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Síndrome de Pancoast causada por linfoma

Pancoast's syndrome caused by lymphoma

Resumos

Relata-se um raro caso de síndrome de Pancoast causada por linfoma não-hodgkiniano. O diagnóstico foi efetuado em material obtido por biópsia transcutânea lancetante. Enfatiza-se a necessidade do diagnóstico anatomopatológico preciso, com realização de estudo imuno-histoquímico em casos duvidosos.

linfoma; síndrome de Pancoast; neoplasias pulmonares


A rare case of Pancoast's syndrome caused by non-Hodgkin's lymphoma is reported. The diagnosis was made on the grounds of examination of the tissue obtained by pulmonary needle biopsy. The necessity of accurate histologic diagnosis and immunohistochemical study is emphasized.

lymphoma; Pancoast's syndrome; lung neoplasms


RELATO DE CASO

Síndrome de Pancoast causada por linfoma* * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

ALLA DOLGANOVA1 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. , ANA LUÍZA SCHNEIDER MOREIRA2 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. , MARINÊS BARRA3 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. , JOSE DA SILVA MOREIRA4 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Relata-se um raro caso de síndrome de Pancoast causada por linfoma não-hodgkiniano. O diagnóstico foi efetuado em material obtido por biópsia transcutânea lancetante. Enfatiza-se a necessidade do diagnóstico anatomopatológico preciso, com realização de estudo imuno-histoquímico em casos duvidosos.

Pancoast's syndrome caused by lymphoma

A rare case of Pancoast's syndrome caused by non-Hodgkin's lymphoma is reported. The diagnosis was made on the grounds of examination of the tissue obtained by pulmonary needle biopsy. The necessity of accurate histologic diagnosis and immunohistochemical study is emphasized.

Descritores ¾ linfoma; síndrome de Pancoast; neoplasias pulmonares

Key words ¾ lymphoma; Pancoast's syndrome; lung neoplasms

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
MSE ¾ Membro superior esquerdo
CVF ¾ Capacidade vital forçada
VEF1¾ Volume expiratório forçado em 1o segundo
BAAR ¾ Bacilo álcool-acidorresistente

INTRODUÇÃO

Em 1924, Pancoast descreveu "um aparentemente infreqüente tipo de crescimento, que ocorre na região apical do hemitórax" e produz "o fenômeno clínico constante e característico de dor (de distribuição de C8, T1 e T2), atrofia muscular do braço e síndrome de Horner"(1,2). Segundo o autor, o quadro sintomático por ele observado seria causado por neoplasia maligna derivada de células residuais da 5a bolsa faríngea e localizada no "sulco pulmonar superior" e ele não considerava o câncer brônquico como entidade capaz de provocar a síndrome(2). O quadro radiológico de tumor foi descrito como "opacidade homogênea no extremo ápice" do pulmão associado com "grande ou pequena destruição das costelas e infiltração vertebral freqüente"(2). Porém, sabe-se, hoje, que a imensa maioria dos indivíduos com esta síndrome tem carcinoma brônquico não de pequenas células como doença primária (carcinoma epidermóide é o mais freqüente, seguido do adenocarcinoma)(3). Além disso, foram descritos raríssimos casos em que a síndrome foi causada por carcinoma de pequenas células(4), processo benigno(5), metástases(6), ou doenças neoplásicas extrapulmonares(7).

Apresentamos, a seguir, um caso de síndrome de Pancoast causada por um linfoma não-hodgkiniano.

RELATO DE CASO

Homem branco de 60 anos, motorista aposentado, procedente de Porto Alegre, ex-tabagista (dos 10 aos 40 anos, uma carteira de cigarros por dia), iniciou há seis meses sudorese noturna profusa e dor na região escapular esquerda que progrediu em intensidade e passou a ser mais evidente e importante em membro superior esquerdo. Mais tarde começou a apresentar anorexia, perda ponderal (5kg), parestesias e paresia do membro superior esquerdo (MSE). Teve picos febris (de até 38ºC) e, quatro meses após, percebeu aumento de volume da região supraclavicular esquerda, com dor no local. Foi internado em hospital de Porto Alegre, sendo submetido a duas punções-biópsias na região supraclavicular esquerda (as duas evidenciando "histiócitos e inflamação crônica").

Pela persistência e intensidade dos sintomas (principalmente dor em ombro esquerdo, que se estendia para a região axilar, escapular e metade interna do braço, antebraço e dedos da mão), foi internado na Santa Casa de Porto Alegre em regular estado geral, afebril, sem hipocratismo digital, apresentando ptose palpebral à esquerda e anisocoria com miose do mesmo lado (Figura 1A). Verificou-se, ao exame físico, a presença de massa palpável dolorosa de tamanho aproximadamente de 4 x 5cm em região supraclavicular esquerda, fixa a planos profundos, com consistência fibroelástica. Não tinha adenomegalias palpáveis importantes. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular diminuído difusamente, sem ruídos adventícios. Hiporreflexia, força grau IV e hipoestesia em MSE, hipo-hidrose e atrofia dos músculos do MSE.



O paciente realizou os seguintes exames:

1)RX de tórax: opacidade no ápice do hemitórax esquerdo, compatível com tumor de Pancoast. Bolhas nas metades superiores dos pulmões (Figura 1B).

2)Tomografia computadorizada de tórax (Figura 2A): volumosa lesão tumescente no ápice do hemitórax esquerdo, com extensa invasão da parede torácica, com erosão de porções posteriores de 2o e 3o arcos costais, comprometimento de vértebra torácica, inclusive com extensão para o canal medular. Acentuado enfisema pulmonar bilateral, com extensas bolhas, mais acentuado na metade cranial dos pulmões. Ausência de adenopatia ostensiva no mediastino e de derrame pleural.


3)Ecografia abdominal: sem alterações.

4)Tomografia computadorizada de crânio: ventrículos de morfologia normal, linha média em posição e densidades normais.

5)Espirometria simples: CVF = 2,88L (69,8% do previsto), pós-BD = 3,28L; VEF1 = 1,88L (57,8% do previsto), pós-BD = 2,08L.

6)Exames de escarro (três amostras): negativas para células malignas, para pesquisas de BAAR ou outras bactérias e fungos.

7)Biópsia de medula óssea: sem particularidades.

O paciente foi submetido a uma nova punção-biópsia (lancetante) da massa supraclavicular esquerda, cujos cortes mostraram: "Tecido extensamente necrótico, infiltrado por neoplasia de pequenas células com escasso citoplasma. Neoplasia maligna indiferenciada com extensa necrose compatível com linfoma não-hodgkiniano de alto grau, infiltrando músculo estriado e tecido adiposo". As lâminas foram revisadas por um segundo patologista: "Infiltrado linfóide pleomórfico, difuso de pequenas e grandes células. Neoplasia maligna infiltrando músculo estriado e tecido adiposo com necrose extensa. Muito provável linfoma não-hodgkiniano de alto grau, de grandes células" (Figura 3). O seguinte painel imuno-histoquímico foi realizado: antígeno comum leucocitário ¾ positivo; vimentina ¾ positiva; panqueratina ¾ negativa; antígeno da membrana epitelial ¾ negativo; enolase neurônio-específica ¾ negativa (Figura 3). Estes resultados indicam a origem linfóide da neoplasia.


O paciente foi avaliado e estadiado pelo serviço de oncologia (estágio IV pela classificação por sistema de estagiamento de Ann Arbor(8)) e iniciou esquema quimioterápico: ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona. Evoluiu com redução importante da massa supraclavicular à esquerda (não mais evidenciada posteriormente ao exame físico), com diminuição da dor no membro superior do mesmo lado, tendo também recuperado parcialmente a força neste membro. No controle tomográfico, verificou-se marcada redução nas dimensões da lesão tumescente do ápice do hemitórax esquerdo, com muito menor comprometimento da parede torácica (Figura 2B).

DISCUSSÃO

Este paciente apresentou quadro clínico clássico da síndrome de Pancoast: síndrome de Claude Bernard-Horner (comprometimento do simpático cervical ¾ gânglio estrelado ¾ pela neoplasia, com miose, ptose palpebral e enoftalmia do lado afetado); síndrome de Déjerine-Klümpke (invasão de ramos inferiores do plexo braquial (nível de C8, T1 e T2) ¾ com dor característica (ao longo da face medial do braço que se estende ao oco axilar, região clavicular ou região escapular e interescápulo-vertebral), fenômenos vasomotores e impotência funcional) e destruição de porções posteriores de arcos costais superiores.

A síndrome de Pancoast é habitualmente causada pelo câncer de pulmão não de pequenas células. Seu prognóstico é reservado e o tratamento de escolha é radioterapia seguida de cirurgia. São candidatos ao tratamento cirúrgico pacientes sem metástases a distância (M0), sem metástases ganglionares e sem invasão da coluna vertebral e/ou partes moles do pescoço(9). A cirurgia consiste em ressecção de parede torácica, ramos do plexo braquial e lobo superior do pulmão, em bloco. Sobrevida média em cinco anos, nesses casos, é de 30%(3). A radioterapia raramente destrói a lesão, mas tem finalidade de esterilizar a periferia da massa tumoral, permitindo que a toracotomia seja realizada em tecido sadio. Há um consenso praticamente universal sobre as vantagens dessa associação terapêutica(9). Quando a cirurgia não é indicada, a radioterapia exclusiva é o tratamento alternativo. Os elementos mais importantes na expectativa de cura de tumor de Pancoast são a presença ou não de metástases ganglionares e a ressecção ser completa. A sobrevida em cinco anos cai para 0-10% nas diferentes séries com a presença de N2(9). No presente caso, o diagnóstico foi de linfoma e o paciente foi submetido à quimioterapia, obtendo boa resposta.

A revisão da literatura 1970-1998 (Medline) registrou apenas sete casos de síndrome de Pancoast causada por linfoma(10-16), porém, em um caso(10) a síndrome foi parcial (não estava presente a síndrome de Claude Bernard-Horner) e, em outro caso(11), a síndrome também foi parcial (o paciente não teve destruição dos arcos costais posteriores e seu RX convencional era quase normal; a massa do mediastino superior, que causava a sintomatologia, era evidenciada somente na ressonância magnética). Em um caso(12) o paciente teve o diagnóstico de linfoma hodgkiniano e, cinco anos depois de tratado, a doença recidivou, causando a síndrome de Pancoast. Em outro caso(13), além da lesão apical do pulmão, havia grande lesão paracardíaca; em outro(14) a síndrome de Pancoast apresentava-se em um paciente com linfoma não-hodgkiniano com história prévia de toracoplastia no mesmo lado.

Neurite braquial já foi descrita em doença de Hodgkin como síndrome paraneoplásica(17), mas, como pode ser visto nos exemplos citados na revisão, a presença de síndrome de Pancoast completa, causada por um linfoma, é extremamente rara. Entretanto, o linfoma deve ser considerado como possível causa da mesma. Porém, é difícil estabelecer prognóstico e sobrevida em casos semelhantes, devido ao pequeno número de casos descritos. A análise do presente caso e dos casos da literatura revela a importância do diagnóstico anatomopatológico preciso e, em particular, a necessidade de realizar, em casos de dúvida, o estudo imuno-histoquímico.

1. Médica-pneumologista; aluna do curso de pós-graduação em pneumologia da UFRGS.

2. Médica Residente; aluna do curso de pós-graduação em pneumologia da UFRGS.

3. Professora Assistente da Disciplina de Patologia da FFFCMPA.

4. Professor Adjunto dos Departamentos de Medicina Interna da FFFCMPA e UFRGS.

Endereço para correspondência ¾ Alla Dolganova, Rua Alvaro Alvim, 450/430 ¾ Bairro Rio Branco ¾ 90420-020 ¾ Porto Alegre, RS. Tel./fax: (51) 333-0103; E-mail: neurolut@ulbra.br

Recebido para publicação em 9/7/99. Reapresentado em 5/10/99. Aprovado, após revisão, em 25/2/00.

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  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Revisado
      05 Out 1999
    • Recebido
      09 Jul 1999
    • Aceito
      25 Fev 2000
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