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Dimensões políticas da cultura do consumo

Political dimensions of the consumer's culture

Resumos

O desenvolvimento histórico de urna cultura do consumo é examinado pelo ângulo das suas dimensões políticas, com vistas a urna melhor compreensão das suas condições atuais. Especial atenção é dada às modalidades de organização da defesa dos direitos dos consumidores. Argumenta-se que determinadas novas tendências que o artigo assinala permitem pensar a cultura do consumo também da perspectiva de processos de expansão da cidadania, sem abandonar a ótica crítica.


The historical development of a consumer's culture is examined from the viewpoint of its political dimensions, in search of a better understanding of its present conditions. Special attention is given to the ways of organizing the protection of consumer's rights. It is argued that the even if viewed from a critical stance some new trends pointed out in the article allow us to link the consumer's culture with the growth of citizenship.


CONSTITUIÇÃO

Dimensões políticas da cultura do consumo1 1 O presente texto retoma e amplia questões que foram objeto do artigo "Raízes da cultura do consumo", publicado na Revista USP, nº 32, Dez-Jan-Fev 1996-97.

Political dimensions of the consumer's culture

Gisela Black Taschner

Professora de Sociologia na Escola de Administração de Empresas/SP da FGV e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

RESUMO

O desenvolvimento histórico de urna cultura do consumo é examinado pelo ângulo das suas dimensões políticas, com vistas a urna melhor compreensão das suas condições atuais. Especial atenção é dada às modalidades de organização da defesa dos direitos dos consumidores. Argumenta-se que determinadas novas tendências que o artigo assinala permitem pensar a cultura do consumo também da perspectiva de processos de expansão da cidadania, sem abandonar a ótica crítica.

ABSTRACT

The historical development of a consumer's culture is examined from the viewpoint of its political dimensions, in search of a better understanding of its present conditions. Special attention is given to the ways of organizing the protection of consumer's rights. It is argued that the even if viewed from a critical stance some new trends pointed out in the article allow us to link the consumer's culture with the growth of citizenship.

O consumo tem sido muito estudado do ponto de vista do Marketing e da Psicologia. Na Economia e na Sociologia o consumo foi menos estudado, ou melhor, foi abordado predominantemente sob uma ótica que privilegiava a produção.2 2 Aqui se incluem o marxismo em inúmeras variantes e posteriormente os integrantes da "Escola de Frankfurt".

Os enfoques mais tradicionais tornaram a questão dó consumo visível, ao analisarem uma série de processos tais como o crescente domínio do capital sobre o trabalho no processo de trabalho, a especialização do trabalhador e dos instrumentos de trabalho, a alienação daí decorrente, a revolução industrial, o crescimento das empresas, a burocratização e a separação entre capital e controle, o desenvolvimento do crédito, da publicidade, do marketing e da indústria cultural. Eles são elos importantes para a compreensão do desenvolvimento de uma sociedade de produção e consumo de massas e de uma cultura do consumidor. Mas nessas análises o consumo nunca foi o foco.

Em abordagens mais recentes das ciências sociais, o consumo vem sendo objeto de maior atenção, pensado do ângulo de sua relação com a cultura. Revendo a sociedade capitalista por um ângulo não explorado de modo sistemático pelas abordagens mais tradicionais, e apoiando-se muitas vezes em releituras de autores que andaram esquecidos no baú acadêmico, elas têm tentado reconstituir a emergência e o desenvolvimento de uma cultura voltada para o consumo e analisá-la nos dias atuais. O consumo pensado dessa maneira tem também dimensões políticas, às vezes negligenciadas por algumas análises. É de algumas delas que pretendo tratar nesse texto, primeiramente na consideração da gênese desse conjunto de práticas, disposições e representações que, ao menos provisoriamente, estamos chamando de cultura do consumo3 3 Está fora do âmbito desse trabalho discutir, do ponto de vista teórico, se se trata de uma cultura, ou subcultura, etc. e, em seguida, apontando-as em alguns traços e tendências da cultura contemporânea.

CULTURA DO CONSUMO E POSIÇÃO SOCIAL

À medida que se veja o consumo como momento determinado pela produção, mas que tem sua própria problemática e seus efeitos sobre a totalidade social, começa a fazer sentido pensar a emergência de uma cultura do consumo ou do consumidor.

Quando se pode falar numa cultura do consumo? Uma possibilidade é a partir do momento em que não os bens, mas a imagem desses bens se torna acessível a todos na sociedade. Isso obviamente é apenas um indício para se poder detectar a presença dessa cultura e de modo algum significa que ela se reduza a ele. É todo um conjunto de imagens e símbolos que vão sendo criados e recriados, associados a esses bens, além de novas formas de comportamento efetivo e no modo de pensar e sentir de segmentos cada vez mais amplos da população da chamada sociedade ocidental, os quais valorizam positivamente os atos ligados ao consumo de bens e /ou serviços, seja renovando-os seja acumulando-os.

Uma das características da cultura do consumo é que ela envolve não só o consumo de produtos essenciais para a sobrevivência física dos seres humanos como e, principalmente, o de produtos que se afastam dessa categoria4 4 A discussão sobre a possibilidade de se estabelecer uma diferença "objetiva"entre o que é e o que não é essencial ou necessário, é infindável. Marx já disse que há um elemento moral e histórico nela, quando se refere ao valor da força de trabalho. Baran argumenta que se pode delimitar o que é o consumo indispensável ( A Economia Política do Desevolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1972, cap 2, esp. pp 75-84). Não vou entrar nessa discussão, mas apenas trabalhar com a suposição de que em cada época e sociedade há alguma possibilidade de se diferenciar, pelo menos nos extremos, entre o necessário e o supérfluo. Importante notar é que o desenvolvimento de uma cultura do consumo tem alterado a escala de valores em relação ao que possa ser considerado luxo ou necessidade . ou, nas palavras de Veblen, o consumo conspícuo.

Veblen5 5 Veblen, Thornstein, Teoría de la Clase Ociosa, Mexico, FCE, 1966 (primeira edição original em 1899). foi um pioneiro no estudo do consumo conspicuo. Associou-o à emergência de uma classe ociosa - ociosa porque a sua posição superior na hierarquia social a isentava de ocupações industriais6 6 Veblen, T. Op. cit. pág. 10. - que teria chegado ao seu ponto máximo de desenvolvimento no feudalismo e ao que hoje chamaríamos de estilo de vida dessa classe.

A classe ociosa distingue-se das demais, na ótica de Veblen, pelo tipo de ocupações a que seus membros se dedicam. São ocupações que, via de regra, não implicam as tarefas manuais, rotineiras e quotidianas, associadas à subsistência do grupo social. Ligam-se à noção de façanha, em oposição à de rotina7 7 Veblen, T. Op. cit. pp 21-24. . Incluem, em termos gerais, as atividades ligadas ao "governo, guerra, práticas religiosas e esportes".8 8 Veblen, T. Op. cit. p. 11. E são as mais valorizadas socialmente. Assim, segundo Veblen, "a instituição de uma classe ociosa é a excrescência de uma discriminação entre tarefas", com relação à qual algumas delas são dignas (aquelas que podem ser classificadas como façanhas) e outras indignas (as ocupações de vida quotidiana em que não entre nenhum elemento apreciável de proeza).9 9 Veblen,T. Op. cit. pp16-17.

O autor afirma também que o aparecimento de uma classe ociosa coincide com o começo da propriedade.10 10 Veblen,T. Op. cit. p 30 ss. Inicialmente não é qualquer propriedade: é a propriedade das mulheres pelos homens; são as mulheres capturadas nas lutas, como troféus. Depois o conceito de propriedade se estende às coisas.

A medida que a atividade industrial vai ganhando peso, em detrimento da antiga atividade predadora da comunidade, a propriedade e a posse de riqueza também ganham peso em relação aos troféus antigos, enquanto "expressão de prepotência e êxito" e enquanto "base costumeira de reputação e estima"...Torna-se indispensável acumular, adquirir propriedade, com o objetivo de conservar o bom nome pessoal"... A posse de riqueza, que em um princípio era valorizada simplesmente como prova de eficiência, se converte, no sentimento popular, em coisa meritoria em si mesma. A riqueza é agora intrinsecamente honorável e honra seu possuidor. A riqueza adquirida de modo passivo, por transmissão dos antepassados ou de outras pessoas, converte-se, por um refinamento ulterior, em mais honorífica que a adquirida pelo próprio esforço do possuidor... esta distinção corresponde a um estágio posterior da evolução da cultura pecuniária..."11 11 Veblen, T. Op. cit. pp 36-37

Em outras palavras, se o reconhecimento por parte dos outros membros de uma comunidade antes estava ligado à habilidade de realizar proezas, cujos resultados visíveis por vezes eram troféus, torna-se posteriormente associado à posse de bens. O indivíduo tem que atingir agora um "certo nível convencional e pouco definido de riqueza"12 12 Veblen, T. Op. cit., p. 39. para se sentir reconhecido pelos outros e, em decorrência, por si mesmo. Segundo Veblen, isto dá lugar a uma corrida incessante para as pessoas atingirem um determinado nível, que não é mais que o ponto de partida para atingir o nível do grupo que se situa imediatamente acima dele, num processo sem fim, uma vez que a base dele está no "desejo individual de exceder a todo mundo na acumulação de bens". E essa corrida permanece com primazia na sociedade industrial moderna.13 13 Veblen, T. Op. cit. pág. 39 e 40

Está aí uma formulação inicial que permeia boa parte das teorias contemporâneas que tentam explicar o consumo supérfluo em nossa sociedade. Sua base está, antes de tudo, em uma corrida pelo prestígio, que seria infinita porque impossível de se saciar, uma vez que o resultado depende sempre de uma comparação entre quem tem mais e quem tem menos bens. "O móvel que há na raiz da propriedade é a emulação.(...) A posse da riqueza confere honra; é uma distinção valorativa."14 14 Veblen. T. Op. cit. p 33. Embora refinada posteriormente, e aparecendo sobretudo na formulação do chamado "efeito de gotejamento", do trickle down effect (cujas origens são também atribuídas a Spencer, Gabriel Tarde, Simmel, Sombart), essa visão informa inúmeros trabalhos sobre a cultura do consumo e do consumidor contemporâneo, especialmente nas sociedades do chamado Primeiro Mundo.

O peso desse processo de competição entre os indivíduos pela manutenção do status que eles possuem ou pela obtenção de um mais elevado na conformação de uma cultura do consumo não deve ser subestimado. Veblen teve o grande mérito de ser um dos primeiros a formular essa relação - mérito ainda maior se se levar em conta que o objetivo de seu livro era entender o consumo conspicuo de um ponto de vista estritamente econômico - e abrir caminho para análises posteriores. Mas a compreensão dessa cultura exige que se vá além, não a reduzindo a um processo de competição social tout court. Para isso é necessário dar atenção a outros elementos, que tiveram menos realce no trabalho de Veblen.

CONSUMO E POLÍTICA

Alguns estudos consideram os membros das cortes reais européias como a primeira classe a consumir ostensivamente na era moderna15 15 Williams, Rosalind H. Dreamworlds. Berkeley, Los Angeles , Oxford, University of California Press, 1991 (1ª ed 1982). .

Examinando o caso francês, mas estendendo freqüentemente a análise para o conjunto da Europa Ocidental, Elias16 16 Elias, Norbert. La societé de Cour. París, Flammarion, 1985 (1ª ed. alemã 1969). analisa a sociedade de corte como uma formação social. A evolução da corte, a transformação de comportamentos, atitudes e sentimentos que nela se dá e que se expressa em seu estilo de vida, transformação essa que é analisada em conjunto sob a rubrica de um processo civilizador e a própria competição entre eles, Elias as relaciona à alteração no equilíbrio de poder entre a nobreza e o rei, e à centralização que leva ao absolutismo. Ele não está preocupado especificamente com o consumo. Mas em seu trabalho, a dimensão política da formação de uma cultura do consumo emerge com toda força.

De fato, a corte sofreu um processo de transformação desde a Idade Média até o século XVII, na medida em que as relações entre o rei e os nobres se alteraram e o poder foi se centralizando nas mãos do primeiro. Se antes a relação do rei com os nobres era a de um primus inter pares17 17 "O ethos do sistema feudal fundava-se originalmente na dependência recíproca... Os vassalos precisavam do príncipe suserano, que fazia a figura de chefe e coordenador supremo, de proprietário ou distribuidor das terras conquistadas; o suserano, por sua vez, recorría a seus vassalos e homens que tinham obrigações com ele ( hommes liges) quando tinha necessidade de guerreiros ou de subchefes para defender ou aumentar seus domínios, para bem conduzir suas guerras e querelas. E quanto ao resto da nobreza, o rei recrutava ali - independentemente do fato de que ela lhe fornecia seus companheiros de caça e de torneio, seus companheiros na vida social e seus combatentes - seus conselheiros, que eram freqüentemente homens da Igreja...Do grupo de guerreiros provinham também as pessoas que , com maior ou menor autonomia, administravam em seu nome o país, recolhiam impostos, exerciam ( disaient) o direito". Elias, N. op. cit. p. 169. , sendo todos interdependentes, a partir do século XVI ela mudou. Os nobres passaram a depender mais do rei e o rei passou a ter mais poder. E com isso a distância social entre o rei e a nobreza cresceu, mudando a natureza do relacionamento entre eles, que ficou cada vez mais assimétrica.18 18 Loc. cit.

Diversos fatores contribuiram para essa transformação. Entre eles, destaque-se a inflação decorrente do afluxo de metais preciosos à Europa no século XVI - que arruinou muitos nobres, os quais acabaram batendo às portas do rei em busca de novos esquemas de sobrevivência - as mudanças nas práticas de guerra - que tornaram o rei menos dependente de seus vassalos para guerrear- e a monetarização da economia.

É nesse quadro que se evoluiu dos reis-cavaleiros à realeza de corte. Começou a desenvolver-se a corte real, que se tornou, "graças ao aumento contínuo do poder real, o verdadeiro centro do país..." 19 19 Elias, N. Op. cit. pp 170-171. ao longo dos séculos XV e XVI. Elias mostra que no reinado de Francisco I, que considera um momento de transição nesse processo, "a importância de cada senhor na hierarquia social começa a se descolar da importância da terra e passa a ser cada vez mais uma distinção real (do rei), dependente da vontade do rei ( a seu bel- prazer) e com cada vez menos funções políticas [...] e o beneficio recebido é em dinheiro."20 20 Elias, N. Op, cit. pp. 172.-173

Além disso, "observa-se já sob Francisco I uma tendência cujas conseqüências se farão sentir em seguida: a distância entre os membros da corte e as pessoas que não fazem parte dela cresce... À medida que se perdem as funções tradicionais do suserano, do vassalo, do cavaleiro, funções sobre as quais se fundara até então a distância separando a nobreza das outras camadas da sociedade, torna-se mais precisa a vantagem de pertencer à corte, que traz para seus membros um aumento de prestígio e de valor social. A linha demarcadora que se estabelece divide também a própria nobreza. Uma parte da antiga nobreza se integra na nova aristocracia, cujo critério é a pertinência à corte; uma outra parte não consegue se juntar a esse novo grupo, que se fecha sobre si mesmo. Simultaneamente um certo número de burgueses acedem à nova elite e fazem carreira dentro dela. Assim se opera a reestruturação da nobreza sobre a base de um novo princípio de distanciamento e de constituição."21 21 Elias, N. Societé de Cour, pp 175-176.

Com isso, a corte real não parou de crescer e foi se tornando o principal centro de integração da sociedade francesa. Antes itinerante, passou a ter um lugar determinado, primeiro em Paris e depois em Versailles, quando esse processo chegou ao auge com Luís XIV.

Foi na vida da corte que se desenvolveu aquilo que Elias chama de um "processo civilizador". Todo um conjunto de regras de etiqueta e por meio delas, de contenção de impulsos, de agressividade e de emoções, de funções do corpo, de odores, desenvolveu-se nesse período. A essa relação entre a centralização do poder do Estado e o processo civilizador Elias dedicou um livro inteiro22 22 Elias, N. The Civilizing Process. Oxford Uk and Cambridge USA, Blackwell, 1994 (1ª edição alemã, 1939) .

O desenvolvimento da nova etiqueta envolveu a ritualização de uma série de atos, que expressam o crescimento da distância social entre a realeza e os nobres - bem como a submissão desses àquela - de um lado, e entre a corte e o resto da população, de outro.

No período de Francisco I já começaram a aparecer manifestações dessa nova etiqueta. Ele e os príncipes de sangue passaram a "se deixar servir por nobres mesmo em funções subalternas tais como a de valet de chambre....nessa época todas as relações são ainda flutuantes, a hierarquia dos cortesãos menos rígida, a transmissão hereditária de cargos mais rara. A mobilidade da corte e as campanhas (guerras) incessantes impediam nesse estágio a formação de uma etiqueta rígida". 23 23 Elias, N. Societé de Cour, pp 175-176.

Essa nova etiqueta, assim como o estilo de vida desenvolvido pela corte de um modo geral, alterou muito os hábitos de consumo. Passou-se a comer sentado(a) à mesa, com talheres e louças individuais, - o garfo de servir aparece em fins da Idade Média, o de comer no século XVI24 24 Elias, N. The Civilizing Process, p 54-55. Mas no século XVII garfo ainda é artigo de luxo, segundo esse autor. - a arquitetura e a forma de decoração dos interiores das residências se alteraram, dando lugar a uma série de novos itens de consumo.

Rosalind Williams observa que "uma vez admitido no círculo encantado da corte, um nobre teria de gastar ruinosamente para permanecer lá. Ele precisava de roupas bordadas com fios de ouro e prata e de jóias brilhantes para usar nos bailes; um estabulo para cavalos e uma matilha de cães de caça; carruagens com interior de veludo e painéis pintados para que pudesse acompanhar o rei em migrações para outros palácios; casas e mobília adequadas para que ele pudesse oferecer jantares e festas dançantes para a corte; e dúzias de valets e empregados para tornar todo o resto possível. Com raras exceções, os cortesãos contraíam dívidas imensas..[e então] dirigiam-se ao monarca para obter ajuda financeira."25 25 Williams, R.H. Op. cit., p. 28.

Dessa perspectiva, o consumo ostensivo que caracterizou a evolução da vida na corte ganha um sentido mais amplo do que o atribuído por Veblen ao da classe ociosa. Na análise que Elias26 26 Elias afirma que Veblen nunca entendeu a lógica do consumo conspicuo da nobreza, pois ele raciocinava em termos da lógica do consumo da burguesia, que é outra. E por não a ter entendido, continua Elias, Veblen não conseguiu fazer uma análise sociológica dos gastos de prestígio na Teoria da Classe Ociosa. Elias,N. Societé de Cour. pp 48-49. faz da corte do Ancien Régime, a relação entre riqueza, consumo conspicuo e prestígio aparece redefinida: não era a riqueza, mas sim o fato de pertencer à corte que conferia prestígio ao nobre cortesão. Só que, para manter o seu prestígio, ele precisava ter um padrão de consumo muito elevado, o que exigia riqueza ou tornava crescente a dependência em relação ao rei.

Elias mostra que a lógica subjacente à estrutura de despesas dos nobres de corte era a da representação social, o parecer. Gastava-se em função de sua posição na escala social. Tratava-se de um "consumo de prestígio"27 27 Elias, N., Societé de Cour, p. 48. . Desde as características de suas casas até as recepções e o vestuário, o cortesão passara a ter gastos enormes. Faziam parte de sua posição social e do papel que lhes cabia nessa posição. E por isso, não havia possibilidade para o cortesão de ser de outro modo. Não havia espaço para se promover um equilíbrio entre receita e despesa, nem para poupar parte da renda, nem para economizar no consumo. Se os gastos fossem maiores do que a receita fazia-se necessário achar novos recursos ou contrair dívidas, jamais diminuir os gastos. Trabalhar não era possível: o nobre não podia nem pensar em ganhar dinheiro através do trabalho. Isso seria profundamente desabonador, tanto quanto refrear os gastos de prestígio28 28 Elias, N. Societé de Cour, p. 56. . Havia até uma proibição legal à nobreza de se dedicar ao comércio. Perderia o título e a posição29 29 Elias,N. Societé de Cour. p. 50. .

Para manter seus gastos, muitas famílias vendiam propriedades, viviam mais algum tempo com aqueles recursos, mas depois muitas vezes se arruinavam. Ou arrumavam casamentos vantajosos. Ou se endividavam. Ou então recorriam ao rei. Ele poderia perdoar a dívida ou mandar pagá-la, ou arrumar um cargo no governo ou fazer doações à família, ou dar-lhe uma pensão, se quisesse. Os que não tinham chegado à corte arruinados poderiam ficar assim depois de passar a pertencer a ela. Em ambos os casos, a dependência em relação ao rei tornara-se muito grande e tendia a aumentar.30 30 Elias, N. Societé de Cour. pp 56-57.

Em suma, esses gastos não derivavam de uma escolha pessoal dos nobres. Eram parte de um esquema de competição pelo favor real em que os nobres tinham sido lançados, para manter ou melhorar sua posição, para manter ou aumentar seu poder, pois o rei se tornara ator fundamental não só para viabilizar esses gastos (sem a ruína da família) como para assegurar ou não o status de cada família.31 31 Loc. cit. Esses gastos de prestigio portanto inserem-se em uma lógica política, bastante distinta da burguesa.32 32 E essa lógica é diferente também da lógica do consumidor contemporâneo. Se ainda está presente a competição por status, ou a posse de bens como expressão de posição social (como insistem Bourdieu e de certa forma Baudrillard), há no consumo contemporâneo um aspecto lúdico, de expressão individual, de prazer no ato do consumo, de satisfação real ou ilusória de desejos e fantasias que não era característica (embora eventualmente até pudesse estar presente) do consumo na corte.

Essencial, portanto, para se entender o consumo da nobreza cortesã é que, ao par da centralização do poder real, o luxo foi se impondo como forma de governar e de expressar poder.33 33 Luxo não significava conforto. Essa é uma preocupação que aparece muito depois.

Braudel registra esse fato, embora não aprofunde sua análise. O luxo e a sofisticação nos hábitos alimentares e de moradia apareceram na Europa a partir dos séculos XV e XVI, inicialmente entre nobres italianos da Renascença34 34 Braudel, Fernand. Civilization and Capitalism 15th-18th century. Vol. 1, The Structures of Everyday Life. Berkeley, Los Angeles, Univ of California Press, 1992, capítulos 3 e 4. e "já prenunciavam o grand siècle de Luiz XIV e daquela vida de corte que seria uma espécie de desfile, um espetáculo teatral."35 35 Braudel, op.cit, p. 307. É dali que se espraiaram pelas cortes da Europa e depois, entre a burguesia.

Na França, à medida que o Estado nacional se consolidava e a questão da segurança saía dos portões dos castelos para as fronteiras do reino, a elegância passava a receber mais ênfase nas construções. Essa preocupação estética já aparece nos castelos do vale do Loire, construídos no século XVI, no reinado de Francisco I36 36 Williams, Rosalind H. op.cit, pp. 19-20 37 Op.cit., p. 24. , que, como foi mencionado, marca o momento de transição da vida da corte. Assim como esses castelos se inspiram na arquitetura italiana, também a etiqueta que começa a se desenvolver na corte de Francisco I se inspira em refinamentos vindos da Itália.37 37 Op. cit., pp 24. É com Luiz XIV que esse processo chega a seu auge, no suntuosíssimo palácio de Versalhes: o auge do luxo e da ritualização de comportamentos (através da etiqueta) como expressão do poder real e como forma de submeter os nobres a seus desígnios.

"O estilo de vida suntuoso em Versalhes trazia pouco prazer pessoal para o rei e para os cortesãos. Não era esse o objetivo. As cerimônias de consumo, as festas, os bailes eram todos parte de um sistema calculado, cujo alvo não era a gratificação individual, mas sim o aumento da autoridade política. Luiz XIV transformou o consumo em um método de governo."38 38 Op. cit., pp 27-28.

O Tesouro real bancou não apenas os gastos pródigos do rei mas indiretamente, através dos empréstimos e pensões, os de toda a corte. O gasto estatal aumentou astronomicamente. Em troca, "a monarquia ganhava uma nobreza dependente que se reunia na corte porque o poder real estava concentrado ali, apenas para se descobrir constrangida a um nível de consumo que tornava maior aquele poder."39 39 Op. cit., pp 28-29.

Assim fecha-se o círculo. No caso da França, que se tornou paradigmático do estilo de vida da corte européia, o processo de centralização do poder real articulado à perda de rendas (e terras) da nobreza, tornou esse estamento progressivamente dependente do rei. Acolhendo parte de seus membros na corte, e desenvolvendo ali um estilo de vida luxuoso e ritualizado, o rei tornava-os mais dependentes dele. Assim, se a corte foi o primeiro grupo da modernidade a ter um estilo de vida marcado pelo consumo ostensivo, esse consumo pouco tinha de discricionário, uma vez que, embora abrangesse itens distantes das necessidades de sobrevivência física no sentido estrito, eram necessários para a sobrevivência dos cortesãos dentro da corte. É impossível sem considerar a sua dimensão política compreender esse estilo de vida, que se irradiou para outras cortes européias e permaneceu como referência última para o consumo posterior, primeiro imitado pela burguesia ascendente e depois popularizado com adaptações entre as demais camadas sociais. É o desenvolvimento do Estado moderno que está na base da chamada sociedade de consumo, se tomarmos o caso francês como paradigma.

CONSUMO, MODA E INDIVÍDUO

Centrando a análise no caso britânico, McCracken40 40 Mccracken, G. Culture and Consumption. Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1990. analisa o consumer boom que a Inglaterra teve no século XVI e a situação da nobreza britânica nesse período. Embora quase não cite Elias, chega a resultados muito semelhantes aos constatados para o caso francês, no que se refere à relação entre consumo e política, mostrando a competição entre os nobres como conseqüência do enfraquecimento de seu poder e de sua dependência progressiva do favor real.

Em primeiro lugar, diz ele, certamente inspirada nas cortes italianas do Renascimento, Elizabeth I usou o gasto como instrumento de poder, e conseguiu fazer a nobreza pagar grande parte desse custo, gastando quantias imensas. Centralizando os impostos e fazendo dessa forma com que os nobres dependessem dela pessoalmente para ter uma participação nessa receita, forçou-os a "abandonar seus lugares no campo e a vir para a corte para obter sua atenção...Elizabeth sorria apenas para aqueles que mostravam sua lealdade e deferência através de uma participação ativa no cerimonial de sua corte. O custo dessa participação era ruinoso. Aumentou a necessidade de recursos dos nobres e tornou-os mais dependentes da rainha." 41 41 Idem, ib., pp 11-12.

A segunda causa do consumer boom na Inglaterra do século XVI, ainda conforme esse autor, foi a competição social em que os nobres foram lançados, na corte, com vistas a obter a atenção e o favor da rainha. Sendo alguém no topo da hierarquia social em seu local de origem, o nobre ia à corte e ali era apenas um entre muitos outros buscando proeminência. "Era quase inevitável que ele fosse lançado em uma guerra de consumo"42 42 Idem, ib., p. 12. .

McCracken, no entanto, ao comentar o impacto desse fato sobre a família elizabethana, introduz um elemento novo na análise: não se trata apenas de consumo ostensivo ou conspicuo. Ele chama a atenção para uma mudança de padrão de consumo na nobreza britânica. É a mudança da "pátina" para a "fashion"43 43 Para uma descrição detalhada desses padrões ver o capítulo 2 de McCracken, G. op.cit., "Ever dearer in our thoughts". . Para a moda, portanto.

De fato, o consumo conspicuo aparece em várias épocas e lugares. Mas foi na sociedade ocidental e em um momento mais ou menos determinado - algo entre o fim da Idade Média e o início da modernidade - que a moda nasceu. O princípio da moda é o culto da novidade, da mudança e da renovação e não necessariamente o luxo.44 44 Lipovetsky, Gilles, O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. S. Paulo, Cia. das Letras, 1989. (L'Empire de l'éphémère: la mode et son destín dans les societés modernes. París, Gallimard, 1987) McCracken fornece subsídios para se entender, ao menos em parte, o que teria levado um princípio a desembocar no outro. Vejamos mais de perto essa transformação.

O padrão de consumo entre os nobres ingleses era o da pátina: era um consumo voltado para a família, não só para os membros presentes, mas tendo em vista também as gerações passadas e futuras. Desde o período medieval, preocupada com seu status45 45 McCrakcen usa a expressão status, mas aqui refere-se à honra associada ao fato de pertencer a um estamento determinado, a nobreza. Status e estamento são duas das traduções que foram feitas da palavra Stand usada por Weber. São conceitos distintos, que freqüentemente aparecem confundidos. e sua honra, a família em cada geração se sentia guardiã do que herdara dos antepassados e procurava acrescentar alguma coisa para a geração que a sucedesse. Isso se traduzia em um padrão de consumo muito específico. "A família Tudor procurava bens que pudessem carregar e aumentar suas demandas de status através de diversas gerações...(Para isso) os bens adquiridos precisavam ter qualidades especiais. Era necessário que eles possuíssem a habilidade peculiar e misteriosa de um ponto de vista moderno, de se tornar mais valiosos à medida que envelhecessem e ficassem decrépitos....o caracter de novo era a marca da vulgaridade, enquanto a pátina decorrente do uso era um sinal e a garantia de posição"46 46 Mccracken, G., op.cit., p. 13. Dessa forma, apenas os bens que fossem capazes de assumir uma pátina - aquele brilho acetinado que o longo tempo de manuseio traz a alguns objetos — e de sobreviver por varias gerações é que poderiam ser adequados a esse culto do status familiar. Esses objetos, principalmente móveis e retratos de família, eram todos representações de riqueza antiga e, de ancestrais diferenciados.

Ora, os nobres, orientados agora pela dura competição, mudaram o padrão de seu consumo. Começaram a gastar mais com eles e menos com a família. Refizeram suas casas no campo em um padrão mais suntuoso e passaram a ter a despesa adicional de uma residência em Londres47 47 Op. cit.,.p. 11. . Mudaram seus padrões de hospitalidade, tornando-a mais cara e cerimoniosa. Eles passaram a receber outros nobres, seus subordinados e, ocasionalmente, a monarca, a custos ruinosos. Passaram a gastar muito com banquetes, com roupas. Apenas a rainha, com mais recursos à sua disposição, gastava mais em consumo conspicuo de decoração, hospitalidade e vestuário.

Além de outros efeitos, "bens que eram adquiridos para suprir as necessidades imediatas de uma guerra social assumiam qualidades muito distintas (das que caracterizavam os bens comprados anteriormente). Eles não precisavam mais ser feitos com a mesma preocupação de longevidade. Nem precisavam ter valor apenas quando envelhecessem. Alguns bens tornaram-se valiosos não por sua pátina, mas por seu caráter de novidade."48 48 Op. cit, p. 14.

Criava-se um solo fértil, ainda que restrito a uma pequena parcela da população, para o padrão da moda começar a se desenvolver. É a novidade, o culto do que é diferente e não apenas o que é luxuoso, que passa a ter peso no consumo da nobreza cortesã britânica do final do século XVI em diante.

Este fato é chave, pois a moda é talvez o traço mais característico da cultura do consumo. E o que define a moda é exatamente o culto da novidade e da mudança; é o constante processo de variações e renovação.

Não há consenso entre os autores quanto ao momento em que se pode falar em moda. (Não o há tampouco quanto ao momento em que ocorreu a suposta revolução do consumidor.) Braudel menciona a primeira grande mudança de trajes na Europa por volta de 1350. E Lipovetski a confirma. Mas a moda, tal como a conhecemos, vai ter suas características mais visíveis no século XVIII e XIX49 49 Cf. Braudel. op. cit. e Lipovetski. op. cit. . De qualquer modo, o que importa no trabalho de McCracken é que ele busca uma explicação para o desenvolvimento da moda. E tal explicação, como se vê, está estreitamente ligada à esfera política. Isso não significa que a moda não tenha outros determinantes. O próprio Lipovetsky tenta mostrá-la como fruto de um processo em que a tradição perde peso, legitimando com isso o presente como referência. Ou seja, esse autor insere o nascimento da moda no processo mais amplo de mudança que caracteriza a própria passagem para a modernidade. Isso fica ainda mais claro quando se leva em conta que essa afirmação do novo e a perda de peso da tradição são relacionadas ao desenvolvimento do indivíduo, a partir de fins da Idade Média.50 50 Lipovetsky, Gilles, op. cit., ver especialmente capítulo 1. Para Lipovestky, a moda é uma das primeiras dimensões em que o individualismo se manifesta na sociedade ocidental. Mas o processo de desenvolvimento do indivíduo está ligado, por sua vez, como mostra Ariès, à separação das esferas pública e privada51 51 Aries, Philippe. "Por uma história da vida privada" in Ariès, P e Georges Duby. História da vida Privada. São Paulo, Cia. das Letras, 1995 (1ª ed., 1991), vol. 3, pp7-19. Ver também os demais artigos do volume 3 dessa coletânea e ainda os do volume 4, organizado por Michele Perrot. que ocorre na modernidade. Nessa análise volta-se a determinações de ordem política, uma vez que essa redefinição de esferas liga-se a mudanças no âmbito de atuação do Estado.

Assim, creio que pelo menos para se entender a formação da cultura do consumo está clara a importância da compreensão da dimensão política. Quero agora indicar brevemente uma dimensão política que marca a cultura do consumo contemporâneo e que tem recebido, talvez, menos atenção do que mereceria. É preciso, para isso, dar um salto no tempo. Nesse salto passa-se pela revolução burguesa, pela revolução industrial e pela revolução no varejo representada pelo advento das lojas de departamentos do século XIX em diante, através da qual o consumo se torna realmente uma atividade de massas, ligada ao prazer e se consolida e populariza uma cultura voltada para o consumo.

CULTURA DO CONSUMO E CIDADANIA

Se a cultura do consumo expressa e reforça um processo de alienação - tão discutido nas análises críticas sobre a sociedade contemporânea - ajudando a "tecer o véu", para usar uma expressão cara aos frankfurteanos, ela leva também à preocupação com a proteção do consumidor e à organização para a defesa de seus direitos.

A dinâmica do desenvolvimento da defesa do consumidor como questão está diretamente ligada à formação e consolidação das sociedades capitalistas de produção e consumo de massas.52 52 Para uma análise detalhada da evolução da proteção do consumidor, ver Taschner, Gisela Proteção do consumidor - um estudo comparativo internacional. S. Paulo, EAESP-FGV, NPP, Série relatórios de pesquisa, nº 1/95.

A extensão geográfica dos mercados e a separação entre o departamento de produção e o de vendas fazem com que os produtos sejam consumidos em locais distintos daqueles em que são produzidos. Isto envolve processos de transporte, que colocam problemas referentes a embalagens e conservantes para os produtos, especialmente os perecíveis, para que não se deteriorem, e dão origem também a embalagens enganosas.

Os processos de aquisição das mercadorias mudam também. No bojo do desenvolvimento de contatos secundários, característicos das sociedades mais complexas, ocorre uma despersonalização das relações de troca. O vendedor não conhece o fabricante nem o consumidor (e muitas vezes não conhece bem o produto que vende). O consumidor não conhece o fabricante. A comunicação entre eles passa a ser mediada pelo desenvolvimento da publicidade e do marketing, que não só comunicam a disponibilidade dos novos produtos que vão sendo lançados em profusão, mas vão também tentar convencer o consumidor a comprá-los. Assim, para além da veiculação de um estilo de vida ancorado no consumo, já tão analisado nos inúmeros estudos sobre o fenômeno, cria-se o problema das mensagens publicitárias enganosas no sentido estrito.

Assim, a natureza dessas relações muda: possivelmente a responsabilidade ética também passe a ser vista de maneira distinta, na medida em que os contatos se despersonalizam..

A complexidade dos produtos gerados por uma tecnologia cada vez mais sofisticada cria dificuldades de manuseio, riscos de acidentes e problemas de segurança no consumo dos produtos. O custo relativamente mais alto dos produtos ditos duráveis gera expectativas de durabilidade muitas vezes fraudadas. E os consumidores não têm a quem reclamar. Os canais tradicionais desfizeram-se e não foram substituidos automaticamente por outros. Eis aí alguns dos aspectos que se ligam ao desenvolvimento da problemática do consumidor em tais sociedades.

A defesa do consumidor nasceu embutida em questões outras, umas ligadas a problemas de regulação de mercados, mais especificamente regulação da competição nos mercados (como, por exemplo, evitar concorrência desleal) e outras ligadas de modo inicialmente um tanto nebuloso à dimensão da cidadania. Foi nesse registro que as primeiras medidas em defesa do consumidor ocorreram, ainda no final do século passado, por iniciativa de comerciantes norte-americanos, e antes que o conceito de consumidor existisse como tal.

Ao longo do século XX - nos Estados Unidos, entre os anos trinta e sessenta, na Europa após o final da segunda Guerra, no Brasil nos anos setenta - o consumidor foi se definindo como categoria social no espaço público. E surgiu um movimento social de defesa do consumidor. Na verdade, surgiram vários. Com características distintas, segundo o país. Mais fortes nos países anglofonos do primeiro mundo, mais dependentes de iniciativas no interior do aparelho estatal no modelo francês e no brasileiro.

Sua luta não foi fácil. Nos Estados Unidos, esses movimentos tiveram de enfrentar lobbies de empresários que achavam que qualquer medida que protegesse o consumidor significava necessariamente uma interferência ilegítima do Estado no sistema de "livre iniciativa". Durante muito tempo conseguiram avançar apenas esporadicamente, através de leis e de medidas governamentais isoladas e pontuais, desencadeadas por tragédias que escandalizavam a chamada opinião pública quando eram divulgadas pela imprensa.

No "primeiro mundo" os movimentos em defesa do consumidor ganharam força decisiva apenas após terem entrado na agenda do governo, o que ocorreu nos anos sessenta e setenta. Ali, amparados por um período de auge dos processos de regulação social pelos estados, conseguiram obter dos governos uma política pública em relação ao consumidor, a qual se traduziu em conjuntos de leis e procedimentos que passaram realmente a proteger o cidadão enquanto consumidor, como nunca antes ocorrera. Nesses países afluentes, somaram-se a um conjunto de direitos de cidadania já amplamente estruturados no passado. Entre seus militantes estavam muitos jovens com passagem pelos movimentos de 1968.

Todos esses movimentos são o outro lado do suposto encantamento com a magia e a sedução das sociedades de consumo de massas. Neles, são o consumo e a cidadania que se juntam, numa relação inversa à que tradicionalmente tem sido atribuída a essas duas categorias.

Gerados pela própria dinâmica dessas sociedades, esses movimentos de defesa do consumidor têm um lado conservador53 53 Para uma análise em outra linha, mas que tem pontos de contato com a nossa, ver Canclini, Nestor Garcia em seu Consumidores e Cidadãos, Rio de Janeiro, UFRJ, 1996 , 2ª edição. , especialmente na medida em que se inserem no processo mais amplo de fragmentação da crítica social. Aceitaram, ao menos em princípio, o capitalismo, como um "dado de realidade", assim como parecem ter feito outros movimentos que se desenvolveram mais ou menos na mesma época (feminismo, ecologia etc). Talvez sejam, ao lado desses seus congêneres, um último e fraco reduto de crítica social.

Mas é importante estarmos atentos a eles, na medida em que suas ações e orientações, aparentemente tópicas, podem ter um potencial transformador mais global do que se imagina, especialmente na medida em que uma tendência que se registra nos anos noventa, ao menos no "primeiro mundo", é de o consumidor utilizar sua força política, através do boicote econômico, em defesa de causas54 54 Sobre essa tendência ver Nava, Mica. Changing Cultures. London, Sage, 1992. que dizem respeito menos aos direitos do consumidor, no seu sentido estrito, do que a questões ligadas à cidadania, em sua acepção mais ampla. Exemplos disso são o boicote econômico contra o racismo na África do Sul, e o boicote a produtos de consumo vendidos por empresas que empregam o trabalho infantil em sua fabricação. Em outras palavras, em vez de ser inibida por uma cultura do consumo, a cidadania parece ter chances de ser melhorada ou ao menos ampliada por ela55 55 Não estou me referindo aqui, é claro, àqueles que não têm tido assegurado nem mesmo o direito ao consumo. Essa é uma outra questão, da qual estou trato em outro trabalho. .

Finalmente, quero destacar um outro fenômeno contemporâneo. A mudança tecnológica e organizacional da base produtiva - com as possibilidades abertas pela chamada produção flexível56 56 Sobre a organização da produção flexível, ver, entre outros Ferro, José R. "Aprendendo com o Ohnoísmo (produção flexível em massa", Revista de Administração de Empresas, S. Paulo, FGV,vol 30 , nº 3, jul-set 1990, pp 57-63. - e o acirramento da competição entre as empresas, decorrente da globalização, têm favorecido o desenvolvimento de estratégias de marketing cada vez mais sofisticadas.

De um lado, essa sofisticação busca tirar partido dos aspectos lúdicos e da descrença na razão, que parecem se acentuar neste final de século, o que significa mais manipulação. Isto é amplamente sabido.57 57 Ver, por exemplo, Verlinden, P. "L'achat d'impulsion se programme", Revue Française de Marketing, nº 123, 1989/3, pp 71-76. De outro, ela envolve uma busca de qualidade dos produtos, uma segmentação crescente do mercado, com tendência a um nível de personalização do produto, e uma abordagem chamada pelos profissionais de marketing de "foco no cliente".

No âmbito da lógica da produção, assiste-se, portanto, a um processo de despadronização de produtos, que tem como corolário a possibilidade de desmassificação do consumo. É importante registrar que esses produtos são materiais e culturais também. Nesse último caso, deve-se registrar também a emergência da Internet e seu modo interativo característico, completamente oposto ao padrão típico da indústria cultural e que vem subvertendo até o momento quaisquer tentativas de controle. Resta indagar se essas tendências recentes têm ou não potencial para ensejar processos mais amplos de desmassificação, não só da produção e do consumo, mas das formas de sociabilidade e de cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises mais tradicionais que incidiram sobre a cultura do consumo, examinando-o pela perspectiva da produção, realçaram a dimensão política apenas no sentido do desenvolvimento da alienação, do fetichismo, etc. Outras abordagens, mais preocupadas com dimensões culturais do consumo, têm reduzido a explicação dessa atividade a quase que exclusivamente uma questão de competição por status, dentro de uma lógica de busca de diferenciação social pelas camadas que estão no topo da hierarquia social e de imitação delas pelas camadas que estão abaixo. Isso produz o já mencionado efeito trickle down, através do qual a moda e os itens de consumo se renovariam constantemente em nossa sociedade, introduzindo-se pelo alto da pirâmide social, "gotejando" para baixo e abrindo espaço para novo ciclo de renovação no alto. Nessa linha de explicação, a análise se despolitiza.

Em ambos os enfoques perdem-se elementos importantes para a compreensão das características contemporâneas da cultura do consumo. O objetivo desse texto foi trazer à tona algumas reflexões que nos ajudem a escapar dessas armadilhas, bem como iluminar algumas dimensões de práticas que vêm sendo subanalisadas, de modo a provocar uma discussão que contribua para a construção de uma abordagem mais abrangente e profícua desse fenômeno social que nos envolve a todos, a cultura do consumo, sem recusá-la em bloco e sem tampouco abrir mão de uma perspectiva crítica.

  • 1 O presente texto retoma e amplia questőes que foram objeto do artigo "Raízes da cultura do consumo", publicado na Revista USP, nş 32, Dez-Jan-Fev 1996-97.
  • 4 A discussăo sobre a possibilidade de se estabelecer uma diferença "objetiva"entre o que é e o que năo é essencial ou necessário, é infindável. Marx já disse que há um elemento moral e histórico nela, quando se refere ao valor da força de trabalho. Baran argumenta que se pode delimitar o que é o consumo indispensável (A Economia Política do Desevolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1972, cap 2, esp. pp 75-84).
  • 5 Veblen, Thornstein, Teoría de la Clase Ociosa, Mexico, FCE, 1966 (primeira ediçăo original em 1899).
  • 15 Williams, Rosalind H. Dreamworlds. Berkeley, Los Angeles , Oxford, University of California Press, 1991 (1Ş ed 1982).
  • 16 Elias, Norbert. La societé de Cour. París, Flammarion, 1985 (1Ş ed.
  • 21 Elias, N. Societé de Cour, pp 175-176.
  • 23 Elias, N. Societé de Cour, pp 175-176.
  • 24 Elias, N. The Civilizing Process, p 54-55.
  • 26 Elias afirma que Veblen nunca entendeu a lógica do consumo conspicuo da nobreza, pois ele raciocinava em termos da lógica do consumo da burguesia, que é outra. E por năo a ter entendido, continua Elias, Veblen năo conseguiu fazer uma análise sociológica dos gastos de prestígio na Teoria da Classe Ociosa. Elias,N. Societé de Cour. pp 48-49.
  • 27 Elias, N., Societé de Cour, p. 48.
  • 28 Elias, N. Societé de Cour, p. 56.
  • 29 Elias,N. Societé de Cour. p. 50.
  • 30 Elias, N. Societé de Cour. pp 56-57.
  • 34 Braudel, Fernand. Civilization and Capitalism 15th-18th century. Vol. 1, The Structures of Everyday Life. Berkeley, Los Angeles, Univ of California Press, 1992, capítulos 3 e 4.
  • 40 Mccracken, G. Culture and Consumption. Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1990.
  • 44 Lipovetsky, Gilles, O império do efęmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. S. Paulo, Cia. das Letras, 1989.
  • (L'Empire de l'éphémère: la mode et son destín dans les societés modernes. París, Gallimard, 1987)
  • 51 Aries, Philippe. "Por uma história da vida privada" in Aričs, P e Georges Duby. História da vida Privada. Săo Paulo, Cia. das Letras, 1995 (1Ş ed., 1991), vol. 3, pp7-19.
  • 52 Para uma análise detalhada da evoluçăo da proteçăo do consumidor, ver Taschner, Gisela Proteçăo do consumidor - um estudo comparativo internacional. S. Paulo, EAESP-FGV, NPP, Série relatórios de pesquisa, nş 1/95.
  • 53 Para uma análise em outra linha, mas que tem pontos de contato com a nossa, ver Canclini, Nestor Garcia em seu Consumidores e Cidadăos, Rio de Janeiro, UFRJ, 1996 , 2Ş ediçăo.
  • 54 Sobre essa tendęncia ver Nava, Mica. Changing Cultures. London, Sage, 1992.
  • 56 Sobre a organizaçăo da produçăo flexível, ver, entre outros Ferro, José R. "Aprendendo com o Ohnoísmo (produçăo flexível em massa", Revista de Administraçăo de Empresas, S. Paulo, FGV,vol 30 , nş 3, jul-set 1990, pp 57-63.
  • 57 Ver, por exemplo, Verlinden, P. "L'achat d'impulsion se programme", Revue Française de Marketing, nş 123, 1989/3, pp 71-76.
  • 1
    O presente texto retoma e amplia questões que foram objeto do artigo "Raízes da cultura do consumo", publicado na
    Revista USP, nº 32, Dez-Jan-Fev 1996-97.
  • 2
    Aqui se incluem o marxismo em inúmeras variantes e posteriormente os integrantes da "Escola de Frankfurt".
  • 3
    Está fora do âmbito desse trabalho discutir, do ponto de vista teórico, se se trata de uma cultura, ou subcultura, etc.
  • 4
    A discussão sobre a possibilidade de se estabelecer uma diferença "objetiva"entre o que é e o que não é essencial ou necessário, é infindável. Marx já disse que há um elemento moral e histórico nela, quando se refere ao valor da força de trabalho. Baran argumenta que se pode delimitar o que é o consumo indispensável (
    A Economia Política do Desevolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1972, cap 2, esp. pp 75-84). Não vou entrar nessa discussão, mas apenas trabalhar com a suposição de que em cada época e sociedade há alguma possibilidade de se diferenciar, pelo menos nos extremos, entre o necessário e o supérfluo. Importante notar é que o desenvolvimento de uma cultura do consumo tem alterado a escala de valores em relação ao que possa ser considerado luxo ou necessidade .
  • 5
    Veblen, Thornstein,
    Teoría de la Clase Ociosa, Mexico, FCE, 1966 (primeira edição original em 1899).
  • 6
    Veblen, T.
    Op. cit. pág. 10.
  • 7
    Veblen, T.
    Op. cit. pp 21-24.
  • 8
    Veblen, T.
    Op. cit. p. 11.
  • 9
    Veblen,T.
    Op. cit. pp16-17.
  • 10
    Veblen,T.
    Op. cit. p 30 ss.
  • 11
    Veblen, T.
    Op. cit. pp 36-37
  • 12
    Veblen, T.
    Op. cit., p. 39.
  • 13
    Veblen, T.
    Op. cit. pág. 39 e 40
  • 14
    Veblen. T.
    Op. cit. p 33.
  • 15
    Williams, Rosalind H.
    Dreamworlds. Berkeley, Los Angeles , Oxford, University of California Press, 1991 (1ª ed 1982).
  • 16
    Elias, Norbert.
    La societé de Cour. París, Flammarion, 1985 (1ª ed. alemã 1969).
  • 17
    "O ethos do sistema feudal fundava-se originalmente na dependência recíproca... Os vassalos precisavam do príncipe suserano, que fazia a figura de chefe e coordenador supremo, de proprietário ou distribuidor das terras conquistadas; o suserano, por sua vez, recorría a seus vassalos e homens que tinham obrigações com ele (
    hommes liges) quando tinha necessidade de guerreiros ou de subchefes para defender ou aumentar seus domínios, para bem conduzir suas guerras e querelas. E quanto ao resto da nobreza, o rei recrutava ali - independentemente do fato de que ela lhe fornecia seus companheiros de caça e de torneio, seus companheiros na vida social e seus combatentes - seus conselheiros, que eram freqüentemente homens da Igreja...Do grupo de guerreiros provinham também as pessoas que , com maior ou menor autonomia, administravam em seu nome o país, recolhiam impostos, exerciam (
    disaient) o direito". Elias, N.
    op. cit. p. 169.
  • 18
    Loc. cit.
  • 19
    Elias, N.
    Op. cit. pp 170-171.
  • 20
    Elias, N.
    Op, cit. pp. 172.-173
  • 21
    Elias, N.
    Societé de Cour, pp 175-176.
  • 22
    Elias, N.
    The Civilizing Process. Oxford Uk and Cambridge USA, Blackwell, 1994 (1ª edição alemã, 1939)
  • 23
    Elias, N.
    Societé de Cour, pp 175-176.
  • 24
    Elias, N.
    The Civilizing Process, p 54-55. Mas no século XVII garfo ainda é artigo de luxo, segundo esse autor.
  • 25
    Williams, R.H.
    Op. cit., p. 28.
  • 26
    Elias afirma que Veblen nunca entendeu a lógica do consumo conspicuo da nobreza, pois ele raciocinava em termos da lógica do consumo da burguesia, que é outra. E por não a ter entendido, continua Elias, Veblen não conseguiu fazer uma análise sociológica dos gastos de prestígio na
    Teoria da Classe Ociosa. Elias,N.
    Societé de Cour. pp 48-49.
  • 27
    Elias, N.,
    Societé de Cour, p. 48.
  • 28
    Elias, N.
    Societé de Cour, p. 56.
  • 29
    Elias,N.
    Societé de Cour. p. 50.
  • 30
    Elias, N.
    Societé de Cour. pp 56-57.
  • 31
    Loc. cit.
  • 32
    E essa lógica é diferente também da lógica do consumidor contemporâneo. Se ainda está presente a competição por status, ou a posse de bens como expressão de posição social (como insistem Bourdieu e de certa forma Baudrillard), há no consumo contemporâneo um aspecto lúdico, de expressão individual, de prazer no ato do consumo, de satisfação real ou ilusória de desejos e fantasias que não era característica (embora eventualmente até pudesse estar presente) do consumo na corte.
  • 33
    Luxo não significava conforto. Essa é uma preocupação que aparece muito depois.
  • 34
    Braudel, Fernand.
    Civilization and Capitalism 15th-18th century. Vol. 1, The Structures of Everyday Life. Berkeley, Los Angeles, Univ of California Press, 1992, capítulos 3 e 4.
  • 35
    Braudel,
    op.cit, p. 307.
  • 36
    Williams, Rosalind H.
    op.cit, pp. 19-20
    37 Op.cit., p. 24.
  • 37
    Op. cit., pp 24.
  • 38
    Op. cit., pp 27-28.
  • 39
    Op. cit., pp 28-29.
  • 40
    Mccracken, G.
    Culture and Consumption. Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1990.
  • 41
    Idem, ib., pp 11-12.
  • 42
    Idem, ib., p. 12.
  • 43
    Para uma descrição detalhada desses padrões ver o capítulo 2 de McCracken, G.
    op.cit., "Ever dearer in our thoughts".
  • 44
    Lipovetsky, Gilles,
    O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. S. Paulo, Cia. das Letras, 1989.
    (L'Empire de l'éphémère: la mode et son destín dans les societés modernes. París, Gallimard, 1987)
  • 45
    McCrakcen usa a expressão status, mas aqui refere-se à honra associada ao fato de pertencer a um estamento determinado, a nobreza. Status e estamento são duas das traduções que foram feitas da palavra Stand usada por Weber. São conceitos distintos, que freqüentemente aparecem confundidos.
  • 46
    Mccracken, G.,
    op.cit., p. 13.
  • 47
    Op. cit.,.p. 11.
  • 48
    Op. cit, p. 14.
  • 49
    Cf. Braudel.
    op. cit. e Lipovetski.
    op. cit.
  • 50
    Lipovetsky, Gilles,
    op. cit., ver especialmente capítulo 1.
  • 51
    Aries, Philippe. "Por uma história da vida privada" in Ariès, P e Georges Duby.
    História da vida Privada. São Paulo, Cia. das Letras, 1995 (1ª ed., 1991), vol. 3, pp7-19. Ver também os demais artigos do volume 3 dessa coletânea e ainda os do volume 4, organizado por Michele Perrot.
  • 52
    Para uma análise detalhada da evolução da proteção do consumidor, ver Taschner, Gisela
    Proteção do consumidor - um estudo comparativo internacional. S. Paulo, EAESP-FGV, NPP, Série relatórios de pesquisa, nº 1/95.
  • 53
    Para uma análise em outra linha, mas que tem pontos de contato com a nossa, ver Canclini, Nestor Garcia em seu
    Consumidores e Cidadãos, Rio de Janeiro, UFRJ, 1996 , 2ª edição.
  • 54
    Sobre essa tendência ver Nava, Mica.
    Changing Cultures. London, Sage, 1992.
  • 55
    Não estou me referindo aqui, é claro, àqueles que não têm tido assegurado nem mesmo o direito ao consumo. Essa é uma outra questão, da qual estou trato em outro trabalho.
  • 56
    Sobre a organização da produção flexível, ver, entre outros Ferro, José R. "Aprendendo com o Ohnoísmo (produção flexível em massa",
    Revista de Administração de Empresas, S. Paulo, FGV,vol 30 , nº 3, jul-set 1990, pp 57-63.
  • 57
    Ver, por exemplo, Verlinden, P. "L'achat d'impulsion se programme",
    Revue Française de Marketing, nº 123, 1989/3, pp 71-76.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2010
    • Data do Fascículo
      1997
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