Acessibilidade / Reportar erro

Negação da figura paterna e a fuga de Jéssica no Mercador de Veneza: consciência, vergonha e interioridade

Denial of the paternal figure and Jessica's elopement in The Merchant of Venice: conscience, shame and inwardness

Resumo:

Este artigo discute a relação ambígua e dissimulada de Jéssica para com a figura paterna Shylock, no Mercador de Veneza. A fuga de Jéssica e a negação da figura paterna são perpassadas por espasmos de consciência e vergonha, sugerindo que ambas são traços sobredeterminantes da interioridade de Jéssica. A linguagem dos diálogos de Jéssica e Lorenzo sugere que seu amor é provavelmente insincero, pois Jéssica faz insistentemente perguntas duvidando de seu amor, que pode ser movido pela oportunidade de fugir de casa e tomar a fortuna de Shylock. Igualmente, o amor de Lorenzo por Jéssica é enfatizado por conotações carnais e eróticas durante a peça.

Palavras-chave:
Consciência; Interioridade Negação da Figura Paterna; Mercador de Veneza

Abstract:

This essay discusses Jessica's ambiguous and deceitful relationship towards her paternal figure Shylock, in The Merchant of Venice. Jessica's elopement and negation of the paternal figure are pervaded by qualms of conscience and shame, suggesting that both are the over-determining traits of Jessica's inwardness. The language in Jessica and Lorenzo's dialogue suggests that their love is probably insincere, once Jessica constantly asks questions doubting their love, which can be motivated by the opportunity to elope and take Shylock's fortune. Similarly, Lorenzo's love for Jessica is enhanced by carnal and erotic connotations during the play.

Keywords:
Conscience; Inwardness; Denial of the Paternal Figure; The Merchant of Venice

Introdução

A Renascença se caracteriza por uma profunda mudança nos padrões de percepção da realidade, bem como de um consequente surgimento da interioridade.2 2 A interioridade – inwardness – era uma noção muito preliminar ao que chamamos hoje subjetividade ou identidade. Por isso, uso o termo corrente na época para referir a uma noção que era vaga no período, mas que era definida apenas pela percepção do outro. No entanto, tal surgimento causou um impacto nos modos de percepção, pois se considerava que havia um abismo entre o interior velado e o exterior possivelmente teatralizado. Embora houvesse a certeza da existência de uma interioridade na Renascença Inglesa, as relações entre os indivíduos eram minadas pelos silêncios e engodos. Nesse sentido, os problemas da relação entre interioridade e exterioridade são uma constante no período, como também na obra de Shakespeare, em particular, nas grandes tragédias como em Hamlet, Othello, Macbeth e King Lear. Ora, a representação da interioridade já era evidente também em O Mercador de Veneza. A todo o instante o velamento da interioridade é um problema que angustia e inquieta os personagens dessas peças. Tal velamento leva a uma rede de não ditos e silenciamentos que minam o texto shakespeariano e provocam tensões que levam as personagens a ações como consequência de seu desconhecimento sobre o outro.

A noção de interioridade era muito mais comum nos escritos da Renascença de Shakespeare do que nós imaginamos. O paradoxo entre a aparência exterior ornamentada, enganosa, falsa e perigosa, sempre definida em oposição à interioridade, tida como verdadeira, porém imperceptível aos sentidos, não é um problema estranho aos olhos dos contemporâneos de Shakespeare. Essa dicotomia algo maniqueísta pode parecer um problema moral particular em Shakespeare. Contudo, era um traço notado e consciente nas relações entre o exterior e o interior na Renascença inglesa. Maus, em sua obra Inwardness and Theater in the English Renaissance (1995), analisa o problema da interioridade em oposição à exterioridade na Renascença inglesa, investigando as aflições e insatisfações no tocante à diferença entre um interior inexprimível, silente e inalcançável e um exterior teatralizado, ludibrioso e falso: a autora analisa as angústias epistemológicas que essa brecha gerava, as práticas sociais inventadas para mantê-las e os propósitos sociopolíticos para os quais serviam.

Discuto, neste artigo, a relação ambígua e dissimulada de Jéssica para com a figura paterna Shylock, no O Mercador de Veneza (1596–7). A fuga de Jéssica e consequente negação da figura paterna, seus costumes e sua religião são perpassados por espasmos de consciência e vergonha, sugerindo que a consciência e a vergonha são traços sobredeterminantes da interioridade de Jéssica. Além do mais, discuto como a linguagem dos diálogos de Jéssica e Lorenzo sugere que seu amor é provavelmente insincero. Na cena da fuga de Jéssica, há uma série de perguntas, questionamentos e dúvidas em seu diálogo que revelam que seu amor pode não ser sincero, mas apenas movido pela oportunidade de fugir de casa, como também uma oportunidade de pegar os ducados de Shylock. Assim também, o amor de Lorenzo por Jéssica é realçado por conotações carnais e eróticas durante toda a cena. Ela sente-se envergonhada de ser o torchbearer (portador de archote) de Lorenzo, termo com denotações eróticas na época. A vergonha está implícita pelas sugestões de seu desejo erótico expressado nessa cena.

1 A fuga de Jéssica e a negação da figura paterna

Na cena III, no ato II, Jéssica revela tédio e tristeza que vive na casa de seu pai, para ela, um inferno (a hell). Após planejar a fuga de casa, revela sua consciência e sugere que há algo estranho e inquietante na relação com seu pai:

Alack, what heinous sin is it in me

To be ashamed to be my father's child!

But though I am a daughter to his blood,

I am not to his manners. O Lorenzo,

If thou keep promise, I shall end this strife,

Become a Christian and thy loving wife.3 3 As traduções da peça são da tradução do Mercador de Veneza, feita por Carlos Alberto Nunes (2005): “Oh! Que odioso pecado é envergonhar-me / de ter o pai que tenho! Mas embora/ do sangue dele eu venha, não sou filha / daquele coração. Ó meu Lourenço! / Se a promessa cumprires, hei de em breve / livrar-me desta situação enleada; / cristã me torno e tua esposa amada.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 54)

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 245–246)

Sua consciência sugere vergonha e resistência em aceitar que ela tenha as mesmas “maneiras” de seu pai e sua angústia revela o constante afrontamento com seu pai (strife). Apesar de ela descrever sua casa como um inferno (hell), essa descrição é completamente oposta à de Shylock que descreve sua casa como uma “sober house” (casa sóbria). Com efeito, a consciência de Jéssica é um sinal de sua interioridade, pois quando sua consciência é revelada, sabe que sua fuga irá desonrar seu pai. Sua consciência surge como uma dimensão incontrolável de sua interioridade (MCGINN, 2007MCGINN, Colin. Shakespeare's Philosophy: Discovering the meaning behind the plays. New York: Harper, 2007., p. 12) com espasmos quase-alucinatórios que são, de fato, efeitos dos constructos culturais superegoicos visíveis em sua vergonha e culpa, fatos comuns na época, como foi apontado por Collins (1989)COLLINS, Stephen L. From divine cosmos to sovereign state. Oxford: Oxford University Press, 1989..

A descrição de Jéssica de sua casa como um inferno e o tratamento de Shylock para com ela representam a relação ambígua entre pais e filhas. Nesse sentido, Lenker (2001)LENKER, L. T. Fathers and Daughters in Shakespeare and Shaw. Westport: Greenwood Press, 2001. apresenta um interessante estudo sobre a decadente relação entre pais e filhas na Era Elisabetana. A autora discute a decadência do poder patriarcal e a mudança de valores na época. A tese de Lenker é de que a literatura funciona como um barômetro da sociedade, seus valores, tendências e angústias. Ela parte do princípio de que a Era Elisabetana era representada pelo reino bem-sucedido de Elizabeth I, que trouxe prosperidade e estabilidade social, política, econômica e religiosa. Ora, apesar de todas as conquistas de Elizabeth I, seu povo tornou-se inquieto, pois ela não se casou, não tinha filhos e nenhum herdeiro aparente. Então, os súditos começaram a especular quem seria o próximo monarca, James I ou outro príncipe. O medo da época era determinado pela reputação do sucessor, cujos escândalos poderiam destruir o símbolo mais influente da vida inglesa: a monarquia. Frente a esses fatos e ao mito do fim do século, Lenker propõe que a última década do reinado de Elizabeth I trouxe para o palco e para os textos literários os medos e as angústias de uma possível guerra civil que deixaria a Inglaterra em situação calamitosa, como ocorreu na Guerra das Rosas. Essas angústias eram transpostas para a arte em representações de desordem, sublevação e enfraquecimento do poder patriarcal causado por figuras femininas. A literatura representaria as relações tumultuosas entre pais e filhas, como entre Jéssica e Shylock, Desdemona e Brabâncio, Lear e suas filhas. As filhas agem no teatro de forma rebelde, enfraquecendo, por meio de suas ações, o poder patriarcal e ocasionando até a queda e morte da figura paterna. A relação entre pais e filhas não é somente sintomática do declínio do poder monárquico, mas também é um sintoma da ruptura do poder patriarcal.

O estudo sociológico de Lenker apresenta alguns detalhes que iluminam o entendimento das preocupações dos pais para com suas filhas nas peças de Shakespeare. Especialmente no Mercador de Veneza, a ruptura da relação entre Shylock Jéssica fica mais evidente quando expressa seu páthos e desespero ao perder sua filha e seus ducados, muito embora ele não perceba essa ruptura antes. Essa preocupação é similar à do pai de Portia que quer assegurar que ela se case com um homem que não queira apenas pilhar sua fortuna. É evidente que essas relações são minadas por termos financeiros, o que denota a confusão entre sentimentos e dinheiro. Num certo sentido, Shakespeare adaptou essas subversões e o tema do conflito geracional nas comédias (O Mercador de Veneza, Sonho de uma Noite de Verão, A Megera Domada), nas tragédias (Romeu e Julieta, Otelo, Rei Lear), e nos romances (O Conto de Inverno). Assim Regan e Goneril abandonam Lear e usurpam seu poder; Julieta desafia o desejo de seu pai casá-la com um homem que ela não ama; Jéssica e Portia desafiam o poder paterno. Com efeito, Portia logra o poder patriarcal quando supostamente coloca uma canção que sugere a Bassanio o escrínio correto: bred e head rimam com lead, o escrínio de chumbo, que contém o retrato de Portia (SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 296).

Nesse sentido, Drakakis (1998)DRAKAKIS, John. Historical difference and Venetian Patriarchy. In: COYLE, Martin. The Merchant of Venice: contemporary critical essays. London: Macmillan, 1998. (New Casebooks). p. 181–208. destaca também a negação da figura paterna vinda “de baixo”. Para ele, no caso de Jéssica e Portia,

O desafio à ordem patriarcal dominante de baixo, caracterizado no caso de Portia como uma rebelião do “sangue” (feminino), e literalmente no caso de Shylock como uma rebelião de sua ‘própria carne e sangue’ […] ameaça a divisão na ideologia do patriarcado e propõe que em certas circunstâncias a rebelião é justificável (DRAKAKIS, 1998DRAKAKIS, John. Historical difference and Venetian Patriarchy. In: COYLE, Martin. The Merchant of Venice: contemporary critical essays. London: Macmillan, 1998. (New Casebooks). p. 181–208., p. 196).

Tanto Jéssica como Portia enfrentam o poder paterno como uma forma de escapar das circunstâncias repressivas de seus pais. Nesse sentido, pode-se imaginar que o enfrentamento do poder paterno era necessário frente ao desejo individual que buscava liberdade. Além do mais, a traição de Jéssica representa o confronto ao poder patriarcal e a consequente perda de valores familiais. Mas vale notar que o poder patriarcal é enfrentado principalmente de maneira cômica em Shakespeare.

A fuga de Jéssica representa os problemas dos pais que eram incapazes de ensinar valores aos seus filhos, provocando o conflito geracional. Na Era Elisabetana, um filho ou uma filha que se revoltasse contra os pais significava a desordem na família, o que espelhava uma possível e vindoura desordem do estado. Filhos que desobedeciam aos pais eram considerados malignos e antinaturais, ao passo que os pais eram culpados por serem incapazes de educá-los.

Nesse sentido, é interessante notar que Shylock e Jéssica mal se falam em toda a peça. Quando Shylock chama Jéssica pela primeira vez, a resposta de Jéssica não é nada afetiva e respeitosa com Shylock: ‘Call you? What is your will?’4 4 “Chamastes-me? Que desejais?” (SHAKESPEARE, 2005, p. 58) (SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 251). Esse gesto frio sugere que Jéssica trata-o sem afeição. Shakespeare realça a distância de Jéssica e seu pai, sugerindo a ruptura em sua relação. Para Graham, “Shakespeare mostrou também que na vida doméstica de Shylock e Jéssica há pouca harmonia. Os valores de Jéssica não são os de Shylock e não são apenas os padrões financeiros que os separam” (GRAHAM, 1953, p. 150). Shylock não percebe que ele não a conhece direito. Enquanto falava com Lancelot, ele demonstrava ceticismo e parecia conhecer as maneiras de seu servo. Mas com Jéssica ele está cego, porque não desconfia, tampouco imagina que Jéssica possa abandoná-lo e se tornar cristã. Jéssica faz seu pai acreditar que é leal a ele na medida em que ela não responde às suas preocupações e recomendações. Ela está silente nesta cena a fim de parecer que ela é uma filha submissa. De fato, assim como Shylock teatralmente incorpora traços de bondade diante de Bassanio e Antônio, Jéssica também interpreta um papel para parecer uma filha submissa e obediente. Seus sentimentos interiores são ocultados pelo artifício teatral a fim de construir uma imagem de sua personalidade. Nesse sentido, consoante McGinn, “a personalidade é essencialmente uma questão de como você interage com os outros – como você os afeta e como eles o afetam. A personalidade é também teatral no sentido de que é frequentemente melhor compreendido em termos dos papéis que uma pessoa interpreta.” (MCGINN, 2007MCGINN, Colin. Shakespeare's Philosophy: Discovering the meaning behind the plays. New York: Harper, 2007., p. 11). Jéssica incorpora e interpreta o papel da boa filha, mas ela esconde seus sentimentos e planos para seu pai. Nesse sentido, Sherman afirma que

Essas seis palavras são as únicas que ela dirige a seu pai em toda a peça, sem contar a mentira que ela conta a ele no final da cena quando ela omite mensagem de Lancelot sussurrada para ela. No interim, entre os dois versos de Jéssica – um hipócrita, o outro falso – a absorção de Shylock torna-se evidente. […] Embora a peça permita-nos ver que Shylock não tem imaginação alguma para Jéssica, ele mesmo ainda não aprendeu isso (SHERMAN, 2004SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
, p. 280).

Essa cena, portanto, salienta a cegueira de Shylock, porque acredita que apenas os olhos podem distinguir o certo do errado, a dissimulação da sinceridade. Essa cegueira sugere que ele não reconhece a distinção entre as dimensões interiores e exteriores do sujeito e, assim, não entende e conhece sua filha (SHERMAN, 2004SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
, p. 280). Contraditoriamente, Shylock está relutante em ir ao jantar, porque suspeita dos cristãos:

I am bid forth to supper, Jessica:

There are my keys. But wherefore should I go?

I am not bid for love; they flatter me:

But yet I'll go in hate, to feed upon

The prodigal Christian. Jessica, my girl,

Look to my house. I am right loath to go:

There is some ill a-brewing towards my rest,

For I did dream of money-bags to-night.5 5 “Jessica, hoje tive um convite para ceia. / Toma conta das chaves. Nem sei mesmo / por que deva aceitá-lo. Esse convite / não é sincero, é adulação, apenas. / Jessica, minha filha, fecha a casa. / Saio pouco tranquilo; qualquer coisa / ruim fermenta contra meu sossego, / pois sonhei toda a noite com dinheiro.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 59)

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 251).

Shylock está relutante em ir ao jantar, porque sente que os cristãos o adulam e convidam-no somente como uma atitude hipócrita. É notável que, por meio de sua indisposição, Shylock pode sentir e intuir que alguma coisa vai acontecer. Sua intuição é aguçada, pois sonhou com sacos de dinheiro, o que ele interpreta como um sinal negativo ao qual ele deveria ceder. Shakespeare coloca na peça esse detalhe mínimo para sugerir que Shylock é intuitivo agora, ao invés de ser cético como ele parece no início da peça. Contudo, é ingênuo, o que o faz acreditar em Jéssica. Consequentemente, é incapaz de perceber que tanto Lancelot como sua filha estão enganando-o e traindo-o. Então, será difícil para ele reconhecer e aceitar que foi arruinado, de alguma maneira, por sua própria filha. Shakespeare representa as dimensões interiores de Shylock tornando-o cada vez mais complexo e conflitante. Embora alguns críticos pontuem que Shylock é muito ressentido, mesquinho e repressivo nessa cena, outros pontuam que ele é antes complexo e está confuso.

Após essa fala com Jéssica, Lancelot implora que Shylock vá ao jantar, provavelmente para facilitar a fuga de Jéssica. Lancelot é ingênuo e afirma que “And [if] they have conspired together, I will not say you shall see a masque”6 6 E se conspirarem, não vou dizer que você verá uma mascarada. (Tradução do autor). (SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 252). Lancelot faz uma paródia do medo de Shylock, sugerindo que haverá máscaras, o que deixa Shylock ainda mais inquieto:

What, are there masques? Hear you me, Jessica:

Lock up my doors; and when you hear the drum

And the vile squealing of the wry-necked fife,

Clamber not you up to the casements then,

Nor thrust your head into the public street

To gaze on Christian fools with varnished faces,

But stop my house's ears, I mean my casements:

Let not the sound of shallow foppery enter

My sober house. By Jacob's staff, I swear,

I have no mind of feasting forth to-night:

But I will go.7 7 “Como! Vai haver máscaras? Ouviste, / Jessica? Fecha as portas. Quando ouvires / barulho de tambor e os irritantes / guinchos das flautas de pescoço torto, / não te ponhas olhar pela janela, / nem para rua pública te inclines, / para ver os cristãos sarapintados, / mas os ouvidos tapa bem da casa, / digo, as janelas, para que o barulho / dessas futilidades não penetre / em minha casa honrada. Juro pelo / cajado de Jacó que não me sinto / disposto hoje a cear fora de casa. / Mas, assim mesmo, irei.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 60)

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 252–253).

A reação de Shylock é desconfiar de Lancelot e apenas aconselhar Jéssica. Novamente seu ceticismo é realçado aqui, mas sua cegueira supera seu ceticismo, porque ele não consegue perceber nas aparências que tanto Jéssica como Lancelot o enganam e escondem suas intenções interiores. Shylock supõe que Jéssica obedecerá suas ordens e não aparecerá na janela, tampouco sairá de casa. Desconfia dos venezianos, porque normalmente fogem com jovens durante as mascaradas. Nesse sentido, um texto anônimo da época, chamado A Discovery of the Great Subtlety and Wonderful Wisdom of the Italians enfatiza que os venezianos usavam as mascaradas para extorquir dinheiro (KAPLAN, 2002KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002., p. 150–153). Os venezianos usavam máscaras com as quais “eles se escondem para conseguir vantagens e enriquecer através de subversão e pilhagem dos outros” (KAPLAN, 2002KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002., p. 151) A representação negativa dos venezianos nas narrativas da época poderia ser conhecida pelo público e tal representação poderia despertar suspeitas sobre os cristãos (católicos) na peça.

Nessa cena, Shylock considera sua casa como uma “sober house” (casa sóbria). Além do mais, sua casa é como o corpo humano, que precisa de cuidados e proteção: “tranque os ouvidos de minha casa”. Anita Sherman argumenta que Shylock pensa que sua casa é um espaço interior de “retiro e um símbolo de interioridade e personalidade” (SHERMAN, 2004SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
, p. 280). Seu ato falho, “os ouvidos de minha casa”, sugere que ele vê sua casa extensão de seu corpo. De acordo com Sherman (2004)SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
,

esse ato falho, a personificação de sua casa, mostra que Shylock não estão tão lúcido como ele pensa ser e que, em sua conjetura de que Jéssica é uma extensão dele mesmo, ele é extremamente vulnerável. Isso também revela seu hábito de trancar estímulos não bem-vindos e recusar o conhecimento (SHERMAN, 2004SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
, p. 280).

Então, ele vê sua filha, seus ganhos e sua casa como uma extensão de seu corpo. Contudo, não reconhece que são todos vulneráveis e que o levarão ao desespero posteriormente. Ao tentar persuadi-la de que ela deve fechar sua casa, ele contraditoriamente revela que não confia em Jéssica. Talvez sinta que sua relação já está comprometida e em desarmonia. Pensa que ainda pode ensinar a ela que sua casa e sua família são as coisas que ele mais preza. Mas somente após a fuga de Jéssica ele irá reconhecer seu fracasso, pois a atitude de Jéssica de deixar sua casa e religião demonstra que Shylock foi incapaz de ensinar-lhe seus valores. Quando estão juntos, seu diálogo mostra pouca intimidade. Posteriormente, observa-se que não soube comunicar os valores sentimentais de seu anel dado por sua falecida esposa, Leah (SHERMAN, 2004SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
, p. 281). Num certo sentido, na medida em que ele não reconhece as intenções de Jéssica, ela não reconhece que está cego e que é enganado. Tanto sua cegueira quanto seu ceticismo apontam para seus conflitos interiores. Esses conflitos surgem em seu comportamento, atitudes e ações. Embora duvide das atitudes dos cristãos, não duvida das intenções de Jéssica.

3 Consciência, vergonha e interioridade de Jéssica

Na cena da fuga de Jéssica, Lorenzo foge com Jéssica e revela suas intenções sinistras:

She hath directed

How I shall take her from her father's house,

What gold and jewels she is furnished with,

What page's suit she hath in readiness.

If e'er the Jew her father come to heaven,

It will be for his gentle daughter's sake:

And never dare misfortune cross her foot,

Unless she do it under this excuse,

That she is issue to a faithless Jew8 8 “Ela me indica o modo de tirá-la / da casa do judeu, e que tem pronta / para a saída de uma libré de pajem. / Se o pai dela, o judeu, em qualquer tempo / chegar a ir para o céu, será por causa / dessa adorável filha, cuja vida / não poderá ser perturbada nunca / por nenhuma desgraça, salvo, apenas, sob a desculpa de ser ela filha / de um judeu infiel.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 57).

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 249).

Lorenzo é hipócrita e cínico ao afirmar que a atitude de Jéssica de pegar o dinheiro de seu pai é um tipo de bênção, que ajudaria Shylock a ir para o céu. Ora, nessa primeira fala, Lorenzo parece mais interessado na fortuna de Jéssica e em suas joias do que em seu amor. Então, as principais perguntas são: Lorenzo é realmente fiel a Jéssica? Ele realmente a ama ou quer somente seu dinheiro? Vale notar que na cena da fuga, Lorenzo chega atrasado e Salerio e Gratiano o criticam por isso, visto que um amante fiel chegaria mais cedo do que qualquer um. Assim, Shakespeare apresenta a fuga de Jéssica de modo ambíguo, porque não é claro se Jéssica e Lorenzo se amam de fato ou se querem pegar o dinheiro de Shylock e fugir. Para tanto, dissimulam suas intenções interiores ao assumir que realmente se amam. É o que discutirei a seguir.

A fuga de Jéssica inicia de maneira muito contraditória. Gratiano e Salerio observam que Lorenzo está bastante atrasado para seu compromisso com eles:

SALERIO. His hour is almost past.

GRATIANO. And it is marvel he out-dwells his hour,

For lovers ever run before the clock.

SALERIO. O, ten times faster Venus' pigeons fly

To seal love's bonds new-made, than they are wont

To keep obliged faith unforfeited!9 9 “SALERIO. Já é tarde. / GRACIANO. Seria de admirar qualquer atraso / por parte dele, pois os namorados / chegam sempre antes da hora. / SALERIO. Oh! Porque os laços / de um novo amor mais apertados deixem. / Voam as pombas de Vênus vinte vezes / mais depressa do que eles sempre o fazem / para guardar intacto o juramento.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 62).

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 255–256).

O imaginário do amor normalmente apresenta os amantes como muito preocupados, adiantados, com pressa, precipitados e ávidos de encontrar suas amadas. Na obra de Shakespeare, vemos bons exemplos de amantes que desejam ver suas amadas o quanto antes: em Romeo and Juliet, Julieta não vê a hora de encontrar Romeo e ela deseja que o tempo passe rapidamente (SHAKESPEARE, 1993SHAKESPEARE, William. Romeo and Juliet. New York: Dover, 1993., p. 49); no início de A Midsummer Night's Dream, Theseus e Hyppolita sofrem porque o tempo retarda a sua “hora nupcial” (SHAKESPEARE, 1992aSHAKESPEARE, William. A Mid-Summer Night's Dream. New York: Dover, 1992a., p. 1). Contudo, Lorenzo não parece um amante ávido como Romeo e Julieta, Theseus e Hyppolita. Salerio observa que os mensageiros de Venus (pombos) são céleres em “selar os laços amorosos recém-feitos” e Gratiano observa que “os amantes sempre correm antes do relógio.” Seu atraso faz com que suspeitem que Lorenzo não deseja Jéssica tanto assim. Pode ter outros compromissos ou encontros (affairs). De fato, ele confessa que teve alguns “affairs” antes de fugir com Jéssica. Como o próprio Lorenzo afirma

Sweet friends, your patience for my long abode;

Not I, but my affairs have made you wait:

When you shall please to play the thieves for wives,

I'll watch as long for you then.10 10 “Caros amigos, desculpai o atraso; / mas não fui eu a causa de esperardesme, senão tão-só negócios. Quando ao rapto / de mulheres também vos decidirdes, / esperarei por vós do mesmo modo.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 63).

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 258 – itálicos meus).

Não é claro se a palavra “affairs” significa algum negócio que ele teve de resolver ou outro encontro amoroso (love affair). Nenhum editor comentou a ambiguidade dessa palavra nessa fala nas seguintes edições da peça que consultei: John Drakakis (SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010.), Lindlay Kaplan e David Bevington (SHAKESPEARE, 2002SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. In: KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002.), Barbara Mowt e Paul Werstine (SHAKESPEARE, 1992bSHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por Barbara Mowt e Paul Werstine's. New York: Washing Square Press, 1992b.), e Walter (SHAKESPEARE, 1960SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. London: Walter Heinemann, 1960.). Levando em conta esse detalhe, a atitude (amorosa) ambígua com Jéssica pode ser vã e duvidosa. Contraditoriamente, ele promete “watch as long” – fazer vigília por quanto tempo eles quiserem quando eles fugirem com outras mulheres (wives). Fica evidente nessas afirmações que ele honra mais os propósitos de seus amigos do que seu amor por Jéssica. Além disso, a palavras “thieves” implica que estão saqueando o dinheiro e as joias de Shylock. Ironicamente, Lorenzo sugere que eles “interpretarão ladrões de esposas”, aludindo a engodo e pilhagem, o que é muito inquietador ouvir de um amante. Seu pendor oportunista é um traço que representa suas intenções interiores sinistras, mas que são disfarçadas pelo amor.

O que está implícito nessa fala é a pergunta: Lorenzo realmente ama Jéssica? O atraso de Lorenzo sugere algo meramente superficial em sua relação com ela. Num nível superficial, parecem se amar, e isso é aparentemente o que eles fazem. Mas a relação superficial de Jéssica e Shylock parece ser duplicada em sua futura relação com Lorenzo. De fato, ele parece inconscientemente muito mais interessado no dote de Jéssica do que em seu amor, beleza e valores. Consequentemente, honra, respeito e fidelidade não estão na ordem do dia. Shakespeare representa os desejos e intenções de Lorenzo em sua relação ambígua e sinistra, pois, embora jure que ele a ama, pode-se facilmente imaginar seus propósitos reais: ele deseja seus ducados e joias. Nessa peça, Shakespeare construiu a interioridade das personagens de maneira muito similar: assim como Bassanio quer cortejar Portia principalmente por causa de sua fortuna, Lorenzo também parece fugir com Jéssica por causa de dinheiro e ambição. Tanto Bassanio como Lorenzo medem a beleza e amor de Portia e Jéssica em termos monetários. Os discursos de todas as personagens da peça são perpassados por termos financeiros, o que revela confusão entre dinheiro e sentimentos.

Da mesma forma, muito embora Jéssica jure que ama Lorenzo, foge com ele provavelmente porque quer fugir de sua casa que se parece um inferno. No final da peça, ela ainda aparenta ser uma figura triste e infeliz. (SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 373–375). Quando ela encontra Lorenzo, é sugerido que seu amor é duvidoso. Quando ele a chama para fora da casa de Jéssica, ela ainda parece não acreditar em seu amor:

JESSICA. Who are you? Tell me, for more certainty,

Albeit I'll swear that I do know your tongue.

LORENZO. Lorenzo, and thy love.

JESSICA. Lorenzo, certain, and my love indeed,

For who love I so much? And now who knows

But you, Lorenzo, whether I am yours?11 11 “JESSICA. Quem sois? Falai-me, para meu governo, / embora eu jure que conheço a voz. / LOURENÇO. Lourenço e teu amor. / JESSICA. Lourenço, certo; e meu amor, de fato. / Pois, a quem amo tanto? E quem certeza, / senão vós, pode ter de que sou vossa?” (SHAKESPEARE, 2005, p. 63–64).

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 258–259).

Embora ambos expressem seu amor, ela não para de fazer perguntas. É evidente que duvida de seu amor. Além do mais, os intensificadores certainty, indeed e certain são usados, contraditoriamente aqui, para expressar incerteza e insegurança. Seu amor é expressado por ceticismo e dúvida, sugerido por perguntas que colocam em xeque seu amor para ela, e o dela para ele.

Além do mais, ela revela vergonha em estar vestida como um menino:

I am glad ‘tis night, you do not look on me,

For I am much ashamed of my exchange:

But love is blind and lovers cannot see

The pretty follies that themselves commit;

For if they could, Cupid himself would blush

To see me thus transformed to a boy.12 12 “Por sorte a noite é escora e não me vedes, / pois tenho acanhamento de meus trajos. / Contudo, o amor é cego, e os namorados / não vêem as tolices impagáveis / que eles próprios praticam, que, se o vissem, / té mesmo Amor ficara enrusbescido, / por me ver transformada agora em pajem.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 64).

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 259).

Sua vergonha é provavelmente não apenas porque ela está vestida como um menino, mas porque inconscientemente sabe que está fugindo com um cristão e roubando o dinheiro de seu pai. Sua consciência surge através de sua vergonha e no reconhecimento de suas ações inconsequentes. Além disso, vestir-se de homem era muito cômico e tinha conotações eróticas na época. De acordo com um relato, vestir-se de homem não era virtuoso para as mulheres. Fynes Moryson, em seu texto An Itinerary (KAPLAN, 2002KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002., p. 162), relata que muitas mulheres eram infiéis na Itália e ele viu prostitutas que gostavam de se vestir de homem.

Além disso, quando Lorenzo pede que ela “Descend, for you must be my torchbearer13 13 “Desceis, porque ides ser meu porta-tochas” (SHAKESPEARE, 2005, p. 64). (SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 259), ela reage com vergonha:

What, must I hold a candle to my shames?

They in themselves, good sooth, are too too light.

Why, ‘tis an office of discovery, love;

And I should be obscured.14 14 “Como! É preciso, então, que eu ilumine / minha própria vergonha? Ela já se acha / por demais devassada. Isso, querido, / é trabalhar às claras, e eu preciso / resguardar-me na sombra.” (SHAKESPEARE, 2005, p. 64).

(SHAKESPEARE, 2010SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice. Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 259–260).

Se, por um lado, está com vergonha de vestir-se de homem, por outro, torchbearer e hold a candle têm conotações eróticas nesse diálogo. Além do mais, as mascaradas venezianas eram associadas a homens ignóbeis e prostitutas, de acordo com Moryson e Coryate (KAPLAN, 2002KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002.). Há uma sugestão erótica e carnal implícita nesses trocadilhos fálicos torchbearer e hold a candle. Até hoje, em inglês a gíria “carry the torch for” significa estar apaixonado por alguém, especialmente sofrer de amor não correspondido por alguém (STEIN, 1975STEIN, Jess. The Random House College Dictionary. New York: Random House, 1975., p. 1386 e DRAKAKIS, 2010DRAKAKIS, John. Introduction and Notes. In: SHAKESPEARE, W. The Merchant of Venice. London: Arden Shakespeare, 2010., p. 259). Assim também, está implícita nesse trocadilho a ideia de chama, a chama do amor, que é um lugar-comum na poesia ocidental. Nesse sentido, o amor de Jéssica por Lorenzo é enfatizado por conotações eróticas e carnais, assim como suas dúvidas e perguntas sugerem que o amor de ambos não seja sincero. Se ela se sente envergonhada por ser o torchbearer de Lorenzo, a vergonha implica a culpa pelo desejo erótico sugerido nesse trocadilho. Novamente Shakespeare retrata a interioridade de Jéssica por vergonha, consciência e pelo desejo erótico não reconhecido.

Nesse sentido, Ewan Fernie (2002)FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare). escreveu Shame in Shakespeare que aborda o problema da vergonha detalhadamente. De acordo com o autor, vergonha é um dos sentimentos mais ambíguos e penosos na natureza humana. Essa ambiguidade reside na capacidade de a vergonha constranger tanto quanto mudar o sujeito. Para ele, “embora possa inibir, constranger e até destruir uma pessoa, ela pode também fazê-lo mudar e iniciar uma vida nova (FERNIE, 2002FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare)., p. 01). A vergonha é também incontrolável e imprevisível. A vergonha em Shakespeare é um meio que as personagens enfrentam para experimentar “a relação com o mundo fora do sujeito” (FERNIE, 2002FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare)., p. 01). Na opinião de Fernie, “a vergonha funciona como a revelação de uma falha fundamental no ser humano.” (FERNIE, 2002FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare)., p. 05). Constitui uma revelação não bem-vinda das dimensões e pendores inaceitáveis do indivíduo. Além disso, a vergonha tem muitas distinções, especialmente a relação que ela estabelece com o mundo. Pode ser privada ou pública, moral ou amoral. O indivíduo pode experienciar a vergonha ao ser exposto em público, mas pode também experienciá-la dentro de si, sem revelála aos outros. A vergonha pode ser definida moralmente: “a vergonha amoral ou mundana é a perda do poder ou prestígio pessoal, a vergonha moral ou espiritual é a perda da virtude como a bondade; a primeira leva tipicamente a autoafirmação renovada, às vezes violenta, a última ao arrependimento” (FERNIE, 2002FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare)., p. 12).

Nesse sentido, a vergonha de Jéssica pode ser lida como sua vergonha da fuga e, após isso, a de ser incasta. Fernie afirma que, na Renascença,

embora todos os seres humanos sensíveis permanecem mais ou menos suscetíveis a ambos os tipos [de vergonha], a vergonha masculina tradicionalmente provém da fraqueza ou falta de poder, a vergonha feminina da perda da castidade ou alguma outra forma de intemperança. (FERNIE, 2002FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare)., p. 12).

Especialmente na Renascença, a vergonha feminina era mais séria e assustadora do que a vergonha masculina. Fernie aponta que a vergonha é um sinal de que algo está errado na consciência do indivíduo: “se a integridade é a condição da personalidade, a vergonha é o alarme para o perigo psicológico, assim como a dor corporal é para a ameaça física: um aviso de que a identidade do sujeito está em perigo” (FERNIE, 2002FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare. London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare)., p. 17). A vergonha de Jéssica, portanto, assinala sua percepção de perda da castidade e conversão para o cristianismo como um alarme de que algo vai mudar para sempre nela. A vergonha de Jéssica é um traço usado para a mímesis da consciência e da interioridade na peça.

Além do mais, a atitude de Jéssica e Lorenzo não seria muito estimada pelo público elisabetano, uma vez que as fugas eram extremamente repreendidas e condenadas. Mary Metzger (1998)METZER, Mary Janell. Now by My Hood, a Gentle and No Jew: Jessica, The Merchant of Venice, and the Discourse of Early Modern English Identity. PMLA, v. 113, n. 1, p. 52–63 (Special Topic: Ethnicity), 1998. Acesso em: 20 jan. 2011. observa as consequências da fuga de Jéssica na mesma linha da análise de Lenker (2001)LENKER, L. T. Fathers and Daughters in Shakespeare and Shaw. Westport: Greenwood Press, 2001.: o poder e a autoridade patriarcais e paternos eram estabelecidos de acordo com a cadeia de ordem, que era considerada divinamente ordenada. Essa ordem assegurava os direitos de um soberano sobre seus súditos e o poder dos pais sobre seus filhos. Portanto, a reação do público poderia ser bastante negativa, porque “o desprezo de Jéssica pela autoridade cria então o primeiro obstáculo para a aceitação dela como cristã” (METZER, 1998METZER, Mary Janell. Now by My Hood, a Gentle and No Jew: Jessica, The Merchant of Venice, and the Discourse of Early Modern English Identity. PMLA, v. 113, n. 1, p. 52–63 (Special Topic: Ethnicity), 1998. Acesso em: 20 jan. 2011., p. 56). Assim, sua conversão para o cristianismo está bastante comprometida, porque no pensamento renascentista a mulher que não respeitasse um pai ou um soberano, não respeitaria Deus, tampouco o esposo.

Além do mais, há um problema na fuga de Jéssica que se relaciona à escolha de um marido. A Inglaterra do primeiro moderno debatia constantemente sobre a autoridade de se escolher um marido e uma esposa. Para Metzger (1998)METZER, Mary Janell. Now by My Hood, a Gentle and No Jew: Jessica, The Merchant of Venice, and the Discourse of Early Modern English Identity. PMLA, v. 113, n. 1, p. 52–63 (Special Topic: Ethnicity), 1998. Acesso em: 20 jan. 2011. e Lenker (2001)LENKER, L. T. Fathers and Daughters in Shakespeare and Shaw. Westport: Greenwood Press, 2001., esse era um problema delicado. Se príncipes e princesas eram obrigados a respeitar a decisão paterna de casar-se com alguém que eles nunca conheceram, até mesmo filhos de classes mais baixas eram às vezes obrigados a se casar com quem seus pais desejassem.

Metzger também enfatiza os problemas criados pelo casamento entre um cristão e uma judia: “a disputa entre o desejo individual e a autoridade patriarcal na escolha de esposos era frequentemente muito intenso quando os casamentos eram propostos entre crentes e não-crentes” (METZER, 1998METZER, Mary Janell. Now by My Hood, a Gentle and No Jew: Jessica, The Merchant of Venice, and the Discourse of Early Modern English Identity. PMLA, v. 113, n. 1, p. 52–63 (Special Topic: Ethnicity), 1998. Acesso em: 20 jan. 2011., p. 56). Então, a vergonha de Jéssica pode ser provocada também por essas implicações: escolher um marido e casar-se com um cristão. Simultaneamente, esses detalhes poderiam causar angústias no público, que reagiria negativamente. Esses fatos enfatizam visões negativas de sua fuga.

Do mesmo modo, para Janet Adelman (2008)ADELMAN, Janet. Blood relations: Christian and Jew in The Merchant of Venice. Chicago/London: The University of Chicago Press: 2008., a conversão de Jéssica ao cristianismo é fantasiada por ela em um casamento que ninguém sabe se realmente aconteceu. Numa promessa imaginária de se tornar cristã, Jéssica deixa a casa de seu pai e se converte ao cristianismo. Contudo, sua fuga e seu suposto casamento com Lorenzo não garantem uma conversão efetiva. Sua tristeza no final da peça sugere que ser cristã não mudou nada. Ninguém em Belmont, Portia, Bassanio, Antônio e Gratiano a reconhecem como uma cristã bem-vinda. Tratam-na quase como se fosse uma estranha. Para Adelman, Belmont, imaginada como um lugar para a harmonia cristã, compromete a fuga e conversão de Jéssica, porque ela tem a “limitação” do sangue de seu pai (ADELMAN, 2008ADELMAN, Janet. Blood relations: Christian and Jew in The Merchant of Venice. Chicago/London: The University of Chicago Press: 2008., p. 73). Contudo, o que ao mesmo tempo perturba os cristãos não é que ela se converteu ao cristianismo, mas a mera ideia de que ela é semelhante demais com os cristãos em suas maneiras, gestos e ações. Tal confusão ameaça constantemente as distinções entre cristãos e judeus, que são tão caras a eles. Quando Jéssica é descrita como “fair”, essa palavra, além de ter o significado de bonita, tem também o significado de cor branca da pele. A distinção dos judeus na Inglaterra dos séculos XVI e XVII era às vezes imaginada pela cor da pele. Nesse sentido, a angústia dos cristãos sobre Jéssica é enfatizada por suas semelhanças com eles, o que, no entanto, marca que ela é igual a eles.

Portanto, Shakespeare representa Jéssica como uma personagem complexa, e não uma mera filha mesquinha, que rouba o dinheiro de seu pai e foge. Até o fim da peça Jéssica ainda é uma personagem triste, infeliz e silente. Sua vergonha e consciência fazem-na sentir-se triste e sugere também suas dimensões psicológicas. Shakespeare representa a interioridade de Jéssica através da vergonha, consciência e consequente infelicidade. Foge e rouba o dinheiro de seu pai, porque não podia sentir nenhum laço afetivo com seu pai. Como vimos, na primeira vez que pai e filha se encontram, Shakespeare constrói seu diálogo de modo que revela que a relação entre pai e filha se quebrou há muito tempo. É uma relação distante e complicada, que sugere que pai e filha partilham poucos sentimentos, afeições e respeito. Conforme Sherman (2004)SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
http://www.jstor.org/stable/3844630...
afirma, Shylock não pôde ensinar a Jéssica seus valores e, assim, ela simplesmente desrespeita o que ele tanto estima. Através dessa relação distante, Shakespeare representa a cegueira de Shylock em relação à sua filha e essa cegueira estigmatiza a interioridade de Shylock: ele não conhece a si mesmo.

Considerações finais

A relação ambígua e dissimulada de Jéssica para com sua figura paterna Shylock demonstra elementos da interioridade de Jéssica que vem à tona em seu discurso, em suas ações e atitudes. A negação da figura paterna, de seus costumes e de sua religião são perpassados por espasmos na consciência de Jéssica. Assim também, a vergonha sugere que sua consciência e culpa são estruturas sobredeterminantes da interioridade de Jéssica. A linguagem dos diálogos de Jéssica e Lorenzo sugere que seu amor pode não ser sincero e movido por sentimentos genuínos. Como vimos, Jéssica faz insistentemente perguntas que revelam algo além da mera aparência de amor sincero.

Sua atitude parece ser movida pela oportunidade de fugir de casa e tomar a fortuna de Shylock. Da mesma forma, o amor de Lorenzo por Jéssica é expressado enfaticamente por conotações carnais e eróticas durante toda a peça. Se a relação de Jéssica e Lorenzo é movida por interesses não afetivos, sugerido em seus diálogos com dúvidas e conotações eróticas, então traços obscuros, pendores sinistros e oportunistas determinam tanto sua relação, como sua interioridade ou identidade. Seu desejo de fuga é determinado pela vontade de tomar os ducados de Shylock e de fugir da casa de seu pai, que Jéssica considera um inferno.

A relação carnal e erótica evidente nas cenas do casal em fuga é sugerida por gírias e expressões eróticas da época. Se Jéssica sente-se envergonhada por ser o porta-tocha de Lorenzo, a vergonha implica culpa pelos desejos eróticos implicados nesse trocadilho. Além disso, assim como Bassanio, Lorenzo é um caça-fortuna que provavelmente foge com Jéssica para conseguir o dinheiro do judeu. Lorenzo funciona na peça como um duplo de Bassanio que também está ávido em conseguir fortuna por meio do casamento. Shakespeare duplica os sentimentos de uma personagem em outra a fim de realçar suas sinistras dimensões interiores. O recurso mimético do espelhamento de um sentimento de uma personagem em outra é uma técnica empregada por Shakespeare para representar a interioridade e a subjetividade na peça.

Outro tópico importante discutido na peça é a problemática relação entre pais e filhas. Shakespeare representa a relação de Jéssica e Shylock de modo muito distante e estranho, a fim de sugerir que Shylock e sua filha partilham poucos sentimentos e respeito, e que sua relação já está rompida há algum tempo. Com efeito, Shylock não conseguiu ensinar seus valores a sua filha e assim ela simplesmente desrespeita o que é mais caro a ele. Através dessa relação distante e fria Shakespeare representa a cegueira de Shylock em relação à sua filha. Essa cegueira estigmatiza a interioridade do judeu: ele não se conhece, assim como não conhece sua filha e nem imagina o que ela virá a fazer com ele.

  • *
    Professor do Curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT), atuando como coordenador e docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Letras do Campus de Porto Nacional. Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: <ludwig.crl@gmail.com> e <carlosletras@uft.edu.br>.
  • 2
    A interioridade – inwardness – era uma noção muito preliminar ao que chamamos hoje subjetividade ou identidade. Por isso, uso o termo corrente na época para referir a uma noção que era vaga no período, mas que era definida apenas pela percepção do outro.
  • 3
    As traduções da peça são da tradução do Mercador de Veneza, feita por Carlos Alberto Nunes (2005): “Oh! Que odioso pecado é envergonhar-me / de ter o pai que tenho! Mas embora/ do sangue dele eu venha, não sou filha / daquele coração. Ó meu Lourenço! / Se a promessa cumprires, hei de em breve / livrar-me desta situação enleada; / cristã me torno e tua esposa amada.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 54)
  • 4
    “Chamastes-me? Que desejais?” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 58)
  • 5
    “Jessica, hoje tive um convite para ceia. / Toma conta das chaves. Nem sei mesmo / por que deva aceitá-lo. Esse convite / não é sincero, é adulação, apenas. / Jessica, minha filha, fecha a casa. / Saio pouco tranquilo; qualquer coisa / ruim fermenta contra meu sossego, / pois sonhei toda a noite com dinheiro.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 59)
  • 6
    E se conspirarem, não vou dizer que você verá uma mascarada. (Tradução do autor).
  • 7
    “Como! Vai haver máscaras? Ouviste, / Jessica? Fecha as portas. Quando ouvires / barulho de tambor e os irritantes / guinchos das flautas de pescoço torto, / não te ponhas olhar pela janela, / nem para rua pública te inclines, / para ver os cristãos sarapintados, / mas os ouvidos tapa bem da casa, / digo, as janelas, para que o barulho / dessas futilidades não penetre / em minha casa honrada. Juro pelo / cajado de Jacó que não me sinto / disposto hoje a cear fora de casa. / Mas, assim mesmo, irei.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 60)
  • 8
    “Ela me indica o modo de tirá-la / da casa do judeu, e que tem pronta / para a saída de uma libré de pajem. / Se o pai dela, o judeu, em qualquer tempo / chegar a ir para o céu, será por causa / dessa adorável filha, cuja vida / não poderá ser perturbada nunca / por nenhuma desgraça, salvo, apenas, sob a desculpa de ser ela filha / de um judeu infiel.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 57).
  • 9
    “SALERIO. Já é tarde. / GRACIANO. Seria de admirar qualquer atraso / por parte dele, pois os namorados / chegam sempre antes da hora. / SALERIO. Oh! Porque os laços / de um novo amor mais apertados deixem. / Voam as pombas de Vênus vinte vezes / mais depressa do que eles sempre o fazem / para guardar intacto o juramento.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 62).
  • 10
    “Caros amigos, desculpai o atraso; / mas não fui eu a causa de esperardesme, senão tão-só negócios. Quando ao rapto / de mulheres também vos decidirdes, / esperarei por vós do mesmo modo.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 63).
  • 11
    “JESSICA. Quem sois? Falai-me, para meu governo, / embora eu jure que conheço a voz. / LOURENÇO. Lourenço e teu amor. / JESSICA. Lourenço, certo; e meu amor, de fato. / Pois, a quem amo tanto? E quem certeza, / senão vós, pode ter de que sou vossa?” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 63–64).
  • 12
    “Por sorte a noite é escora e não me vedes, / pois tenho acanhamento de meus trajos. / Contudo, o amor é cego, e os namorados / não vêem as tolices impagáveis / que eles próprios praticam, que, se o vissem, / té mesmo Amor ficara enrusbescido, / por me ver transformada agora em pajem.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 64).
  • 13
    “Desceis, porque ides ser meu porta-tochas” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 64).
  • 14
    “Como! É preciso, então, que eu ilumine / minha própria vergonha? Ela já se acha / por demais devassada. Isso, querido, / é trabalhar às claras, e eu preciso / resguardar-me na sombra.” (SHAKESPEARE, 2005SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., p. 64).

Referências

  • ADELMAN, Janet. Blood relations: Christian and Jew in The Merchant of Venice Chicago/London: The University of Chicago Press: 2008.
  • COLLINS, Stephen L. From divine cosmos to sovereign state Oxford: Oxford University Press, 1989.
  • DRAKAKIS, John. Historical difference and Venetian Patriarchy. In: COYLE, Martin. The Merchant of Venice: contemporary critical essays. London: Macmillan, 1998. (New Casebooks). p. 181–208.
  • DRAKAKIS, John. Introduction and Notes. In: SHAKESPEARE, W. The Merchant of Venice London: Arden Shakespeare, 2010.
  • FERNIE, Ewan. Shame in Shakespeare London: Routledge, 2002. (Series Accents on Shakespeare).
  • GRAHAM, John. The Merchant of Venice. In: WILDERS, John (Org.). Shakespeare: the Merchant of Venice. London: Macmillan, 1969. (Casebook Series).
  • KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002.
  • LENKER, L. T. Fathers and Daughters in Shakespeare and Shaw Westport: Greenwood Press, 2001.
  • MAUS, Katharine Eisaman. Inwardness and Theater in the English Renaissance Chicago/London: University of Chicago Press, 1995.
  • MCGINN, Colin. Shakespeare's Philosophy: Discovering the meaning behind the plays. New York: Harper, 2007.
  • METZER, Mary Janell. Now by My Hood, a Gentle and No Jew: Jessica, The Merchant of Venice, and the Discourse of Early Modern English Identity. PMLA, v. 113, n. 1, p. 52–63 (Special Topic: Ethnicity), 1998. Acesso em: 20 jan. 2011.
  • SHAKESPEARE, William. A Mid-Summer Night's Dream New York: Dover, 1992a.
  • SHAKESPEARE, William. O Mercador de Veneza Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
  • SHAKESPEARE, William. Romeo and Juliet New York: Dover, 1993.
  • SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice Editado por Barbara Mowt e Paul Werstine's. New York: Washing Square Press, 1992b.
  • SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice Editado por John Drakakis. London: Arden Shakespeare, 2010.
  • SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice In: KAPLAN, M. Lindsay; BEVINGTON, David (Orgs.). The Merchant of Venice: texts and contexts. New York: Palgrave, 2002.
  • SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice London: Walter Heinemann, 1960.
  • SHERMAN, Anita Gilman. Disowning knowledge of Jessica, or Shylock's scepticism. Studies in English Literature, 1500–1900, v. 44, n. 2, p. 277–295, 2004. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3844630>. Acesso em: 20 fev. 2011.
    » http://www.jstor.org/stable/3844630
  • STEIN, Jess. The Random House College Dictionary New York: Random House, 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2016
  • Aceito
    01 Set 2016
EDIPUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Partenon, Porto Alegre - RS, 90619-900, Tel: 3320-3500 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: letrasdehoje@pucrs.br