Acessibilidade / Reportar erro

Habilidades ortográficas e de narrativa escrita no ensino fundamental: características e correlações

Resumos

OBJETIVO: Caracterizar, de acordo com o ano escolar e a rede de ensino, o desempenho ortográfico e de produção textual da escrita de escolares do Ensino Fundamental, com bom aproveitamento acadêmico, e investigar as relações entre essas variáveis. MÉTODOS: Participaram 160 crianças, entre 8 e 12 anos de idade, alunos do 4º ao 7º anos do Ensino Fundamental. Todos foram avaliados quanto à produção escrita, por meio de ditado de palavras e pseudopalavras e da escrita autônoma de texto narrativo. Computaram-se os erros ortográficos, os números de palavras, por classe gramatical, e os elementos de narrativa textual utilizados nas produções. RESULTADOS: Escolares da rede pública apresentaram mais erros no ditado de palavras e pseudopalavras, com melhora de desempenho com o avanço da escolaridade. No entanto, a ocorrência de enunciados completos e incompletos mostrou-se semelhante quando comparadas as redes de ensino. Escolares do 4º ano apresentaram mais enunciados incompletos que os demais. Quanto às produções de microestruturas e macroestruturas gerais, maior número destas foi apresentado pelos escolares da rede particular. As macroestruturas essenciais foram mais frequentes nos anos mais avançados. Quanto maior o número de palavras escritas na produção autônoma, maior a ocorrência das variáveis linguísticas e melhor a competência narrativa. Houve correlação negativa e fraca entre o número de palavras erradas e o total de eventos na produção textual. Foram observadas correlações positivas e negativas (de fracas a boas) entre diferentes variáveis ortográficas, linguísticas e de produção narrativa em ambas as redes. CONCLUSÃO: Os escolares da rede particular apresentam melhor desempenho ortográfico e narrativo que os da rede pública. A progressão da escolaridade influencia o desempenho nas tarefas de escrita de palavras e produção textual e as capacidades ortográficas influenciam a qualidade da produção textual. Diferentes habilidades de escrita como desempenho ortográfico e uso de elementos linguísticos e de estruturas narrativas influenciam-se mutuamente na produção escrita.

Escrita manual; Criança; Testes de linguagem; Redação; Escolaridade


PURPOSE: To characterize, according to the school grade and the type of school (private or public), the performance on orthographic and narrative text production in the writing of Elementary School students with good academic performance, and to investigate the relationships between these variables. METHODS: Participants were 160 children with ages between 8 and 12 years, enrolled in 4th to 7th grades Elementary School. Their written production was assessed using words and pseudowords dictation, and autonomous writing of a narrative text. RESULTS: Public school students had a higher number of errors in the words and pseudowords dictation, improving with education level. The occurrence of complete and incomplete utterances was similar in both public and private schools. However, 4th graders presented more incomplete statements than the other students. A higher number of overall microstructure and macrostructure productions occurred among private school students. The essential macrostructures were most frequently found in the later school grades. The higher the total number of words in the autonomous written production, the higher the occurrence of linguistic variables and the better the narrative competence. There was a weak negative correlation between the number of wrong words and the total of events in text production. Positive and negative correlations (from weak to good) were observed between different orthographic, linguistic and narrative production variables in both private and public schools. CONCLUSION: Private school students present better orthographic and narrative performance than public school students. Schooling progression influences the performance in tasks of words' writing and text production, and the orthographic abilities influence the quality of textual production. Different writing abilities, such as orthographic performance and use of linguistic elements and narrative structures, are mutually influenced in writing production.

Handwriting; Child; Language tests; Writing; Educational status


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Habilidades ortográficas e de narrativa escrita no ensino fundamental: características e correlações

Juliana Faleiros Paolucci BigarelliI; Clara Regina Brandão de ÁvilaII

IPrograma de Pós-graduação (Mestrado) em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIDepartamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo –UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juliana Faleiros Paolucci Bigarelli Tv. Timbó, 1890/811, Marco, Belém (PA), Brasil, CEP: 66087-128. E-mail: jfpaolucci@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar, de acordo com o ano escolar e a rede de ensino, o desempenho ortográfico e de produção textual da escrita de escolares do Ensino Fundamental, com bom aproveitamento acadêmico, e investigar as relações entre essas variáveis.

MÉTODOS: Participaram 160 crianças, entre 8 e 12 anos de idade, alunos do 4º ao 7º anos do Ensino Fundamental. Todos foram avaliados quanto à produção escrita, por meio de ditado de palavras e pseudopalavras e da escrita autônoma de texto narrativo. Computaram-se os erros ortográficos, os números de palavras, por classe gramatical, e os elementos de narrativa textual utilizados nas produções.

RESULTADOS: Escolares da rede pública apresentaram mais erros no ditado de palavras e pseudopalavras, com melhora de desempenho com o avanço da escolaridade. No entanto, a ocorrência de enunciados completos e incompletos mostrou-se semelhante quando comparadas as redes de ensino. Escolares do 4º ano apresentaram mais enunciados incompletos que os demais. Quanto às produções de microestruturas e macroestruturas gerais, maior número destas foi apresentado pelos escolares da rede particular. As macroestruturas essenciais foram mais frequentes nos anos mais avançados. Quanto maior o número de palavras escritas na produção autônoma, maior a ocorrência das variáveis linguísticas e melhor a competência narrativa. Houve correlação negativa e fraca entre o número de palavras erradas e o total de eventos na produção textual. Foram observadas correlações positivas e negativas (de fracas a boas) entre diferentes variáveis ortográficas, linguísticas e de produção narrativa em ambas as redes.

CONCLUSÃO: Os escolares da rede particular apresentam melhor desempenho ortográfico e narrativo que os da rede pública. A progressão da escolaridade influencia o desempenho nas tarefas de escrita de palavras e produção textual e as capacidades ortográficas influenciam a qualidade da produção textual. Diferentes habilidades de escrita como desempenho ortográfico e uso de elementos linguísticos e de estruturas narrativas influenciam-se mutuamente na produção escrita.

Descritores: Escrita manual, Criança, Testes de linguagem, Redação, Escolaridade

INTRODUÇÃO

Aprender a ler e a escrever é fundamental para que os demais aprendizados acadêmicos ocorram. Essa importância não se refere apenas ao domínio do código alfabético e ortográfico, mas também às muitas capacidades e conexões cognitivo-linguísticas de vários níveis, envolvidas no aprendizado e uso da leitura e da escrita. Em geral, a principal preocupação dos sistemas educacionais está voltada para a leitura proficiente, ou seja, a leitura com compreensão e crítica. Sociedades científicas dedicadas ao estudo da leitura esforçam-se por identificar melhores condições de ensino e de aprendizagem, desde as mais abrangentes, de domínio sócio-cultural, às mais específicas, intrínsecas às características da escola ou do indivíduo aprendiz.

Por outro lado, as pesquisas que investigam a proficiência da escrita, menos numerosas no que diz respeito às investigações clínicas do fracasso, por exemplo, da tentativa de produção textual, estão mais afeitas à investigação das alterações do processamento fonológico, base fundamental do aprendizado do sistema de escrita alfabético(1-5) ou do aprendizado ortográfico(6-11). Contudo, o uso da escrita é mais abrangente do que isto: a elaboração de um texto coerente requer outros recursos linguísticos, metalinguísticos e comunicativos. É necessário competência para utilizar elementos lexicais, semânticos e gramaticais de modo a permitir a produção de conteúdos organizados, segundo uma rede de cadeias causais que possam expressar com eficácia a intenção de quem escreve. Para isso, é preciso que os textos sejam escritos para atingir objetivos pré-estabelecidos, que cumpram diferentes funções de comunicação e de relações interpessoais, sociais, educacionais, institucionais, governamentais, entre outras.

Diferentes habilidades envolvidas no complexo processo de escrita desenvolvem-se e aprimoram-se ao longo dos anos escolares, mais ou menos rapidamente, a depender principalmente das condições do indivíduo aprendiz, do método de ensino e das demandas e ofertas do meio sócio-cultural. O fato é que as capacidades relacionadas à codificação ortográfica devem levar o aprendiz a reconhecer automaticamente morfemas ou palavras inteiras, assim como utilizar esse conhecimento para produzir escrita ortograficamente correta. Quando esses mecanismos de reconhecimento não estão automáticos, podem sobrecarregar o escolar, que acaba despendendo mais tempo e atenção em atividades de planejamento e organização da própria escrita ortograficamente correta. Assim, as atividades cognitivas de elaboração textual são consequentemente mal executadas e podem prejudicar a qualidade da produção. À medida que os processos de codificação se tornam automáticos, o escolar pode produzir um texto com mais facilidade e mostrar melhores capacidades na escrita de palavras e de sentenças. Desta maneira, o discurso escrito também se desenvolve(12).

O número de ideias descritas na composição escrita, sua organização, planificação e estruturação, além do domínio do uso coerente e coeso dos diferentes itens e categorias linguísticas (semântico-lexicais e sintáticas, por exemplo), também são indispensáveis para a construção de proposições, ou seja, de enunciados com significado. Sendo assim, podem ser indicadores da qualidade dos textos.

As pesquisas são unânimes em dizer que a rede de ensino e a série escolar interferem no desempenho de escrita. Entretanto, sabe-se que diferentes habilidades envolvidas na produção escrita, assim como em outras instâncias da linguagem humana, influenciam-se mutuamente e, desta forma, essas interferências podem não ser tão efetivas. Tais hipóteses levaram à definição do objetivo desta pesquisa que foi caracterizar, de acordo com o ano escolar e a rede de ensino, o desempenho ortográfico e de produção textual da escrita de escolares do Ensino Fundamental com bom aproveitamento acadêmico, e investigar as relações entre essas variáveis.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) sob número 0827/06.

Seleção da amostra

No início do primeiro semestre letivo foram avaliadas 178 crianças (83 meninos e 95 meninas), com idades entre 8 e 12 anos, regularmente matriculadas no 4º, 5º, 6º e 7º anos do Ensino Fundamental (EF), de diferentes escolas das redes pública e particular dos municípios de São Paulo e Santana do Parnaíba.

Os escolares foram inicialmente indicados, a juízo dos professores, que selecionaram as crianças com melhor aproveitamento escolar, de acordo com os seguintes critérios: ausência de queixas ou indícios relacionados a déficits de audição e visão e/ou dificuldades auditivas e visuais corrigidas; ausência de queixas ou indícios relacionados a distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos; ausência de queixas ou indícios relacionados a dificuldades do aprendizado da leitura e da escrita e dificuldades de aproveitamento escolar; ausência de indicação de retenção no histórico escolar.

A partir dessas indicações, realizou-se uma triagem fonoaudiológica, com a finalidade de garantir a observância dos critérios de inclusão e fornecer indícios sobre a recepção e expressão oral e escrita dos participantes. Compuseram a amostra apenas os escolares que passaram na triagem fonoaudiológica(13) e apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado por seus pais ou responsáveis. Ao final, foram selecionadas 20 crianças de cada ano escolar de cada uma das redes de ensino, que perfizeram o total de 160 escolares participantes desta pesquisa.

Os pais e professores dos escolares que falharam na triagem foram devidamente orientados quanto à importância da realização de avaliação fonoaudiológica completa. Receberam, ainda, indicações e/ou encaminhamentos para serviços especializados.

Procedimentos

A coleta das avaliações foi realizada no primeiro semestre letivo, em dois encontros: um para a triagem e um para a avaliação da escrita. Foram despendidos períodos variáveis de tempo que diferiram conforme a permissão oferecida pela direção da escola, visando menor prejuízo das atividades acadêmicas dos escolares. Todos os procedimentos foram realizados individualmente, em sala silenciosa, na própria escola. Os 160 escolares foram submetidos à avaliação da produção escrita, com tarefas específicas de escrita sob ditado de palavras e pseudopalavras, e de produção de texto, feitas a lápis grafite, em folhas de papel sulfite A4, com permissão para o uso de borracha.

O desempenho ortográfico foi analisado somente a partir da escrita sob ditado, para o qual foi utilizada uma lista de 35 palavras (pato, fada, pito, diva, mesa, carro, jogador, feno, boné, chuteira, peixinho, torneira, fingir, altura, campeão, letreiro, árvore, atrás, assistir, gravidez, vassoura, horário, guerrilha, próximo, anzol, negócio, detectar, frequente, cresceram, exagerou, sebo, sentença, magnífico, excedeu, flexível) e uma lista de 21 pseudopalavras (tupa, nusa, dumaz, tavor, dofé, melha, chediza, morja, praixo, andaça, fliro, balsomão, cinhela, bunfe, daguite, virru, zosvibe, queuci, jiborá, brossudam, flômina). Ambas foram propostas selecionadas a partir da necessidade de balanceamento por(14,15) regras ortográficas do Português Brasileiro(13); familiaridade - identificada com o auxílio de um grupo de professoras do Ensino Fundamental, a partir dos livros didáticos utilizado à época; extensão (dissilábicas e trissilábicas).

Após os ditados, cada criança escreveu um texto de narrativa autônoma, eliciado a partir da apresentação de uma sequência de cinco figuras que compõem a história infantil "A Pedra no Caminho"(16), informatizadas e adaptadas(17). Estas imagens apareceram sequencialmente na tela do monitor de um computador e, posteriormente, todas juntas, assim permanecendo por cerca de dois minutos à disposição do escolar. Ao final da visualização as imagens eram retiradas e a produção iniciada. Antes do início da escrita, caso o escolar solicitasse, as imagens poderiam ser reapresentadas, entretanto não mais do que três vezes.

Análise do material coletado

As análises seguiram critérios estabelecidos na literatura ou elaborados especificamente para a pesquisa(11,13,18). As seguintes possibilidades de erros ortográficos foram admitidas: erros por segmentação indevida; omissões ou adições de letras; alteração na ordenação de letras ou sílabas; erros na codificação de grafemas independentes do contexto grafêmico; confusão na codificação de fonemas surdos ou sonoros substituídos por seus equivalentes; confusão na codificação das terminações -am e -ão; erros de representações múltiplas; codificação com apoio na oralidade; generalização de regras; confusão na codificação entre letras parecidas; desrespeito às regras de acentuação gráfica; erros complexos; recusas; outros. Todos os erros foram analisados, mas, para este estudo, foram computados os totais de palavras e de pseudopalavras erradas.

As produções das narrativas textuais foram analisadas quanto à competência linguística e quanto à estrutura narrativa. Foram considerados os eventos citados (a partir de todas as possibilidades fornecidas pelas figuras) e as pertinências à macro ou microestrutura no texto.

Na análise da competência linguística(19) das produções narrativas foram computados: número total de palavras - incluíram-se todas as classes gramaticais e palavras repetidas; número total de substantivos; número total de verbos - contados todos os verbos, no tempo infinitivo ou em outros tempos verbais que não o pretérito; número total de verbos no passado (caracterizam as produções como estruturas narrativas); número total de adjetivos; número e discriminação dos marcadores temporais - quando, então, depois e antes; número de enunciados completos (unidades que apresentaram um verbo conjugado como centro); número de enunciados incompletos (unidades que não apresentaram um verbo conjugado como centro, porém expressavam uma ideia).

Para a análise dos eventos citados, constitui-se uma banca de duas fonoaudiólogas que identificou, em todas as 160 redações, eventos pertencentes à macroestrutura (ideias consideradas como essenciais ou gerais) ou à microestrutura (detalhes menos relevantes) da história(20,21). Após, as redações produzidas pelos escolares foram lidas e analisadas por uma segunda banca composta por outras três fonoaudiólogas instruídas a realizar, individualmente, o mapeamento das micro e macroestruturas apresentadas nas 160 redações (considerou-se a estrutura presente, na produção textual quando se obteve percentual de 100% de concordância entre as componentes da banca). Tal análise determinou a identificação das macro e microestruturas, produzidas por cada escolar.

Para o tratamento estatístico utilizou-se a ANOVA e o coeficiente de correlação de Pearson (c) (valores inferiores a 0,40 - correlação fraca; valores entre 0,40 e 0,70 correlação moderada; valores entre 0,70 e 0,90 correlação boa e valores superiores a 0,90 significaram correlação ótima).

RESULTADOS

Os escolares de rede pública apresentaram mais erros na escrita de palavras (p<0,0001) e de pseudopalavras (p=0,0008) que os escolares da rede particular (Tabela 1). Ao se investigar apenas o ano escolar, o 4º ano apresentou maior número de erros na escrita de palavras que os demais anos escolares (p<0,0001). Observa-se, também, que o desempenho foi semelhante quando o efeito ano escolar foi investigado na escrita de pseudopalavras. Quando se analisaram os efeitos rede e ano escolar verificou-se diferença de desempenho entre os escolares dos 4ºs e 7ºs anos da rede pública e seus pares da rede particular. Os alunos da rede pública apresentaram mais erros na escrita de palavras (p=0,0225) e pseudopalavras (p=0,0453) (Tabela 1).

O estudo do número de enunciados não mostrou diferenças nas comparações realizadas, com exceção do número de enunciados incompletos que, avaliado segundo o ano escolar apresentou-se em maior número nos 4ºs anos (p=0,0343) das duas redes (Tabela 2).

Observou-se diferença quanto ao número de microestruturas (p=0,0203) e macroestruturas gerais (p=0,0003) citadas apenas quando as redes foram comparadas, sem levar em conta o ano escolar. Houve um maior número de produções da rede particular. Quando somente o ano escolar foi analisado, as comparações realizadas mostraram desempenhos semelhantes entre o 4º e 5º anos, e entre o 6º e 7º anos, para as macroestruturas essenciais, sendo que a ocorrência dessas estruturas foi significativamente mais frequente nos anos escolares mais avançados (p<0,0001) (Tabela 3).

Foram encontradas correlações positivas e negativas, de fracas a boas, entre as diferentes variáveis de erros ortográficos, variáveis linguísticas e de produção narrativa (Tabela 4). Assim, observou-se correlação positiva moderada entre o número de erros ao escrever palavras e pseudopalavras (r=0,544) e de correlações negativas entre o número de erros em ditado de palavras e o total de ocorrência de eventos de macroestrutura geral (r=-0,228) e de macroestrutura essencial (r=-0,210), e entre os erros de pseudopalavras e o total de verbos (r=0,257), de enunciados completos (r=-0,179) e o total de palavras (r=-0,183).

Quanto às variáveis linguísticas, observou-se a presença de correlações positivas, de fracas a boas entre o número total de palavras e as frequências de substantivos (r=0,654), verbos (r=0,156), verbos no pretérito (r=0,766), locuções adverbiais (r=0,365), adjetivos (r=0,173), então (r=0,231), quando (r=0,355) e as frequências de enunciados completos (r=0,882). O número total de substantivos apresentou correlação positiva com verbos no pretérito (r=0,522), locuções adverbiais (r=0,188), adjetivos (r=0,197), enunciados completos (r=0,567), então (r=0,156) e quando (r=0,328).

O número total de verbos correlacionou-se negativamente com verbos no pretérito (r=-0,375), e positivamente com o marcador temporal quando (r=0,211), o número de enunciados completos (r=0,238) e incompletos (r=0,236). O número total de verbos no passado apresentou correlações positivas com o número de locuções adverbiais (r=0,311), de marcadores temporais então (r=0,250) e quando (r=0,293), e de enunciados completos (r=0,785). As locuções adverbiais correlacionaram-se positivamente com o número de aparecimentos do marcador temporal – quando (r=0,182) e dos enunciados completos (r=0,313). Os marcadores temporais quando e então apresentaram correlação positiva com o número de enunciados completos. (r=0,430 e r=0,158, respectivamente).

Também foram encontradas correlações positivas na análise entre as diferentes estruturas identificadas nos textos produzidos. Encontrou-se correlação fraca entre a ocorrência de eventos de microestruturas e de macroestruturas essenciais (r=0,309), e boa entre macroestrutura geral e macroestrutura essencial (r=0,728).Finalmente, encontraram-se correlações: positivas de fracas a moderadas entre o número de eventos de microestrutura e o número total de palavras, (r=0,452), o de substantivos (r=0,415), o de verbos no pretérito (r=0,461), o de locução adverbial (r=0,272), e o de enunciados completos (r=0,417) e correlação negativa com o número de enunciados incompletos (r=-0,256); positivas de fracas a moderadas entre o número de eventos de macroestrutura geral e o número total de palavras, (r=0,405), o de substantivos (r=0,314), o de verbos no pretérito (r=0,370), o do marcador temporal quando (r=0,213) e o de enunciados completos (r=0,469); positivas de fracas a moderadas entre o número de eventos de macroestrutura essencial e o número total de palavras, (r=0,446), o de substantivos (r=0,338), o de verbos no pretérito (r=0,411), o de locução adverbial (r=0,170), o do marcador temporal quando (r=0,238) e o de enunciados completos (r=0,500) e correlação negativa com o número do marcador temporal depois (r=-0,161) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Escolares da rede pública apresentaram maior número de erros ortográficos que escolares da rede particular. Estes achados mostram que a rede de ensino interferiu no desempenho acadêmico quanto à competência em ortografia, apesar da tentativa de obtenção de uma amostra homogênea, na medida em que todas as crianças foram indicadas por seus professores por apresentarem bom desempenho acadêmico. Estes resultados também corroboram a maioria das pesquisas brasileiras, que ao compararem a escrita de escolares do Ensino Fundamental também encontraram pior desempenho dos pertencentes à rede pública, mesmo sem queixas de aprendizado(7,9,11,18,22,23).

Sabe-se que a escrita ortográfica se desenvolve ao longo da escolarização o que explica, primeiramente, a presença de erros na escrita dos escolares considerados de bom desempenho. Depois, explica a diferença de desempenho do 4º ano com maior número de palavras erradas que os demais anos escolares, independentemente da rede de ensino(7,9,11,18,20). Estes dados reafirmam que a rede de ensino e a escolarização exercem influência na competência ortográfica e textual dos escolares, favorecendo a produção de textos mais coesos, coerentes e influenciando a qualidade do material escrito produzido(24) . As experiências sociais e de interações que o indivíduo estabelece com textos escritos também podem influenciar e auxiliar nas múltiplas formas de representar o conhecimento(7,9,11,22,25-27).

Para o estudo das competências linguísticas, também foram comparados os desempenhos segundo a rede de ensino e o ano escolar. Os resultados da análise de variância desses desempenhos, avaliados segundo as variações linguísticas (substantivos, verbos, verbos no pretérito, locuções adverbiais, adjetivos, marcadores temporais - antes, depois, então - e número de palavras), não mostram diferenças para os efeitos rede de ensino e ano escolar e para a interação entre eles. Entretanto, a frequência de aparecimento do marcador temporal "quando" apresentou diferença quando se investigou o efeito ano escolar, sendo semelhante nas redações dos escolares dos 4ºs e 6ºs, porém mais frequente nas redações de alunos dos 5ºs e 7ºs anos.

Por outro lado, no estudo da ocorrência dos enunciados completos e incompletos nas produções textuais, quando se analisou o efeito da escolarização sobre as produções escritas, foi possível observar que o 4º ano apresentou maior número de enunciados incompletos (ainda que os valores de média de ocorrência tenham sido baixos), quando comparados os anos escolares. Não foram encontrados na literatura estudos que tenham utilizado o parâmetro "número de enunciados completos e incompletos" na análise de produções escritas. Na literatura(19) pesquisadores compararam crianças com e sem alterações do desenvolvimento da linguagem. As estruturas narrativas orais e escritas apresentaram-se semelhantes quanto ao número total de enunciados completos e incompletos apresentados pelos grupos estudados.

Quanto à frequência de ocorrência de microestruturas nas produções textuais observou-se, na comparação entre as redes de ensino, menor número de citações de microestrutura nas redações da rede pública. O mesmo resultado foi encontrado na análise da frequência de macroestruturas gerais, com melhor desempenho geral dos escolares da rede particular. Estes achados são semelhantes aos observados durante a escrita de palavras e pseudopalavras, reforçando o melhor desempenho de alunos da rede particular nas tarefas de escrita, tanto à análise ortográfica quanto de produção textual. Pode-se, novamente, sugerir que, além da variável rede de ensino, fatores sócio-culturais possam ter influenciado as diferenças de desempenho(26,28).

Não foram encontradas diferenças quanto à ocorrência das macroestruturas consideradas essenciais ao serem comparadas as redações das duas redes de ensino. O estudo realizado quanto ao ano escolar mostrou semelhança entre os desempenhos dos 4ºs e 5ºs anos, e entre os 6ºs e 7ºs anos, sendo que a ocorrência de macroestruturas essenciais foi superior nos anos escolares mais avançados. De fato, a literatura indica que há progressão na escrita de histórias com o aumento da escolaridade, ou seja, a capacidade de elaboração textual escrita recebe positiva influência da escolarização formal e sistemática(26,29).

Houve correlação positiva entre as variáveis linguísticas e o número total de palavras. Os resultados demonstraram que quanto maior o número total de palavras utilizadas na produção textual, maiores as possibilidades de aparecimento das diferentes variáveis linguísticas estudadas.

Por outro lado, a análise demonstrou que a dificuldade em internalizar regras ortográficas pode prejudicar a produção textual. Tal prejuízo foi observado por meio das correlações entre a capacidade ortográfica e as variáveis linguísticas. A investigação das possíveis correlações entre o número total de erros em palavras e pseudopalavras e o número total de eventos descritos na produção textual mostrou a presença de correlação negativa, ainda que fraca, entre o número de palavras erradas (escritas sob ditado) e o total de eventos de macroestrutura geral e essencial na produção textual. Quanto maior o número de erros ortográficos, ou pior o desempenho na escrita de palavras, menor foi o número de eventos citados nas redações. Esses resultados confirmam relatos da literatura(2,11) e indicam que as dificuldades ortográficas realmente podem interferir, negativamente, na elaboração textual produtiva e eficiente.

Também foi possível observar que o uso de verbos no passado, sendo eles marcadores de estruturas narrativas(30), eliciou maior número de marcadores temporais (então e quando) também importantes na estrutura textual proposta e consequentemente, de enunciados completos. A análise de correlações de variáveis linguísticas com as demais mostrou que quanto mais frequente a ocorrência de qualquer das variáveis linguísticas estudadas, maior o número de eventos escritos.

Os dados analisados levam a concluir que durante a elaboração de um texto, as citações dos eventos exercem influência entre si. À medida que os componentes de macroestruturas gerais aparecem, os eventos de macroestrutura essencial também se tornam evidentes. A análise estatística possibilitou observar que a qualidade, analisada pela completude de componentes estruturais da produção textual, observada por meio da identificação dos eventos citados, foi naturalmente influenciada pela competência linguística.

Não obstante estas análises caracterizarem a escrita de escolares considerados, por seus professores, como de bom desempenho acadêmico, é necessário levar em consideração limitações inerentes e determinadas pela não aleatoriedade da seleção da amostra, pelo pequeno número de escolares que a compuseram e pelo período letivo da coleta de dados. A proximidade regional das escolas escolhidas também deve ser considerada na apreciação dos dados, que apesar desses apontamentos, mostraram-se significativos e concordantes com a literatura.

CONCLUSÃO

Quando se analisaram os resultados considerando-se a progressão da escolaridade foi possível observar que esta se correlaciona positivamente com o desempenho de ambas as redes de ensino, tanto nas tarefas de escrita ortográfica quanto na produção textual. Ou seja, quanto mais avançado o ano escolar, mais correta a escrita ortográfica e melhor a produção narrativa com aumento progressivo da frequência de aparecimento da macroestrutura essencial, nos textos escritos. Entretanto, os escolares de rede particular apresentam melhor desempenho ortográfico que os da rede pública e mostram melhor competência para produzir texto narrativo quando se considera a quantidade de eventos citados em micro e macroestruturas. Este estudo mostrou que as capacidades ortográficas influenciam a qualidade da produção textual, pois quanto pior o desempenho na escrita de palavras, pior foi a produção textual. As correlações evidenciadas entre as diferentes habilidades de escrita analisadas confirmam a hipótese de que essas habilidades influenciam-se mutuamente na produção escrita.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio concedido para realização dessa pesquisa, sob processo número 2007/53746-9.

Recebido em: 7/7/2010

Aceito em: 28/12/2010

Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Programa de Pós-graduação em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana Campo Fonoaudiológico, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.

  • 1. Paula GR, Mota HB, Keske-Soares M. A terapia em consciência fonológica no processo de alfabetização. Pró-Fono. 2005;17(2):175-84.
  • 2. Gregg N, Mather N. School is fun at recess: informal analyses of written language for students with learning disabilities. J Learn Disabil. 2002;35(1):7-22.
  • 3. Salles JF, Parente MAMAP. Heterogeneidade nas estratégias de leitura/escrita em crianças com dificuldades de leitura e escrita. Psico (Porto Alegre). 2006;37(1):83-90.
  • 4. Maluf MR, Zanella MS, Molina Pagnez KS. Habilidades metalinguísticas e linguagem escrita nas pesquisas brasileiras. Biol Psicol. 2006;56(124):67-92.
  • 5. Gindri G, Keske-Soares M, Mota HB. Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita. Pró-Fono. 2007;19(3):313-22.
  • 6. Rego LL, Buarque LL. Consciência sintática, consciência fonológica e aquisição de regras ortográficas. Psicol Reflex Crit. 1997;10(2):199-217.
  • 7. Meireles ESM, Correa J. Regras contextuais e morfossintáticas na aquisição da ortografia da língua portuguesa por criança. Psicol Teor Pesqui. 2005;21(1):77-84.
  • 8. Meireles E, Correa J. A relação da tarefa de erro intencional com o desempenho ortográfico da criança considerados os aspectos morfossintáticos e contextuais da língua portuguesa. Estud Psicol. 2006;11(1):35-43.
  • 9. Queiroga BA, Lins MB, Pereira MA. Conhecimento morfossintático e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psicol Teor Pesqui. 2006;22(1):95-9.
  • 10. Curvelo CS, Meirele ES, Correa J. O conhecimento ortográfico da criança no jogo da forca. Psicol Reflex Crit. 1998;11(3, nº esp):467-80.
  • 11. Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto Alegre: Artmed; 1998.
  • 12. Olinghouse NG. Student-and instruction-level predictors of narrative writing in third-grade students. Read Writ. 2008;21(1/2):3-26.
  • 13. Scliar-Cabral L. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto; 2003.
  • 14. Costa MC. Desempenho de escolares na leitura de itens segmentados e inteiros em diferentes tempos de exposição [monografia]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2002.
  • 15. Ramos CS. Avaliação da leitura em escolares com indicação de dificuldades de leitura e escrita [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2005.
  • 16. Furnari E. Esconde-esconde. 4a ed. São Paulo: Ática; 1988. A pedra no caminho; p. 14-5.
  • 17. Veneziano E, Hudelot C. Projet Cognitif "Le feutre vert" Module "Compréhénsion". Paris; 2002. Mac-Kay APMG. Trad. e adaptação ao português ("A canetinha hidrográfica verde"). São Paulo: Mimeo; 2004.
  • 18. Guimarães SR. Dificuldades no desenvolvimento da lectoescrita: o papel das habilidades metalinguísticas. PsicoI Teor Pesqui. 2003;19(1):33-45.
  • 19. Miilher LP, Ávila CR. Variáveis linguísticas e de narrativas no distúrbio de linguagem oral e escrita. Pró-Fono. 2006;18(2):177-88.
  • 20. Melo LE. Compreensão e produção na criança. São Paulo: Associação Editorial Humanitas; 2005. Quadro teórico; p. 19-29.
  • 21. Kintsch W, Van Dijk TA. Toward a model of text comprehension and production. Psychol Rev. 1978;85(5):363-94.
  • 22. Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. A norma ortográfica do português: o que o aluno pode compreender? São Paulo: Ática; 1998. O que ele precisa memorizar?; p. 27-49.
  • 23. Joly MC, Barros DP, Marini JA. Dificuldades ortográficas na escrita no ensino fundamental. Interação Psicol. 2009;13(2):275-85.
  • 24. Pessoa AP, Correa J, Spinillo A. Contexto de produção e o estabelecimento da coerência na escrita de histórias por crianças. Psicol Reflex Crít. 2010;23(2):253-60.
  • 25. Costa ER, Boruchovitch E. As Estratégias de Aprendizagem e a Produção de Textos Narrativos. Psicol RefleX Crít. 2009;22(2):173-80.
  • 26. Gonçalves F, Dias MG. Coerência textual: um estudo com jovens e adultos. Psicol Reflex Crit. 2003;16(1):29-40.
  • 27. Capellini SA, Cavalheiro LG. Avaliação do nível e da velocidade de leitura em escolares com e sem dificuldade na leitura. Temas Desenvolv. 2000;9(51):5-12.
  • 28. Leitão S, Almeida EG. A produção de contra-argumentos na escrita infantil. Psicol Reflex Crit. 2000;13(3):351-61.
  • 29. Puranik CS, Lombardino LJ, Altmann LJ. Assessing the microstructure of written language using a retelling paradigm. Am J Speech Lang Pathol. 2008;17(2):107-20.
  • 30. Oetting JB, Horohov JE. Past-tense marking by children with and without specific language impairment. J Speech Lang Hear Res. 1997;40(1):62-74.
  • Endereço para correspondência:
    Juliana Faleiros Paolucci Bigarelli
    Tv. Timbó, 1890/811, Marco, Belém (PA), Brasil, CEP: 66087-128.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      28 Dez 2010
    • Recebido
      07 Jul 2010
    Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Alameda Jaú, 684, 7ºandar, 01420-001 São Paulo/SP Brasil, Tel/Fax: (55 11) 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jornal@sbfa.org.br