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Síndrome de ativação macrofágica associada com artrite idiopática juvenil sistêmica

Resumos

OBJETIVO: Descrever as características da síndrome de ativação macrofágica associada a artrite idiopática juvenil. DESCRIÇÃO DOS CASOS: Foram analisados retrospectivamente os prontuários de 462 pacientes com artrite idiopática juvenil. Destes, sete (1,5%) pacientes desenvolveram síndrome de ativação macrofágica; todos tinham a forma sistêmica da doença. A mediana de idade de início da artrite idiopática juvenil foi de 3 anos e 10 meses, e a mediana do tempo de duração da artrite idiopática juvenil antes da síndrome de ativação macrofágica foi de 8 anos e 4 meses. Todos os pacientes apresentaram febre, icterícia, hepatoesplenomegalia, sangramentos, pancitopenia e elevação das enzimas hepáticas e dos tempos de coagulação e bilirrubina direta. Três casos apresentaram infecções associadas e um caso desenvolveu a síndrome de ativação macrofágica 2 semanas após a introdução de sulfasalazina. Três pacientes morreram. Proliferação macrofágica e hemofagocitose foram evidenciadas em cinco. A terapêutica da síndrome de ativação macrofágica incluiu pulsoterapia com metilprednisolona em todos, ciclosporina em três, plasmaférese em dois e gamaglobulina endovenosa em dois. COMENTÁRIOS: A síndrome de ativação macrofágica é uma complicação da artrite idiopática juvenil sistêmica com alta morbidade e mortalidade.

Artrite idiopática juvenil; artrite reumatóide juvenil; síndrome de ativação macrofágica; fígado


OBJECTIVE: To describe the characteristics of macrophage activation syndrome associated with juvenile idiopathic arthritis. DESCRIPTION: This is a retrospective study involving 462 patients with juvenile idiopathic arthritis. Seven (1.5%) of those patients suffered from systemic onset juvenile idiopathic arthritis and developed macrophage activation syndrome. The median age of the juvenile idiopathic arthritis onset was 3 years and 10 months and the median duration of juvenile idiopathic arthritis before macrophage activation syndrome was 8 years and 4 months. All of them presented with fever, jaundice, hepatosplenomegaly, bleeding, pancytopenia, abnormal liver function tests and abnormal coagulation profile. Three cases presented associated infections and one patient developed macrophage activation syndrome two weeks after the administration of sulfasalazine. Three patients died and the macrophage hemophagocytosis was present in five. The treatment of macrophage activation syndrome included pulse therapy with methylprednisolone in all of them, cyclosporine A in three, plasma exchange in two and intravenous immunoglobulin in two. COMMENTS: Macrophage activation syndrome is a complication of the systemic onset juvenile idiopathic arthritis with a high morbidity and mortality rate.

Juvenile idiopathic arthritis; juvenile rheumatoid arthritis; macrophage activation syndrome; liver


RELATO DE CASO

Síndrome de ativação macrofágica associada com artrite idiopática juvenil sistêmica

Clovis Artur A. SilvaI; Carlos Henrique M. SilvaII; Tereza Cristina M. V. RobazziIII; Ana Paola N. LotitoIV; Alfredo Mendroni JuniorV; Cristina M. A. JacobVI; Maria Helena B. KissVII

IDoutor em Medicina pela Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe da Unidade de Reumatologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, FMUSP, São Paulo, SP

IIDoutor. Professor adjunto, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG

IIIMédica responsável pela Reumatologia Pediátrica, Hospital São Rafael, Salvador, BA

IVMestre em Medicina pela Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica assistente da Reumatologia Pediátrica, Centro de Saúde Pinheiros, São Paulo, SP

VDoutor em Medicina pela Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe do Departamento de Aférese, Fundação Pró-sangue, Hemocentro de São Paulo, São Paulo, SP

VIDoutora em Medicina pela Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe da Unidade de Alergia e Imunologia, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP

VIIProfessora livre-docente, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Clovis Artur Almeida Silva Rua Senador César Lacerda Vergueiro, 494/82, Vila Madalena CEP 05435-010 – São Paulo, SP Fone: (11) 3069.8675 Fax: (11) 3069.8503 E-mail: clovisaas@icr.hcnet.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as características da síndrome de ativação macrofágica associada a artrite idiopática juvenil.

DESCRIÇÃO DOS CASOS: Foram analisados retrospectivamente os prontuários de 462 pacientes com artrite idiopática juvenil. Destes, sete (1,5%) pacientes desenvolveram síndrome de ativação macrofágica; todos tinham a forma sistêmica da doença. A mediana de idade de início da artrite idiopática juvenil foi de 3 anos e 10 meses, e a mediana do tempo de duração da artrite idiopática juvenil antes da síndrome de ativação macrofágica foi de 8 anos e 4 meses. Todos os pacientes apresentaram febre, icterícia, hepatoesplenomegalia, sangramentos, pancitopenia e elevação das enzimas hepáticas e dos tempos de coagulação e bilirrubina direta. Três casos apresentaram infecções associadas e um caso desenvolveu a síndrome de ativação macrofágica 2 semanas após a introdução de sulfasalazina. Três pacientes morreram. Proliferação macrofágica e hemofagocitose foram evidenciadas em cinco. A terapêutica da síndrome de ativação macrofágica incluiu pulsoterapia com metilprednisolona em todos, ciclosporina em três, plasmaférese em dois e gamaglobulina endovenosa em dois.

COMENTÁRIOS: A síndrome de ativação macrofágica é uma complicação da artrite idiopática juvenil sistêmica com alta morbidade e mortalidade.

Palavras-chave: Artrite idiopática juvenil, artrite reumatóide juvenil, síndrome de ativação macrofágica, fígado.

Introdução

A nova classificação adotada internacionalmente para artrites na infância define o termo artrite idiopática juvenil (AIJ), em substituição à artrite reumatóide juvenil (ARJ), como artrite crônica (persistente por mais de 6 semanas) em uma ou mais articulações, com início antes dos 16 anos de idade e de etiologia desconhecida. O diagnóstico de AIJ é de exclusão e inclui sete diferentes grupos: artrite sistêmica, oligoartrite, poliartrite fator reumatóide positivo, poliartrite fator reumatóide negativo, artrite psoriática, artrite associada a entesite e artrite indiferenciada. A forma sistêmica da AIJ é definida pela presença de artrite em uma ou mais articulações associada a febre diária acima de 39 oC por um período mínimo de 15 dias e pela presença de pelo menos uma destas manifestações: exantema reumatóide, adenomegalia generalizada, pericardite, pleurite, hepatomegalia e/ou esplenomegalia1.

A síndrome de ativação macrofágica (SAM) é uma entidade associada com formas familiares e adquiridas. As formas adquiridas podem ser desencadeadas por infecções, neoplasias, imunodeficiências e doenças reumáticas2-5. A SAM associada a AIJ é extremamente rara. Não existem taxas de prevalência descritas, tendo sido publicados cerca de 88 casos até o ano de 20014.

A SAM associada a AIJ foi inicialmente descrita por Hadchouel et al. em 19856. Essa síndrome ocorre principalmente na forma sistêmica da AIJ, com uma média de duração da AIJ, antes da SAM, de 4,2 a 4,8 anos6,7.

Outras denominações têm sido encontradas na literatura para esta síndrome associada a AIJ, tais como: síndrome hemofagocítica reativa5,8, linfo-histiocitose hemofagocítica2 ou coagulação intravascular disseminada (CIVD) com insuficiência hepática9.

Os pacientes com SAM apresentam febre alta prolongada, hepato- e esplenomegalia, sangramentos, adenomegalia generalizada, exantemas, icterícia, podendo evoluir com insuficiência hepática aguda, coma, CIVD e falência de múltiplos órgãos2-5. Anemia, leucopenia, plaquetopenia, hipofibrinogenemia e alargamentos dos tempos de coagulação ocorrem habitualmente em todos os pacientes10,11. A presença de numerosos macrófagos na medula óssea, fagocitando células sangüíneas (hemofagocitose), sem evidência de malignidade, é característica da SAM3,12.

A SAM pode ser desencadeada por agentes infecciosos virais como varicela-zoster13, hepatite A14, Epstein-Barr8 e coxsackie B15, bem como terapia com ouro, ácido acetilsalicílico e outros antiinflamatórios não-hormonais6,12, methotrexate10, sulfasalazina e penicilamina7.

A etiopatogenia da SAM é desconhecida. A ativação macrofágica libera proteases que ativam plasminogênio, levando à formação de plasmina com degradação da fibrina, desencadeando a fibrinólise e CIVD3. A hiperprodução de citocinas, particularmente interleucina-1, fator de necrose tumoral e gama-interferon, evidenciada em crianças com linfo-histiocitose familial hemofagocítica, pode ser responsável pelas alterações hepáticas, cerebrais e hematológicas nessas crianças16. Na SAM ocorre hiperprodução de citocinas provenientes de linfócitos T ativados e macrófagos (IFN-g, GM-CSF, IL-6, IL-1 e TNFa), diminuição importante da atividade das células NK17 e da perforina (proteína que controla a atividade citotóxica das células NK e linfócitos T)18.

O objetivo do presente estudo foi descrever as características clínicas, alterações laboratoriais e terapêuticas utilizadas em crianças e adolescentes com SAM associada a AIJ.

Descrição dos casos

Foram analisados por um protocolo clínico e laboratorial, retrospectivamente, os prontuários de todas as 462 crianças e adolescentes que apresentaram o diagnóstico de AIJ (critérios do ILAR - International League of Associations of Rheumatology)1 no período de janeiro de 1983 a janeiro de 2002. Esses pacientes foram originados, exclusivamente, da Unidade de Reumatologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da FMUSP. O diagnóstico de SAM foi definido pelo aparecimento abrupto de pancitopenia associada a icterícia, elevação das transaminases, bilirrubina direta e dos tempos de coagulação3 e/ou pela evidência de fagocitose de células sangüíneas por macrófagos e proliferação de macrófagos4.

Foram analisadas as seguintes características clínicas: forma de início da AIJ e curso da doença, presença de processos infecciosos recentes, caracterização do comprometimento hepático e tratamento medicamentoso recebido anteriormente. O curso da AIJ anterior à SAM foi dividido em remissivo (doença inativa com duração mínima de 2 anos)19 e policíclico (doença com períodos de atividade e inatividade).

Os seguintes exames complementares foram realizados: hemograma completo, velocidade de hemossedimentação (VHS), transaminase glutâmico-oxalacética (AST), transaminase glutâmico-pirúvica (ALT), tempo de protrombina (TP), tempo de trombina (TT), tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA), fibrinogênio, fator V, produtos da degradação da fibrina (PDF), albumina, bilirrubinas totais e frações, triglicérides, mielograma e sorologias para vírus de Epstein-Barr, citomegalovírus, rubéola e hepatites A, B e C. A avaliação histológica por ocasião da necropsia foi avaliada pelo mesmo patologista do Serviço de Anatomia Patológica da FMUSP. A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Pesquisa e Ética do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Durante o período do presente estudo foram acompanhados sete (1,5%) casos com AIJ sistêmica que desenvolveram SAM; esses pacientes se originaram de 462 pacientes com AIJ, sendo 198 (43%) com a forma sistêmica. Sete (1,5%) pacientes desenvolveram SAM, todos com a forma sistêmica da doença. A Tabela 1 mostra as características demográficas desses pacientes. Cinco eram do sexo masculino, e cinco da raça branca. A mediana de idade de início da AIJ foi de 3 anos e 10 meses, e a mediana do tempo de duração da AIJ até a SAM foi de 8 anos e 4 meses. O período entre o início dos sintomas e o diagnóstico da SAM variou de 2 a 30 dias, com mediana de 5 dias. Esses casos ocorreram entre os anos de 1993 e 1998.

A Tabela 2 evidencia os exames complementares e a terapêutica da SAM associada a AIJ sistêmica. Todos os pacientes apresentaram febre alta persistente (habitualmente acima de 39 ºC, com média de duração de 30 dias) e insuficiência hepática aguda com icterícia, hepatoesplenomegalia (média de 3 cm dos rebordos costais) e sangramentos, particularmente gengivorragia e petéquias. Quatro pacientes reativaram a AIJ, com uma poliartrite envolvendo joelhos, tornozelos e punhos; dois apresentaram exantema reumatóide concomitante ao episódio febril. Dois pacientes estavam em remissão clínica e laboratorial da AIJ, um com 1 ano de remissão (caso 1) e outro com 3 anos (caso 3).

Com relação aos antecedentes infecciosos: o caso 1 apresentou co-infecção de hepatite C e citomegalovírus com evidência de anticorpos IgM para ambas as infecções; o caso 3 desenvolveu SAM 1 semana após um surto de hepatite A ocorrido em seu local de domicílio, confirmada por sorologia IgM anti-VHA. O caso 6 evoluiu com SAM 2 semanas após varicela.

Elevação das enzimas hepáticas ocorreu em todos os pacientes (a média de AST foi 800 U/l, e a de ALT, 600 U/I). Todos apresentaram pancitopenia, elevação dos tempos de coagulação e aumento da bilirrubina direta (média de 11,7 mg/dl). VHS normal ou reduzida (abaixo de 20 mm na primeira hora) ocorreu em quatro casos. Insuficiência renal aguda com níveis elevados de uréia (acima de 60 mg/dl) e creatinina (acima de 1,2 mg/dl) foi evidenciada em quatro pacientes. Hipoalbuminemia (abaixo de 3 g/l) foi encontrada em três, e hipertrigliceridemia (acima de 160 mg/dl) em seis pacientes. O mielograma com proliferação macrofágica com fagocitose, particularmente de hemácias (hemofagocitose), foi evidenciado em quatro casos; o caso 7 apresentou hipoplasia medular sem proliferação macrofágica.

A terapêutica da AIJ sistêmica anterior à SAM incluiu antiinflamatórios não-hormonais (particularmente ácido acetilsalicílico e indometacina), corticosteróides e drogas de base em todos os casos. Os medicamentos utilizados no momento em que surgiram os sinais e sintomas da SAM estão na Tabela 2; eles estavam sendo utilizados entre 2 meses e 4 anos antes da SAM. É importante ressaltar que apenas o caso 5 desenvolveu SAM nitidamente 2 semanas após a introdução da sulfasalazina.

A terapêutica para a SAM incluiu, inicialmente, pulsoterapia diária com metilprednisolona (30 mg/kg/dia) em todos os casos, variando entre três e cinco pulsoterapias por paciente. Cinco pacientes necessitaram de uma ou mais terapias para o controle da doença (Tabela 2): dois pacientes utilizaram plasmaférese (três sessões com troca de 1,5 volemia e intervalo de 24 a 48 horas); dois receberam gamaglobulina endovenosa (2 g/kg/dose única), e três, ciclosporina endovenosa (2 mg/kg/dia de 12 em 12 horas). O diagnóstico e a introdução precoces da pulsoterapia com metilprednisolona e ciclosporina foram associados com melhor evolução (desaparecimento dos sintomas e normalização dos leucócitos, plaquetas e tempos de coagulação em 1 semana, em média).

Todos os pacientes apresentaram sonolência e inversão do sono. Três pacientes necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva por coma, necessitando de ventilação mecânica, e evoluíram para falência de múltiplos órgãos e óbito. Os resultados da necropsia dos três pacientes mostraram, no caso 1, diátese hemorrágica, esplenite, fibrose periportal e esteatose hepática; no caso 2, diátese hemorrágica, pericardite crônica, esplenite, insuficiência renal aguda e necrose hepática. Esses dois casos não evidenciaram hemofagocitose. No caso 3, os resultados mostraram diátese hemorrágica, necrose maciça hepática (compatível com hepatite fulminante) e proliferação macrofágica nos pulmões, com hemofagocitose.

Comentários

Cerca de 10% das crianças com AIJ apresentam a forma sistêmica20. No Serviço de Reumatologia Pediátrica (presente casuística), que atende preferencialmente casos mais graves e complexos, a forma sistêmica é o mais freqüente dos subtipos, sendo encontrada em 41% dos casos de AIJ21.

Evidências sugerem que a etiopatogenia da SAM está associada a um defeito hereditário da imunorregulação, predispondo à proliferação histiocítica em resposta a agentes desencadeantes específicos, como os vírus15,22, doenças auto-imunes6,22-28, imunodeficiências (como na fase acelerada da síndrome de Chédiak-Higashi)3 e drogas7,10.

Na maioria dos estudos em AIJ, os critérios da SAM não são definidos. Ravelli et al.10 [autores devem conferir esta referência] estudaram retrospectivamente 88 pacientes com AIJ (72 reportados na literatura e 16 provenientes de serviços italianos). As variáveis que mostraram maiores sensibilidade e especificidade (ambas acima de 0,75) foram: ferritina > 10.000 ng/ml (1,0; 1,0), triglicérides > 160 mg/dl (0,9; 1,0), TGO > 40 UI/ml (0,93; 0,97), fibrinogênio < 250 mg/dl (0,85; 1,0), TGP > 40 UI/ml (0,87; 0,93), plaquetopenia < 150.000/mm3 (0,76; 1,0), mielograma com proliferação macrofágica e hemofagocitose (0,75; 1,0), hepatomegalia (0,76; 0,86) e esplenomegalia (0,77; 0,82).

A SAM associada a AIJ ocorre principalmente em crianças2-5, podendo acometer adultos jovens que apresentaram o início da AIJ na infância, após períodos de duração da doença de 2 a 12 anos6,8,14, ou, raramente, ocorrer na doença de Still em adultos23,26.

No presente estudo, a mediana do tempo de duração da AIJ até o desenvolvimento da SAM foi de 8 anos, caracterizando longa duração de uma doença imunossupressora, com possibilidade de infecções e necessidade da utilização de vários esquemas terapêuticos, com múltiplos efeitos colaterais. A média de duração da AIJ antes da SAM na literatura varia de 4,2 a 4,8 anos6,7. Schwartz et al.9 descreveram um caso de SAM após 17 anos do início da AIJ sistêmica.

Antecedentes infecciosos associados à SAM foram vistos em três dos nossos casos. Nos pacientes com AIJ sistêmica, a associação da SAM com agentes infecciosos tem sido descrita em média de 1 a 2 semanas após o início da infecção por vírus da hepatite A14, vírus varicela-zoster13, coxsackie B15 e vírus Epstein-Barr8,26. Outras associações, como Pneumocystis carinii, salmonelose27, citomegalovírus, rubéola, vírus da imunodeficiência humana, doenças bacterianas como tuberculose, leishmaniose, brucelose e sífilis, neoplasias e uso prolongado de lipídeos solúveis, têm sido eventualmente descritas2.

Vários medicamentos têm sido descritos como possíveis desencadeantes da SAM, particularmente antiinflamatórios não-hormonais (ácido acetilsalicílico e indometacina) e sais de ouro, desencadeando a síndrome após a segunda dose semanal6,12, methotrexato10,27, penicilamina7 e sulfasalazina7,27. Todos os nossos pacientes utilizaram vários medicamentos previamente ao aparecimento da SAM. Um dos nossos casos apresentou SAM 2 semanas após a introdução da sulfasalazina.

A visualização de macrófagos ou histiócitos ativamente fagocitando eritrócitos é evidenciada em 40 a 82%4,5. No presente estudo, cinco pacientes apresentaram a proliferação de macrófagos com hemofagocitose, quatro no aspirado da medula óssea e um em pulmões na necropsia. Recentemente, a hiperferritinemia tem sido associada com positividade na SAM em até 100% dos pacientes4. Nosso último caso foi diagnosticado no ano de 1988, época em que não era rotina a realização desse exame.

A SAM deve ser diferenciada da própria atividade sistêmica da AIJ. A febre da SAM é persistente, diferindo da AIJ sistêmica, que ocorre uma a duas vezes ao dia3,7. O hemograma característico da atividade da AIJ sistêmica evidencia leucocitose em 80% e plaquetose em 70% dos casos, diferindo da SAM, que cursa com leucopenia e plaquetopenia21.

Todos os nossos casos apresentaram apenas um episódio da SAM, com regressão da icterícia e sangramento em média 1 semana após o início da terapêutica. Stéphan et al.5 evidenciaram duas recidivas da SAM em 4% e três recidivas em 13% dos pacientes.

Para o tratamento da síndrome hemofagocítica, inicialmente deve-se suspender todos os antiinflamatórios não-hormonais, drogas de base e/ou imunossupressores. O corticóide é a droga de escolha em uso endovenoso, particularmente pulsoterapia com metilprednisolona6,24. Atualmente, a segunda droga indicada na literatura é a ciclosporina A, particularmente nos pacientes não responsivos aos corticosteróides3,7,24,25. Outras modalidades terapêuticas que podem ser utilizadas são: gamaglobulina endovenosa, ciclofosfamida, plasmaférese12 e etanercepte11.

Óbitos ocorreram em três desses pacientes. Todos devido a insuficiência hepática e diátese hemorrágica. Os três pacientes que evoluíram a óbito apresentaram um maior tempo entre o início dos sintomas e a procura ao nosso serviço, retardando o diagnóstico da SAM.

Óbitos ocorrem em 2 a 4% das crianças com AIJ e são particularmente associados à forma sistêmica da doença21. As taxas de óbito variam de 1% nos Estados Unidos a 4,2% na Europa, principalmente por amiloidose29. Bernstein30 relata óbitos por insuficiência hepática em 20% dos pacientes. Boone31 descreve taxas de óbito de 17% do total de 1.674 pacientes com AIJ, causadas por insuficiência hepática, geralmente de causas desconhecidas, e excepcionalmente por hepatites virais e uso de sais de ouro; por isso, acredita-se que esses óbitos sejam por SAM. Óbitos de pacientes com SAM associada a AIJ sistêmica, com estudos acima de cinco casos, ocorrem entre 11 e 30%5-7.

Concluímos que a SAM é uma complicação da AIJ sistêmica com alta morbidade e mortalidade. A presença de insuficiência hepática aguda e pancitopenia nos pacientes com AIJ deve alertar para o diagnóstico de SAM. Seu reconhecimento precoce, diferenciando-a da própria atividade sistêmica da AIJ sistêmica, e a introdução de terapêutica agressiva contribuem para o melhor prognóstico.

Agradecimentos

Agradecemos à Dra. Fabíola del Carlo Bernardi, pela avaliação da necropsia dos pacientes deste estudo; à Profa Dra. Gilda Porta, Dra. Bernadete de Lourdes Liphaus, Dr. Jorge David Aivazoglou Carneiro, Dra. Lúcia Maria M. A. Campos e Dr. Nélson Hidekazu Tatfui, pelo auxílio no diagnóstico, tratamento e seguimento destes pacientes.

Artigo submetido em 03.03.04, aceito em 24.05.04

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  • Endereço para correspondência
    Clovis Artur Almeida Silva
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      24 Maio 2004
    • Recebido
      03 Mar 2004
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