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“NO NAMORO FOI AQUELA ILUSÃO”: ANÁLISE DE NARRATIVAS DE MULHERES POBRES VÍTIMAS DE RELACIONAMENTOS VIOLENTOS

“Dating Was That Illusion”: Analysis of Narratives of Poor Women Victims of Violent Relationships

“En el noviazgo fue esa ilusión”: análisis de narrativas de mujeres pobres víctimas de relaciones violentas

Resumo

Partindo do quadro teórico oferecido pela Análise da Narrativa, este trabalho analisa narrativas de histórias de vida de mulheres pobres que vivenciaram relacionamentos conjugais violentos, descrevendo como essas mulheres operam discursivamente com determinados aspectos normativos estabelecidos socialmente, atrelados aos atravessamentos de “gênero”, “raça” e “classe social”. Observa-se também como os atravessamentos se articulam com elementos e sistemas sociais contemporâneos - o amor romântico, a religiosidade, o valor do trabalho, a meritocracia. Nesse caminho, sobretudo nas “avaliações” das narrativas analisadas, observamos determinadas normas instituídas de gênero concorrendo com novos elementos - tais como a agência das narradoras - caracterizados por estabelecer fissuras sobre aspectos normativos, ratificando a posição assumida por Butler (2014), segundo a qual, embora a categoria “gênero” faça referência ao mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas, também coloca esses aspectos em questão, produzindo transformações nas convenções sociais generificadas.

Palavras-chave:
Análise da Narrativa; Gênero; Classe Social; Violência Doméstica de Gênero; Relacionamentos Destrutivos

Abstract

Based on the theoretical framework offered by the Narrative Analysis, this work seeks to analyze narratives of the life histories of poor women who have experienced violent marital relationships, describing the ways in which these women operate discursively with certain normative aspects socially established, linked to “gender” crossings, “race” and “social class”. We also observe how such crossings are articulated with contemporary social elements and systems, such as romantic love, religiosity, the value of work, meritocracy. In this way, especially in the “evaluations” of the narratives analyzed, we observe certain gender-based norms competing with new elements - such as the narrators' agency - characterized by establishing cracks on normative aspects, ratifying the position taken by Butler (2014) according which, although the category “gender” refers to the mechanism by which the notions of masculine and feminine are produced and naturalized, also puts these aspects in question, producing transformations in the generalized social conventions.

Keywords:
Narrative analysis; Genre; Social Class; Domestic Gender Violence; Violent Relationships

Resumen

Partiendo del marco teórico proporcionado por el Análisis Narrativo, este trabajo examina las narrativas de historias de vida de mujeres pobres que experimentaron relaciones conyugales violentas, describiendo cómo estas mujeres operan discursivamente con ciertos aspectos normativos socialmente establecidos relacionados con las intersecciones de “género”, “raza” y “clase social”. También observamos cómo estas intersecciones se entrelazan con elementos y sistemas sociales contemporáneos, como el amor romántico, la religiosidad, el valor del trabajo y la meritocracia. En este camino, especialmente en las “evaluaciones” de las narrativas analizadas, observamos que ciertas normas de género establecidas compiten con nuevos elementos, como la agencia de las narradoras, que se caracterizan por abrir fisuras en aspectos normativos, ratificando la posición asumida por Butler (2014), según la cual, aunque la categoría “género” se refiere al mecanismo mediante el cual se producen y naturalizan las nociones de masculinidad y feminidad, también cuestiona estos aspectos, generando cambios en las convenciones sociales relacionadas con el género.

Palabras clave:
Análisis Narrativo; Género; Clase Social; Violencia Doméstica de Género; Relaciones Destructivas

INTRODUÇÃO

Este texto1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. , de inspiração etnográfica, foi concebido a partir do entrecruzamento de experiências profissionais de um dos autores, pesquisador em Análise da Narrativa e coordenador e gestor de assistência social em um pequeno município estabelecido no Noroeste Paulista. Durante o período compreendido entre 2013 e 2016, o pesquisador envolvia-se em interações com mulheres negras, pobres, beneficiárias de programas socioassistenciais governamentais, vivendo em condições precárias de trabalho e, muitas vezes, de moradia, e ouvia relatos de sofrimento e violência doméstica trazidos por muitas dessas mulheres. A construção identitária que emanava dessas histórias de vida, o alinhamento ou desalinhamento em relação às posições hegemônicas atinentes às questões de gênero e classe social nas narrativas construídas ao longo de cada interação foram despertando o interesse por uma análise mais profunda acerca desses aspectos.

Nesse contexto, a pesquisa propriamente dita teve início com a observação participante do pesquisador nas reuniões do grupo de mulheres atendidas pelo Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do Município. Considerando que, dentre o público-alvo, esse serviço é voltado também para mulheres vítimas de violência inscritas no Cadastro Único, procedemos posteriormente à entrevista etnográfica, durante os meses de março e abril de 2018, com nove mulheres atendidas pelo SCFV, já no contexto do envolvimento do pesquisador com a pesquisa em narrativa. Duas dessas entrevistas compõem o material a ser analisado neste artigo.

A entrevista qualitativa constitui-se em importante ferramenta da pesquisa interpretativista (Denzin; Lincoln, 2006DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K., LINCOLN, Y. S. (Orgs.). O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 15-41.), principalmente no que tange ao estudo da narrativa, posto que “a análise de como e o que as pessoas narram em entrevistas de pesquisa remete a estruturas socioculturais mais amplas, ao universo social no qual transitam os interactantes” (Bastos; Santos, 2013BASTOS, L. C.; SANTOS, W. S. Introdução: Entrevista, narrativa e pesquisa. In: BASTOS, L. C.; SANTOS, W. S. (orgs). A entrevista na pesquisa qualitativa. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj, 2013, p. 9-18., p. 13). De forma análoga, Mishler (1986MISHLER, E. G. The Analysis of Interview-Narratives. In SARBIN, T. R. (Org.). Narrative Psychology. The Storied Nature of Human Conduct. New York: Praeger, 1986.) defende a entrevista como o método básico de pesquisa, uma vez que, na visão do autor, as entrevistas propiciam a ocorrência de histórias, o que corrobora nossa decisão de optar por essa ferramenta.

Considerando os atravessamentos que envolvem o material em análise, destacamos que nos ancoramos na posição assumida pelas teorias interseccionais de gênero (Collins; Bilge, 2016COLLINS, P. H.; BILGE, S. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.; Freitas, 2002FREITAS, M. A. A masculinidade hegemônica na cultura brasileira. Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 1, v. 20, p. 28-41, 2002.), caracterizadas por considerar que o sujeito social é constituído sócio-histórica e discursivamente a partir da integração entre gênero, classe social, raça, nível de escolaridade, etc. As teorias interseccionais de gênero constituem uma espécie de alicerce para o pensamento feminista negro contemporâneo (Collins, 2019; Ribeiro, 2017RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017., dentre outros). Nesse contexto, Collins (2019) faz uso do conceito de “matriz de dominação” para refletir sobre a intersecção das desigualdades. De acordo com esse conceito, uma mesma pessoa pode se encontrar em diferentes posições, a depender de suas características. Assim, seria no entrecruzamento entre gênero, raça, classe, geração, sem predominância de algum elemento sobre outro, que experiências das diferentes formas de “ser mulher” estariam assentadas.

Esses aspectos são fundamentais para compreendermos a partir de qual “lugar de fala” enunciam nossas entrevistadas, a cada momento refletindo tais atravessamentos:

ao reivindicar os diferentes pontos de análises e a afirmação de que um dos objetivos do feminismo negro é marcar o lugar de fala de quem as propõem, percebemos que essa marcação se torna necessária para entendermos realidades que foram consideradas implícitas dentro da normatização hegemônica” (Ribeiro, 2017RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017., p. 34).

Diferentemente das entrevistadas, os autores da investigação enunciam a partir de outra interseccionalidade e, por conseguinte, outro lugar de fala: coordenador, entrevistador, brancos, de classe média. Dessa maneira, a análise apresentada neste artigo apenas lê as narrativas construídas a partir das intersecções que constituem a fala das entrevistadas, não pretendendo - de forma alguma - enunciar a partir do lugar de fala dessas entrevistadas.

Ao se comprometer em ouvir a voz de um grupo historicamente silenciado, partimos da premissa de que experiências refletidas em histórias de vida importam, já que por meio dessas histórias pode-se buscar entender as condições sociais que constituem o grupo do qual as entrevistadas fazem parte e as experiências que compartilham enquanto grupo (Collins, 2019COLLINS, P. H. Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2019.).

É sob essa perspectiva que assumimos que as narrativas relacionadas às trajetórias de vida também podem ser entendidas como elaborações produtoras de gêneros e dos demais atravessamentos sob análise, na medida em que atualizam esses sistemas gerais vigentes na sociedade, articulando estrutura e prática social. Nesse contexto, impõe-se a necessidade de evocar teorias que fazem referência aos grandes discursos que circulam na sociedade, principalmente aqueles denominados por Gee (2005GEE, J. P. An introduction to Discourse Analysis: Theory and Method. London/New York: Routledge, 2005.) “CapitalD Discursos”, amplamente divulgados por meio de uma variedade de modos semióticos e que podem ser evocados para se identificar membros de grupos socialmente significativos ou “rede social”.

No caso deste trabalho, nos valemos do conceito de “sistemas de cerência” de Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.) - responsável por demarcar os valores morais que emergem nas narrativas -, estudos sobre a moral dos pobres, estabelecidos no âmbito da Antropologia e, ainda, as considerações sobre o “cuidado de si”, elaboradas por Foucault em “História da sexualidade”2 2 Cumpre destacarmos que a prática do cuidado de si corresponde a uma apropriação, na prática, da teoria foucaultiana, esboçada em “História da sexualidade” (2009), pelo grupo que atende essas mulheres. , da qual tratamos mais à frente.

Na verdade, ecoando a posição assumida por Butler (2014BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu, Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014 .) - de que a categoria “gênero” tanto se atrela ao mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas quanto coloca esses aspectos em questão, produzindo transformações nas convenções sociais generificadas -, este estudo também assume por objetivo mostrar como novas “subjetividades” emergem em contextos contemporâneos, nas entrevistas sob análise.

2. A ANÁLISE DA NARRATIVA E A QUESTÃO DA CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES

As primeiras pesquisas sobre narrativa foram elaboradas por Labov e Waletsky (1968LABOV, W.; WALETZKY, J. Narrative Analysis: Oral Versions of Personal Experience. In: HELM, J. Essays on the Verbal and Visual Arts. Seattle: University of Washington Press, 1968, p. 12-44.) e Labov (1972), assentadas em uma concepção de narrativa enquanto um método de se recapitular experiências passadas. Nas palavras de Labov (1972, p. 37), “a narrativa será considerada [...] uma técnica para construir unidades narrativas que correspondem à sequência temporal daquela experiência”.

Labov (1972LABOV, W. Language in the Inner City: Studies in the Black English Vernacular. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.) apresenta uma proposta de estruturação de narrativas bem formadas, composta basicamente pelos seguintes itens: a) sumário: resumo inicial, com introdução do assunto e da razão por que a história é contada; b) orientação: identificação de personagens, tempo, lugar e atividades narradas; c) ação complicadora: sequenciação temporal de orações narrativas, em que o narrador efetivamente conta o que aconteceu (de acordo com Labov (1972), se ao menos duas orações no passado estiverem sequencializadas, remetendo a um passado temporal, se está diante de uma narrativa); d) avaliação: explicitação da postura do narrador em relação à narrativa, bem como da razão de ser da narrativa; e) resultado: desfecho da narrativa, em que o narrador revela o que “finalmente aconteceu” (Labov, 1972, p. 370); f) coda: encerramento do relato com uma síntese, avaliação dos efeitos da história ou retomada do tempo presente.

Embora esse modelo dito “canônico” continue a influenciar muitas pesquisas na área, as propostas atuais, ditas “não canônicas”, vêm apontando críticas e revisões ao modelo laboviano. Considerando-se os objetivos deste trabalho, utilizamos alguns elementos da proposta laboviana para a identificação formal de aspectos da narrativa, mas foi especialmente útil a proposta dita “não-canônica” apresentada por Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.), voltada para análise de narrativas de histórias de vida e experiências pessoais coletadas em entrevistas (de modo análogo ao material a ser analisado neste artigo).

De uma maneira bastante geral, podemos dizer que Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.) busca demonstrar de que forma as estruturas narrativas, entendidas enquanto encaminhamentos sociais e discursivos, atuam na construção das identidades. Isso porque, de acordo com o ponto de vista da autora, ao elaborar suas histórias de vida, os enunciadores buscam apresentar-se e marcar sua existência a partir de critérios de propriedade e aceitação cultural, os quais estão estabelecidos socialmente: os fatos são organizados em sintonia com as crenças que circulam na sociedade. Nesse contexto, as identidades sociais se deixam transparecer nas histórias de vida, porque, a partir delas, constroem-se os sentidos de adesão que os enunciadores reivindicam para si mesmos.

Além da observação da sequência na qual as ações são narradas, a autora destaca a importância de se observar a construção da coerência do relato, por meio das relações de causalidade, para interpretar adequadamente os significados pessoais e sociais das histórias de vida. Essa construção de coerência é chamada por Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.) de “sistemas de coerência”, e corresponde aos discursos estruturantes das crenças, dos valores, da cultura e dos interesses compartilhados pelo narrador durante a interação.

Segundo Labov, as “avaliações” são responsáveis pelo clima emocional da história e mostram as diversas atitudes do narrador em relação aos eventos que aparecem em sua própria narrativa. Elas apontam, ainda, para o ponto de cada episódio narrado: se figura para apresentar um comportamento bem conceituado socialmente, se aparece para que o narrador tenha a oportunidade de mostrar como mudou ao longo do tempo e agora passou a agir de outra forma, ou se apresenta uma divergência de valores do narrador em relação ao senso comum. Essas “mudanças” emergem, nas histórias de vida, como “quebras de expectativas” (Moita Lopes, 2001).

Para Bastos (2003), é por meio da “avaliação” que o enunciador encontra espaço para comentar aspectos do que foi narrado, deixando entrever suas crenças, valores, afiliações, posicionamentos na hierarquia social e qualificações. Por isso mesmo, Biar (2012BIAR, L. “Realmente as autoridades veio a me transformar nisso”: narrativas de adesão ao tráfico e a construção discursiva do desvio. 2012. 246 p. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2012., p. 117) afirma que a avaliação configura-se, então, “como o aspecto mais fundamental para a construção de identidade”.

Para Linde (1997LINDE, C.; Evaluation as Linguistic Structure and Social Practice. In: GUNNARSSON, B. L.; LINELL, P.; NORDBERG, B. (Orgs.) The Construction of Professional Discourse. Londres: Longman, 1997 p. 151-172.), a avaliação é justamente o momento da narrativa em que emergem pistas sobre as maneiras pelas quais as narrativas devem ser compreendidas e quais valores morais estão atribuídos aos personagens e eventos narrados. Nesse sentido, de uma maneira mais aberta que aquela observada no modelo canônico de Labov (1972LABOV, W. Language in the Inner City: Studies in the Black English Vernacular. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.) e Labov e Waletzky (1968), a autora entende, por “avaliação”, “qualquer instanciação produzida pelo falante que tenha sentido social ou indique o valor de uma pessoa, coisa, evento ou relacionamento” (Linde, 1997, p. 152). Amplia-se, portanto, a associação entre avaliação e dimensão moral da narrativa.

Na ampliação do modelo laboviano, Linde (1997LINDE, C.; Evaluation as Linguistic Structure and Social Practice. In: GUNNARSSON, B. L.; LINELL, P.; NORDBERG, B. (Orgs.) The Construction of Professional Discourse. Londres: Longman, 1997 p. 151-172.) afirma que uma das dimensões avaliativas e estruturantes da narrativa faz “referência às normas sociais”, em função do fato de elas conterem, inevitavelmente, comentários morais, avaliações sobre quais comportamentos são adequados ou não e julgamentos normativos sobre os atores sociais das histórias narradas. Para Linde (1997, p. 153), “uma avaliação desse tipo compõe o coração da narrativa; a narrativa oral visa muito mais a alcançar um acordo sobre significados morais em diversas ações do que um simples reportar dessas mesmas ações”.

Em um âmbito maior, coloca-se a pertinência da Análise da Narrativa para a abordagem de questões atinentes à construção identitária e interação social, questões estas que têm sido entendidas, contemporaneamente, como centrais em estudos como os de Mishler (2002MISHLER, E. G. Narrativa e identidade: a mão dupla do tempo. In: MOITA LOPES, L. P; C. BASTOS, L. C. (Orgs.) Identidades: recortes multi e interdisciplinares. Campinas: Mercado das Letras, 2002. p. 97- 119.), Riessman (2008RIESSMAN, C. K. Narrative Methods for the Human Sciences. Londres: Sage, 2008.), Bastos (2005BASTOS, L. C. Contando estórias em contextos espontâneos e institucionais - uma introdução ao estudo da narrativa. Calidoscópio, v. 3, n. 2, p. 74-87, 2005.), Bastos e Biar (2015), dentre outros. Nesse sentido, conforme lembra Bastos (2005), as escolhas que fazemos ao nos introduzirmos como personagens em certos cenários, em meio a outros personagens e ações, se dão em função do modo como nos posicionamos em relação a esses elementos e nos afiliamos a certas categorias sociais, mesmo que contingencialmente, sendo parte de um processo de apresentação e interpretação de pelo menos algumas dimensões de quem somos: “ao contar estórias, situamos os outros e a nós mesmos numa rede de relações sociais, crenças, valores, ou seja, ao contar estórias, estamos construindo identidades” (Bastos, 2005, p. 81). A partir dessas histórias, pode-se elaborar articulações com o contexto macro-contextual ou sócio-histórico. Afinal, conforme afirma Bastos (2005, p. 80), sobre a Análise da Narrativa

padrões sociais relativos a identidades nacionais, gênero, idade, profissão, religião, classe social também informam a produção e a interpretação de narrativas, o que, por sua vez, vai atuar na manutenção desses mesmos padrões. Por outro lado, a cada performance, o narrador necessariamente transforma a estória em função das especificidades da situação, o que traz também a possibilidade da interferência na estrutura social normativa. O interesse por essas questões vem aumentando nos últimos anos, grande parte em função das lutas das minorias sociais.

É também o nosso interesse pelas questões apontadas acima que norteará, dentre outros aspectos, nossa análise dos dados.

3. O SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS (SCFV)

Segundo definição elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)3 3 Disponível em: https://bit.ly/3S0rGGu. Acesso em: 10 out. 2023. 4 4 Disponível em: https://bit.ly/45G0zUJ. Acesso em: 10 out. 2023. , o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) é um serviço da Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que é ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias, realizado por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF) e do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado às Famílias e Indivíduos (PAEFI).

Ofertado geralmente nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) (ou nos Centros de Convivência), o SCFV realiza atendimentos em grupo, subdivididos em geral por faixas etárias. Para cada grupo, são desenvolvidas atividades artísticas, culturais, de lazer e esportivas, dentre outras, de acordo com a idade dos usuários. Segundo o que preconiza o MDS, o SCFV, “caracteriza-se como uma forma de intervenção social planejada que cria situações desafiadoras, estimula e orienta os usuários na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais, coletivas e familiares, objetivando fortalecer as relações familiares e comunitárias” (Brasil, 2015). E, ainda,

possui um caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades dos usuários, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento das vulnerabilidades sociais. Deve ser ofertado de modo a garantir as seguranças de acolhida e de convívio familiar e comunitário, além de estimular o desenvolvimento da autonomia dos usuários (Brasil, 2017, p. 8).

O público-alvo engloba, além de mulheres que sofreram violência - como é o caso das entrevistadas neste trabalho -, crianças, jovens e adultos; pessoas com deficiência; vítimas de trabalho infantil; jovens que cumprem medidas socioeducativas; idosos sem amparo da família e da comunidade ou sem acesso a serviços sociais, além de outras pessoas inseridas no Cadastro Único.

No caso específico do grupo de mulheres vítimas de violência atendidas pelo SCFV no município, havia estímulo para a prática do cuidado de si, no sentido dado por Foucault (2009FOUCAULT, M. História da sexualidade: o cuidado de si. V. 3. Rio de Janeiro: Graal, 2009.), assumindo-se como premissa que, a partir das histórias pessoais e particulares de cada uma dessas mulheres, seria possível realocá-las no mundo. Essa prática terapêutica era conduzida primordialmente por uma psicóloga, que trabalhava diretamente com o grupo de mulheres. Se apreender o sofrimento era uma tarefa árdua, trabalhar sobre memórias e emoções fraturadas em relações violentas exigia um olhar para si mesma, exercício necessário para transformar pensamentos e condutas.

Nesse sentido, entendemos que as experiências de sofrimento, dor e amor, assim como aquelas vivenciadas em contextos machistas e violentos, enunciadas nas narrativas femininas, estão atravessadas por normas atinentes às questões de gênero, moralidades e emoções. Conforme aponta Andrade (2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 58)

as narrativas femininas acionam e produzem, além de normas de gênero e sexualidade e as emoções que as atravessam, as múltiplas moralidades a respeito daquilo que se espera da dinâmica familiar: cuidado com os filhos, a sexualidade conjugal, as condutas sobre paternidade e maternidade, as tarefas domésticas. Assim, não podemos nos esquecer da dimensão moral das narrativas sobre experiências vividas e lembradas, ou seja, ela não existe sem uma economia de regras que estabelecem convenções sociais aceitas sobre o que se pode ou não fazer.

Junto com as questões levantadas ao término do subitem anterior, os aspectos levantados acima também serão primordiais para nossa análise dos dados.

4. NARRATIVAS DE MULHERES EM CONTEXTOS DE RELACIONAMENTO VIOLENTO

Dentre as nove entrevistas analisadas, duas foram selecionadas para este artigo: uma com Michele (28 anos) e outra com Fernanda5 5 Os nomes são fictícios. (34 anos). Houve preocupação em dividir o percurso analítico em dois momentos distintos, correspondentes a etapas da construção narrativa das entrevistadas: em um primeiro momento, analisamos os episódios de pobreza, dor e violência que foram vivenciados no seio familiar; em um segundo momento, demarcado após o casamento, a reiteração desses episódios e a maneira pelas quais as narradoras, após determinados “pontos de virada” fortemente atrelados a uma prática do cuidado de si, constroem, graças a suas agências (Duranti, 2004DURANTI, A. (2004). Agency in Language. In: DURANTI, A. (org.). A Companion to Linguistic Anthropology. Malden, MA: Blackwell, 2004, p. 451-473.), a superação e sobrevivência, após terem vivenciado um universo de tristeza e destruição.

4.1 VIOLÊNCIA E SOFRIMENTO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA: TRABALHO, AGRESSÕES, NAMORO E GRAVIDEZ

Uma primeira constante que emergiu nas narrativas foi o fato de todas as mulheres relatarem - em uníssono e já de início - uma infância e adolescência marcadas por uma situação de extrema pobreza, trabalho duro, dificuldades vivenciadas com pais alcoólatras, dentre outros aspectos. Nesse sentido, o casamento emerge como uma tentativa de encontrar uma “porta de saída”, uma fuga sem muita elaboração da violência perpetrada pelos pais e das dificuldades financeiras encontradas nos seios familiares.

Observe6 6 Os eventos comunicativos foram transcritos conforme adaptações do modelo de transcrição de Loder (2008). ,7 7 Nota do Editor: Na versão original deste artigo, as linhas estão numeradas. :

Cumpre destacar que já na “orientação” da narrativa (1) observamos interseccionalidade entre “gênero” e “classe social”: a narradora se apresenta, desde o início, como mulher, pobre e subalterna (Michele foi uma menina criada na família simples humilde). De modo análogo ao observado em (1) na narrativa (2) as “orientações” (em (2) então desde a minha infância né?) são seguidas de diversas “ações complicadoras” atinentes à descrição das dificuldades financeiras e dos episódios de violência vivenciadas nos seios familiares: (1) nasci cresci em meio de pai alcóolatra; uma situação um conflito quando acontecia de beber, ver batendo na minha mãe tudo sofrimento, roça chegamos pegando um período de roça ainda trabalhar em café; (2) não foi uma infância fácil porque comecei a trabalhar muito cedo é... meu pai alcóolatra muita briga dentro de casa muita briga.

Nesse contexto, se o casamento emerge, nas narrativas, por um lado, como uma tentativa, por parte das enunciadoras, de ter algum alívio e uma vida melhor (achei que ia ter uma vida melhor depois do casamento), também se apresenta como uma consequência das agruras vivenciadas durante a infância e a adolescência, uma tentativa de fuga, e não um “projeto de vida realizado a dois”, como parece ser comum para outras classes sociais (já completei os 15 anos aí já começou a vir o interesse de querer namorar já namorei já amiguei com 16 anos já engravidei (em (1)); logo comecei a ter amizade que bebia saía pra balada aí fiquei grávida com quinze anos não tive infância não tive é juventude nada disso (em (2)).

Cumpre observarmos que, em (1), a sequência avaliativa “e no namoro foi aquela ilusão né? que é tu- que é a gente imagina um mar de rosas né? achando que é tudo perfeito” faz referência ao ideal do amor romântico e ao valor positivo atribuído à mulher casada feliz para sempre. No entanto, ao enunciar essa experiência no passado como uma ilusão, emergem pistas significativas de uma tensão com essa norma, que se materializa sob a forma de um modelo preestabelecido de uma maneira de se relacionar com o outro.

Na verdade observamos, pelas escolhas lexicais acionadas (ilusão; que a gente imagina), novos rompimentos com as expectativas preestabelecidas por determinada norma “ideal” de relacionamento. Ademais, o fato de o casamento ser retratado, nas narrativas em análise, como uma espécie de consequência das experiências negativas vividas em família, uma fuga e, por conseguinte, mais um equívoco, acaba por desvelar aspectos significativos para o entendimento das narrativas femininas apresentadas neste trabalho: distantes do ideal do amor romântico e, ainda, de um ideal de relacionamento assentado na complementaridade homem-mulher, as enunciadoras operam questionamentos e pequenas transgressões sobre esse mesmo ideal, que tomarão forma na sequência das narrativas em análise, com consequências sobre o entendimento do ideal do relaciomento conjugal.

Nesse sentido, “como procedimentos de controle e delimitação internos ao discurso sobre o amor, as normas de gênero e de sexualidade, assim como as moralidades religiosas atravessadas por elas, são acionadas não somente como reiteração, mas também como elemento de transgressão e transformação (mesmo que pareçam ínfimos a um primeiro olhar)” (Andrade, 2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 83-84).

Conforme Butler (2014BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu, Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014 .), gênero seria

o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas, mas gênero pode muito bem ser o aparato através do qual esses termos podem ser desconstruídos e desnaturalizados. De fato, pode ser que o próprio aparato que pretende estabelecer a norma também possa solapar esse estabelecimento, que esse estabelecimento fosse como que incompleto na sua definição (p. 253-254).

E, ainda,

A sugestão de que gênero é uma norma requer maiores elaborações. Uma norma não é o mesmo que uma regra, e não é o mesmo que uma lei. Uma norma opera no âmbito de práticas sociais sob o padrão comum implícito da normalização. Embora uma norma possa ser analiticamente separada das práticas nas quais ela está inserida, também pode mostrar-se recalcitrante a quaisquer esforços de descontextualização de sua operação (p. 252).

Passamos, na sequência, a focalizar elementos disruptivos detectados no decorrer da análise dos dados.

4.2 AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS EM FUNÇÃO DOS RELACIONAMENTOS DESTRUTIVOS: AGÊNCIA E SUPERAÇÃO

Conforme apontado por Butler (2014BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu, Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014 ., p. 254), “o próprio aparato que pretende estabelecer a norma” também pode “solapar esse estabelecimento”. É nesse sentido que a sequência das narrativas dessas mulheres, embora permeadas por recorrências, não estabelecem, nem de longe, correspondência fixa entre seus trajetos e suas escolhas. Observe a sequência (3) da narrativa destacada em (1):

Em (3), observamos que as diversas “ações complicadoras” operam fraturas significativas sobre o ideal do amor romântico, o mar de rosas que pressupõe que esposa e marido seriam felizes para sempre: meu namorado depois foi esposo né? amigado era alcóolatra também, aí depois piorou quando a gente amigou descobri que ele era usuário de droga; deu a primeira overdose; aí foi aparecendo cada vez mais pior; acho que chegou num ponto até de traficar ele mesmo traficar, me empurrou, dentre outros.

Nesse contexto, a narradora tanto coloca em questão seus próprios sentimentos (não sabia nem o que eu sentia mais se eu gostava ou se eu não gostava; só não consegui mais olhar pra ele sentimento parece que morreu ali), como também aponta para uma ruptura fundamental sobre a moral em que se alicerçam os papeis familiares de esposa e marido para as classes populares. Sob essa ótica

a moral do homem, que tem força e disposição para trabalhar, articula-se à moral do provedor, que traz dinheiro para dentro de casa [...]. Trabalhar para si aparece, tanto para o homem quanto para a mulher, como uma atividade sem razão de ser. [...]. No caso do homem, o “bom trabalhador”, além de ser aquele que tem disposição para trabalhar, é sobretudo o “bom provedor”. Importa que ele traga dinheiro para dentro de casa, como exprimem as mulheres sobre seus maridos. Assim, o “bom marido” é sempre descrito como aquele que trabalha, não joga e não bebe (Sarti, 2011SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Cortez, 2011., p. 95-96).

É justamente nesse contexto que podemos inserir as ações complicadoras foi embora uma vez me deixou com um menino uma casa alugada ficou quinze dias fora, aí eu não sabia o que eu fazia fui trabalhar, porque ele não se importava mais de trazer o sustento pra casa, já não se importava mais comigo eu falava pra ele ameaçava usava o filho que eu ia embora ele olhava bem no meu rosto e falava “tanto faz você tanto faz teu filho”.

De uma maneira mais geral - e portanto mais atrelada ao contexto “macro” - podemos apontar dois grandes sistemas de coerência (Linde, 1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.) governando a narrativa em questão. Defendemos que, longe se serem independentes, esses sistemas se entrelaçam e se complementam, articulando as moralidades relacionadas a gênero e religiosidade.

Cumpre destacar, antes de mais nada, que de acordo com Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.) há sempre princípios de coerência guiando a prática sociodiscursiva de se contar histórias. Segundo a autora, a coerência é garantida pelo emprego de determinadas estruturas discursivas “que provêm um ambiente no qual uma declaração pode ou não pode ser tomada como a causa de outra declaração” (Linde, 1993, p. 1). Crenças de senso comum, teorias especializadas ou apropriações populares de teorias especializadas podem funcionar como esses “sistemas de coerência”, que estipulam determinadas relações entre eventos narrativos. São justamente os sistemas de coerência que estão na base da construção dos elos (sequenciais e causais) entre os elementos da narrativa.

No caso da entrevista em questão, um primeiro grande sistema de coerência que pode ser apontado diz respeito àquele que é norteado por uma moral cristã, de acordo com a qual a enunciadora, vivendo o amor e o relacionamento como uma norma de gênero, faz emergir sua disposição de se doar ao parceiro até o fim. No contexto dessa moral, responsável por articular gênero e religiosidade, haveria determinadas formas “corretas” de se agir e culpabilidade, por parte das mulheres “ao pensar em terminar um casamento, de achar que viveriam em pecado caso o fizesse, ou estariam sendo fracas por desistirem” (Andrade, 2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 108-109). É essa a identidade que a narradora busca construir para si e é nesse contexto que podemos inserir os excertos continuei casada não contei nada pros meus pais, mas eu também não tive atitude de ir embora e a resposta à pergunta mas você separou dele?, não, nunca.

Também Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.), estudando determinados sistemas de coerência americanos, aponta que a teoria da predestinação Calvinista, predominante no século XVIII, foi sendo gradativamente substituída por uma determinada “Teologia da Prosperidade”, assentada na crença da eficácia da vontade individual. Nesse contexto, Deus operaria uma retribuição a todo o crente que acreditasse nessa sua retribuição. “Começando como um sistema de coerência especialista, dentro de movimentos religiosos e de cura pela fé [...], essas crenças se tornaram parte do sistema de coerência do senso comum geral americano sobre os temas da profissão e da prosperidade” (Linde, 1993, p. 2 22).

De acordo com Florêncio e Biar (2017, p. 94) a Teologia da Prosperidade, que chegou no Brasil no final dos anos 1980, no contexto das Igrejas Neopentecostais, assume por discurso central

a defesa do sucesso nas finanças, na saúde ou no amor, por exemplo; no entendimento de um adepto da Teologia da Prosperidade, “a perspectiva de uma vida cristã repleta de restrições, sofrimentos e tribulações por amor a Cristo não corresponde ao verdadeiro plano de Deus” (Pieratt, 1993, p. 5), o qual “deseja que seus filhos sejam em tudo bem-sucedidos, vitoriosos e triunfantes [...]”. Para Pieratt (1993), uma nova interpretação da Bíblia se expande quando, entre outras coisas, passa a corresponder bem ao ambiente cultural em que se insere e a satisfazer as necessidades e esperanças das pessoas. Assim, o evangelho da prosperidade tem resposta para algumas das esperanças mais profundas que as pessoas têm na vida [...]. Além disso, encaixa-se bem nas pressuposições culturais da sociedade ocidental, no sentido de que as boas coisas da vida não devem ser evitadas, mas buscadas e aproveitadas.

Não por acaso sua conversão é apresentada, pela narradora, como o “ponto de virada” (Mishler, 2002MISHLER, E. G. Narrativa e identidade: a mão dupla do tempo. In: MOITA LOPES, L. P; C. BASTOS, L. C. (Orgs.) Identidades: recortes multi e interdisciplinares. Campinas: Mercado das Letras, 2002. p. 97- 119.), um evento específico e disruptivo - mas, no caso da narrativa em análise, operado de forma gradual - que transforma sua vida (aí eu comecei a procurar ajuda apareceu uma irmã né? que é evangélica minha mãe sempre foi também e procurei ajuda na igreja e comecei frequentar ouvir a palavra isso foi me alimentando, me confortando, e aí aquilo da minha vida que eu vivi eu eu tirei, não ficar vivendo aquilo, comecei viver o que eu tava aprendendo e buscar ajuda nessa parte, e fui buscando, e hoje pra graça de Deus Deus me foi me dando graça sabedoria [...]), momento avaliado como crucial para o estabelecimento de uma nova norma padrão para a relação (aí através da igreja eu aprendi a lidar nos momentos reagir na hora que ele chegava nessas situações como lidar como conversar, eu via que a atitude que eu tinha de agredir de gritar de xingar de fazer isso não resolvia nada)8 8 Cumpre observar, mais uma vez, a forte presença da “avaliação” nos excertos em destaque. .

Nesse contexto, a “resolução” da narrativa - hoje ele é até pastor - aponta para um entrelaçamento completo entre as moralidades atinentes às questões de religiosidade e gênero, além de iluminar o contexto da identidade que a narradora busca construir sobre si mesma: o prêmio para a mulher que acreditou em Deus e que, assim, teve sua retribuição, por um lado; por outro lado, a valorização meritocrática que deve ser atribuída a uma mulher que, pautada por uma moral cristã sobre gênero, não desistiu rapidamente da vida a dois, seja pelo filho, pela família ou pelo amor. Afinal, conforme aponta Andrade (2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 65), “sofrer por amor estaria, assim, autorizado em nome de um desejo de felicidade, de sucesso e de realização dos projetos pessoais” (Andrade, 2018, p. 65).

Afirmamos anteriormente que as entrevistadas enunciam diferentes trajetos que se mostraram mecanismos polissêmicos de produção de subjetividades, refletidos nas maneiras pelas quais passam a se relacionar com o outro e consigo mesmas, e demonstram aquilo que suportavam viver e não viver mais. Afirmamos ainda a impossibilidade de se estabelecer perfis rígidos para as categorias de gênero e de classe social e muito menos de se estabelecer determinados caminhos fixos na busca dessas mulheres para suportar, superar ou enfrentar as relações violentas.

Nesse contexto, por vezes, a permanência em uma relação ruim pode ser questionada pelas narradoras, gerando novas transgressões sobre as normas atreladas a questões de gênero. Observe, a esse respeito, o trecho a seguir (4), composto como continuidade da narrativa apresentada em (2):

No caso da narrativa destacada em (4), a sequência de “ações complicadoras” eu tinha um marido que me batia, muita agressão eu ainda de menor é sucedida pelo “ponto de virada” - também operacionalizado de maneira gradual, como em (1) - eu fui aprendendo a viver fui criando coragem decidi denunciá-lo foi preso, instanciando um percurso e uma resolução completamente diferentes daqueles observados em (3). Nesse caso, as diversas “avaliações” elaboradas pela narradora, responsáveis - mais uma vez - por instanciar as dimensões morais da narrativa em análise, conforme preconizado por Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993.), questionam e desnaturalizam noções convencionalizadas sobre gênero - seja a questão da submissão intransigente da mulher ao homem, característica do machismo hegemônico (achava que dependia dele pra tudo), seja o ideal cristão de acordo com o qual seria preciso, em um relacionamento conjugal, doar-se ao outro até o fim (aí tudo o que aconteceu com minha mãe também dela apanhar aconteceu comigo aí eu ficava pensando será que é normal né? tudo o que a minha mãe viveu eu viver?).

Cumpre acrescentarmos que, de acordo com Sarti (2011SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Cortez, 2011.), em seu estudo acerca dos aspectos morais atinentes às classes populares, o trabalho para sustentar os filhos redime a mulher “mãe solteira”, que se torna provedora. Subordinado à maternidade, o trabalho torna-se “um aspecto capaz de conferir à mulher a mesma autonomia moral que é reconhecida no homem/trabalhador/provedor” (Sarti, 2011, p. 76). Na ausência da figura masculina, a mulher tem a “disposição para aceitar qualquer batente [...], porque o significado de seu trabalho remunerado é mediado pelo seu papel de mãe e dona-de-casa, para suprir o que sabe que está faltando” (Sarti, 2011, p.102). É nesse contexto que podemos compreender os excertos trabalhei sempre até hoje trabalho, e ainda continuo lutando faço faxina sou faxineira com orgulho e agora consegui uma profissão de manicure faço minhas unhas de final de semana feriados.

No caso das “resoluções” graças a Deus eu venci na vida, e venci, podemos afirmar que lançam luz sobre um grande sistema de coerência que governa a narrativa como um todo, completamente distinto daquele observado em (3). “Vencer”, neste caso, diz respeito tanto à superação, por parte da narradora, das barreiras que delimitam as moralidades atinentes ao ideal cristão de doar-se ao outro até o fim quanto à adoção do exercício do cuidado de si, uma prática típica desses espaços terapêuticos que se transforma, por assim dizer, em uma nova prática discursiva. Nesse sentido, estabelece-se uma nova gramática de intelegibilidade, de acordo com a qual a narradora se apropria de novas ferramentas, que buscam fortalecê-la e protegê-la de certas armadilhas, para que possa questionar ilusões.

É nesse sentido que, a partir do exercício de olhar para si mesma, um novo trajeto é percorrido, com transformação de condutas e pensamentos, fruto do caráter violento e destrutivo da relação. Essa “quebra de expectativa” (Moita Lopes, 2001) aponta para uma mudança da narradora ao longo do tempo, a qual passa a agir de outra forma e a apresentar divergências de valores em relação ao senso comum. Esse novo regime moral questiona normas de gênero, moralidades religiosas e o ideal do amor romântico. Conforme aponta Andrade (2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 215), “trabalhar sobre memórias e emoções fraturadas em relações violentas e destrutivas exigia”, por parte das mulheres, “um olhar para si mesma”.

E, ainda,

as Pedagogias do Cuidado de Si abrem possibilidades múltiplas e imprevisíveis para a construção de maneiras de habitar mundos pelas mulheres (conexões alineares entre passado-presente-futuro). Seja no controle dos excessos, pela busca do autoconhecimento e da autonomia ou pelo fortalecimento da autoestima, suas proposições constroem noções e parâmetros de subjetividade: o cuidado de si é libertador e produz não somente mudanças internas, mas também mudanças nas relações com o outro. Esse outro ente da relação extrapola os relacionamentos amorosos, ele abrange as relações familiares, de filiação, de amizade ou constituídas no ambiente de trabalho (Andrade, 2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 249).

No caso das narrativas analisadas em (3) e (4), podemos afirmar que as “transgressões” que operam sobre uma determinada norma de gênero, materializadas sobretudo pela prática do cuidado de si ratificam, a posição assumida por Bastos (2005BASTOS, L. C. Contando estórias em contextos espontâneos e institucionais - uma introdução ao estudo da narrativa. Calidoscópio, v. 3, n. 2, p. 74-87, 2005., p. 80) sobre análises de narrativas, já que a autora sustenta que, “a cada performance”, as histórias sofrem influência “em função das especificidades da situação, o que traz também a possibilidade da interferência na estrutura social normativa”.

A questão do cuidado de si foi trazido à tona, inicialmente, por Michel Foucault, em “História da Sexualidade” (2009FOUCAULT, M. História da sexualidade: o cuidado de si. V. 3. Rio de Janeiro: Graal, 2009. [1976]), tendo sido retomada, posteriormente, por Andrade (2018ANDRADE, F. “Mas vou até o fim”: narrativas femininas sobre experiências de amor, sofrimento e dor em relacionamentos violentos e destrutivos. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Para Foucault, o cuidado de si demandaria a necessidade do sujeito de se transformar para ter acesso à verdade, e essa verdade seria inacessível sem uma “conversão” do sujeito a si mesmo, uma transformação pautada num movimento de áskesis, mediante o qual ele se torna o próprio responsável por seus pensamentos e ações (Foucault, 2009).

Por fim, cumpre destacarmos que em uníssono, nas duas narrativas em análise, as entrevistadas negras e pobres se constroem como as verdadeiras agentes de mudanças em suas vidas, antíteses de “mulheres frágeis” e “rainhas do lar”. Apesar de não se apresentarem, nesses excertos, como “negras”, inevitavelmente a raça é um dos atravessamentos da interseccionalidade sob análise. Esse agenciamento, por parte das narradoras, encontra eco no posicionamento adotado pelo feminismo negro contemporâneo acerca do papel assumido por essas mulheres na sociedade brasileira como um todo. Afinal, conforme aponta Carneiro (2003CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. Racismos contemporâneos, Rio de Janeiro: Takano Ed., v. 49, p. 49-58, 2003., p. 50):

Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas [...]. Quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos poetas, de que mulheres estamos falando? As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Adotando como pressuposto o quadro teórico oferecido pela Análise da Narrativa, o presente trabalho buscou analisar e descrever narrativas de histórias de vida de mulheres pobres, atendidas pelo Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) de um pequeno município do Noroeste Paulista, que vivenciaram relacionamentos conjugais violentos e destrutivos, com o objetivo de observar e descrever como essas mulheres operam discursivamente e constroem as suas identidades a partir de determinados aspectos normativos estabelecidos socialmente, atinentes aos atravessamentos de “gênero”, “classe social” e “raça”.

Com a análise dos dados, foi possível constatar a forte e indiscutível imbricação de tais atravessamentos, ratificando a necessidade teórica apontada pelas teorias interseccionais de gênero (Collins; Bilge, 2016COLLINS, P. H.; BILGE, S. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.; Freitas, 2002FREITAS, M. A. A masculinidade hegemônica na cultura brasileira. Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 1, v. 20, p. 28-41, 2002.), de se compreender o sujeito social sempre constituído pela interseccionalidade, como traços performativos imbricados, por meio dos quais esses sujeitos constroem suas identidades sociais e atribuem sentidos ao mundo a seu redor.

Partindo da proposta “canônica” de análise de narrativa elaborada por Labov e Waletsky (1968LABOV, W.; WALETZKY, J. Narrative Analysis: Oral Versions of Personal Experience. In: HELM, J. Essays on the Verbal and Visual Arts. Seattle: University of Washington Press, 1968, p. 12-44.) e Labov (1972), e em especial as propostas ditas “não canônicas”, sobretudo aquela apresentada por Linde (1993LINDE, C. Life Stories. The Creation of the Coherence. Nova York: Oxford University Press, 1993., 1997), as “avaliações” que emergiram nas narrativas assumiram papel central para o processo de descrição. Ratificando a associação estabelecida entre “avaliação” e dimensão moral da narrativa, foi possível entrever crenças, valores, afiliações e posicionamentos assumidos pelas narradoras.

Na verdade, nas avaliações das narrativas analisadas, geralmente apresentadas após uma sequência de “ações complicadoras” que diziam muito sobre a violência dos relacionamentos vividos, foi possível observar como as narradoras sustentaram ou operaram fissuras significativas sobre as normas de “gênero” e “classe social” vigentes. Se o casamento emergiu, em uníssono, como uma “porta de saída” da violência perpetrada pelos pais e das dificuldades financeiras encontradas no meio familiar, uma tentativa de melhorar de vida - um aspecto normativo que operacionaliza os elementos discursivos imbricados de uma determinada norma de gênero e classe social, fortemente associado a uma moral característica das classes populares que atribui ao homem o papel de provedor -, a mesma recorrência não pode ser atribuída a outros aspectos normativos analisados.

Observamos, em um primeiro momento, um primeiro grande sistema de coerência norteado por uma moral cristã, segundo a qual a enunciadora, vivendo o amor e o relacionamento como uma norma de gênero, faz emergir sua disposição de se doar ao parceiro até o fim. Nesse contexto, seus enunciados procuraram destacar a coragem e a persistência de uma mulher que não desistiu rapidamente da vida a dois, seja pelo filho, pela família ou pelo amor, em meio a uma série de imponderáveis: os julgamentos de pessoas conhecidas e desconhecidas; o flerte com a loucura e o descontrole de si, bem como as situações de uma vida precária atravessada por outras violências (culpabilização, pobreza, acusações, etc.).

Concorrendo com essa norma instituída de gênero, observamos, em outras narrativas, fissuras significativas. Nesse sentido, ratifica-se a posição assumida por Butler (2014BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu, Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014 .): embora gênero faça referência ao mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas, enquanto mecanismo ilimitado de produção de discursividades, a categoria de gênero também coloca esses aspectos em questão, produzindo transformações nas convenções sociais generificadas.

Por “fissuras” entendemos, na análise da narrativa (4), a emergência de fortes questionamentos acerca das moralidades atinentes ao ideal cristão de doar-se ao outro até o fim e à adoção, por outro lado, por parte da narradora, da prática do cuidado de si Conforme afirmamos, essa prática, típica de espaços terapêuticos, assentada em novas tecnologias de produção de subjetividade e de práticas profissionais, apresenta uma nova gramática de intelegibilidade, a partir da qual as mulheres se empoderam com novas ferramentas para se fortalecerem e se protegerem, alterando percursos e transformando suas vidas.

Os aspectos morais assumidos pelas narradoras, apesar de concorrentes, apontaram para novas formas de habitar mundos saudáveis, sem sofrimento nem violência. Em ambas as entrevistas, observamos que um novo trajeto foi percorrido, com transformação de condutas e pensamentos, fruto da agência individual - e, por que não dizer, meritocrática - de cada uma das narradoras.

É exatamente nesse sentido que este artigo propõe oferecer uma leitura - a partir do “lugar de fala” dos pesquisadores - sobre as maneiras pelas quais as mulheres negras e pobres se constroem como agentes de mudanças em suas vidas, oferecendo assim narrativas “positivas” para o ativismo feminista negro contemporâneo. A agência9 9 “O termo “agência” só recentemente foi trazido para as ciências sociais por teóricos sociais pós-estruturalistas como Anthony Giddens (1979, 1984) e Pierre Bourdieu (1977, 1990, 2000), que tentaram definir uma teoria de ação social que reconheceria o papel desempenhado pelos atores sociais, agentes, em a produção e reprodução dos sistemas sociais, e assim superar a tendência estruturalista e marxista de ver a ação humana como produzida por uma lógica (no estruturalismo) ou leis históricas (no marxismo) que os sujeitos humanos não podem controlar nem entender. Os teóricos sociais, no entanto, não elaboraram as implicações linguísticas das suas teorias, para além de uma série de afirmações provocadoras, mas genéricas, relativas a as implicações sociais do uso da linguagem (Bourdieu 1982)” (Duranti, 2004, p. 452). Duranti (2004, p. 453) entende agência como propriedade de entidades “que possuem algum grau de controle sobre seu próprio comportamento, cujas ações no mundo afetam outras entidades (e às vezes as suas próprias), e cujas ações são objeto de avaliação (por exemplo, em termos de sua responsabilidade por um determinado resultado)”. (Duranti, 2004DURANTI, A. (2004). Agency in Language. In: DURANTI, A. (org.). A Companion to Linguistic Anthropology. Malden, MA: Blackwell, 2004, p. 451-473.) dessas mulheres foi construída frente a experiências de sofrimento intenso, como a pobreza extrema, o alcoolismo, a opressão e a violência. E, em todas as narrativas, a “saída” foi “pela porta”.

REFERÊNCIAS

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  • SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Cortez, 2011.
  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    Cumpre destacarmos que a prática do cuidado de si corresponde a uma apropriação, na prática, da teoria foucaultiana, esboçada em “História da sexualidade” (2009), pelo grupo que atende essas mulheres.
  • 3
    Disponível em: https://bit.ly/3S0rGGu. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 4
    Disponível em: https://bit.ly/45G0zUJ. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 5
    Os nomes são fictícios.
  • 6
    Os eventos comunicativos foram transcritos conforme adaptações do modelo de transcrição de Loder (2008LODER, L. L. O modelo Jefferson de transcrição: convenções e debates. In: LODER, L. L.; JUNG, N. M (Orgs.). Fala-em-interação social: introdução à análise da conversa etnometodológica. Campinas: Mercado de Letras, 2008. p. 127-160.).
  • 7
    Nota do Editor: Na versão original deste artigo, as linhas estão numeradas.
  • 8
    Cumpre observar, mais uma vez, a forte presença da “avaliação” nos excertos em destaque.
  • 9
    “O termo “agência” só recentemente foi trazido para as ciências sociais por teóricos sociais pós-estruturalistas como Anthony Giddens (1979, 1984) e Pierre Bourdieu (1977, 1990, 2000), que tentaram definir uma teoria de ação social que reconheceria o papel desempenhado pelos atores sociais, agentes, em a produção e reprodução dos sistemas sociais, e assim superar a tendência estruturalista e marxista de ver a ação humana como produzida por uma lógica (no estruturalismo) ou leis históricas (no marxismo) que os sujeitos humanos não podem controlar nem entender. Os teóricos sociais, no entanto, não elaboraram as implicações linguísticas das suas teorias, para além de uma série de afirmações provocadoras, mas genéricas, relativas a as implicações sociais do uso da linguagem (Bourdieu 1982)” (Duranti, 2004DURANTI, A. (2004). Agency in Language. In: DURANTI, A. (org.). A Companion to Linguistic Anthropology. Malden, MA: Blackwell, 2004, p. 451-473., p. 452). Duranti (2004, p. 453) entende agência como propriedade de entidades “que possuem algum grau de controle sobre seu próprio comportamento, cujas ações no mundo afetam outras entidades (e às vezes as suas próprias), e cujas ações são objeto de avaliação (por exemplo, em termos de sua responsabilidade por um determinado resultado)”.

Editado por

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2021
  • Aceito
    27 Set 2023
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