portugal

IIIMédica. Chefe, Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos, Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Amadora, Portugal

RESUMO

OBJETIVOS: O objetivo do estudo foi descrever a experiência com ventilação oscilatória de frequência (VOAF) em uma unidade portuguesa de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos e avaliar se a VOAF permitiu uma melhoria na oxigenação e na ventilação.

MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo observacional em crianças submetidas À ventilação com VOAF entre janeiro de 2002 e dezembro de 2011. Os seguintes parâmetros foram registrados: dados demográficos e clínicos; gases sanguíneos; e parâmetros ventilatórios durante as primeiras 48 horas de VOAF.

RESULTADOS: O estudo incluiu 80crianças com uma idade média de 1,5 mês (mínima: uma semana; máxima: 36 meses). Pneumonia (n = 50; 62,5%) e bronquiolite (n = 18; 22,5%) foram os principais diagnósticos. Cerca de 40% (n = 32) dos pacientes desenvolveram a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). A ventilação mecânica convencional foi utilizada em 68 (85%) pacientes antes da VOAF. Todos os pacientes que começaram a VOAF tiveram hipoxemia, e 56 (70%) também apresentaram hipercapnia persistente. Duas horas após o início da VOAF, foi observada uma melhoria significativa na proporção SatO2/FiO2 (128 ± 0,63 em comparação a 163 ± 0,72; p < 0,001), que foi mantida durante as 24 horas de VOAF, e uma redução da FiO2. Desde o início da VOAF, a PCO2 média teve uma queda significativa (87 ± 33 em comparação a 66 ± 25; p < 0,001) e o pH aumentou significativamente (7,21 ± 0,17 em comparação a 7,32 ± 0,15; p < 0,001). A sobrevida geral foi de 83,8%.

CONCLUSÕES: A VOAF permitiu uma melhoria na hipercapnia e na oxigenação. Trata-se de uma opção segura no tratamento da SARA e de doenças graves das pequenas vias aéreas.

Palavras-chave: Ventilação oscilatória de alta frequência; Criança; Insuficiência respiratória aguda; Bronquiolite; Pneumonia; Síndrome da angústia respiratória aguda

Introdução

A insuficiência respiratória aguda é um problema frequente em crianças internadas na unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP). Sabe-se bem que a ventilação mecânica está associada a barotrauma, volutrauma, atelectrauma e biotrauma.1-4 Evitar lesão pulmonar induzida por ventilação se tornou uma grande preocupação ao considerar qual estratégia de ventilação deve ser aplicada em pacientes com doenças pulmonares. A ventilação oscilatória de alta frequência (VOAF) é um modo de ventilação que protege o pulmão e garante o recrutamento alveolar e um volume pulmonar ideal.5,6 Durante a VOAF, volumes correntes muito pequenos (1-2 mL/kg), taxas de vazão elevadas e frequências de 240-900 ciclos por minuto são utilizados para abrir o pulmão, evitar altos picos de pressão nas vias aéreas, hiperdistensão alveolar e ciclos de recrutamento repetidos.5 A VOAF foi muito estudada no contexto da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), quando vários estudos demonstraram sua segurança como uma estratégia de recrutamento do volume pulmonar.7-9 Contudo, não há evidências suficientes para justificar o uso da VOAF em vez da ventilação mecânica convencional (VMC). Em menor grau, a VOAF tem sido aplicada em crianças com escape de ar ou doença das pequenas vias aéreas, como a bronquiolite.10-14

O objetivo deste estudo é descrever nossa experiência utilizando a VOAF em pacientes pediátricos para avaliar seu efeito sobre a oxigenação e ventilação e complicações relacionadas. O mesmo tem como base uma análise retrospectiva dos pacientes tratados em nossa unidade de terapia intensiva pediátrica.

Materiais e métodos

Plano

Trata-se de um estudo retrospectivo observacional realizado de janeiro de 2002 a dezembro de 2011, realizado em uma UTIP com 11 leitos de um hospital em Portugal, com capacidade máxima de 6 pacientes sob ventilação. A UTIP está localizada na região metropolitana de Lisboa, com 800.000 habitantes, e recebe anualmente cerca de 500 crianças.

O estudo foi aprovado pelo Conselho de Revisão Institucional.

Pacientes e coleta de dados

Todos os pacientes que necessitaram de VOAF durante o período do estudo foram considerados elegíveis, exceto os que foram submetidos à ventilação por VOAF devido à hérnia diafragmática. Dentre eles, 87 eram inicialmente elegíveis, porém sete foram excluídos devido à insuficiência de dados clínicos. Os dados foram coletados por meio de uma revisão dos prontuários dos pacientes. Os seguintes itens foram registrados: demografia, diagnóstico, parâmetros ventilatórios máximos durante a VMC e estado hemodinâmico. Os gases sanguíneos - pH e média da pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2), a fração de oxigênio inspirado (FiO2), a saturação transcutânea de oxigênio (Sat.O2) e os ajustes na ventilação VOAF (pressão média de distensão contínua das vias aéreas (Paw), amplitude (delta-p) e frequência (Hz) - foram estudados imediatamente antes e em 2, 6, 12, 24 e 48 horas de VOAF.

As configurações ventilatórias foram consideradas como os parâmetros máximos mais elevados durante a VOAF, por seis horas consecutivas. A pressão do recrutamento pulmonar foi definida como a pressão média máxima das vias aéreas que permitiu uma redução gradual da FiO2 até que atingisse 0,6.

A SARA foi definida segundo a conferência de consenso americano-europeu em SARA.15 A doença obstrutiva das vias aéreas, como a bronquiolite, foi definida como distúrbio respiratório em crianças até dois anos de idade com rinite, tosse, taquipneia, pieira, crepitações e utilização de músculos acessórios, com ou sem febre e sem consolidação no raio-X. No raio-X, a pneumonia foi definida como infiltração do peito, além de: deterioração na troca gasosa pulmonar, febre (temperatura acima de 38 ºC), leucócitos acima de 12.000/mm3 ou cultura positiva de aspirado traqueal. A sepse foi definida segundo as diretrizes da campanha Sobrevivendo à Sepse. A falência múltipla de órgãos foi assim considerada quando ocorreram disfunções em, no mínimo, dois dos seguintes sistemas: nervoso central, cardiovascular, hepático, respiratório, gastrointestinal, renal ou hematológico.

Protocolo ventilação oscilatória de frequência

Os modos de ventilação utilizados na VMC (Servoi®, Maquet Inc., Wayne, Estados Unidos e Servo 300, Siemens Sistemas Médicos, Solna, Suécia) foram volume-alvo com pressão controlada e com pressão regulada. Nossa opção foi utilizar a VMC com configurações não agressivas - PIP (pico de pressão inspiratória) < 30 cmH2O, volume corrente < 8 mL/kg, frequência respiratória (FR) < 50/min - e, quando ocorreu hipoxemia refratária, foi definida como Sat.O2 abaixo de 90% com FiO2 de 1,0 ou hipercapnia com acidose grave (pH< 7,22 e pCO2 > 80 mmHg), os pacientes foram transferidos para VOAF. O Sensor-Medics 3100A® (Sensor Medics corporation, Yorba Linda, CA, EUA) foi utilizado para a VOAF como uma "estratégia de pulmão aberto". As configurações iniciais foram FiO2 de 1,0, frequência oscilatória de 10-12 Hz, percentual de tempo inspiratório de 33% e fluxo de tendência de 20-30 L/min. A Paw foi configurada para 5 cmH2O acima da pressão média das vias aéreas durante a VMC e houve aumentos de 1 cmH2O até que um volume pulmonar ideal fosse atingido, evitando distensão e atelectasia. A oxigenação-alvo adequada foi SatO2 (> 90%), com FiO2 < 0,6. O P-delta foi inicialmente configurado para atingir uma vibração da parede torácica até o nível da coxa em neonatos, ou nível umbilical em recém-nascidos. A frequência e o delta-p foram ajustados para obter um pCO2 adequado e pH acima de 7,25. O cuidado de suporte geral incluiu restrição de fluidos para 80% das necessidades diárias, assistência nutricional e antibióticos, quando necessário. Todos os pacientes foram sedados com infusão contínua de um opioide (morfina) e um benzodiazepínico (midazolam). Agentes de bloqueio neuromuscular foram utilizados apenas quando houve uma deterioração clínica significativa relacionada à atividade espontânea. Suporte inotrópico, óxido nítrico e drenagem torácica foram utilizados quando necessário. O processo de desmame de VOAF começou quando a FiO2 estava abaixo de 0,4. Durante esse processo, a Paw caiu gradualmente em 1-2 cmH2O até atingir um valor inferior a 14 cmH2O. Após a VOAF, os pacientes começaram a VMC (modo de suporte), a ventilação não invasiva ou a oxigenação com cânula nasal.

Medidas dos resultados

Principal: o principal resultado destinou-se a avaliar se a VOAF permitiu uma melhoria na oxigenação e na ventilação. Foi considerado que houve uma melhoria na oxigenação se uma redução na FiO2 permitiu que a Sat.O2 ficasse acima de 90% e se a proporção Sat.O2/FiO2 aumentou durante o período do estudo.16 A avaliação da ventilação foi realizada por meio de mudanças nos valores de pH e pCO2 obtidos de amostras de sangue capilar. O sucesso da VOAF foi definido como uma melhoria na oxigenação e ventilação. Foi considerada falha na VOAF quando ocorreu morte ou hipoxemia intratável.

Secundário: os resultados secundários foram destinados a: a) estudar as complicações relacionadas à VOAF e à taxa de mortalidade. Um novo escape de ar, hipotensão, hipoxemia ou bradicardia durante a VOAF foram considerados como complicações possivelmente relacionadas à VOAF; b) comparar parâmetros clínicos de gases sanguíneos e terapêuticos em pacientes sobreviventes e não sobreviventes; e c) analisar fatores preditivos de mortalidade.

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram analisadas utilizando-se medidas de tendência (média e mediana) e dispersão (desvio-padrão). Variáveis qualitativas ou categóricas foram descritas como frequências. Para comparar as variáveis quantitativas, um teste t ou um não paramétrico de Wilcoxon foi utilizado, dependendo da distribuição segundo a normalidade. Variáveis dicotômicas foram estudadas com os testes Qui-quadrado ou exato de Fisher. Uma análise multivariada foi realizada utilizando-se a regressão logística binária por meio do método Enter. Todos os testes eram bicaudais e um valor de p < 0,05 foi considerado significativo. A análise estatística foi realizada utilizando-se o SPSS®-18.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA).

Resultados

Dados demográficos

No total, 80 pacientes foram incluídos no estudo. A idade média foi de 1,5 mês (1 semana-36 meses) e 41 (51,3%) eram do sexo masculino. A maior parte das crianças (n = 38; 47,5%) foi submetida à ventilação entre janeiro e março. A permanência média na UTIP foi de 15 dias (4-105 dias). O diagnóstico mais frequente em 50 (62,5%) crianças foi pneumonia. Outros diagnósticos foram bronquiolite em 18 (22,5%) e sepse em 10 (12,5%) pacientes. Cerca de 40% dos pacientes (n = 32) desenvolveram SARA antes da instituição de VOAF. A Tabela 1 apresenta as características demográficas do paciente, doenças subjacentes e diagnóstico.

Características da ventilação

A VMC foi realizada em 68 (85%) pacientes antes da VOAF, e a ventilação não invasiva foi a primeira opção em 33 (44%) pacientes. O tempo médio da VMC antes da VOAF foi de 12 horas (1-360 horas). Os parâmetros máximos durante a VMC foram (média ± DP): PEEP (pressão expiratória final positiva) 6±1 cmH2O, PIP 26 ± 6 cmH2O, FR 52 ± 8 cpm e FiO2 0,70 ± 0,25.

Imediatamente antes de iniciar a VOAF, a proporção média Sat.O2/FiO2 foi de 156 (43-376), e o valor médio de PCO2 foi 82,3torr (31-200). Antes da VOAF, quatro pacientes apresentaram uma deterioração clínica devido a escape de ar do pulmão (pneumotórax, n = 3; enfisema intersticial pulmonar n= 1). A VOAF foi iniciada com base em hipercapnia em 56 (70%), hipoxemia com hipercapnia em 13 (16,3%) e hipoxemia sem hipercapnia em 11 (13,8%) pacientes. A VOAF foi realizada por um tempo médio de 103 horas (12-576 horas). A média dos parâmetros mais elevados utilizados durante a VOAF foi: FiO2 0,8 (0,3-1); Paw 19 cmH2O (14-44 cmH2O) e delta-p 50 (30-93). A frequência média utilizada foi 10Hz (5-12 Hz), e uma Paw média de 19,5 cmH2O (15-44 cm2O) foi aplicada para realizar o recrutamento pulmonar. Todos os pacientes foram sedados com morfina e midazolam. Dentre eles, 52 (65%) precisaram de suporte inotrópico antes do início da VOAF. Foi utilizada apenas dopamina em 29 (36%) dos pacientes, e foram necessários dois ou mais inotrópicos em 18 (22,5%) casos. Foram curarizados 22 (27,5%) pacientes por um tempo médio de 60 horas (24-960 horas), e foi administrado óxido nítrico em 14 (17,5%) crianças.

Principal resultado

Com a VOAF, houve um aumento imediato e significativo na proporção Sat.O2/FiO2 (128 ± 0,63 em comparação a 163 ± 0,72; p < 0,001), que foi mantido até as 24 horas da VOAF. Foi atingido um FiO2 de aproximadamente 0,6 após 6 horas de VOAF. Imediatamente após o início da VOAF, a média de PCO2 caiu significativamente (87 ± 33 em comparação a 66 ± 25; p < 0,001) e permaneceu nos limites durante todo o período do estudo. Além disso, o pH aumentou significativamente desde o início da VOAF (7,2 ± 0,17 em comparação a 7,32 ± 0,15; p < 0,001) e permaneceu dentro dos valores normais durante as 48 horas do estudo. A Figura 1 mostra os gases sanguíneos e a proporção de FiO2 e Sat.O2/FiO2 em todo o período do estudo.


Segundo o planejamento do protocolo, nas primeiras duas horas de VOAF, foi observado um aumento da Paw (17,8 ± 3,5 em comparação a 18,0 ± 3,4; p = 0,03) para atingir um recrutamento pulmonar. Após esse tempo, não foi registrada oscilação significativa na Paw. Não foram observadas variações significativas de delta-p e frequência durante o estudo. A Tabela 2 mostra a configuração da ventilação e os parâmetros hemodinâmicos nas 48 horas.

A pressão arterial média não mostrou oscilações significativas durante as 48 horas estudadas. Após 12 horas de VOAF, foi observada uma queda significativa na frequência cardíaca (149±21 em comparação a 141±23; p < 0,001). Em 24 e 48 horas, a frequência cardíaca mostrou-se significativamente mais baixa (Tabela 2).

Foram retirados com sucesso da VOAF 37 (46,3%) pacientes, tendo 25 deles passado para ventilação não invasiva, e 12 seguiram diretamente para oxigenação complementar por meio de máscaras faciais ou cânulas nasais.

Resultado secundário

Durante a VOAF, sete pacientes apresentaram um novo escape de ar relacionado à inserção de cateter central (dois pacientes), ventilação mecânica de alta pressão (dois pacientes) e SARA fatal (três pacientes). A VOAF não causou piora do pneumotórax nos pacientes diagnosticados com escape de ar anterior à VOAF. A sucção do tubo endotraqueal foi associada à hipoxemia transitória e/ou bradicardia em 16 pacientes (20%). Durante a VOAF, a reintubação foi necessária em oito pacientes (10%), devido à obstrução do tubo endotraqueal ou à extubação acidental. A maioria dos pacientes (51; 63,8%) não apresentou complicações durante a VOAF.

A sobrevivência geral foi de 83,8% (67 pacientes). Cinco pacientes morreram por falência múltipla dos órgãos, quatro por insuficiência cardíaca (síndrome do coração esquerdo hipoplásico) e quatro por choque séptico e por insuficiência respiratória refratária. As crianças que morreram tinham uma idade média de quatro meses (min. 1; máx. 36 semanas) e eram significativamente mais velhas que aquelas que sobreviveram, que possuíam idade média de um mês (min. 9 dias; máx. 35 dias) (p = 0,015). Um histórico médico relevante foi mais predominante no grupo de não sobreviventes (77% em comparação a 36%; p = 0,006). Além disso, neste último grupo, a ventilação mecânica antes da VOAF foi realizada durante um período significativamente mais longo, quando comparado aos sobreviventes (72 ± 106 em comparação a 24 ± 39; p = 0,01). As diferenças nas configurações de ventilação durante a VOAF nos dois grupos são apresentadas na Tabela 3. Os não sobreviventes apresentaram uma proporção Sat.O2/ FiO2 menor (133 ± 60 em comparação a 104 ± 78; p = 0,006) desde o início da VOAF em comparação aos sobreviventes. Essa diferença foi observada durante o período do estudo de 48 horas. Valores de pH e PCO2 foram semelhantes entre os dois grupos no período de 24 horas de VOAF. Após, uma melhoria significativa foi percebida no grupo sobreviventes (7,40 ± 0,10 em comparação a 7,30 ± 0,08; p = 0,003). Durante a VOAF, foram utilizadas menores frequências e maiores Paw e p-delta no grupo de pacientes que morreram (p < 0,05) (Tabela 3). Na análise univariada, fatores preditivos de mortalidade foram: pH e PCO2 em 2 horas, pH em 24 horas, proporção Sat.O2/FiO2 em duas, seis, 12, 24 e 48 horas. Na análise multivariada não havia fatores independentes.

Discussão

Neste estudo, é relatada uma das maiores séries pediátricas em um único centro em que a VOAF foi uma modalidade segura para ventilar pacientes jovens com doença pulmonar aguda associada a diagnóstico clínico heterogêneo, como pneumonia, bronquiolite, SARA e sepse. Em todos os pacientes, uma melhoria estatisticamente significativa nos valores do pH e PCO2, juntamente com uma redução na FiO2 e um aumento da proporção Sat.O2/FiO2, mostrou a eficácia da VOAF na ventilação e oxigenação. Esses efeitos foram registrados após duas horas de VOAF. Resultados semelhantes também foram divulgados em populações pediátricas e adultas.8-9,17

Alguns dos pacientes que começaram a VOAF apresentaram uma doença das pequenas vias aéreas devido à bronquiolite subjacente, em que a liberação de PCO2 é um problema principal. Nesse subgrupo de pacientes, quando a VOAF foi iniciada, não havia apenas hipoxemia, mas também hipercapnia moderada ou grave. Em nossa população, os pacientes com bronquiolite eram principalmente neonatos com menos de três meses de idade, com tempo fisiológico mínimo; sendo assim, uma abordagem de alto volume e baixa frequência respiratória não foi utilizada. A VOAF provou ser muito eficiente em pacientes com doença alveolar difusa ou com aumento na resistência das vias respiratórias e hiperinflação. Slee-Wijffels et al. divulgaram uma experiência em um único centro, que incluiu 17 pacientes com doença das pequenas vias aéreas que foram ventilados com sucesso na VOAF.10

Neste estudo, os parâmetros máximos na VMC não foram agressivos, pois a VOAF foi utilizada como uma estratégia de intervenção precoce no curso da doença e quando foi necessário recrutamento alveolar. O momento ideal para iniciar a VOAF ainda não está definido, e podem ser encontradas diferentes abordagens na literatura. Fedora et al. relataram um benefício de sobrevida em crianças com SARA ventiladas na VOAF durante as primeiras 24 horas de ventilação mecânica.18 Em seu estudo, a duração média da VMC antes da VOAF era de 8,8 horas no grupo de intervenção precoce, e 133,3 horas no grupo de intervenção tardia.18 No estudo de Slee-Wijffels et al., a duração média da VMC era de 29,5 horas e 63 horas no grupo de sobreviventes e de não sobreviventes, respectivamente.10 Em uma experiência multicêntrica divulgada por Arnold JH et al., descobriu-se que a duração da VMC antes da VOAF tem uma relação significativa com o resultado.19 No presente estudo, a VOAF foi a primeira opção de ventilação invasiva em 12 pacientes e, nos outros, a VMC foi aplicada em um curto período de tempo (duração média de 12 horas).

Apesar de várias estratégias de oxigenação, incluindo a VOAF, terem sido estudadas em pacientes com lesão pulmonar aguda, a maioria dos estudos publicados refere-se à população adulta, e sua extrapolação para pacientes pediátricos nem sempre é viável. Atualmente, não há evidência suficiente para recomendar uma estratégia em detrimento de outra.20,21 Na UTIP foi realizado apenas um estudo prospectivo comparando a VOAF e a VMC, no qual não pode ser provada uma diferença estatisticamente significativa na mortalidade com a VOAF.8

Nessa série, ocorreram apenas três casos de escape de ar durante a ventilação em alta frequência. Contudo, não pode ser estabelecido um relacionamento direto com a VOAF. Todos os três pacientes apresentaram SARA grave que também poderia ser responsável pelo escape de ar. No estudo de Ben Jaballah N et al., a VOAF não causou nenhuma nova síndrome de escape de ar, e Arnold JH et al. descobriram que a VOAF não estava associada à maior quantidade de escape de ar em comparação à VMC.8,22 Outros problemas encontrados durante a VOAF foram hipoxemia transitória e bradicardia associadas à sucção do tubo endotraqueal. Durante a VOAF, foi produzida uma maior quantidade de secreção. Para evitar instabilidade hemodinâmica transitória e perda de recrutamento alveolar, uma sucção deve ser realizada com circuitos fechados, assim como um ligeiro aumento na Paw (3-5 cmH2O). Além disso, prestar atenção ao padrão de vibração poderá ser importante para detectar obstrução do tubo endotraqueal. Essa abordagem pode ter contribuído com o baixo número de complicações apresentado neste artigo.

Durante o período do estudo, os pacientes continuaram hemodinamicamente estáveis, sem oscilações significativas na pressão arterial e na frequência cardíaca. Foram prescritos inotrópicos para cerca de 65% das crianças, o que pode estar relacionado à gravidade da doença de base ou, possivelmente, à VOAF. Contudo, como não foi realizado um estudo hemodinâmico invasivo, não pode ser estabelecido um vínculo direto com a VOAF. No estudo de David M. et al., uma transição para a VOAF estava relacionada a um aumento estatisticamente significativo na pressão do átrio direito e na pressão de oclusão pulmonar, juntamente com uma queda no índice cardíaco.23 Contudo, aqui, assim como no estudo de David M. et al., não foi observada instabilidade hemodinâmica nos pacientes e, após a transição para VOAF, não foram realizadas alterações no suporte vasoativo ou inotrópico.22

Em nosso estudo, a taxa geral de sobrevida foi de 83,8%, superior à relatada na literatura (que varia entre 45% e 75%).21,24 Essa diferença pode ocorrer devido à variedade de doenças de base que levaram à VOAF e, provavelmente, devido ao início precoce dessa estratégia de ventilação.

A hipoxemia persistente em 48 horas da VOAF foi associada a um prognóstico ruim. Não houve qualquer outro fator de mortalidade independente.

O planejamento retrospectivo e a coleta de dados foram as principais limitações de nosso estudo. Os pacientes não foram selecionados aleatoriamente e os dados foram coletados com base em enfermeiros e prontuários médicos. Os gases sanguíneos foram obtidos principalmente de capilares e, assim, a pressão parcial de oxigênio não pode ser calculada. Foi utilizada uma proporção validada recentemente na população pediátrica (Sat.O2/FiO2) para estudar as melhorias na oxigenação.16 Essa taxa é importante para estudar a oxigenação em situações em que a PaO2 não é obtida.

Conclusão

A VOAF é uma estratégia de ventilação eficiente em várias situações clínicas associadas a uma melhoria rápida na oxigenação e na ventilação. A lesão pulmonar associada à doença alveolar ou ao aumento da resistência das vias aéreas foi tratada com segurança na VOAF. As complicações mínimas e as elevadas taxas de sobrevida contribuem para o uso bem-sucedido da VOAF.

Assim, podemos concluir que uma abordagem utilizando a VOAF em vez da VMC agressiva parece ser segura.

A aplicação de um protocolo adequado para a VOAF continua sendo importante para evitar complicações. Futuros ensaios clínicos controlados e randomizados comparando a ventilação convencional e a VOAF serão importantes para delinear o papel da VOAF como estratégia precoce no recrutamento pulmonar.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Recebido em 22 de maio de 2012; aceito em 22 de agosto de 2012

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    Autor para correspondência.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Maio 2012
    • Aceito
      22 Ago 2012
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