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Mortalidade por pneumonia entre crianças brasileiras: uma história de sucesso

EDITORIAL

Mortalidade por pneumonia entre crianças brasileiras: uma história de sucesso

Inge AxelssonI; Sven Arne SilfverdalII

IMD, PhD. Department of Pediatrics, Research and Development Unit, Östersund County Hospital, Department of Health Sciences, Mid Sweden University, Östersund, Suécia

IIMD, PhD, MPH. Department of Clinical Sciences, Pediatrics, Umeå University, Umeå, Suécia

Correspondência Correspondência: Inge Axelsson Department of Health Sciences - Mid Sweden University SE-831 25, Östersund - Suécia Tel.: +46 (63) 165627, +46 (70) 3427981 Fax: +46 (63) 165626 E-mail: inge.axelsson@miun.se

O número global de mortes entre crianças menores de 5 anos de idade foi de 8,8 milhões em 20081, correspondendo a 24.000 mortes por dia. Esse número é assustador, mas felizmente está diminuindo. Durante o período de 1990-2008, a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos diminuiu 28% no mundo e 61% no Brasil1. Neste número do Jornal de Pediatria, Rodrigues et al. relatam que as mortes por pneumonia de 1991 a 2007 diminuíram 74% entre bebês e 56% entre crianças de 1-4 anos no Brasil2. Portanto, a mortalidade total e a mortalidade por pneumonia tiveram praticamente o mesmo desenvolvimento no Brasil, com a pneumonia sendo responsável por cerca de 5% das mortes entre menores de 5 anos.

Globalmente, a pneumonia é o assassino número um de crianças, sendo responsável por cerca de 20% das mortes entre menores de 5 anos. É o "assassino esquecido das crianças", causando mais mortes infantis do que o HIV, a malária e o sarampo juntos3. No Brasil, há 4 milhões de casos de pneumonia infantil a cada ano3. No entanto, o Brasil é um país de renda média superior4, e as doenças infecciosas não são causas tão dominantes de mortalidade em comparação aos países de baixa renda.

A Tabela 1 mostra que, entre os cinco países mais populosos do mundo, o Brasil melhorou a mortalidade de menores de 5 anos mais rápido do que os outros países. A melhoria sistemática da prevenção e do tratamento da pneumonia foi essencial para esse sucesso. O Gapminder World5 é um serviço interativo na Internet que exibe séries de estatísticas de desenvolvimento para todos os países (para alguns países, desde o início de 1800). Ao mover a seta do tempo, pode-se ver que o Brasil tem agora aproximadamente a mesma expectativa de vida e a mesma taxa de mortalidade entre crianças menores de 5 anos que os Estados Unidos tinham em 1975 e 1972, respectivamente.

O declínio da taxa de mortalidade por pneumonia em crianças brasileiras tem sido mais lento no norte do Brasil, onde a taxa de mortalidade por pneumonia é o dobro da taxa do sul do país. Os autores sugerem que a Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI)6, as diretrizes nacionais para a prática clínica e a vacinação contra a Haemophilus influenzae grupo b (Hib) e Streptococcus pneumoniae (pneumococo) foram importantes para o sucesso e que as diferentes implementações dessas ferramentas podem explicar as diferenças entre o norte e o sul do país.

E qual o próximo passo? Os Estados membros das Nações Unidas se comprometeram a alcançar a Meta de Desenvolvimento do Milênio 4 (MDM 4): reduzir a taxa de mortalidade entre menores de 5 anos em 2/3 até 2015, em comparação com 1990. A taxa de mortalidade diminuiu (Tabela 1), mas não com a rapidez suficiente para cumprir a MDM 4. Portanto, o Plano de Ação Global para Prevenção e Controle da Pneumonia (GAPP)7 recomenda a urgente implementação de estratégias-chave para tratar, prevenir e proteger as crianças contra a pneumonia:

- processo de gestão em todos os níveis: hospitalar, ambulatorial e comunitário;

- vacinação contra o sarampo, coqueluche, Hib e pneumococo (vacina conjugada);

- prevenção e tratamento da infecção pelo HIV;

- melhoria da nutrição e redução do baixo peso ao nascer, incluindo a promoção do aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida e suplementação com zinco;

- controle da poluição do ar em ambientes fechados;

- incentivo da higiene das mãos.

O GAPP alega que essas intervenções, se implementadas, têm o potencial de reduzir a morbimortalidade por pneumonia em mais da metade. Profissionais de atenção primária devem usar a AIDPI ou diretrizes nacionais relacionadas para a avaliação e o tratamento de crianças doentes. Existem vários bons relatos que poderiam ser usados como base científica para diretrizes nacionais ou regionais de prática clínica para médicos. Os achados importantes desses artigos podem ser resumidos da seguinte forma:

- A maioria das crianças com taquipneia não apresenta sinais de pneumonia no raio X de tórax. Apenas 14% apresentaram sinais em um amplo estudo no Paquistão (n = 1.932), e apenas 1,3% (26/1.932) teve consolidação lobar8. A adição de febre aos critérios da OMS para pneumonia (que se baseiam unicamente na taquipneia) melhora muito a especificidade dos critérios com sensibilidade reduzida apenas marginalmente, de acordo com um estudo recente realizado em São Paulo9.

- A maioria dos casos de pneumonia leve em países de alta renda não necessita de antibióticos10. Essa regra provavelmente não deve ser usada em países de baixa ou média renda. As crianças com pneumonia leve não têm sintomas ou sinais graves, não são sépticas (não parecem "tóxicas") e não têm a saturação de oxigênio abaixo de 95%.

- O Streptococcus pneumoniae é a causa mais comum de pneumonia, mas outras bactérias ou vírus, ou uma combinação de bactérias e vírus, também são comuns. Não existe um método confiável para diferenciar entre pneumonia bacteriana e viral. A pneumonia moderada ou grave deve ser tratada com antibióticos10.

- Os antibióticos orais (amoxicilina ou cotrimoxazol) por 3 dias são tão bons quanto os antibióticos intravenosos ou uma maior duração da medicação para casos não graves (exceto crianças com vômito)11. Essa observação é baseada em estudos realizados em países de baixa renda. Por causa do aumento da resistência global, os macrolídios não são seguros para pneumonia pneumocócica12.

O Brasil já cumpriu a MDM 4, mas deve continuar o trabalho bem-sucedido, especialmente no norte do país, onde a taxa de mortalidade por pneumonia entre crianças está cerca de 8 anos atrás da taxa do Sul2.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Apoio financeiro: Department of Health Sciences, Mid Sweden University.

Como citar este artigo: Axelsson I, Silfverdal SA. Pneumonia mortality among children in Brazil: a success story. J Pediatr (Rio J). 2011;87(2):85-87.

  • 1
    UNICEF. The State of the World’s Children. Table 1: Basic Indicators. 2009. http://www.unicef.org/rightsite/sowc/statistics.php Acesso: 9 Jan 2011.
  • 2. Rodrigues FE, Tatto RB, Vauchinski L, Leães LM, Rodrigues MM, Rodrigues VB, et al. Pneumonia mortality in Brazilian children aged 4 years and younger. J Pediatr (Rio J). 2011;87:111-114.
  • 3. UNICEF. Pneumonia: the forgotten killer of children. New York: UNICEF / WHO Press; 2006. http://www.unicef.org/publications/index_35626.html Acesso: 9 Jan 2011.
  • 4. The World Bank. Data: Brazil. http://data.worldbank.org/country/brazil Acesso: 9 Jan 2011.
  • 5
    Gapminder World. http://www.gapminder.org/ Acesso: 9 Jan 2011.
    » link
  • 6. World Health Organization (WHO), UNICEF. Integrated management of childhood illness. Geneva: WHO Press; 2008. http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241597289_eng.pdf Acesso: 9 Jan 2011.
  • 7. World Health Organization (WHO), UNICEF. Global Action Plan for Prevention and control of Pneumonia (GAPP). Geneva: WHO Press; 2009.
  • 8. Hazir T, Nisar YB, A Qazi SA, Khan SF, Raza M, Zameer S, et al. Chest radiography in children aged 2-59 months diagnosed with non-severe pneumonia as defined by World Health Organization: descriptive multicentre study in Pakistan. BMJ. 2006;333:629.
  • 9. Cardoso MR, Nascimento-Carvalho CM, Ferrero F, Alves FM, Cousens SN. Adding fever to WHO criteria for diagnosing pneumonia enhances the ability to identify pneumonia cases among wheezing children. Arch Dis Child. 2011;96:58-61.
  • 10. British Thoracic Society Standards of Care Committee. British Thoracic Society Guidelines for the Management of Community Acquired Pneumonia in Childhood. Thorax. 2002;57 Suppl 1:i1-24.
  • 11. Russell K, Robinson J, Yorke D, Axelsson I. The Cochrane Library and Treatment for Community Acquired Pneumonia in Children: An Overview of Reviews. Evid-Based Child Health. 2009;4:1149-64.
  • 12. Don M, Canciani M, Korppi M. Community-acquired pneumonia in children: whats old? Whats new? Acta Pediatrica. 2010;99:1602-8.
  • Correspondência:

    Inge Axelsson
    Department of Health Sciences - Mid Sweden University
    SE-831 25, Östersund - Suécia
    Tel.: +46 (63) 165627, +46 (70) 3427981
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011
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