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A AFETO-EMOTIVIDADE EM SIMONDON E O CONCEITO DE DESEJO

RESUMO

O conceito de desejo é raro na obra de Simondon. Stiegler baseia nessa falta sua crítica ao filósofo, causa de seu caráter “apolítico”. Mas todas as categorias com que está associado o desejo estão presentes: a noção de incompletude (neotenia), o impulso para objetos exteriores (tropismo), a relação necessária entre corpo e coletivo. Este artigo explora as conexões entre o conceito de subconsciente afetivo-emotivo em Simondon e a concepção do desejo como produtor de seus objetos. Essas conexões permitem questionar a inserção de Simondon na filosofia de seu tempo e, pela releitura da crítica de Stiegler, esboçar as diretrizes da reflexão política apoiada em Simondon.

Palavras-chave
Desejo; afeto; emoção; neotenia; tropismo; corpo

ABSTRACT

Simondon seldom mentions desire. Stiegler criticizes him for that, arguing it renders his thought “apolitical”. Yet, every category to which desire is associated can be found in Simondon: a notion of incompleteness (neoteny), the impulse towards exterior objects (tropism), the relation between body and collective. This paper explores the links between Simondon's affective-emotive subconscious and the concept of desire, conceived as producer of its objects. These connections help to question Simondon's link to other philosophers of his day, by means of a reading of Stiegler's critique, which helps to sketch the outlines of a political reflection based on Simondon.

Keywords
Desire; affect; emotion; neoteny; tropism; body

Este artigo investiga o conceito de afeto-emotividade, também designada camada afetivo-emotiva ou subconsciente afetivo-emotivo, na obra de Gilbert Simondon. A investigação visa situar essa noção em relação ao conceito de desejo, de particular importância na filosofia francesa contemporânea, notadamente em Deleuze, Guattari, Lyotard e Stiegler. Este último é autor de uma crítica a Simondon, dirigida à ausência do desejo em sua psicologia e sua filosofia da existência social e técnica. Trata-se de uma crítica relevante, sobre a qual concentraremos uma parcela importante deste artigo, por dois motivos. Primeiramente, para Stiegler (2006)STIEGLER, B. “La technique et le temps, 1: La Faute d’Épiméthée”. Paris: Galilée, 1994., esta ausência resulta numa filosofia “apolítica”, incapaz de incorporar o conflito, lançando assim a questão de como se pode pensar o político a partir de Simondon. Em seguida, porque abre a interrogação do estatuto do desejo no interior de uma filosofia em que o corpo e a atividade têm papel preponderante.

De fato, Simondon não se expressa em termos de desejo. Sua teoria da afetivo-emotividade, porém, introduz no pensamento do vivente um espaço tensionado em que formas são engendradas por meio de relações energéticas e comunicação interna. Este espaço é constituído de uma miríade de dobras internas (denominadas bordas, membranas, camadas) e oscila entre afetividade e emoção, determinando a temporalidade interna ao vivente e operando como eixo central da tríade da vida, entre percepção e ação. A afetivo-emotividade designa o caráter modulador da vida animal, atuando na formação do sentido percebido e na determinação da atividade. É, portanto, o cerne da existência psíquica. Assim, o papel da afetivo-emotividade em Simondon é semelhante ao do desejo criador em filosofias que buscam inspiração em Spinoza, opondo-se à tradição do desejo como falta, que sobrevive em autores como Girard (1974)GIRARD, R. “La Violence et le Sacré”. Paris: Grasset, 1974.. Para Spinoza, o desejo é o afeto axial na economia da potência de afetar e ser afetado, na essência do humano como esforço para permanecer no ser. O papel ativo do desejo explica também como a psicologia de Simondon dialoga com a tradição psicanalítica, com a qual o filósofo mantém sempre uma distância, sem, no entanto, romper. A afeto-emotividade figura na filosofia de Simondon como instância que absorve, modula e dá forma às tensões do meio, o que inclui conflitos de ordem política. As reflexões de Simondon sobre o social e sua filosofia da técnica são pensamentos do afetivo-emotivo, assim como as filosofias de seus contemporâneos são pensamentos do desejo. Assim, a sugestão de interrogar atividades de ordem política por meio da filosofia de Simondon está presente e, como veremos, foi adotada por autores atuais, como Paolo Virno (2001)VIRNO, P. “Multitude et Principe d'Individuation”. Multitudes, Paris, Vol. 7, 2001, pp. 103-117. , Andrea Bardin (2015)BARDIN, A. “Epistemology and Political Philosophy in Gilbert Simondon: Individuation, Technics, Social Systems”. Dordrecht: Springer, 2015. e o próprio Stiegler (1994)STIEGLER, B. “La technique et le temps, 1: La Faute d’Épiméthée”. Paris: Galilée, 1994..

Se a afetivo-emotividade vincula a atividade à percepção, e ambas ao corpo, a abertura de sua operação liga essa camada ao coletivo, ultrapassando o vivente individual e participando de sua individuação como indivíduo de grupo. Embora a afetivo-emotividade, marca da individuação psíquica, pertença a um ser “incompleto” (inachevé), essa incompletude torna esse ser inventivo; a inventividade dá-se na afeto-emoção, que concentra os tropismos múltiplos do corpo psíquico. A afetivo-emotividade é criadora e a incompletude não é imperfeição, mas neotenia, disponibilidade para ultrapassar-se, para individuações no coletivo, no regime de individuação que Simondon denomina transindividual. Com efeito, Simondon chega a afirmar que a vida psíquica não é mais que o espaço transitório entre o regime biológico e o transindividual, a individuação de grupo.

Simondon insere-se entre os filósofos que pensam o psíquico a partir do corpo, o que torna a ausência da reflexão sobre o desejo intrigante. Pode-se pensar o coletivo a partir de corpos sem desejo? O vocabulário de Simondon é incomum; se, como buscamos demonstrar, a ausência do desejo se compensa com a afeto-emotividade, a razão está no modo particular como o psiquismo marca a distinção entre dois regimes de individuação, biológico e transindividual. A individuação em Simondon é uma filosofia das relações; a identidade é caso extremo de relação, de modo que o problema da afetivo emotividade é o problema da distinção entre os modos de relação implicados pelo regime biológico (vital) e os implicados pelo regime transindividual (psicossocial). Ao indivíduo corresponde um meio associado, ambos sendo desdobramento da natureza pré-individual. O regime biológico implica uma individualidade que é relação com o meio (tropismo). Já o transindividual diz respeito à subjetividade que tem por meio um mundo complexo, povoado de imagens e objetos. O psiquismo é “via transitória” porque abre o corpo biológico a um novo campo de relações, que não apenas nunca são individuais, mas também só proporcionam individuações no indivíduo na medida em que ele se preenche de significações pertinentes ao coletivo.

O problema abordado neste artigo se situa na transição de regime. A relação em que o corpo se insere é tratada segundo o modo como Simondon apreende o eixo perceptivo-motor, na tríade de percepção, ação e afetividade. Mas a afetividade também se desloca no psicossocial. Introduz-se o quarto termo, a emoção, rompendo a forma triádica da estrutura: Simondon fala em camada afetivo-emotiva, ou subconsciente afetivo-emotivo, expressando o caráter fronteiriço e relacional desse eixo. O sentido do tropismo é ampliado pela abertura do elemento central no eixo triádico, multiplicando as tensões e as possibilidades da percepção e da ação. Com o novo modo de relações se dá a abertura à exterioridade característica do vivente psíquico, que carrega a vocação ao coletivo e introduz o transindividual. Pela abertura, o vivente é criador de seu mundo. Para compreender a passagem da afetividade do corpo reagindo ao meio à afetivo-emotividade do corpo com psiquismo, atuando na constituição de seu mundo, veremos que a operação da afeto-emotividade engendra objetos carregados de desejo, polarizados, determinados pela significação.

Compreendendo o vínculo entre corpo, psiquismo e afeto-emotividade, será possível perguntar pelo lugar do desejo na filosofia de Simondon e, em seguida, como essa obra abre espaço para uma reflexão política.

1. Percepção, afetividade, ação

Esta seção visa introduzir dois termos que Simondon explora e amplia na passagem do vital ao transindividual: o tropismo e a neotenia. Esses conceitos operam na estrutura triádica com que Simondon pensa a individuação vital: percepção-afetividade-ação. De fato, Simondon assinala uma dificuldade que torna o problema da individuação vital mais complexo do que o da física: o vivente tem individualidade menos definível. Diferentes níveis de estruturação do organismo são vinculados a diferentes níveis de organização do coletivo: espécie, colônia, sociedade (ILFI, p. 158).1 1 As referências à tese principal de Simondon, “L'Individuation à la Lumière des Notions de Forme et d'Information” (2005), empregarão a sigla ILFI, amplamente utilizada em estudos sobre o filósofo. O vivente, menos completo em si, é também menos encerrado em seu corpo; por isso, já implica a abertura ao coletivo, que dificulta isolar a individualidade. Mas a dissolução do pleno indivíduo é determinante para que a vida seja individuação continuada. A incompletude, associada na tradição ao desejo do humano, em Simondon é determinante para a potência de inventar da vida como um todo. A individuação continuada expressa-se na afetividade. As transformações da afetividade são o fio condutor entre a constituição do vital no físico e do psicossocial como prolongamento do vital. A afetividade faz do vivente o teatro de individuações, indivíduo efetivamente vivo, que incorpora a duração, e que não existe só nas franjas de sua individuação, como ocorre com o indivíduo físico, cujo paradigma é o cristal, oriundo do processo de cristalização (ILFI, p. 161):

O caráter transdutivo heterogêneo só aparece em física nas margens dessa realidade; ao contrário, a interioridade e a exterioridade estão por todo lado no ser vivo; o sistema nervoso e o meio interior garantem que a interioridade, em cada ponto, esteja em contato com uma exterioridade relativa.

Na cristalização, Simondon refere-se a franjas: o indivíduo físico toma forma com a energia que o atravessa, deixando atrás estruturas fixas, que do ponto de vista relacional são como resíduos. Na vida, não há senão franjas; o vivente é feito de membranas, camadas sobrepostas, relações internas e externas.2 2 Basta pensar nos pulmões, imensa pele dobrada sobre si mesma, multiplicando contatos com o ar atmosférico. A afetividade explicita a permanência de tensões que, na individuação física, se esgotam. O vivo multiplica relações com o meio e a constituição de potenciais. Assim, a afetividade designa, no vivente, a heterogeneidade da natureza pré-individual. O organismo é repositório de potenciais e sua individualidade consiste em ser atravessado pelo meio. A afetividade expressase nas atividades do vivente; a individuação vital, ininterrupta, é um modo de relacionar-se com o exterior, percebendo e agindo, que se estende pelas superfícies do vivente: o vivente é, pois, todo superfície (membrana, camada, franja). Como diz Petit (2009)PETIT, V. “L'individuation du vivant. Sur une intuition simondonienne restée ignorée”. Cahiers Simondon, Paris, Vol. 1, 2009, pp. 47-75. , o ser vivo é relação, não no sentido do sistema em relação com o meio, mas como modo de relações que incluem o meio: se há sistema, é aquele formado pela soma entre o indivíduo e o meio; o que caracteriza a individualidade na vida é o par interioridade/exterioridade, em relação por meio das inúmeras membranas do indivíduo. A afetividade consiste em operar no corpo a integração das relações, em consonância com as diferenciações internas: “a base da unidade e da identidade afetiva se encontra na polaridade afetiva graças à qual há relação do um e do múltiplo” (ILFI, p. 162). Do prazer e a dor às qualidades sensíveis, e daí à expressão de estados internos, opera a polaridade afetiva, marca do heterogêneo no vivo. Apercepção constitui formas pela relação com a afetividade, implicando a modificação tanto no vivente quanto no meio e nas relações energéticas entre um e outro. A percepção não é captura da forma presente no meio; é “solução de conflito”, “descoberta de compatibilidade” e “invenção de forma” (ILFI, p. 235). Para Scott (2014)SCOTT, D. “Gilbert Simondon's Psychic and Collective Individuation”. Edinburgh U. P., 2014. , as controvérsias de Simondon com escolas psicológicas como o associacionismo e a Gestalt visam libertar a noção de forma da rigidez em que recai ao ser tratada segundo a perfeição e a completude desejáveis; o problema perceptivo vincula-se à afetividade porque as formas que mais ressoam no sujeito não são as mais perfeitas, como as geométricas, mas aquelas ligadas a problemas da ação dos corpos. “A intensidade de informação supõe um sujeito orientado por um dinamismo vital: a informação é o que lhe permite situar-se no mundo” (ILFI, p. 242). Isto não implica que o sujeito, como indivíduo, precede o encontro com a informação: a afetividade é a abertura para individuar-se do vivente. Ao dinamismo vital sucede a situação no mundo, modo de relação que se constitui no movimento da afetividade, pela percepção. Não só se verifica a inseparabilidade da individuação biológica do corpo entendido fisiologicamente com a individuação psicossocial, também fica evidente que relações coletivas estruturadas agem necessariamente no corpo, ainda que se apresentem como abstratas ou puramente conceituais.

O polo oposto da relação triádica, a ação, é abordado por meio da crítica à noção de adaptação em biologia. Simondon julga que a abordagem biológica da adaptação toma o indivíduo e o meio como dados. A ação do ser vivo, porém, demanda uma compreensão mais dinâmica dos processos adaptativos, pois (ILFI, p. 211):

A ação não é só modificação topológica do meio; ela muda a própria trama do sujeito e dos objetos [...]; não se altera só a repartição topológica abstrata de objetos e forças; [...] as incompatibilidades são superadas e integradas graças à descoberta da nova dimensão; o mundo antes da ação não é só um mundo em que há uma barreira entre o sujeito e seu objetivo; é sobretudo um mundo que não coincide consigo mesmo, pois não pode ser visto de um único ponto de vista.

Há obstáculo para o vivente pois ele se situa na relação com o meio. A relação é transdutiva: cada incompatibilidade expressa um potencial que pode ser recomposto em novas estruturas, por meio de individuações operadas nas membranas do vivente. O indivíduo está sempre envolvido em polaridades, diferenciais energéticos que clamam por resolução como esquema corporal, símbolo ou imagem. A distribuição topológica da dinâmica afetiva é o espaço em que surgem soluções para os diferenciais, “integrando diversos pontos de vista possíveis em unidade sistemática, resultado de amplificação” (ILFI, p. 211). A ação completa o ciclo pelo qual a individuação vital se reitera; um patamar serve de ponto de partida ao seguinte, integrando o corpo ao meio, como sistema completo.

A multiplicidade perceptiva não contém um princípio de unidade e objetividade, senão a que lhe introduz a afetividade. É uma “nova condição, que se torna dimensão” (ILFI, p. 212): a ação. Simondon afirma que a ação “integra os mundos perceptivos díspares numa perspectiva que torna correlativos o meio e o ser vivo, de acordo com o devir do ser no meio e do meio em torno do ser” (idem). Só há meio se o arco entre percepção e ação existe para o vivente: é um meio associado, constitutivo da realidade relacional do ser que inclui o indivíduo, e não mero ambiente. O indivíduo que percebe é o mesmo que age, pois os problemas que a ação resolve com esquemas corporais são problemas da percepção. Os problemas da percepção e da ação não podem ser abordados de forma separada, sob risco de obliterar o “centro obscuro”: pela afetividade, heterogeneidade constitutiva e polarizada, o vivente deve perceber, receber a carga de informação do meio associado, que é sua abertura à diferenciação (múltiplo), com a qual poderá individuar-se, e em seguida agir no mundo, integrando (unificando) em sua realidade elementos externos.

1.1 Neotenia e tropismo

Um ponto importante da argumentação de Simondon é a extensão da noção de neotenia à vida como um todo.3 3 O termo “neotenia” foi cunhado por J. Kollmann para designar a permanência, no adulto, de estruturas juvenis das espécies de que evoluiu. L. Bolk estendeu o conceito ao humano, dizendo que o feto desacelera o desenvolvimento do primata, deixando marcas no adulto. Para uma investigação detalhada da neotenia em Simondon, cf. Morizot (2011). Barthélémy (2011)______. “Quel Mode d'Unité pour l'Oeuvre de Simondon?” Cahiers Simondon, Paris, Nr. 3, 2011. identifica na individuação vital e psicossocial de Simondon uma “neotenização generalizada”. Considerar a vida em seu caráter neotênico consiste em sublinhar a incompletude, não como falta, mas afirmação do indivíduo no exercício da relação transdutiva com o meio. O indivíduo constitui-se como tal nessa relação, o meio associado sendo indissociável dele. A evolução de todo ser vivo é a evolução de suas relações com o meio; a complexificação das formas de vida é contemporânea da complexificação do mundo, pois são os extremos do processo cujo centro é a complexificação das relações entre indivíduo e mundo. Assim (ILFI, pp. 152-153),

indivíduos cada vez mais complexos e cada vez mais incompletos [inachevés], menos estáveis e autossuficientes, necessitam, como meio associado, de camadas de indivíduos mais completos e estáveis. Os vivos precisam, para viver, de indivíduos físico-químicos; animais precisam de vegetais, que são para eles, no sentido próprio, Natureza, como, para vegetais, os compostos químicos.

Nesta passagem, vale ressaltar o terceiro elemento no jogo entre neotenia e complexificação: os “indivíduos mais completos e estáveis”. A necessidade de se relacionar com tais indivíduos se apresenta em etapas, que atravessam patamares e acompanham a complexificação dos indivíduos. A primeira passagem é a do psiquismo, em que se vai da relação com compostos físicoquímicos à relação com outros viventes. Mais tarde, aparecerá também na sociologia de grupos e no “ciclo da imagem” (objeto do curso de Simondon em 1965-1966) e, por fim, na técnica como produção de objetos individuados. Todos esses momentos são etapas da vida neotênica, pois são ampliações da incompletude e, portanto, da abertura a relações. As relações envolvem a presença de novas formas individuadas, dos gestos e imagens a outros indivíduos, objetos técnicos e instituições.

Se a relação com a exterioridade resume o sentido da afetividade, o modo paradigmático é o tropismo do vegetal, que se modifica segundo a luz solar e os nutrientes da terra. Resulta da afetividade o fato de o vegetal receber a influência do sol (percepção) e reagir a ela (ação). A noção de tropismo em Simondon abarca toda inclinação do vivente que engaje o eixo da percepção à ação. O tropismo é análogo à cristalização, por ser reticular e transdutivo. No heliotropismo, a direção tomada no momento anterior é ponto de partida para o próximo direcionamento; é um passado que se cristaliza em estrutura. O vegetal parte do estado estrutural presente para buscar a fonte de luz novamente. O tropismo é a instância mais simples da afetividade e o “teatro de individuações” da vida é reiteração da afetividade, internalização das individuações, a busca do que, externamente, se compatibiliza com o organismo, alimentando-o, reproduzindo-se com ele, incitando a fuga. A afetividade é sempre tropismo, cristalização do vivo: a renovada necessidade de ser afetado e afetar.

A individualização4 4 Simondon distingue a individualização da individuação para expressar a fixação de formas de atividade no psiquismo; a individualização é individuação do ser já individuado, um corpo. Ela diz respeito à formação da personalidade, à estabilização de modos de comportamento, distinguindo-se das atividades pontuais e das relações de grupo. psicossocial leva ao paroxismo a dependência de entes exteriores; mas, no transindividual, o indivíduo é problema para si próprio, ensejando a invenção de estruturas, imagens e objetos. Em que sentido o vivente é problema para si próprio? Ora, havendo psiquismo, o corpo é ele mesmo algo a levar em conta no momento da ação; é ele mesmo algo que se deixa perceber pelo indivíduo. A relação do corpo ao meio e do indivíduo à relação entre corpo e meio não coincidem imediatamente: o indivíduo deve formulá-la. Entra em ação a afeto-emoção, e com ela a produção de imagens, símbolos, objetos, que só podem ser apreendidos como modos de incorporação e engendramento de estruturas a partir das tensões perante a percepção e a ação; o vivente se polariza não apenas como indivíduo, substancialmente, mas como corpo em reiterado processo de individuação, envolvido na constante produção de formas que mantêm sua vida.

2. A afetivo-emotividade

O que faz da teoria do psiquismo em Simondon original é a introdução dessa problemática no eixo de percepção, afetividade e ação. A afetividade não tem o mesmo poder de estabilizar o indivíduo, abrindo o componente central da tríade, que se constitui em afeto-emoção, sobreposta ao eixo estrutural de percepção-ação. A reconfiguração permite novos modos de receber estímulos e criar esquemas de ação, isto é, novos modos de informação, “movimento energético que demanda resoluções” (Chateau, 2008CHATEAU, J.-Y. “Le Vocabulaire de Simondon”. Paris: Ellipses, 2008.). A afeto-emoção expressa a nova escala da neotenia generalizada, pois prolonga a incompletude do corpo, cujas individuações passarão por objetos, imagens, símbolos, outros indivíduos e estruturas do meio. O indivíduo enxerga-se como parte do meio, situado nele, membro do sistema que inclui a si próprio e ao meio. Simondon referese ao psiquismo, a “via transitória” ao psicossocial, como “desaceleração da individuação” e “amplificação neotênica do estado primeiro dessa gênese” (ILFI, p. 165), e afirma que há psiquismo quando o vivente “não se concretiza completamente”, ou seja, quando se mantém metaestável na relação corpo/meio.

A não coincidência consigo do indivíduo, que o dota de intencionalidade corporal, afetiva, voltada ao arco da percepção à ação, reproduz-se internamente, ampliando a potencialidade entre campos da individuação: “o problema do indivíduo é o dos mundos perceptivos, mas o do sujeito é o da heterogeneidade entre os mundos perceptivos e o mundo afetivo, entre o indivíduo e o préindividual; o problema é do sujeito enquanto sujeito: ele é indivíduo e outra coisa, é incompatível consigo mesmo” (ILFI, p. 253). A diferença entre as noções de indivíduo e sujeito recobre a diferença entre a vida biológica e o psicossocial: o indivíduo vivo é sempre concreto; o arco entre percepção e ação se manifesta de forma indefinidamente coerente. A coerência desaparece quando o psiquismo introduz o sujeito, que “representa sua ação pelo mundo como elemento e dimensão do mundo” (idem). O meio é saturado de potenciais sem resolução, no estado de equilíbrio dinâmico que Simondon denomina metaestável, ou seja, disponível para se transformar em estruturas, formas e sentido. O indivíduo, uma vez que se afasta do imediato da relação vital por meio do psiquismo, se percebe atravessado por esses potenciais, ele é parte do sistema metaestável.

As sucessivas individuações em que se insere o indivíduo são tanto do meio quanto do sujeito; o meio é um mundo, dimensão mutável que o indivíduo habita. Daí o argumento de que o psiquismo é germe da coletividade: “estruturas e funções completas resultantes da individuação do pré-individual associado ao vivente só se estabilizam no coletivo”, diz Simondon, de modo que “a vida psíquica vai do pré-individual ao coletivo” (ILFI, pp. 166-167). O psiquismo é “via transitória” para o transindividual, não constituindo, por si só, um regime de individuação. Ele se manifesta “quando a vida, em vez de poder recobrir e resolver em unidade a dualidade da percepção e da ação, torna-se paralela a um conjunto composto pela percepção e a ação” (idem). O psiquismo representa a ruptura da estrutura triádica em que a afetividade é centro e as atividades perceptivas e ativas são extremos. Essa ruptura, sendo neotênica, dá-se como recuo, uma vez que o vivente enfrenta problemas que “não se resolvem na transdutividade simples da afetividade reguladora”. Consequentemente:

Quando a afetividade não pode mais intervir como poder de resolução, nem operar essa transdução que é uma individuação perpetuada no interior do vivente já individuado, a afetividade abandona seu papel central no vivente e se situa próxima às funções perceptivo-ativas; uma problemática perceptivo-ativa e uma problemática afetivoemocional preenchem então o vivente (ILFI, p. 165).

Em dois momentos distintos, Simondon descreve a dinâmica entre fisiológico e psíquico como paralelismo. A afetividade “desloca-se” e sobrepõese ao perceptivo-motor: a sobreposição dos eixos vitais, um mais amplo e estável (percepção-ação), outro mais estrito e metaestável (afeto-emoção), define um novo campo de individuações em que as diferenças de ritmos clamam por resoluções, como ocorre, no vital, com os problemas de integração e diferenciação da afetividade. Assim, “a diferença entre a simples vida e o psiquismo consiste em que a afetividade não exerce o mesmo papel nos dois modos de existência” (ILFI, p. 165), isto é, a afetividade no psiquismo também é um emissor de potenciais que tomam forma em sua relação com a emoção.

Morizot (2011)MORIZOT, B. “La néoténie dans la pensée de Gilbert Simondon. Ontogenèse d'une hypothèse”. Cahiers Simondon, Paris, Vol. 3, 2011, pp. 109-129. assinala que se trata de uma heterocronia, conceito da biologia que descreve diferenciais de velocidade de desenvolvimento dos órgãos da espécie; a “neotenização” implica um desenvolvimento mais lento no interior da afetividade, um modo de “continuar na metaestabilidade” (Morizot, 2011SARTRE, J.-P. (1943). “O Ser e o Nada”. Tradução de Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1997. , p. 120), ser menos substancial, menos individuado, portanto mais aberto ao meio. A relação entre vital e psíquico não é uma emergência, mas relação “de individuação a individuação” (ILFI, p. 166), diferencial de ritmos, dilatação e “expansão precoce” (neotênica), com que o vivente “é obrigado a ultrapassar-se”. Ultrapassar-se, porém, significa voltar-se ao meio em busca de novas relações. Assim, “a problemática psíquica, recorrendo à realidade préindividual, resulta em funções e estruturas que não se completam nos limites do ser individuado vivo; se nomeamos indivíduo o organismo vivo, o psíquico resulta numa ordem de realidade transindividual [...]” (idem).

Havendo sobreposição entre os eixos de percepção/ação e afetividade/ emoção, a ordem introduzida pelo psiquismo atravessa os indivíduos, organizando-se em redes, estruturando-se para além dos corpos, em formas por vezes mais estáveis e duradouras que eles, mas encontrando seu sentido apenas segundo a relação com eles. A principal consequência do transbordamento é o vínculo inarredável entre os indivíduos do psicossocial (idem):

A realidade pré-individual associada aos organismos vivos individuados não está recortada como eles e não recebe limites comparáveis àqueles dos indivíduos vivos separados; quando essa realidade é tomada numa nova individuação convocada pelo vivente, ela conserva uma relação de participação que vincula cada ser psíquico aos demais seres psíquicos; o psíquico é transindividual nascente.

Com a associação entre o psiquismo e o nascimento do transindividual, Simondon ressalta o papel crucial do coletivo na formação das estruturas que compõem o psicossocial. Vale observar que essa formulação o afasta da herança fenomenológica, que lhe chega pela via de Merleau-Ponty. Simondon busca superar o problema do outro por caminhos que não os da intersubjetividade, como fazem Husserl com o alter ego como “universalidade do ser que é estrangeiro ao ego” (2001HUSSERL, E. “Meditações Cartesianas”. Tradução de Frank Oliveira. São Paulo: Madras, 2001. , p. 165), fundamento da “comunidade de mônadas”, e Sartre com a vergonha e a ameaça que conferem objetividade ao para-si, ao eu (Sartre, 1997, p. 276). O coletivo, em Simondon, não intervém como instância cognitiva. O fundamento da coletividade (transindividual) é emotivo (ILFI, p. 253), o que terá implicações na sua relação com o conceito de desejo:

[a] emoção implica presença do sujeito a outros sujeitos ou a um mundo que o problematiza como sujeito; ela é paralela e ligada à ação; mas assume a afetividade, é o ponto de inserção da pluralidade afetiva em unidade de significação; a emoção é a significação da afetividade, como a ação é a da percepção.

A interação de sujeitos é instância, não fundamento do transindividual. Participa do processo de diferenciação e integração, mas no eixo do psiquismo e ao ritmo do coletivo. A intersubjetividade pela via da comunidade de mônadas não pode subsistir na filosofia de Simondon, pois tem como ponto de partida a precedência lógica da consciência individual sobre a constituição do coletivo. Perde-se de vista a relação. Para Simondon, a constituição das estruturas do psiquismo é um movimento da própria relação em que se constitui o coletivo, com seus modos de conexão interindividuais ou intersubjetivos. Os termos usados para se referir aos dois movimentos, a relação constitutiva e a conexão interindividual, são distintos: o primeiro é relation, o segundo é rapport.5 5 Esta distinção causa dificuldades na tradução. Ambos os termos podem ser traduzidos como relação, mas rapport serve a Simondon para designer interações, conexões, cujos partícipes precedem a relação em si, isto é, podem ser tomados como substâncias. Dois indivíduos estão em rapport quando se encontram, dialogam, exercem papéis sociais determinados, sem serem substancialmente modificados. A relation é o modo sistemático como seus componentes se constituem correlativamente. Um grupo social, mediado por um ou vários significantes (o termo semiótico não aparece em Simondon), expressa uma relation, pois promove um modo particular de individuações; um exemplo é a hierarquia de exércitos e igrejas, cujos modos de rapport (digamos, entre oficial e praça) são determinados pela relation. O cerne do argumento está na indefinição e na infinitude do que abre ao transindividual: a natureza pré-individual que permanece no indivíduo, as tendências, potenciais sem resolução, que, no vital, cabem à afetividade. O que determina a passagem ao coletivo não está na individualidade, mas no meio, a “natureza associada” (ILFI, p. 166), que, no psiquismo, deixa de ter relação apenas com os limites do corpo físico-fisiológico. O psiquismo refere-se ao vivente que se constitui nas relações metaestáveis da natureza ainda menos determinada em que está implicado, incluindo naturezas associadas com que outros corpos se relacionam. O coletivo não é suscitado pela individualidade dos indivíduos, como substâncias. O próprio do psiquismo é a neotenia; parte substancial da determinação é engendrada através dos sujeitos, pelo coletivo, como emoção.

Simondon critica a noção psicanalítica de inconsciente por seu caráter de forma substancial, lançando em um segundo sistema o problema da individuação do sistema consciente. Nos “Ensaios de Metapsicologia”, Freud assimila a relação da consciência ao inconsciente a uma relação entre dois sistemas, o sistema da consciência sendo pré-consciente no sentido de ser disponibilidade para o ato. Para Simondon, o caráter sistemático mostra que o inconsciente está calcado no conceito da consciência, pondo-se diante dela como repositório, embora em relação energética. Simondon sugere que entre consciência e inconsciente há uma membrana, uma nova camada, que é o verdadeiro cerne da personalidade. Trata-se do subconsciente afetivo-emotivo. É (ILFI, p. 248):

[...] uma camada fundamental do inconsciente que é a capacidade de ação do sujeito: as montagens da ação não são apreendidas pela consciência clara; é sobre o que quer e não quer que o sujeito mais se engana; [...] no limite entre consciência e inconsciente está a camada da subconsciência, que é essencialmente afetividade e emotividade. Essa camada relacional é o centro da individualidade. Suas modificações são as modificações do indivíduo. [...] Elas são relação entre o contínuo e o descontínuo puro, entre a consciência e a ação. Sem a afetividade e a emotividade, a consciência parece um epifenômeno e a ação uma sequência descontínua de consequências sem premissas.

Para apreender o alcance desta passagem, vale invocar o diálogo que Simondon mantinha com Merleau-Ponty. Nas notas de trabalho deste último em 1959, encontra-se a intenção de recorrer a Simondon para fazer a crítica do inconsciente freudiano, considerado construtivista, mecanicista e personalista, necessitando também uma atualização que incorporasse avanços da biologia. Merleau-Ponty vê em Simondon as necessárias referências à biologia, com a ideia da “hereditariedade como prolongamento da ontogênese, da individuação, entendidos como processos vitais [ênfase de Merleau-Ponty], não aventuras fenotípicas - constituição da tradição, uma memória, um passado, uma história, uma ordem da ‘escolha’, não marca a criação ex nihilo” (Merleau-Ponty, 2005PETIT, V. “L'individuation du vivant. Sur une intuition simondonienne restée ignorée”. Cahiers Simondon, Paris, Vol. 1, 2009, pp. 47-75. , p. 39). Ele pretende derivar daí a ideia de que “relações do indivíduo com o inconsciente são relações com o ‘indestrutível’, i.e. não inimigo da liberdade, mas campo da liberdade”. Ele busca “a potência física de fazer ou não fazer, sim ou não”, que seria o sine qua non da liberdade, a liberdade sendo “gestão de uma herança” (idem). Simondon fornece a ideia do subconsciente como possibilidade de ação, possibilidade porque modulador, diferentemente do instinto e da programação, mas também do campo energético libidinal sobre o qual age a repressão. Não é o sistema do recalcado que, caso contrário,emergiria à consciência. É a membrana problematizadora, a um nível do indivíduo interior ao vivo, menos extenso e mais extensor, “camada relacional” que redireciona sensações e afetos, em estruturas de sentido e ação. Merleau-Ponty vê em Simondon um plano de liberdade, mas a liberdade expressa a descontinuidade do indeterminado, operando ao inventar comportamentos. Tal noção de liberdade é calcada na criação; em Simondon, o que se cria é compatibilidade, estabelecendo formas e relações. Esta é a problemática que conduz ao desejo.

3. Invenção e desejo

O subconsciente afetivo-emotivo, distinto do inconsciente freudiano por não constituir sistema e expressar o caráter metaestável da vida psíquica, participa da linhagem em que se insere o pensamento de Freud: aquela que afirma a potência criativa do desejo. Essa linhagem remete a Spinoza, prolongando-se na vontade nietzcheana e em autores como Deleuze, Lyotard e Lacan. Esta abordagem do desejo se opõe à tradicional afirmação do conceito como expressão da ausência do objeto, o desiderare de quem se deixa dominar pelas paixões, em que o objeto determina o desejo manifesto, ou seja, uma determinação “de fora para dentro”.6 6 O problema do desejo em filosofia é tão antigo quanto a própria disciplina e não é o caso de reconstituí-lo neste espaço. Vale dizer, porém, que os principais traços da reflexão sobre o desejo já se encontram em Platão, sobretudo o “Banquete”. Neste diálogo, Platão introduz a perspectiva do desejo como voltado ao que não se tem (199d-201a), fundadora de vasta tradição: só pode ser desejado o bom e o belo, mas o próprio desejo (eros) é belo, de modo que expressa a incompletude do mortal que busca no objeto a recomposição da forma plena, como no mito dos andróginos; e a incompletude do mortal que busca a eternidade pela reprodução, contemplando o belo e conhecendo as formas, conforme a narrativa de Diotima. Nela, o conhecimento é direcionamento do desejo a sua efetivação mais perfeita, acesso à imortalidade (Alquié, 2014). Ecos contemporâneos dessa concepção se encontram na teoria mimética de René Girard (1974), que pensa o divino pelo sacrifício, ato pelo qual uma humanidade que preenche seu desejo com o desejo dos demais expurga a violência da captura do outro. Reconhecendo-se faltoso, o humano incompleto busca no semelhante seu complemento de ser; o desejo de ser se espelha no desejo do outro, torna-se imitação do desejo do outro. Isto não significa que o eixo afetivoemotivo seja a expressão do desejo, nem que Simondon pertença ao espinosismo francês. O que transparece é que ele constrói a economia energética do vital/ psíquico, como observou Merleau-Ponty, definindo funções operativas que traduzem para a linguagem ontogenética aquilo que, na tradição da tipologia afetiva espinosana, recai na categoria do desejo. Com efeito, veremos como, em certas passagens, a explicação de Simondon assemelha-se a uma paráfrase de Spinoza.

A mudança de perspectiva na tradição spinozista consiste em atribuir papel preponderante na análise do humano, seus afetos e ações, sua ética e política, ao desejo. O conceito de desejo passa de condicionado pelo objeto (desejo de, desiderium) a criador, gerador dos objetos; a manifestação do desejo dá-se “de dentro para fora”, de modo que, diz Spinoza, um objeto é julgado bom porque é desejado, não é desejado por ser bom. É conhecida a fórmula em que o apetite é “a própria essência do homem”, sendo o desejo (cupiditas) “o apetite juntamente com a consciência que dele se tem” (EIII, P9, escólio). Ora, o indivíduo humano, como corpo e como alma, é um modo do Deus infinito, na condição de natureza naturada; seus afetos são afecções da natureza, assim como, em Simondon, os regimes de individuação designam modos de relação do ser individuado à natureza pré-individual, ser não individuado. A determinação do afeto singular, passando pela expansão e contração da potência de agir (alegria e tristeza), expressa os movimentos de que toma parte esse modo da natureza que é o indivíduo; assim, o desejo é modo de atualização das potências.

Passemos a como o desejo opera. O appetitus, termo latino que, segundo Chauí (2011, p. 21)CHAUÍ, M. “Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa”. São Paulo: Cia das Letras, 2011. , traduz-se como desejo, no sentido spinozano, melhor do que desiderium, incorpora o sentido dos termos gregos oréxis (tender a algo) e hormé (“elã instintivo” e “ímpeto violento”). O termo recobre tanto a noção da afetividade biológica quanto a subconsciência afetivo-emotiva (ibidem, p. 22), tanto as modulações da atividade do corpo vivo quanto suas configurações como subjetividade. São, afinal, ambas de natureza tropística; assim como o corpo se afirma como relação que apetece, o psicossomático age no mundo estabelecendo um universo de símbolos, que medeiam a relação dos corpos e coletivos com as dinâmicas do meio; é isto o transindividual.7 7 O papel da noção de símbolo, ou imagem-símbolo, no transindividual é desenvolvido por Simondon em seu curso de 1965-1966, “Imagination et Invention”, publicado em 2008. Os conceitos de imagem e símbolo em Simondon foram tratados na edição 816 da revista Critique (maio de 2015). Em ambos os casos, temos um pensamento em que a busca, o desejo, precede o que é buscado ou desejado, em decorrência do modo de constituição do próprio corpo e sua correspondente, a alma ou o psiquismo.

A posição central do desejo, na tipologia dos afetos, o faz aparecer como modulador entre ação e paixão. Em Spinoza, o desejo figura na posição central em relação a dois afetos ditos primitivos, alegria (expansão da potência e, no caso de ideias adequadas, ação da alma) e tristeza (redução da potência, paixão). Nessa estrutura, o desejo figura como modulador da potência, entre a expansão e a contração, afetar e ser afetado. Na expressão de Chantal Jaquet (2011, p. 70)JAQUET, C. “A Unidade do Corpo e da Mente: Afetos, Ações e Paixões em Spinoza”. Tradução de Luis César G. Oliva e Marcus F. de Paula . Belo Horizonte: Autêntica, 2011. , o desejo ocupa a posição central na arquitetura afetiva de Spinoza “não só em virtude do estatuto de afeto primitivo, mas em virtude de sua natureza expressiva da essência humana enquanto determinada a produzir as coisas necessárias à conservação do homem”. Por isso, Jaquet conclui que “o conceito de potência de agir [...] envolve o desejo” (p. 76). O desejo, que Spinoza diz também ser o mesmo, referindo-se ao humano, que o apetite (EIII, P9, escólio), pois envolve a consciência do apetite, aparece como esforço (conatus) quando abordado segundo o corpo, e vontade, segundo a mente. O desejo como perseverança no ser e, portanto, essência do homem é a atividade da potência de agir e ser afetado, causa das ideias adequadas e parcialmente das inadequadas. A estrutura triádica reaparece em Simondon, como vimos; e, assim como o desejo traduz a essência do homem em Spinoza, Simondon faz da membrana moduladora, o subconsciente afetivo-emotivo, cerne da individualidade. Segundo o corpo, o desejo como esforço traduz-se na linguagem de Simondon como afetividade, dizendo respeito ao regime de individuação biológico, mediando a relação entre indivíduo e meio na presença do terceiro ente, os elementos físico-químicos. Como vimos, a afetividade, na individuação vital, está no centro da relação com a percepção e a ação. Simondon atribui ao vivente a atividade tropística da procura, cuja diferença em relação à ideia de “perseverar no ser” advém da metaestabilidade da individualidade biológica e, por extensão, psicossocial: o vivente permanece no ser porque esse ser é incompleto (melhor seria dizer, “não completo”), inapreensível sem o meio associado. O indivíduo é a relação entre corpo e meio associado, manifesta na afetividade, na busca, na produção de significações (alimentares, sexuais etc.).

Assim, se em Spinoza é pelo desejo que passa a expansão ou contração da potência do sujeito, enquanto corpo e enquanto mente, em Simondon é no eixo afetivo-emotivo que o objeto (o encontro entre o corpo e algo que se traduz em objeto) adquire sentido: é pela inflexão do desejo que julgamos o objeto bom ou mau, diz Spinoza, de modo que ele nos afeta segundo o desejo. No vocabulário de Simondon, cria-se uma relação transdutiva com ele: a individualidade está nessa membrana de afeto-emoção, pois ali sensações se traduzem em crenças, ações são decididas, memórias convocadas. A personalidade é afetivo-emotiva; este termo designa a estrutura mais duradoura da afetivo-emotividade, determinando ao longo de extensos períodos da vida individual os modos concretos da percepção e da ação. Como corolário dessa estrutura afetiva, vemos que, em Spinoza, a alegria implica o estímulo à potência de agir e a tristeza, seu refreamento; Simondon trabalha essas noções a seu modo: “estados afetivos positivos indicam a sinergia da individualidade constituída e do movimento de individuação atual do pré-individual; estados afetivos negativos são estados de conflito entre esses dois domínios do sujeito” (ILFI, p. 252), levando em conta que, a rigor, não se deveria falar de “estados afetivos”, mas “trocas afetivas entre o pré-individual e o individuado no ser sujeito” (idem). Um “estado negativo”, como tristeza, conduz a uma menor capacidade de perceber, agir, fruir, imaginar; o corpo se torna menos vibrante e vivo - o spinozismo diria: menos potente. O “estado positivo” conduz a efeitos opostos: mais potência.

Assim, ao fazer seu diálogo com a psicanálise,8 8 Não se deve confundir o subconsciente com a pré-consciência freudiana, que designa o disponível para a consciência, mas não imediatamente presente. Freud recusa o termo “sub-consciente” como pouco claro. Simondon também dialoga com Spinoza, por meio da inspiração spinozista do desejo que perpassa a disciplina. A história do conceito de desejo em psicanálise é rica e complexa, de modo que não é o caso de reconstituí-la; mas vale trazer à tona dois aspectos que se relacionam a Simondon. O primeiro é que, embora Freud introduza o desejo a partir da satisfação originária, sua emergência concreta se dá no diferimento no tempo da satisfação das pulsões, que têm origem no corpo e se manifestam como representações de coisas e de linguagem, entre as quais há um intervalo, uma tradução. Simondon expressa esse intervalo em termos de disparação9 9 A disparação (disparation) designa a não coincidência de dois sistemas que, no entanto, podem comunicar. O caso paradigmático é o da visão estereoscópica, em que a disparação entre o que é visto por cada olho produz um efeito de paralaxe, permitindo ao cérebro recompor a tridimensionalidade. Para Simondon, toda forma de comunicação necessita de um grau de disparação. A coincidência perfeita é redundante; a diferenciação excessiva leva à incomunicabilidade. entre o somático e o psíquico, ou seja, entre o eixo perceptivo ativo e o afetivo-emotivo, de modo que o corpo é para o psíquico seu passado como seu futuro (ILFI, p. 262). Uma vez mais, trata-se da heterocronia com que Morizot (2011)MORIZOT, B. “La néoténie dans la pensée de Gilbert Simondon. Ontogenèse d'une hypothèse”. Cahiers Simondon, Paris, Vol. 3, 2011, pp. 109-129. explica a neotenização.

O segundo aspecto é que, embora tanto Freud quanto Lacan lidem repetidamente com objetos e faltas, a ponto de Lacan definir o desejo como “relação do ser com a falta” (Seminário 2) a partir de Platão, isto não significa que o objeto complete o indivíduo incompleto; ao contrário, o desejo está em cada desejo particular sem se esgotar em nenhum: o desejo constitui os objetos como objetos do desejo.10 10 Assim, o “objeto a”, que Lacan deriva do “das Ding” freudiano, é indeterminado, e quem o determina concretamente a cada instância é o desejo. Ao tratar do narcisismo, Freud descreve a passagem do estágio em que o Eu é capaz de satisfazer isoladamente seus instintos (narcisismo) ao “estágio do objeto”, em que “prazer e desprazer significam relações do Eu com o objeto” (Freud, 2010FREUD, S. “Introdução ao Narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos”. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. , p. 75). Neste estágio, o objeto produz sensações prazerosas e o sujeito busca atraí-lo: “fala-se então da ‘atração’ que exerce o objeto dispensador de prazer, e diz-se que se ‘ama’ o objeto” (ibidem, p. 76). O caráter amado do objeto decorre do desejo que se dirige a ele; seu valor não precede o movimento do Eu.

Estes aspectos do desejo em psicanálise exprimem a inserção do pensamento de Simondon nos movimentos conceituais de seu tempo. A principal consequência de situar o desejo no centro entre a recepção e a atuação, entre a influência do meio e a constituição de objetos, é que o desejo se torna produção, invenção, como dirão Deleuze e Guattari, e produtor de realidade (2010, p. 43)DELEUZE, G., GUATTARI, F. “O Anti-Édipo”. Tradução de Luiz Orlandi. São Paulo: 34, 2010. . Ora, é este o objetivo de Simondon ao abrir a afetividade do vivente em afeto-emotividade, membrana voltada tanto à percepção quanto à ação e suficientemente aberta para que os objetos com que se relaciona o indivíduo (sujeito) sejam constituídos segundo a polaridade que têm com ele. A abertura tem como consequência que a individuação psíquica dá-se sempre no coletivo, uma vez que, diferentemente do indivíduo enquanto físico ou biológico, o sujeito no transindividual se problematiza e estabiliza de acordo com um universo de imagens, símbolos e objetos técnicos em que ressoam diversos corpos e grupos. A questão do sujeito é também a questão do social.

Ao criticar Simondon, Stiegler insere-se também nessa linhagem, como veremos: a realidade humana é inventiva porque é realidade de corpos que desejam, e que devem engendrar objetos que respondam à abertura do desejo, às tensões e insatisfações que o conceito expressa. Simondon emprega um vocabulário próprio, mas também enfatiza a abordagem energética do desejo, na medida em que o subconsciente afetivo-emotivo é transdutivo, ou seja, a membrana ou camada em que se realizam individuações na psique, estabelecendo relações de imagens, símbolos e objetos no transindividual. A afeto-emoção alimenta o psicossocial, operando a concretização dos potenciais do desejo em formas, imagens, objetos. O eixo afetivo-emotivo é subconsciente onde se engendram as imagens, pelas quais o psiquismo se relaciona com objetos externos, carregados de significação.

3.1 A crítica de Stiegler

O vínculo entre desejo e socialização reintroduz a linha argumentativa ao universo de Simondon, porque é o desejo que Stiegler evoca para criticar o alcance insuficiente de suas teses no campo da política, sobretudo após diagnosticar a perda de individuação na modernidade industrial. Simondon crê que essa perda pode ser revertida pela reintrodução da atividade técnica no cerne da cultura, incluindo ao lado das artes e da literatura uma mecanologia, conhecimento das máquinas que não seja meramente instrumental, mas o conhecimento dos modos de relação que se instauram entre humano, meio e máquina. Para Simondon, em meados do século XX podia-se vislumbrar o advento dessa transformação com as “máquinas cibernéticas”, implicando maior proximidade da vida quotidiana com tecnologias que dependeriam do manejo da informação. Este manejo poderia ser o embrião da relação direta de indivíduos e coletivos com as máquinas e redes técnicas, pois envolveria um modo próprio de educação, além do paradigma instrumental do trabalho: jovens seriam formados para conhecer a operação das máquinas na relação com o meio, de modo a regulá-las da forma que melhor respondesse à relação dos humanos, como corpos e coletivos, com o meio.

A história subsequente das tecnologias digitais parece desmentir Simondon, diz Stiegler: capturadas pela lógica mercantil e pelo marketing, as tecnologias levaram a mais desindividuação,11 11 Stiegler emprega o termo desindividuação para se referir à perda da capacidade de ação, cognição e, de modo geral, relação com o meio. expandindo o que, referindose à máquina industrial, Marx denominara proletarização: a perda de conhecimento e investimento afetivo não se refere mais só à produção ou ao trabalho, mas a todo o quotidiano, a relações afetivas e à cognição; em suma, à potência de inventar, que decorre do desejo de corpos e coletivos. Para reverter a perda de individuação, não basta a formação que conduz ao conhecimento da máquina, é preciso a atividade política, que reencontre nas mesmas afetividade e inventividade, no cerne do desejo, a abertura para novas relações técnicas e outras aspirações sociais. De fato, o pensamento técnico de Simondon não parece fornecer de imediato uma resposta ao modo como tecnologias de informação se tornam vetores da perda de individuação. De fato, nas décadas de 1990 e 2000, os autores que recorriam a Simondon para explicar as tecnologias digitais o faziam a partir de um otimismo evidente: eram tempos de controles frágeis sobre a atividade nas redes digitais, com suas profusões de comunidades, hackers e softwares de código aberto.12 12 São exemplos: Massumi (2009), Blondeau (2004) e a edição de 2015 do periódico de mídia digital Platform: https://platformjmc.com/2015/04/27/vol-6/, inteiramente dedicada ao filósofo francês.

Uma janela para lançar a questão dos usos políticos de Simondon encontra se na própria crítica de Stiegler: o diagnóstico das falhas deste último é apresentado por meio do tema do desejo. Stiegler introduz a questão ao tratar da crítica de Simondon a Freud, enxergando no psicanalista um pensador “da sexualidade”, em vez de reconhecer nele um pensador do desejo, porque “o desejo é sexualidade socializada [ênfase de Stiegler], sempre já transindividualizada” (2006, p. 327). Esta falha leva Simondon a ignorar o papel da sublimação e da tradução em superego (Stiegler diz “surmoïser”) na constituição do transindividual: a técnica, assim, não aparece em Simondon como vinculada ao caráter desejante dos organismos, tornando-a meramente analítica. Stiegler prossegue afirmando que o transindividual é sempre tecnológico, artefatual, composto pelo engendramento de imagens, objetos, narrativas, ao passo que a sexualidade pode ser interpretada como meramente pulsional. O desejo, diz Stiegler, “que constitui o processo de individuação psíquica e coletiva enquanto tal, é o que liga as pulsões, isto é, o que as desnatura” (ibidem, p. 330).

Para Stiegler, a ausência do desejo impede Simondon de pensar as pulsões opostas de vida e morte, introduzidas por Freud em “Além do Princípio de Prazer” e que adquirem dimensão política em “Mal-Estar na Civilização”. As pulsões contrárias ligam-se ao princípio do prazer, fundado na tendência biológica tanto quanto psíquica de reproduzir a estabilidade. Segundo Stiegler, a pulsão de morte expressa a tendência entrópica do organismo, como matéria organizada física. Os organismos mantêm-se em vida, fisicamente, pela compensação neguentrópica, propriamente vital, que é a reprodução (o mesmo pode ser dito da alimentação). Stiegler sublinha que o psiquismo (“vida nervosa”, diz Freud) reproduz a seu modo essa dicotomia, tendendo à indiferenciação, à repetição, redundância, entropia. Assim, a renovação da vitalidade dá-se por meio de impulsos inventivos, rupturas ocasionais com o estabelecido. Logo, embora esteja em Simondon a referência à perda de individuação (e “estados afetivos tristes” que manifestam a redução nas relações), sua ignorância dos vetores do desejo (assumindo a “pulsão socializada”), rumo à morte entrópica e à invenção neguentrópica,13 13 Uma função da neotenia em Simondon é dar conta do vínculo entre biológico e físico, atualizando o conceito de entropia negativa de Schrödinger (mais tarde, neguentropia) para se referir à vida como sistema que reduz a perda de organização. Stiegler explora a neguentropia como diretriz da atividade humana, inclusive política, no Antropoceno. faz emergir de seu texto só o impulso criador. Ele está encarnado na técnica, meio pelo qual a humanidade “se eleva” (Stiegler, 2006, p. 341), mediante suas criações. Mas as pulsões encarnadas na técnica podem ser destrutivas, desindividualizadoras e proletarizantes (diz Stiegler). O caráter político da técnica e da invenção situa-se nesse duplo vetor: a técnica que leva à invenção levará à redundância, se capturada pela pulsão de morte.

Este é o ponto mais contundente de Stiegler: Simondon parece sugerir que a evolução das técnicas basta para reverter a perda de individuação e a posição aviltada que as técnicas ocupam no mundo moderno. Se Stiegler propõe uma filosofia da técnica que reintroduz a política que falta a Simondon, qual seria a justificativa para buscar neste último o lugar do desejo e sugerir o trabalho de repensar sua filosofia da técnica como um pensamento com potencial para fornecer uma política? Um elemento de resposta está na descrição da dupla “não antropologia” de Simondon (Barthélémy e Bontems, 2018BARTHÉLÉMY, J.-H., BONTEMS, V. “Philosophie de la Nature et Artefact”. Revue Appareil, Nr. 1, 2018. Disponível em https://journals.openedition.org/appareil/72. Acessado em 14 de janeiro de 2019.
https://journals.openedition.org/apparei...
): o filósofo da técnica e da individuação buscava romper ao mesmo tempo com o isolamento do humano em relação ao animal e da técnica em relação à cultura; esta reconciliação (em termos de Simondon, uma compatibilização) entre domínios que a modernidade distinguiu se assenta em duas bases: a filosofia da natureza14 14 Sobre Simondon como filósofo da natureza, cf. Barthélémy (2005). Com o conceito de pré-individual, Simondon alinha-se aos autores que pensam a natureza como um excesso do real sobre todo ente individuado. Stiegler equivoca-se ao criticar Simondon por pensar “apenas” a natureza como fundo pré-individual para individuações, por oposição ao social e à técnica; é por expressarem potenciais que ultrapassam sua individualidade que o social e a técnica proporcionam dinamismo para individuações. Sobre a técnica como modo de existência, cf. Viana (2015). expressa no conceito de pré-individual e a corporeidade expressa na relação triádica de percepção, ação e afeto-emotividade. Se a técnica concretiza um modo de existência transindividual, é porque estabiliza e dá forma às atividades dos corpos em suas relações com dinâmicas naturais, constituindo categorias coletivas. Se Simondon falha ao silenciar sobre o desejo, vimos que suas funções são preenchidas pela abertura da estrutura triádica de afeto, percepção e ação à sobreposição de dois eixos estruturais de problemática vital: percepção-ação e afeto-emoção. Este último é aquele que convoca as formas, imagens, ideias, objetos, cujo sentido surge e permanece no coletivo. Nos modos de relação que se estabelecem com o eixo afetivo-emotivo, fixam-se e realizam-se as ações e percepções individuais como componentes do coletivo. Retornando a Stiegler: se o desejo liga as pulsões, é porque exerce o papel de polarizar a percepção e a ação que encontramos no subconsciente afetivo-emotivo; este processo é ao mesmo tempo psíquico e coletivo, ocorrendo por meio do conjunto de imagens, instituições, artefatos e máquinas: a técnica. O desejo, que Stiegler afirma operar o vínculo das pulsões e suas tomadas de forma, designa a operatividade do vivente dotado de psiquismo, presente em Simondon na figura do subconsciente afetivo-emotivo. Por meio dele, o sujeito e o coletivo produzem seu mundo, e fazem-no produzindo seus objetos, significações e instituições.

A obra de Stiegler possui uma distinção terminológica em relação a Simondon: onde este último identifica um regime de individuação próprio ao psicossocial, o transindividual, Stiegler designa um tipo de individuação na vida psíquica e coletiva, as transindividuações. A diferença lexical expressa uma perspectiva distinta em relação ao próprio desejo. Embora sua trilogia “A Técnica e o Tempo” funde a possibilidade do social e do humano sobre a atividade técnica, esta fundação se dá por meio da noção de falta que remete ao mito de Prometeu. Stiegler refere-se ao “defeito necessário” (“le défaut qu'il faut”), no primeiro tomo (“La Faute d'Épiméthée”, 1994), para que a incompletude da espécie possa se prolongar em artefatos, linguagem e política. Ao descrever essa incompletude com o mito de Epimeteu, aquele que deixou a espécie incapaz de se defender por conta própria, Stiegler flerta com a falta fundadora, sem apontar a semelhança com a incompletude amplificadora de Simondon. Por isso, Stiegler não vê em Simondon o caráter artefatual e desejante do psicossocial: as categorias de grupo, a proliferação de imagens, a marcação de pontos-chave, que em Simondon são a manifestação da ressonância entre a afeto-emoção dos corpos e coletivos, criações do desejo que ampliam as possibilidades de relações do psiquismo, abrindo a via do transindividual, para Stiegler constituem o caráter tecnológico das transindividuações pelas quais a permanência do humano, o ser do defeito necessário, se torna possível.

O que significa reintroduzir no problema da relação entre técnica e política a perspectiva do desejo amplificador, a incompletude produtora? Diferentemente de Merleau-Ponty, Stiegler não enxerga na afetivo-emotividade, aberta e indeterminada, o campo em que se exerce a liberdade. Por isso, admoesta Simondon por pensar a primeira instância da técnica (marcação de pontoschave do território, denominada unidade mágica) sem se referir ao fundo indiferenciado de que a marcação se destaca. Assim, os picos das montanhas são pontos-chave, diz Stiegler (2006, p. 335)______. “Chute et élévation. L'apolitique de Simondon”. Revue philosophique de la France et de l'étranger, 3/2006 (Tome 131), 2006, pp. 325-341., destacando-se do céu estrelado como objeto de contemplação; Simondon veria apenas a possibilidade de elevação pelos picos, mas não o risco de recair na contemplação estéril. Por isso, não veria a política. Porém, o fundo de que se destacam os picos para Simondon (e os cursos d’água, florestas, fronteiras) não é o céu, mas o território indiferenciado, sem polarização, que não se relaciona com corpos e coletivos, ou seja, a afeto emoção. O desejo traduz-se na temática topológica, na forma do tropismo implicado em cada inclinação do corpo, onde Merleau-Ponty identifica o campo da liberdade pois os caminhos não estão traçados. O que Spinoza denomina desejo é a manifestação e concretização psicossocial da multiplicidade de tropismos dos corpos com psiquismo. Esta multiplicidade é neotênica e traduz o ralentamento da individuação característica do vivente e potencializada no psiquismo (e, por extensão, no transindividual). A incompletude do humano associada pela tradição ao desejo, como falha e imperfeição, traduz essa neotenia, o caráter neguentrópico da vida e do psicossocial, que lhe permite entrar em relação com outros seres, objetos, imagens e demais sujeitos. A busca pelo outro não é um movimento na direção da completude, mas um movimento na direção das relações, das individuações que são psíquicas na medida em que são coletivas.

Desejar é ter a potência de engendrar relações. É nesse sentido que todas as dimensões do psicossocial, incluindo a política, são dimensões do desejo. Um pensamento político que contempla a afeto-emotividade deve ser, também, um pensamento da reorganização topológica, das inclinações dos corpos e das formas intermediárias (técnicas, imagéticas, institucionais) que determinam a forma acabada de atividades e percepções. É um campo de liberdade, mas que pode ser capturado por outros fluxos de desejo. Daí o interesse de pesquisadores das tecnologias digitais e de rede por Simondon: elas afetam diretamente o ritmo da percepção e as possibilidades de ação dos sujeitos, operando sobre a afetividade e o desejo. O caráter político da técnica, como das religiões, instituições e demais componentes da existência coletiva está ancorado na disputa sobre as formas intermediárias que se relacionam (ressoam em conjunto ou, em linguagem deleuziana, agenciam-se) com os tropismos múltiplos do ser neotênico que é o sujeito no transindividual.

Conclusão: delinear uma política

Em ILFI, ao tratar da produção de normas e valores, Simondon pergunta-se se sua teoria da individuação “seria capaz, por meio da noção de informação, de fornecer uma ética” (ILFI, p. 330), e responde que é possível “lançar as bases” de uma ética, mas não detalhá-la [la circonstancier]. A resposta é característica do autor: seu objetivo não é delinear uma doutrina de conjunto, mas reformar o modo como doutrinas são geradas. O mesmo pode ser dito da política: Simondon não detalha doutrinas políticas; ao contrário, acredita ser o papel do teórico manter-se agnóstico acerca de tal ou tal finalidade política, religiosa ou ética. Ainda assim, ele se preocupa reiteradamente em afirmar que as doutrinas éticas (e políticas) que se inspirem em seus conceitos não deverão ser nem diretrizes de comportamento, nem fundações globais para o julgamento, mas a atividade de gerar normatividade a partir dos sucessivos problemas postos pela atividade no transindividual.

Assim como não oferece uma ética, mas bases para formulá-la, Simondon tampouco oferece uma política ou uma economia política. Mas as bases para pensar esses dois temas, a disputa por espaços e meios de ação, a distribuição de recursos e potências, estão em sua construção conceitual. Trata-se de pensálos não segundo os modelos que melhor expliquem suas formas bem-acabadas, mas segundo as dinâmicas de concretização e invenção que atingem esses sistemas. Recuperar o diálogo com a problemática do desejo, como buscou fazer este artigo, tem, portanto, o condão de reaproximar este autor de alguns de seus contemporâneos, que buscavam lançar novas bases para pensar o político, integrando os temas do coletivo e da atividade psíquica com o corpo e a biologia, por meio de uma filosofia que partisse dos potenciais e do devir. Assim, na psicanálise de Freud e Lacan e na filosofia de autores como Deleuze, Guattari e Lyotard, o desejo é determinante dos modos de comportamento e da constituição de instituições, a partir das significações engendradas por fluxos desejantes. Stiegler acrescenta o papel da técnica na emergência das formas concretas do social e do psíquico a partir do desejo. Simondon, reconhecido sobretudo como pensador da técnica, enfrenta a mesma problemática, mas a ancoragem da técnica na atividade do corpo e do psiquismo é original e não queda clara sem levar em conta a relação com a afetivo-emotividade.

Ainda que Simondon não seja um autor político, como muitos de seus contemporâneos, engajados em debates sobre o capitalismo e suas alternativas, o fato de seu pensamento ser fundado nas relações e atividades torna-o apto a pensar o problema do político, na medida em que seja um problema da ação modulado pela afeto-emotividade, sempre ao mesmo tempo psíquico e coletivo, e determinado por categorias, imagens, objetos. A determinação é uma significação, entendida como via para a atividade dos corpos, de modo que é o campo privilegiado das tensões sociais e disputas políticas. Aproximando o eixo afetivo-emotivo do desejo, abre-se também uma possibilidade nova de leitura das obras desse filósofo relegado por décadas à obscuridade. A filosofia da individuação de Simondon não é só um modo de pensar as relações entre indivíduo e coletivo; sua filosofia da técnica não é só um modo de pensar máquinas e redes. Ambas as vertentes são interpretações do psicossocial. Simondon chegou a especular sobre a axiomatização das ciências humanas com base nas noções de forma, informação e potencial (ILFI, pp. 531 et seq.).15 15 Este texto, colocado em anexo à edição definitiva da tese principal de Simondon (ILFI), é a transcrição da palestra que o filósofo apresentou à Sociedade Francesa de Filosofia em 1960. Mas só se pode fundar uma economia ou uma política com Simondon se esses campos remeterem ao caráter modulador da afeto-emotividade, que por sua vez modula a relação do arco perceptivo-motor ao meio.

  • 1
    As referências à tese principal de Simondon, “L'Individuation à la Lumière des Notions de Forme et d'Information” (2005), empregarão a sigla ILFI, amplamente utilizada em estudos sobre o filósofo.
  • 2
    Basta pensar nos pulmões, imensa pele dobrada sobre si mesma, multiplicando contatos com o ar atmosférico.
  • 3
    O termo “neotenia” foi cunhado por J. Kollmann para designar a permanência, no adulto, de estruturas juvenis das espécies de que evoluiu. L. Bolk estendeu o conceito ao humano, dizendo que o feto desacelera o desenvolvimento do primata, deixando marcas no adulto. Para uma investigação detalhada da neotenia em Simondon, cf. Morizot (2011)MORIZOT, B. “La néoténie dans la pensée de Gilbert Simondon. Ontogenèse d'une hypothèse”. Cahiers Simondon, Paris, Vol. 3, 2011, pp. 109-129..
  • 4
    Simondon distingue a individualização da individuação para expressar a fixação de formas de atividade no psiquismo; a individualização é individuação do ser já individuado, um corpo. Ela diz respeito à formação da personalidade, à estabilização de modos de comportamento, distinguindo-se das atividades pontuais e das relações de grupo.
  • 5
    Esta distinção causa dificuldades na tradução. Ambos os termos podem ser traduzidos como relação, mas rapport serve a Simondon para designer interações, conexões, cujos partícipes precedem a relação em si, isto é, podem ser tomados como substâncias. Dois indivíduos estão em rapport quando se encontram, dialogam, exercem papéis sociais determinados, sem serem substancialmente modificados. A relation é o modo sistemático como seus componentes se constituem correlativamente. Um grupo social, mediado por um ou vários significantes (o termo semiótico não aparece em Simondon), expressa uma relation, pois promove um modo particular de individuações; um exemplo é a hierarquia de exércitos e igrejas, cujos modos de rapport (digamos, entre oficial e praça) são determinados pela relation.
  • 6
    O problema do desejo em filosofia é tão antigo quanto a própria disciplina e não é o caso de reconstituí-lo neste espaço. Vale dizer, porém, que os principais traços da reflexão sobre o desejo já se encontram em Platão, sobretudo o “Banquete”. Neste diálogo, Platão introduz a perspectiva do desejo como voltado ao que não se tem (199d-201a), fundadora de vasta tradição: só pode ser desejado o bom e o belo, mas o próprio desejo (eros) é belo, de modo que expressa a incompletude do mortal que busca no objeto a recomposição da forma plena, como no mito dos andróginos; e a incompletude do mortal que busca a eternidade pela reprodução, contemplando o belo e conhecendo as formas, conforme a narrativa de Diotima. Nela, o conhecimento é direcionamento do desejo a sua efetivação mais perfeita, acesso à imortalidade (Alquié, 2014ALQUIÉ, F. “Le Désir d'Éternité”. Paris: PUF, 2014.). Ecos contemporâneos dessa concepção se encontram na teoria mimética de René Girard (1974)GIRARD, R. “La Violence et le Sacré”. Paris: Grasset, 1974., que pensa o divino pelo sacrifício, ato pelo qual uma humanidade que preenche seu desejo com o desejo dos demais expurga a violência da captura do outro. Reconhecendo-se faltoso, o humano incompleto busca no semelhante seu complemento de ser; o desejo de ser se espelha no desejo do outro, torna-se imitação do desejo do outro.
  • 7
    O papel da noção de símbolo, ou imagem-símbolo, no transindividual é desenvolvido por Simondon em seu curso de 1965-1966, “Imagination et Invention”, publicado em 2008. Os conceitos de imagem e símbolo em Simondon foram tratados na edição 816 da revista Critique (maio de 2015).
  • 8
    Não se deve confundir o subconsciente com a pré-consciência freudiana, que designa o disponível para a consciência, mas não imediatamente presente. Freud recusa o termo “sub-consciente” como pouco claro.
  • 9
    A disparação (disparation) designa a não coincidência de dois sistemas que, no entanto, podem comunicar. O caso paradigmático é o da visão estereoscópica, em que a disparação entre o que é visto por cada olho produz um efeito de paralaxe, permitindo ao cérebro recompor a tridimensionalidade. Para Simondon, toda forma de comunicação necessita de um grau de disparação. A coincidência perfeita é redundante; a diferenciação excessiva leva à incomunicabilidade.
  • 10
    Assim, o “objeto a”, que Lacan deriva do “das Ding” freudiano, é indeterminado, e quem o determina concretamente a cada instância é o desejo.
  • 11
    Stiegler emprega o termo desindividuação para se referir à perda da capacidade de ação, cognição e, de modo geral, relação com o meio.
  • 12
    São exemplos: Massumi (2009)MASSUMI, B. “'Technical Mentality' revisited: Brian Massumi on Gilbert Simondon”. Parrhesia: a journal of critical philosophy, Vol. 7, 2009, pp. 36-45., Blondeau (2004)BLONDEAU, O. "Des hackers aux cyborgs: le bug simondonien". Multitudes, Paris, Nr. 18, pp. 91-99, 2004. e a edição de 2015 do periódico de mídia digital Platform: https://platformjmc.com/2015/04/27/vol-6/, inteiramente dedicada ao filósofo francês.
  • 13
    Uma função da neotenia em Simondon é dar conta do vínculo entre biológico e físico, atualizando o conceito de entropia negativa de Schrödinger (mais tarde, neguentropia) para se referir à vida como sistema que reduz a perda de organização. Stiegler explora a neguentropia como diretriz da atividade humana, inclusive política, no Antropoceno.
  • 14
    Sobre Simondon como filósofo da natureza, cf. Barthélémy (2005)BARTHÉLÉMY, J.-H. “Penser l 'Individuation: Simondon et la philosophie de la nature”. Paris: L'Harmattan, 2005.. Com o conceito de pré-individual, Simondon alinha-se aos autores que pensam a natureza como um excesso do real sobre todo ente individuado. Stiegler equivoca-se ao criticar Simondon por pensar “apenas” a natureza como fundo pré-individual para individuações, por oposição ao social e à técnica; é por expressarem potenciais que ultrapassam sua individualidade que o social e a técnica proporcionam dinamismo para individuações. Sobre a técnica como modo de existência, cf. Viana (2015)VIANA, D. “ATécnica como Modo de Existência em Gilbert Simondon”. Dois Pontos, Curitiba, São Carlos, Vol. 12, Nr. 1, 2015, pp. 83-98. .
  • 15
    Este texto, colocado em anexo à edição definitiva da tese principal de Simondon (ILFI), é a transcrição da palestra que o filósofo apresentou à Sociedade Francesa de Filosofia em 1960.

Referências

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    » https://journals.openedition.org/appareil/72
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2018
  • Aceito
    09 Jan 2019
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