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Apresentação

QUESTÃO AGRÁRIA, HOJE

Apresentação

O tema da questão agrária tem ressurgido, ciclicamente, no debate político brasileiro. Ocupou lugar importante nos embates que antecederam o golpe militar de 1964 e foi, pela vertente do projeto de reforma agrária, uma das prioridades da frente partidária que viabilizou o recente governo de transição.

A trajetória deste projeto nas negociações que definiram o pacto da transição foi, entretanto, bastante perversa: de prioridade do processo de redemocratização, no início do governo Sarney, a reforma agrária passou a ser entendida, no final dos trabalhos constituintes, como ameaça ou obstáculo ao processo de modernização da sociedade brasileira. A solução desta aparente contradição foi a subordinação do projeto de reforma agrária a uma política agrícola concebida como asseguradora do atual padrão de modernização da agricultura. Em outras palavras, está em jogo o seu reequacionamento como "política social compensatória e não mais como alternativa viável de reorganização produtiva" (Martine).

Esse desfecho deu alento às posições dominantes sobre a modernização da agricultura brasileira. Partindo do diagnóstico da crescente eficácia de seu desempenho, essas posições afirmam a inexorabilidade do desenvolvimento da agricultura empresarial, e, portanto, da inviabilidade econômica da pequena agricultura familiar. Esse desenrolar do debate parece ter obscurecido, por algum tempo, os divisores entre os interesses políticos das forças reformistas e contra-reformistas presentes nas negociações políticas do governo de transição (D'Incao, Lua Nova, nº 20).

Acompanhando, entretanto, a derrocada do projeto reformista e a vitória das forças conservadoras na Nova República, a reflexão crítica sobre a questão agrária brasileira começa a se rearticular. Desta feita, orientada pelo duplo desafio da construção da democracia e da modernidade na sociedade brasileira.

Lua Nova, neste número, reúne alguns dos termos desse debate que se recria. Num primeiro texto, George Martine sintetiza as referidas teses sobre a modernização da agricultura, questionando-lhes os pressupostos teóricos e as bases empíricas. Sem negar a importância do progresso técnico da agricultura, procura situá-lo historicamente e repensá-lo à luz do movimento da sociedade como um todo. A seguir, José Eli da Veiga analisa comparativamente a história recente de países do Primeiro Mundo, para evidenciar a necessidade de políticas estatais de distribuição da renda pela via da redistribuição da terra. Ainda, para justificar a necessidade de uma política de reforma agrária que permita desenvolver, no Brasil, a agricultura familiar moderna.

Ao nível sócio-político, José Vicente Tavares dos Santos analisa o que chama de "processo de colonização de novas terras", demonstrando uma continuidade política na forma pela qual a questão social no campo vem sendo "resolvida" pelas classes dominantes no Brasil contemporâneo. E, partindo do estudo de casos de um assentamento de trabalhadores sem terra, D'Incao trata, num outro artigo, dos efeitos dessa continuidade política nas tímidas experiências de "reforma agrária" em curso no país. Finalmente, um texto de Theodor Shanin sobre a agricultura soviética e a perestroika reafirma a complexidade e a atualidade da questão agrária no mundo contemporâneo.

Maria Conceição D'lncao

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1991
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