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Síndrome metabólica em crianças

EDITORIAL

Síndrome metabólica em crianças

Alan R. Sinaiko

Professor, Department of Pediatrics, Division of Pediatric Nephrology, Medical School, and Division of Epidemiology, School of Public Health, University of Minnesota, Minneapolis, Minnesota, EUA

Correspondência Correspondência: Alan R. Sinaiko Department of Pediatrics, University of Minnesota, Amplatz Children's Hospital 2450 Riverside Avenue, East Building MB689, MN 55454 - Minneapolis, MN - USA Tel.: +1 (612) 625.8483 Fax: +1 (612) 626.2791 E-mail: sinai001@umn.edu

A síndrome metabólica [consistindo de um aumento na circunferência abdominal, hipertensão, hipertrigliceridemia, colesterol em lipoproteína de alta densidade (HDL-C) baixo e hiperglicemia] tornou-se um diagnóstico médico em adultos no final da década de 1980, após a publicação do conceito de que esses fatores de risco cardiovascular (CV) podem estar ligados por meio de uma relação com a resistência à insulina1. Mais tarde, a síndrome foi definida formalmente como a presença de quaisquer três dos cinco componentes acima2, sendo amplamente aceita como indicador importante de doença CV e diabetes tipo 2.

Não é segredo que a obesidade se tornou uma das principais questões de saúde em crianças, que está associada a uma disfunção metabólica significativa e que continua na vida adulta. Desta forma, não surpreendem as tentativas de desenvolver uma síndrome metabólica para crianças padronizada com base na síndrome em adultos. Embora o diagnóstico em adultos seja baseado em definições bem claras para os cinco componentes relacionados à síndrome, definições semelhantes não estão disponíveis para crianças. Por consequência, foram instituídos pontos de corte arbitrários, adaptados de padrões infantis. Usando esses critérios, estimou-se que a prevalência da síndrome metabólica em adolescentes era de aproximadamente 4%, aumentando para 29% em adolescentes com sobrepeso3. No entanto, o uso de definições arbitrárias criou uma polêmica em pediatria. O resultado é mostrado com clareza no artigo de Costa et al.4 publicado este mês no Jornal, comparando três estudos de prevalência, cada qual com definições independentes e separadas para diagnosticar a síndrome metabólica. Não está claro por que foram escolhidas as definições diferentes, mas o resultado é evidente, isto é, três definições diferentes levam a três níveis substancialmente distintos de prevalência para a síndrome metabólica infantil. É compreensível, conforme concluem Costa et al., que "discordâncias em relação à prevalência da doença na população pediátrica serão frequentes".

Existe um consenso geral de que os fatores de risco da síndrome metabólica tendem a se agrupar. Contudo, existem diferenças entre adultos e crianças. Uma série de combinações dos cinco componentes pode ser encontrada em adultos com a síndrome, mas, em crianças, predomina a obesidade, associada, na maioria dos casos, a níveis elevados de triglicerídeos e baixo HDL-C. Apesar da alta correlação com o índice de massa corporal (IMC), a hipertensão é infrequente; e a hiperglicemia em jejum, comum na obesidade em adultos, é menos frequente. Embora os níveis de glicose em jejum possam ser maiores em crianças obesas do que nas não obesas, os níveis estão geralmente no intervalo normal, exigindo um teste de tolerância à glicose oral para diagnosticar o metabolismo anormal da glicose5. A frequência menor de hipertensão e hiperglicemia pode explicar, em parte, a prevalência menor da síndrome em crianças do que em adultos. Conforme mostrado na Tabela 4 de Costa et al., a prevalência pode ser facilmente influenciada pela alteração da definição de qualquer um dos cinco componentes, observada neste caso pelo efeito importante da redução do limite para HDL-C e circunferência da cintura, conforme sugerido por de Ferranti.

A ênfase em fatores de risco CV elevados em crianças é lógica para pediatras, que sempre estiveram na vanguarda da medicina preventiva. Porém, é importante reconhecer que um enfoque na síndrome metabólica, em vez de nos fatores de risco individuais, pode destoar da abordagem mais eficaz de cuidados preventivos ou tratamento. Primeiro, a síndrome metabólica não se mantém ao longo da infância6,7, da infância para o início da vida adulta8 e particularmente em crianças nas categorias de risco maior9. Por consequência, importantes órgãos consultivos levantaram dúvidas sobre sua utilidade em crianças10. A falta de estabilidade pode ser explicada por estudos longitudinais que mostram alterações significativas nos níveis de pressão sanguínea, triglicerídeos e HDL-C durante a transição da infância para o início da vida adulta11. É provável que essas alterações e a variabilidade resultante nos níveis tenham um enorme impacto no diagnóstico da síndrome metabólica, que depende da dicotomização rígida dos níveis de fatores de risco. Segundo, a obesidade é o determinante mais forte de risco CV elevado. Embora o diagnóstico da síndrome metabólica exija níveis anormais de três dos cinco componentes, conforme mostrado no estudo de Costa, uma porcentagem significativa de crianças obesas tem níveis alterados em apenas um ou dois, em vez de em três. Outros estudos em crianças demonstraram que a obesidade é o único fator associado de forma rotineira, seja de modo transversal12 ou longitudinal8, com o agrupamento dos fatores de risco, e é igual à síndrome metabólica na previsão do risco em adultos13. Além disso, muitos estudos relataram o efeito excepcionalmente forte da manutenção da obesidade da infância para a fase adulta. Parece que a ênfase maior no reconhecimento precoce da obesidade e de fatores de risco individuais elevados, em vez da busca por uma síndrome de fatores, seria mais produtiva no tratamento pediátrico.

Embora a síndrome metabólica não se mantenha de modo significativo durante a infância ou da infância para o início da fase adulta, existe uma associação entre agrupamento de fatores de risco elevados na infância e níveis de fatores de risco mais tarde na vida. Nossos estudos demonstraram que, embora apenas 16% das crianças com síndrome metabólica com idade média de 13 anos tinham a síndrome com a idade média de 22 anos, elas tiveram níveis significativamente mais altos de IMC, circunferência da cintura, porcentagem de gordura corporal e triglicerídeos e níveis significativamente menores de HDL-C, em comparação a indivíduos sem a síndrome aos 13 anos8. Em uma tentativa de desenvolver um método mais confiável do que a síndrome metabólica para avaliar graus de risco CV em crianças, desenvolvemos um escore de agrupamento de fatores metabólicos calculando a média dos desvios padronizados dos cinco critérios da síndrome metabólica. Os resultados foram marcantes, sendo que o escore de agrupamento aos 22 anos foi aproximadamente oito vezes maior nos indivíduos com síndrome metabólica aos 13 anos do que o grupo sem síndrome metabólica. Além disso, houve um forte efeito de manutenção do escore de agrupamento (r = 0,51, p < 0,0001), indicando que a classificação relativa do escore de agrupamento aos 13 anos era uma indicação de sua classificação aos 22 anos. Esses achados são consistentes com os componentes de fatores de risco da síndrome metabólica, que são variáveis contínuas com risco escalonado, em vez de ter níveis de risco de limite que são compatíveis com a dicotomização em valores normais e anormais.

A substituição da glicose plasmática de jejum pela avaliação do modelo de homesostasia (HOMA) aumentou significativamente a porcentagem de crianças com síndrome metabólica nos três estudos de prevalência. O HOMA foi desenvolvido como uma tentativa de oferecer uma medida da resistência à insulina menos incômoda do que as medidas diretas, como o clampeamento euglicêmico e hiperinsulinêmico. No entanto, apesar da combinação de glicose e insulina em jejum, o HOMA não representa uma melhoria em relação à insulina em jejum independente, com uma correlação de r = 0,99 em crianças14 e uma correlação igualmente alta em adultos. Além disso, é uma estimativa fraca de resistência à insulina em crianças, sobretudo nas magras14. Não surpreende o fato de que a inclusão do HOMA, em vez de glicose em jejum, na síndrome metabólica aumentaria significativamente a prevalência. É provável que isso esteja relacionado ao efeito de confusão da gordura nos níveis de insulina, conforme evidenciado pela alta correlação entre insulina em jejum e IMC em crianças15 e a influência de obesidade sobre a hipersecreção de insulina, independentemente da resistência à insulina relacionada à obesidade16.

A relação entre resistência à insulina e a síndrome metabólica (ou agrupamento de fatores de risco CV) é atraente como conceito etiológico unificador17. Entretanto, apesar da relação significativa entre IMC e resistência à insulina, estudos em adultos e crianças demonstraram que nem todos os indivíduos obesos são resistentes à insulina. Usando dados de uma coorte de adultos obesos, os níveis mais altos de resistência à insulina estiveram associados aos níveis mais altos de pressão alta, glicose plasmática e lipídios18. Nossos estudos mostraram o seguinte: 1) em uma coorte de 300 adolescentes com 15 anos, foram encontrados níveis significativamente mais altos de fatores de risco CV em adolescentes com forte resistência à insulina do que em adolescentes sensíveis à insulina19; e 2) níveis de resistência à insulina aos 13 anos eram indicadores de níveis de pressão sanguínea, triglicerídios e escore agrupado aos 19 anos20. Desta forma, parece que a resistência à insulina tem uma função relevante, mas indefinida no desenvolvimento precoce de risco CV. O artigo de Costa et al. destaca a natureza complexa da síndrome metabólica. Como, então, o risco CV deve ser tratado em crianças? Com base nas informações disponíveis, pode-se concluir o seguinte: 1) crianças magras, sem forte histórico genético, raramente têm fatores de risco CV; 2) risco CV elevado tem uma relação significativa com resistência à insulina, mas atualmente não há métodos simples e eficazes de medi-la; 3) crianças obesas devem ser avaliadas quanto a fatores de risco CV, com ênfase na identificação de fatores anormais, em oposição a se basear na síndrome metabólica para determinar o grau de risco.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Sinaiko AR. Metabolic syndrome in children. J Pediatr (Rio J). 2012;88(4):286-8.

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  • Correspondência:

    Alan R. Sinaiko
    Department of Pediatrics, University of Minnesota, Amplatz Children's Hospital
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012
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