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Universos em emoção: a propósito de uma exposição de arte, seu catálogo e a coletânea de estudos socioantropológicos sobre futebol

Universes in emotion: about an art exhibition, its catalogue and the collection of socioanthropological studies on football

Universos en emoción: a propósito de una exposición de arte, su catálogo y la colección de estudios socioantropológicos sobre el fútbol

Resumo

Universo do Futebol, a coletânea de estudos antropológicos, debutou em meio a figurações relacionais em que artes plásticas, performances artísticas, pesquisas acadêmicas, conjuntura política e esportiva encontraram ressonâncias numa renovada agenda etnográfica na Antropologia brasileira a partir dos anos 80. Digamos que estes elementos se retroalimentaram em benefício do surgimento não planejado de um novo subcampo dos estudos esportivos em Ciências Sociais, no Brasil e na América Latina. O movimento deste artigo será recuperar parte do contexto de surgimento desta obra, minimizando o fardo de caracterizá-la apenas como marco bibliográfico, reposicionando-a num conjunto de elementos ao qual pertenceu: uma homônima exposição de arte tematizando a Copa do Mundo de 1982 e seu catálogo. Recuperar esses artefatos em contexto é colocar também em evidência seu maior entusiasta e promotor, Roberto DaMatta, organizador não somente da referida coletânea, mas ativo colaborador da exposição, de seu catálogo e divulgador das ideias presentes na coletânea para um público mais amplo. Se tal movimento centrífugo parece fazer subsumir o significado primário da coletânea de estudos, desde que apenas percebida a partir do contexto acadêmico, a intenção será reavivar sua capacidade persuasiva há muito convencionalizada como referência bibliográfica.

Palavras-chave:
Futebol; Arte; Antropologia urbana; Exposição Universo do Futebol; Emoções

Abstract

Universo do Futebol, anthropological studies collection, debuted within relational figurations in which plastic arts, artistic performances, academic research, political and sporting conjuncture found resonances in a renewed ethnographic agenda in Brazilian anthropology from the 1980s onwards. Let us say that these elements fed back into the unplanned emergence of a new subfield of sports studies in the social sciences in Brazil and Latin America. The purpose of this article is to recover part of the context of the emergence of this work, minimizing the burden of characterizing it only as a bibliographical landmark, repositioning it in a set of elements to which it belonged: an art exposition with the same name themed the 1982 World Cup and its catalogue. Recovering these artifacts in context is also to highlight their greatest enthusiast and promoter, Roberto DaMatta, organizer not only of the mentioned collection, but also an enthusiastic collaborator of the art exposition, of its catalogue and disseminator of the ideas present in the collection to a wider public. If such a centrifugal movement seems to subsume the primary meaning of the collection of studies, since only perceived from an academic context, the intention will be to revive its persuasive capacity long since conventionalized as a bibliographical reference.

Keywords:
Soccer; Art; Urban Anthropology; Universe of Soccer Exposition; Emotions

Resumen

Universo do Futebol, colección de estudios antropológicos, debutó dentro de figuraciones relacionales en las que artes plásticas, performances artísticas, investigación académica, coyuntura política y deportiva encontraron resonancias en una renovada agenda etnográfica de la antropología brasileña a partir de los años ochenta. Digamos que estos elementos retroalimentaron el surgimiento imprevisto de un nuevo subcampo de estudios del deporte en las ciencias sociales en Brasil y América Latina. El propósito de este artículo es recuperar parte del contexto del surgimiento de esta obra, minimizando la carga de caracterizarla sólo como un hito bibliográfico, reposicionándola en un conjunto de elementos a los que pertenecía: una exposición de arte homónima, cuya temática era el Mundial de 1982 y su catálogo. Recuperar estos artefactos en su contexto es también destacar a su mayor entusiasta y promotor, Roberto DaMatta, organizador no sólo de la mencionada colección, sino también activo colaborador de la exposición, de su catálogo y divulgador de las ideas presentes en la colección para un público más amplio. Si tal movimiento centrífugo parece subsumir el significado primario de la colección de estudios, ya que sólo se percibe desde un contexto académico, la intención será reavivar su capacidad persuasiva desde hace tiempo convencionalizada como referencia bibliográfica.

Palabras clave:
Fútbol; Arte; Antropología urbana; Exposición Universo del Fútbol; Emociones

Antecedentes 1 1 Agradeço as leituras prévias dos antropólogos Carlos Eduardo Costa e Piero de Camargo Leirner, bem como a troca de mensagens e disponibilidade de material de pesquisa do MAM-RJ na pessoa de Moema Alves. Este artigo é dedicado à José Guilherme Magnani, Maria Lúcia Montes ( in memoriam) e Roberto DaMatta.

Em 7 de julho de 1982, dois dias após a derrota da seleção brasileira masculina de futebol para a Itália na Copa do Mundo realizada na Espanha, o jornal Folha de S.Paulo publicou em sua primeira página, na seção destinada aos textos opinativos, uma dupla de artigos: “Eleições e Copa”, de articulistas do Rio de Janeiro, e “A Seleção e o Planalto”, escrito desde São Paulo. Ambos, assinados apenas pelas siglas J.S./R. e P.S.P se somariam a outro publicado logo no dia seguinte, 8 de julho, em que o então suplente de senador Fernando Henrique Cardoso aconselhava em “Fim da festa” que era “melhor cairmos logo no real”. Todos buscavam relacionar o momento político brasileiro àquela fatalidade esportiva nacional.

Na edição do dia posterior à eliminação, 6 de julho, impresso em letras garrafais estampadas na capa do referido jornal já havia definido o insucesso futebolístico de maneira hiperbólica ao utilizar uma lacônica manchete, “Desastre”, embora exultasse no editorial “Sem Amargura” o selecionado, qualificando-o de “orgulho nacional”.

Ainda nessa mesma edição de 6 de julho, outro articulista, de iniciais M. S., insistia na tese de que perder, em algumas circunstâncias, seria benéfico. Afinal, em lugar do “caneco” era preciso pensar também no prato: “O Brasil tem o direito de ser melhor também em educação, em saúde, na agricultura, enfim, em tudo aquilo que dê ao seu povo mais do que noventa minutos de distração a cada domingo”.

O país vivia o processo de abertura política ou distensão do regime conduzido pela tutela governista, cuja dinâmica ficou conhecida como lenta, gradual e “segura”. 2 2 Carlos Estevam Martins, “O significado das eleições de 82”, Tendências e Debates, Folha de S.Paulo, 11.06.1982. No final de 1982 ocorreriam as primeiras eleições diretas e gerais para cargos executivos (exceção à Presidência da República) desde os anos 60, já experimentando a retorno da prática pluripartidária.

Prevendo a vitória da oposição em vários dos grandes centros urbanos da federação, em “Eleição e Copa” pode-se ler: “Quando muito, o futebol funciona como analgésico de efeito efêmero, que não chega a desviar a atenção dos problemas reais sofridos pela população”. Já na coluna “A Seleção e o Planalto”, o autor corrobora argumentos precedentes, preconizando que a derrota da seleção proporcionou uma “volta súbita à realidade” depois da feérica e catártica experiência futebolística. Porém, chama especial atenção em seu argumento o fato de que

Ficou fora de moda na academia e na imprensa qualquer discussão sobre os usos políticos do futebol. Evidentemente, estamos longe dos tempos em que uma não conquista do campeonato mundial parecia ser uma extraordinária ajuda para a grande transformação revolucionária. Dessa bobice oscilou-se para outra em que o futebol foi consagrado com um dado da “cultura brasileira” e ai do coitadinho que insistisse em fazer algum reparo.

A quem, de fato, se dirigia a difusa crítica? O cuidado em se distanciar da tese “revolucionária”, aquela que toma o futebol como “ópio do povo”, amparada num verniz ideológico marxista e propagada entre segmentos intelectuais e militantes de esquerda desde os anos 60 e 70 ( Souza 2018SOUZA, Denaldo Alchorne de. 2018. Pra frente, Brasil! Do Maracanazo aos mitos de Pelé e Garrincha, a dialética da ordem e da desordem (1950-1983). São Paulo: Intermeios.), se somava à sua posição crítica também diante de alguma noção permissiva de cultura. Ao que se infere, esta última tese já corria nos escritos de alguns acadêmicos, que gozavam de visibilidade no meio midiático, notadamente o sociólogo Gilberto Freyre, que incluíra a estética corporal mulata presente no futebol como índice de evidência positiva da miscigenação à brasileira. 3 3 Em “Football-Mulato”, artigo publicado em 1938.

Nesse trânsito de ideias entre acadêmicos e jornalistas, alguns se alimentavam de outros posicionamentos, tais como o articulista e escritor Sergio Augusto, que num artigo repleto de expectativas publicado dias antes da abertura da Copa 4 4 Conforme publicado no artigo “À sombra das chuteiras ideológicas”, Folha de S.Paulo, 13.06.1982. procurou ampliar um pouco mais para o público leitor o acesso às interpretações sobre a relação entre política e futebol vindas do universo acadêmico.

Suscinto e com algum humor, citou várias referências e inspirações, desde uma disfuncionalidade do futebol como produto da indústria cultural, o que levaria àquilo que entendia por contradição politicamente produtiva, neste caso o jornalista interpelava autores da escola de Frankfurt, passando por uma sociologia uruguaia, que sem citar referências discorria sobre as polarizações partidária e clubística naquele país. Seguiu mencionando uma historiografia espanhola, que despontava com vários autores relacionando franquismo e futebol e, nesse entremeio, enunciou, presumidamente, uma singular “escola de Roberto Da Matta” inspirada em inversões rituais.

No já citado “Fim de Festa”, Fernando Henrique também recorreu en passant à DaMatta, atribuindo-lhe obliquamente o argumento incompleto de que as expectativas de êxito, frustradas naquela fatídica derrota, seriam um “componente importante para a massa torcedora”.

O presente artigo trata de parte dessa conjuntura, que comprometeu empenhos e aproximações entre searas e amálgamas intelectuais, conjuntura política e o emocionante evento da Copa do Mundo de 1982. Tomada como movimento catalisador, a Copa se tornou um gatilho de experimentos intelectuais e culturais. As seções que seguem discorrerão sobre o entorno de uma destacada obra acadêmica nascida nesse contexto e que circula há mais de quarenta anos como referência bibliográfica continental.

Universo do Futebol - Esporte e Sociedade BrasileiraDAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte a sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. Flores. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke ., organizada por Roberto DaMatta em coautoria com Simoni Lahud Guedes, Arno Vogel e Luiz Felipe Baêta Neves Flores, será examinada menos por suas contribuições singulares e “primárias”, oferecidas em cada um de seus capítulos há muito evidenciados numa ampla base bibliográfica, para ser reagrupada ao seu ambiente ou contexto motivador persuasivo e associada a uma exposição de arte de mesmo nome, “Universo do Futebol”, que ocupou nos meses de junho e julho de 1982 as dependências do MAM-RJ e do Acervo Galeria de Arte na cidade do Rio de Janeiro.

A viabilidade da aclamada coletânea foi tributária de sensibilidade curatorial, senso de oportunismo político e estética acadêmica alentada. O volume permitiu que seu maior articulador, o antropólogo sênior Roberto DaMatta, que reuniu os demais jovens colaboradores naquela empreitada, experimentasse uma prosa antropológica eivada de emoção, como que emulando algumas das propriedades do próprio tema-objeto, que quicava na área da academia ao menos desde Gilberto Freyre.

A coletânea, que no contexto de Copa viria à baila em defesa da incorporação do futebol à cultura brasileira, também reuniria boa parte dos argumentos evitados por aquele articulista de “A Copa e o Planalto”. O fato é que Universo do Futebol, a coletânea, paulatinamente acabaria consagrada, tanto no meio universitário quanto fora dele, como, presumidamente, a mais popular das obras acadêmicas a tematizar a relação entre futebol e identidade nacional no Brasil.

As seções seguirão mostrando o imbricamento desses evento-artefatos ( coletânea, exposição e seu catálogo de divulgação), partindo das imagens conceituais de retrato compósito e contexto. Universo, termo que empresta nome a todos os elementos desse conjunto, é a metáfora prevalente associada ao mote das emoções. Se o catálogo da exposição foi um desdobramento didático da mostra de arte, sua redescoberta em compasso com a coletânea pode ganhar outro direcionamento, e assim deixar de ser mero artefato subsidiário daquela. Tomado aqui por síntese mediadora de ambas, exposição e coletânea, o catálogo permite acessar uma visão mais empenhada a respeito dos propósitos epistemológicos que atravessaram aquela contribuição acadêmica.

A tarefa será perscrutar, tal como sugere Roy Wagner, como tais elementos, hoje adormecidos, dissociados ou ainda reificados em seus respectivos nichos de recepção, puderam ocorrer juntos “de alguma maneira” ( Wagner 2010 [1975]WAGNER, Roy. 2010 [1975]. A invenção da Cultura. São Paulo: Cosac&Naify.:77), porque motivados por um determinado contexto em que a própria antropologia brasileira também buscava ampliar seu escopo empírico e raio metodológico de atuação.

Nessa direção, a coletânea pode ser admoestada de muitas maneiras, seja reificada como artefato bibliográfico pivotante, quase que totêmico, seja posicionada como extensão de um modelo que se propôs a uma tarefa ambiciosa de pensar sociologicamente o Brasil como totalidade dilemática ( DaMatta 1979DAMATTA, Roberto. 1979. Carnavais, Malandros e Heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar.). O artigo tentará problematizar alguns desses truísmos classificatórios, evitando adentrar em demasia pelo emaranhado dos capítulos e remissão sistemática aos argumentos internos à obra.

Figura 1.
Coletânea de estudos e Catálogo Universo do Futebol

Universo emocionado

“Poucos países se apaixonam pelo futebol como o Brasil, que lhe devota um culto emocionado e superlativo.” ( Folha de S. Paulo, Editorial, 4 de julho de 1982).

Estilos de escrita etnográfica promovem invenções, impressionismos e estranhamentos enfeixados naquilo que Strathern define por ficções persuasivas: “quando o escritor escolhe (digamos) estilo científico ou literário, ele assinala o tipo de ficção que faz; não se pode fazer a escolha de evitar completamente a ficção” ( Strathern 2013 [1987]STRATHERN, Marilyn. 2013 [1987]. Fora de contexto: as ficções persuasivas da Antropologia. São Paulo: Terceiro Nome.:45). Strathern toma por ficção não apenas um estilo de escrita, mas o momento, que poderia estender e chamar de contexto, em que a teoria alcança seu ponto mais fictível ao fazer avançar as ideias, ou melhor, “trazer vida às ideias” ( Strathern 2013 [1987]STRATHERN, Marilyn. 2013 [1987]. Fora de contexto: as ficções persuasivas da Antropologia. São Paulo: Terceiro Nome.).

Essa vitalidade, assumida também como projeto e engajamento político, revela outra crítica importante, a de que escritores, no caso, antropólogos, devem se acautelar do jogo livre das convenções disciplinares que tendem a desemoldurar do contexto os implícitos da escrita etnográfica. 5 5 Para Strathern, jogo livre seria jogar com contextos internos aos cânones e convenções acadêmicos, apenas objetificando contextos externos. Trata-se de movimento de obviação dos interesses dos interlocutores, o que tornam opacas as desigualdades de posicionamentos políticos entre estilos narrativos ( 2013 [1987]:80).

Universo do Futebol, a coletânea, debutou em meio a figurações relacionais em que artes plásticas, performances artísticas, acadêmicas, conjunturas política e esportiva encontraram ecos numa renovada agenda de pesquisas etnográficas na Antropologia brasileira a partir dos anos 80. Digamos que esses elementos se retroalimentaram em benefício do surgimento, não planejado, de um novo subcampo dos estudos esportivos em Ciências Sociais, no Brasil e na América Latina.

Então, o movimento aqui será retroativo. E abdicando de externalizar o contexto da obra para que ela se sobressaia como ferramenta analítica, retiramos dela esse fardo mais evidente para reposicioná-la num conjunto de elementos ao qual pertenceu. Tal movimento parece subtrair a originalidade ou subsumir o significado primário da obra, desde que apenas percebida a partir do contexto acadêmico, mas terá algum mérito em reavivar seus estranhamentos persuasivos há muito convencionalizados pelo seu próprio legado. O que significa trazê-la de volta à vida.

Universo do Futebol, a coletânea, é citada três vezes em “Universo do Futebol”, o catálogo. Primeiro, discriminada como evento no “Calendário geral da exposição”. Em “Estrutura da exposição” reaparece como artefato ou objeto/tema do setor I e do setor K, este último destinado ao lançamento do livro propriamente dito. Constam ainda do catálogo três textos: Apresentação, assinada pelos curadores Gustavo Affonso Capanema, do MAM, e Max Perlingeiro, do Acervo Galeria de Arte; um segundo de Roberto DaMatta ( 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.) 6 6 Aparentemente há um erro no título, que aparece grafado Universo “de” futebol, ao invés “do” futebol. Provavelmente um mal-entendido que sobreviveu à revisão. e o terceiro do historiador de arte Frederico de Morais.

Ao descrevê-la no setor K, o catálogo dedica três parágrafos, sem autoria, para justificar ao público o pertencimento da coletânea ao conjunto expositivo, afinal, tratava-se de

[...] um complemento indispensável à exposição, pois proporciona em maior profundidade a necessária reflexão intelectual sobre um esporte que possui papel destacado e poderoso no contexto da sociedade e da cultura brasileira ( Catálogo Exposição Universo do Futebol 1982CATÁLOGO EXPOSIÇÃO UNIVERSO DO FUTEBOL. 1982. Museu de Arte Moderna-RJ; Acervo Galeria de Arte.:55).

Figura 2.
Título do texto de Roberto DaMatta no Catálogo Universo do Futebol, p. 7

Evidenciar as contribuições da coletânea em contexto originário implica dizer algo sobre a atmosfera de sua escrita e permite reapresentá-la a partir dos elementos que a comprometeram dentro de um projeto mais extenso. Permite pensar também que seu lugar no circuito intelectual acabou por promover uma espécie de abdução da obra. Se num primeiro momento esse movimento trouxe ganhos analíticos, pois fortaleceu um subcampo disperso e em formação dentro da Antropologia, não deixou também de fragilizá-la ou, de certa maneira, torná-la refém dos efeitos convencionalizantes acadêmicos mais evidentes, que posteriormente a confinaram num único contexto, laminada em referência bibliográfica devedora do modelo damattiano que, à época, ganhava projeção e autonomia intelectual.

Em relação ao organizador do volume, cabe antecipar que sua invenção sociológica não esteve relacionada apenas às tentativas de objetificação e de controle de um incomensurável mundo externo circunscrito às ideias de nação e sociedade brasileira ( DaMatta 1988DAMATTA, Roberto. 1988. “Brasil: uma nação em mudança e uma sociedade imutável? Considerações sobre a natureza do dilema brasileiro”. Estudos Históricos, v. 1, n. 2:204-219.). Nesse caso, reinserir a obra ao contexto de sua aparição implica repactuar também as próprias ideias damattianas, obviamente à revelia do autor, e relativizar a imagem de externalidade analítica ubíqua que viria a dar forma aos usos de seu modelo.

É nesse sentido que a coletânea pode ser retomada na sua fugaz performatividade ou apanhada no fluxo das emoções definidoras de um ethos político que se insinuava, tal como alude Arno Vogel (1982VOGEL, Arno. 1982. “O momento feliz, reflexões sobre o futebol e o ethos nacional”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes ; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira, Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:79), relativizando a pecha de obra culturalista no domínio da interpretação antropológica e alhures. Porque há nela jogos de ideias, persuasões estilísticas e metáforas em experiências relacionais com outros contextos, e não apenas a evidência de um ponto de vista analítico que aterrissou sobre um novo tema, o futebol, e que, de chofre, passou a torná-lo sociologicamente relevante.

DaMatta não inventou um novo objeto para as Ciências Sociais, pois uma Sociologia do esporte já se colocava em evidência no panorama europeu pelo menos desde os anos 60 na mirada de autores como Norbert Elias e Eric Dunning. 7 7 DaMatta participava desse momento ainda como entusiasta, tal como lembra Simoni Guedes: “’Descreva um jogo de futebol como se você fosse uma pessoa de outra sociedade’. Foi um dos temas que compuseram a seleção dos ingressantes de mestrado no Museu Nacional em 1972 [...] Conta a autora que, provavelmente, Roberto Da Matta, que fazia parte da banca, teria proposto como um dos temas que os candidatos teriam que escolher para desenvolver na prova de admissão” ( Hollanda 2021:11). Porém, teve que forjar parte do próprio contexto que daria forma e energia às suas ideias, daí seu empenho pessoal, diria intelectual e político, em testá-las em outros domínios. E um dos caminhos escolhidos foi participar de experimentações estéticas no transcorrer do contexto vivido na Copa do Mundo de 1982. Tal esforço acarretou necessidade de impor uma escrita sociológica emocionada a respeito da sociedade brasileira, mobilizando imagens extraídas de vários outros domínios.

Noutras palavras, DaMatta buscou o engajamento das emoções como ferramenta analítica, metaforizando significados num projeto intelectual em estreito diálogo com outras fontes igualmente emocionantes e motivadoras, o que implica dizer que se deve creditar menos aos desvios interpretativos, que muitas vezes recaem sobre a coletânea, convencionalizada na apoteose da equação nação↔futebol↔sociedade, os sucessos ou os esgotamentos de suas influências mobilizadas no exercício conceitual urdido por seu organizador. Ademais, para melhores cálculos do jogo estruturado de interesses na produção literária persuasiva da coletânea há que se considerar o projeto de país que se avizinhava e que procurava retomar os trilhos da chamada redemocratização.

Isto porque o volume não se dirige apenas à academia, mas se coloca a partir dela, tentando alcançar aqueles pontos fictíveis, tal como sugere Strathern, para fazer avançar o debate em torno de ideias sobre um tema ainda bastante marginal no contexto acadêmico. Além disso, a coletânea impôs-se como artefato coetâneo e, nesse sentido, futebol, anteriormente o carnaval, prestaram-se a domínios atratores de pertencimentos mútuos entre muitas coisas, inclusive em diálogo com a conjuntura política. É nesse sentido que a co(l)etânea pode ser concebida como objeto ou artefato cultural de performance ficcional, literária e ao mesmo tempo acadêmica, afinal, “Marcar uma obra como ‘literária’ é como marcar uma pessoa como detentora de ‘personalidade’. Obviamente, uma vez que qualquer obra escrita busca um certo efeito, isso só pode ser uma produção literária” ( Strathern 2013STRATHERN, Marilyn. 2013 [1987]. Fora de contexto: as ficções persuasivas da Antropologia. São Paulo: Terceiro Nome.:42).

O volume liberaria um estilo narrativo de fundo emocional motivador, para alguns embrenhado às tessituras nacionalistas um tanto piegas, para não dizer populistas, porque imiscuído ao problemático, quase sempre reificado, tema do estilo brasileiro de jogar futebol, reincidido na expressão futebol-arte.

A propósito, os desígnios do futebol-arte, acolhidos na prática popularizada desse esporte país afora, aparecem tensionados na literatura sociológica pelo menos desde Gilberto Freyre num artigo já mencionado, “Football-Mulato”FREYRE, Gilberto. 1938. “Foot-ball Mulato”. Diário de Pernambuco, junho.. Nos quadros da suposta miscigenação cultural bem-sucedida forjou-se um processo de metaforização da nação em seleção ( Guedes 2014GUEDES, Simoni Lahud. 2014. “A produção das diferenças na produção dos ‘estilos de jogo’ no futebol: a propósito de um texto fundador”. In: B. B. de Hollanda & L. G. Burlamaqui (orgs.), Desvendando o jogo: nova luz sobre o futebol. Niterói: EDUFF/Faperj. pp. 153-171.:56) a exibir uma estética técnico-corporal, ou forma-representação ( Toledo 2022TOLEDO, Luiz Henrique. 2022. Lógicas no futebol - releituras. São Paulo: Editora Ludopédio.), capturada no estilo brasileiro de jogar.

Se hoje essa discussão se apresenta um tanto fora do contexto tanto pela via das demandas por outros futebóis ( Damo 2018DAMO, Arlei Sander. 2018. “Futebóis: da horizontalidade epistemológica à diversidade política”. Fulia - Revista sobre Futebol, Linguagem, Artes e outros Esportes. Belo Horizonte, v. 3, n. 3:37-66. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/14644 . Acesso em 25/04/2022.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/ful...
) quanto evidenciada nas pesquisas acadêmicas sensíveis às movimentações de práticas mais dissonantes ( Camargo 2016CAMARGO, Wagner Xavier. 2016. “Dilemas insurgentes no esporte: as práticas esportivas dissonantes”. Movimento, UFRGS, v. 22, n. 4:1337-1350. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/66188 . Acesso em 17/02/2022.
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), é crível afirmar que o gatilho metafórico motivador se manteve a partir das emoções, que se reapresentam em novos discursos em contexto ( Víctora & Coelho 2019VÍCTORA, Ceres & COELHO, Maria Claudia. 2019. “A antropologia das emoções: conceitos e perspectivas teóricas em revisão”. Horizontes Antropológicos, ano 25, n. 54:7-21. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/HCLwVxYkWf7CjJcxm7sq3Ks/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 25/09/2022.
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:11).

Se as categorias totalizantes de nação e sociedade se tornaram menos exigências epistemológicas no trato do futebol, o fundo emocional que anima a sociabilidade em seu entorno seguiu textualizando e contextualizando novos projetos identitários e associativos, evidenciando a importância de outras matrizes para além da feição espetacularizada assumida pelo futebol masculino, amparado na equação sociológica citada acima.

Futebóis amadores/comunitários/periféricos ( Guedes 1977GUEDES, Simoni Lahud. 1977. Futebol, instituição zero. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social/UFRJ., 1982GUEDES, Simoni Lahud.1982. “Subúrbio, celeiro de craques”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes ; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .; Damo 2007DAMO, Arlei Sander. 2007. Do dom à profissão. A formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo: Editora Hucitec/Anpocs.; Spaggiari 2016), futebóis de mulheres e dissonantes ( Camargo 2016CAMARGO, Wagner Xavier. 2016. “Dilemas insurgentes no esporte: as práticas esportivas dissonantes”. Movimento, UFRGS, v. 22, n. 4:1337-1350. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/66188 . Acesso em 17/02/2022.
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; Kaessler & Damo 2022KESSLER, Claudia Samuel & DAMO, Arlei Sander. 2022. “A partir do legado de Simoni: um olhar crítico sobre gênero e futebol no Brasil”. In: L. Costa & R. Helal (orgs.), Esporte e sociedade. A contribuição de Simoni Guedes. Rio de Janeiro: Apris.), futebóis de torcedores(as) (Toledo, Andrade & Souza Junior 2021ANDRADE, Marianna C. B.; SOUZA JUNIOR, Roberto A. P. & TOLEDO, Luiz Henrique de. 2021. “Pertencimento clubístico e pertencimento torcedor: materialidade e gênero numa torcida organizada de futebol”. Esporte e Sociedade, v. 1:1-28. Disponível em: https://periodicos.uff.br/esportesociedade/article/view/52118 . Acesso em 10/10/2022.
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), futebóis e esportividades ameríndias ( Costa 2021COSTA, Carlos Eduardo. 2021. “Futebol em campo, no campo da etnologia. O desporto bretão e a esportividade ameríndia”. Revista de Antropologia, v. 64, n.3:e189722. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/189722/176590 . Acesso em 24/03/2022.
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) não dissiparam e tornaram as emoções meros efeitos de superfície. Ao contrário, multiplicaram-nas em novas figurações a despeito dos velhos temas da nação e da brasilidade. Nesse sentido, nação passa assumir um princípio reversível de figura totalizante problemática, contextualmente obviada como imagem mais fugidia nesse emaranhado de novas experiências a partir e com o futebol.

Mas a antevisão dos autores da coletânea na captura das emoções futebolísticas pela via da escrita sociologia imaginativa ( DaMatta 1981DAMATTA, Roberto.1981. Universo do Carnaval: imagens e reflexões. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke.:17) incumbiria efetuar ao mesmo tempo a transfiguração entre narrativas ficcionais e científicas, causando toda sorte de estranhamentos vindos tanto de leituras entusiasmadas quanto críticas, que não deixaram de sucumbir aos seus próprios contextos convencionalizados de recepção e acolhimento até hoje da obra.

Posteriormente à coletânea, e na esteira das crônicas futebolísticas escritas pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, 8 8 As crônicas reunidas por Ruy Castro em Rodrigues ( 1993, 1994): “A invisibilidade do óbvio” ( O Globo, 26/10/1958), “Os inimigos do óbvio” ( O Globo, 8/6/1966), “Jogador escalado pelo óbvio” ( O Globo, 10/6/1966) e por Oscar Maron Filho e Renato Ferreira, “Vai falar o óbvio ululante”, em Rodrigues ( 1987). DaMatta propôs uma antropologia do óbvio ( DaMatta 1994DAMATTA, Roberto. 1994. “Antropologia do óbvio”. Dossiê Futebol. Revista USP, n. 22:10-17.) para reafirmar, mais uma vez, a importância em se acolher academicamente o tema do futebol. Obviedade que não apelou apenas para o fato de que o futebol se permite à linguagem franca, mas à ideia de que a Antropologia deveria amplificar os estudos daqueles nichos culturais academicamente secundarizados. Trata-se, portanto, de uma obviedade metodológica. O antropólogo não apelou à disciplina, mas a interpelou, ou a instigou a tomar algum partido, no sentido de engajamento estético-político diante de temas até então menosprezados pelos jogos livres das convenções acadêmicas.

A linha tênue que divisa a relação entre escritas ficcionais e retóricas conceituais fez valer relações que se retroalimentaram. Cabe uma menção literária de fundo emocional que estabeleceu insuspeito diálogo com os aportes conceituais que delinearam não somente os textos da icônica coletânea, mas toda a escrita damattiana posterior sobre futebol, veiculada em crônicas pela mídia impressa, algumas reunidas em livro ( DaMatta 2006DAMATTA, Roberto. 2006. A bola corre mais que os homens: duas copas,treze crônicas e três ensaios sobre futebol. Rio de Janeiro: Rocco.). A intimidade da produção damattiana com a linguagem midiática o distinguiria da produção dos coparticipantes da coletânea que, buscando outros temas, fortaleceriam suas respectivas carreiras acadêmicas.

Foi Nelson Rodrigues quem primeiro enunciou o futebol como um fato óbvio, intenso e ululante. O futebol não seria o “ópio do povo” a cerrar os olhos para a realidade, mas o óbvio do povo no sentido de uma consciência possível a respeito do lugar das emoções no emaranhado sério da vida. Desde sua militância na crônica esportiva, o dramaturgo chamou a atenção para uma certa disfunção psicológica mais alargada, evidenciada como um trauma sobre os efeitos da nacionalidade, definido por ele como complexo de vira-latas a metaforizar uma psiquê brasileira.

Fisgado no trauma coletivo decorrente da derrota da Copa de 1950 e, posteriormente, transfigurado em drama estrutural sociológico pela escola damattiana, o ethos esportivo brasileiro passaria a ser definido pelo escritor como mais uma manifestação daquele sintoma. Complexo de vira-latas foi cunhado na última crônica publicada no dia 31 de maio de 1958, antes do início do torneio que, enfim, celebraria o primeiro triunfo da seleção em copas do mundo, na Suécia, e a reversão esportiva do vaticínio.

Nelson Rodrigues se colocava como um observador político otimista naquela conjuntura esportiva pessimista que pairava sob uma seleção brasileira às vésperas de se deslocar para a Europa: “Por complexo de vira-latas entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isso em todos os setores e, sobretudo, no futebol” ( Rodrigues 1993RODRIGUES, Nelson. 1993. À sombra das chuteiras imortais. Crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras .:52).

Décadas depois e já às portas da redemocratização, DaMatta posicionava sua crítica à sisudez acadêmica em meio à atmosfera política esperançosa das movimentações populares que espocavam desde o final da década de 70 e início dos anos 80. A contrapartida ao pessimismo acadêmico reverberava no plano esportivo na quase unanimidade em torno da seleção de 1982. Aliás, seleção que abrigava nomes que participariam ativamente da vida política, tais como Sócrates, no movimento em prol das Diretas Já, e Zico, que assumiria a pasta de ministro dos Esportes no primeiro governo eleito pós-ditadura.

Na coletânea Universo do Futebol o polimento conceitual da metáfora do trauma detectado por Nelson Rodrigues alcançaria os usos analíticos da noção de drama ( Turner 2008TURNER, Victor. 2008 [1974]. Dramas, campos e metáforas. A ação simbólica na sociedade humana. Rio de Janeiro: EdUFF [1974]). DaMatta não vislumbrava apenas renovar um opaco academicismo, mas vocalizar sua posição política e escrita sociológica renovada diante das possibilidades tangíveis de transformação do país. Era uma vazão que se confrontava com as potencialidades de seu próprio modelo sintonizado naquela conjuntura de certo otimismo ou esperança que avançava, tal como deixa explícito, para o público mais amplo, no texto que assina para o catálogo da exposição.

Ao criticar as fórmulas retóricas acadêmicas, e todo tipo de chamamento político intelectualista presente em muitos daqueles articulistas da mídia impressa, que insistiam em tomar o “singular como ausência” e o “específico como deficiência”, à moda do complexo de vira-latas rodriguiano, disparava:

Devo observar, para evitar graves mal-entendidos, que não estou querendo dizer com tudo isso que o Brasil é um país maravilhoso porque é obviamente singular e tem uma identidade única. Não é meu desejo nem meu alvo esconder as misérias e mazelas do Brasil em suas singularidades, numa atitude que seria − além de mentirosa - nada original. Para mim, pelo contrário, a singularidade deve ser vista nem como fraqueza, como querem sempre os críticos, nem como esconderijo de uma condescendência que justifica aquilo que deve ser realmente transformado [...] não me convence a crítica radical que tudo demole e apresenta a alternativa de transformação porque o mundo está podre. A podridão de uma sociedade me faria fugir dela, não, transformá-la. Pois bem, nesse contexto é que se desenvolve a presente exposição ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.:8).

Sensibilidade antropológica e os anos 80: também uma estética política damattiana?

“Se o cientista deixou de lado certos temas, isso não ocorreu com os místicos, os loucos e, naturalmente, os artistas.” ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.: 11).

Em 1978, um ano antes da publicação de Carnavais, Malandros e Heróis ( DaMatta 1979DAMATTA, Roberto. 1979. Carnavais, Malandros e Heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar.), o sociólogo Eder Sader lançaria alentado volume, que também marcaria época nas Ciências Sociais brasileiras. Segundo a autora que resenhou a quarta edição de Novos sujeitos..., publicada em 2001,

A preocupação do autor [Sader] se volta a analisar não as estruturas econômicas, sociais e políticas, mas as experiências populares. É a partir do desenvolvimento de novas práticas e da politização do cotidiano criadas pelos novos sujeitos, que os mesmos são analisados. O espaço da casa tido como um espaço burguês e somente de reprodução da força de trabalho se apresentou para Sader como um espaço privilegiado para a compreensão de como os trabalhadores davam sentidos e significados a sua realidade ( Sanfelice de Paula 2013SANFELICE DE PAULA, Cátia Franciele. 2013. Resenha. Eder Sader. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2001”. Revista Labirinto, XIII, 18:148-155. Disponível em: https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Quando%20novos%20personagens%20entram%20em%20cena_Resenha.pdf . Acesso em 25/09/2022.
https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.i...
:149).

Como se nota, o repertório marxista presente nos termos da análise de Eder Sader, “espaço burguês” e “força de trabalho”, passam a conviver com algumas categorias apreendidas pela via etnográfica, em experimentação desde a segunda metade dos anos 70. Casa, uma categoria cara a DaMatta, é analisada como espaço de sociabilidade para além da sua condição de locus de reprodução da força de trabalho. Na Antropologia há muito a categoria já havia sido abordada na esfera da organização social com as contribuições de Lévi-Strauss, autor que agregou casa aos sistemas semicomplexos de parentesco, mas Roberto DaMatta a submeteria a outras extensões metafóricas no par estrutural com rua, contornando as abordagens mais francamente marxistas e morfológicas. Para o autor, casa se torna elemento de uma relação que reverbera em imagens expandidas da sociedade. 9 9 Deve-se levar em conta que um pensamento feminista negro se insurgiu justamente no contexto em que as ideias damattianas começavam a ganhar corpo e a serem vulgarizadas no senso comum a partir de Carnavais, malandros... ( 1979). Esse movimento de pensadoras feministas negras amplificou e complexificou o cenário intelectual dos anos 80. Cabe citar notadamente ativistas como Sueli Carneiro, e diria sobretudo Lélia Gonzales em seu icônico e assertivo estilo contundente apresentado num texto de 1979 e publicado em 1984 na Revista da ANPOCS ( “Racismo e Sexismo na cultura brasileira”). Mulher negra, mulata, mãe preta conformam um conjunto de categorias de dentro da casa que interpelam o conceitualismo descarnado (e desalmado?) investido em noções intelectualistas de casa por autores clássicos da antropologia até os mais contemporâneos. Agradeço aos pareceristas que atentaram para essa questão apenas esboçada aqui.

A incorporação à sociologia de “novos sujeitos” nos estertores do regime militar, oriundos de movimentações políticas oxigenadas a partir da sociedade civil (comunidades eclesiais de base, partidos políticos, movimento estudantil, movimento negro, movimentos feministas, movimentos culturais e sindicais), demandou por nova sensibilidade analítica diante dos enfrentamentos da crise política. Neste contexto a sociabilidade popular produzia loci de manifestações de uma cidadania emocionante, apreendida etnograficamente. 10 10 Ver, por exemplo, Guedes ( 1977), Magnani ( 1984).

A década de 80 seria marcada por um espraiado reposicionamento da Antropologia no contexto das Ciências Sociais. Para fora, acirrava-se o debate em relação às pretensões de expansão temática implementada pela disciplina, que se colocava como perspectiva metodológica no debate de temas políticos sensíveis como cidadania e desigualdade, tal como atesta Peirano (1995PEIRANO, Mariza. 1995. A Favor da Etnografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará.) ao defender o método etnográfico das investidas críticas de outros cientistas sociais. Posteriormente o balanço crítico se fez presente para dentro, quer dizer, no interior da própria disciplina

[...] antropologias urbanas e rurais são etnologizações do alheio, obra de aventureiros que invadiram com nossa bandeira os domínios dos burgos vizinhos. Nós etnólogos continuamos morando na cidade velha da antropologia. Estou brincando. Os antropólogos, como vêm testemunhando as reuniões da Anpocs, somos muito unidos, e não destoo. Somos unânimes no afirmar que a antropologia não se define por seu objeto, mas por seu método ( Viveiros de Castro 1992VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1992. “O campo na selva, visto da praia”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Ed FGV, v. 5, n. 10:170-190. Disponível em: http://biblioteca.funai.gov.br/media/pdf/Folheto51/FO-CX-51-3311-2003 . Acesso em 13/10/2022.
http://biblioteca.funai.gov.br/media/pdf...
:1).

À narrativa etnográfica mais “realista”, que passou a cobrir territórios empíricos controlados pelo canônico método etnográfico, marcando estilos na Antropologia urbana brasileira, se somariam os trabalhos que ocupavam outro polo, de perspectiva multidisciplinar e ensaística, pressupostos em modelos como o damattiano. Mas só se pode compreender esses estilos e, sobretudo, o chamamento a uma antropologia emocionada da sociedade brasileira, e este parece ser o fulcro da compreensão do tipo de engajamento epistemológico de autores como DaMatta, levando em conta a sensibilidade com que alguns temas populares foram reivindicados no interior dos contextos acadêmicos.

Aqueles novos sujeitos políticos, que passaram a ocupar a esfera pública e a despertar maior atenção dos cientistas sociais, foram reclamados também da perspectiva da “alma encantadora das ruas” ( Rio 2008RIO, João. 2008 [1908]. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras. [1908]), sendo as ruas retomadas como espaços de experimentação dos signos de brasilidade sob o ponto de vista popular.

As apropriações desses signos verteram em extensões de significados esparramados em objetos até então formalmente retidos pelo regime que se esvaía, tais como a bandeira nacional, que passaria a ser associada às expressões populares e encenações esportivas e estéticas. As manifestações pela redemocratização encontrariam alguns caminhos ou brechas expressivas através de uma estética popular barroca ( Montes 2012MONTES, Maria Lucia. 2012. As figuras do sagrado. Entre o público e o privado na religiosidade brasileira. São Paulo: Claroenigma.), que levou a academia a convocar não somente os atores populares, no sentido político do termo, mas seus temas existenciais, tais como se verifica no olhar acadêmico voltado para o carnaval e o futebol.

Pari passu, happenings e intervenções artísticas no circuito das artes plásticas ( Morais 1982MORAIS, Frederico. 1982. “Futebol e artes plásticas: da celebração à denúncia”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea/ Acervo Galeria de Arte. pp. 16-28.; Farias 1994FARIAS, Agnaldo. 1994. “O fim da arte segundo Nelson Leirner”. Retrospectiva Nelson Leirner. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura.) testavam os limites da conjuntura. A associação entre esporte e artes plásticas já se estabelecia como urgência estético-política, tal como observa o crítico de arte Agnaldo Farias ao fazer um balanço, já nos anos 90, da obra do artista plástico Nelson Leirner, aliás um dos convidados a performar no setor C da exposição “Universo do Futebol”.

A crítica ao trabalho de Leirner, artista marcado por experimentações estéticas e afetivas com o futebol, punha ênfase nas relações entre arte, jogo, emoção, esporte e política como domínios coextensivos vigindo as regras sociais

Os esportes seriam um tema recorrente na trajetória do artista, que se encanta com a ideia de um ritual coletivo permeado por regras sutis, cuja prática exige o aprimoramento dos gestos, o controle refinado das ações. Na extremidade oposta dessa ótica, encontra-se o cultivo do esporte pelo poder estabelecido, como instância de adestramento e cerceamento da libido. Por último, deve-se ressaltar as aproximações frequentes que o artista faz dos esportes (sobretudo o futebol) com a própria arte. Além do fato de ambos possuírem a mesma estrutura de um jogo, com regras que devem ser compreendidas (até para que sejam superadas por meio do blefe e da “catimba”), ambos coincidem no tocante a fazer com que as pessoas festejem seu ócio; e tornam mais fácil para elas desatar suas alegrias ou vestir seus lutos mais profundos ( Farias 1994FARIAS, Agnaldo. 1994. “O fim da arte segundo Nelson Leirner”. Retrospectiva Nelson Leirner. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura.:96).

Nota-se nesses argumentos uma forte similitude com aquilo que DaMatta vinha experimentando conceitualmente e que fora ampliado no catálogo da exposição “Universo do Futebol”. Ao tratar alguns artistas presentes na exposição como “doadores de sentido”, no exame que fez de algumas obras (DaMatta 1982b), define os condicionantes estéticos, esportivos e políticos da noção de virtuosidade, qualidades presentes nos artistas, esportistas e, por que não reivindicar, em alguns cientistas sociais. Assim, DaMatta revela seu próprio perfil intelectual e político, cujo teor mais reformista e liberal tratará as regras sociais como extensões existenciais e não obstáculos formais às transformações.

Pois, o virtuoso é aquele que diante de uma norma ou regra resolve entendê-la e praticá-la a ponto de vencê-la pela compreensão de dentro e não pela sua revogação. Estabelecer um novo recorde [no esporte] é fazer precisamente isso: aqui uma dada regra é esticada, por assim dizer, aos limites do humanamente possível. Não se luta contra a regra, mas com a regra ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.:12)

Posteriormente, em Antropologia do óbvio ( 1994DAMATTA, Roberto. 1994. “Antropologia do óbvio”. Dossiê Futebol. Revista USP, n. 22:10-17.), voltaria ao tema das insuspeitas proximidades entre arte, esportes, rituais, emoção e regras

Para que serve a arte ou o esporte? Por não permitir a mesma resposta que cabe no caso da ciência, da lei ou do comércio, a pergunta torna-se reveladoramente enigmática. É que ela denuncia o utilitarismo como valor. [...] Tudo indica que o esporte tem um lado instrumental ou prático que permite “fazer” coisas e promover riqueza; mas ele tem também um enorme eixo expressivo e/ou simbólico que apenas diz e, como os rituais, revela quem somos ( DaMatta 1994DAMATTA, Roberto. 1994. “Antropologia do óbvio”. Dossiê Futebol. Revista USP, n. 22:10-17.:13)

As movimentações pela democracia nas ruas adquiriram os contornos de uma festa da política, tal como descrevem Marlyse Meyer e Maria Lucia Montes (1985MEYER, Marlyse & MONTES, Maria Lucia. 1985. Redescobrindo o Brasil: a festa na política. São Paulo: T. A. Queiroz Editor.) no calor das agitações de meados da década de 80. Essa abordagem não deixa de ampliar e legitimar algumas das ideais que já permeavam tanto o catálogo quanto a coletânea Universo do Futebol. Ao tratarem das manifestações pelas Diretas Já, no ano de 1984, as autoras reiteram, desde a crítica literária e a ciência política, a antropologia imaginativa damattiana, primeiro em epígrafe do volume Redescobrindo o Brasil..., partindo das performances torcedoras vindas do futebol: “E agora só os corinthianos: pra quando as diretas já, meu povo? - Já!!!” (Osmar Santos, comício na praça da Sé, 1984).

E depois por todo o corpo da análise:

Entenda-se que, por tudo isso, não queremos significar a “carnavalização” da política, degradação do que é “sério” em “oba-oba” e retorno do “festivo”, mas antes uma real redescoberta e reinvenção da festa popular. Na verdade, ao assistirmos ao espetáculo da passeata paulista, encontramos a resposta para uma questão que, ao longo dos anos, nos havia inquietado: para onde vai toda essa capacidade de improviso, de adaptação, essa sabedoria e essa criatividade que o povo exibe em sua cultura? ( Meyer & Montes 1985MEYER, Marlyse & MONTES, Maria Lucia. 1985. Redescobrindo o Brasil: a festa na política. São Paulo: T. A. Queiroz Editor.:9).

Utopias intelectuais e populares associadas ao pragmatismo político em torno da democracia e seus desígnios universalistas posicionaram autores como DaMatta no interior de um debate mais ampliado. Setores da sociedade civil vinculados a ideários progressistas e de esquerda passaram a reverberar reciprocamente as demandas e as transformações políticas numa frente ampla rumo ao centro ideológico, negociando o ocaso do regime militar.

O editorialista do Jornal do Brasil, Fernando Pedreira, no desenrolar da Copa de 1982, avalia o rescaldo das malsucedidas investidas dos militares argentinos na guerra das Malvinas (1982), evento que acabou precipitando a queda do regime militar naquele país. Aproveitando o desenrolar da Copa, instrumentaliza a imagem do futebol como metáfora passiva para vaticinar sobre os prováveis desfechos dos regimes militares em ambos os países.

Será a liberdade, no Brasil, uma quimera? Não me parece. À sombra da Copa do mundo e da campanha para as eleições de novembro vamos avançando, embora com malemolência. A inflação recrudesce; o estatismo e a corrupção também. Mas sempre se pode esperar que a lição das Malvinas seja útil não só aos militares platinos como aos seus colegas e simpatizantes brasileiros. Saravá. (Silveira, Jornal do Brasil, 20.06.1982).

De outra parte, o projeto liberal-estético-metodológico damattiano foi além dos contornos alusivos emprestados ao futebol presentes em boa parte do discurso midiático. A percepção do antropólogo reclamava por uma abordagem de fundo emocional à ideia de transformação social desde o lugar ocupado por fenômenos como os esportivos. O público da referida exposição deveria reagir aos sintomas da abertura política desde a fonte das emoções emuladas pelos objetos e obras de arte. E, distanciando-se de outras posições que assumiam a condição antitética entre ruptura e mudança, afirma:

Acredito que a história não dá saltos [...] A ação revolucionária - e o leitor vai me permitir usar uma palavra tão forte e tão gasta, na introdução de uma exposição de arte - somente tem eficácia quando ela se move para mudar o que se ama; jamais o que se detesta ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.:8).

O processo de redemocratização da sociedade brasileira fez das ideias damattianas mais do que exercício intelectual livre e solitário a respeito do tipo de modernidade que estava em curso para assumir a forma de uma “intervenção”, nos termos postos por Geiger e Velho (2000GEIGER, Amir & VELHO, Otávio. 2000. “A liminaridade antropofágica de Roberto DaMatta ou Tupi or not tupi? A virtude está no meio”. In: Laura Graziela Gomes; Livia Barbosa & José Augusto Drummond (orgs.), O Brasil não é para principiantes. Carnavais, malandros e heróis, 20 anos depois. Rio de Janeiro: Editora FGV. pp. 67-83.). Os autores recolocam a conhecida e controversa interpretação dualista do modelo presente em Carnavais, malandros... num outro torvelinho argumentativo, reposicionando o ficcional, o dramático e o emotivo como anversos do realismo sociológico.

Reavaliando as contribuições desse volume, ou metaforizando um DaMatta oswaldiano e em certa medida antropofágico, coube menos “‘funcionalizar’ a mensagem insistente de sua obra do que uma opção, mais reflexiva, em favor de um contágio ‘simbólico’ ou mesmo ‘estético’” ( Geiger & Velho 2000GEIGER, Amir & VELHO, Otávio. 2000. “A liminaridade antropofágica de Roberto DaMatta ou Tupi or not tupi? A virtude está no meio”. In: Laura Graziela Gomes; Livia Barbosa & José Augusto Drummond (orgs.), O Brasil não é para principiantes. Carnavais, malandros e heróis, 20 anos depois. Rio de Janeiro: Editora FGV. pp. 67-83.:67) de sua presença num campo mais espraiado da cultura. Sigamos um pouco mais de perto esses contágios e alguns dos sentidos atribuídos a essa intervenção.

Carnaval, o outro do mesmo

DaMatta reposicionou o tema do futebol e as esferas da emoção em compasso com sua maior obra referenciada publicada em 1979, a partir da qual vinha experimentado uma sociologia do senso comum como sistema simbólico confrontado às dramatizações ritualizadas presentes nas esferas formalizadas da sociedade brasileira.

No esforço de difundir as ideias presentes naquele livro, o antropólogo levaria a contento alguns experimentos de ficcionalização tematizando carnaval e futebol. Nessas investidas destaca-se o uso da figura hiperbólica e prevalente de universo, termo que conferiu uma imagem tridimensional àquele ajuntamento imaginativo em torno do evento da Copa do Mundo de 1982, transfigurado numa exposição de arte, no seu catálogo e na coletânea de estudos.

Mas o termo universo ainda pode ser lido na chave de outras expressões ou categorias, que igualmente atendiam às exigências generalizantes que se queriam alcançar, cumprindo a passagem ou a extensão de um pressuposto conceitual abstrato de totalidade para a condição de uma alegoria sensível e vivida, um “destino”, como enfatiza o autor, confrontando indivíduos às forças impessoais da sociedade ( DaMatta 1982DAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte a sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. Flores. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:30).

A alegoria de universo deixaria os rastros de um oximoro, já que tratou de universos particulares, elevando conceitualmente o status fenomênico de novos objetos, aproximando-os daquela totalidade ainda mais exigente plasmada no dilema entre nação (política) e sociedade (cultura).

Mais relacional que totalizante, a metáfora de universo já havia sido mobilizada pouco antes em Universo do carnaval: imagens e reflexões ( 1981DAMATTA, Roberto.1981. Universo do Carnaval: imagens e reflexões. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke.), fruto de duas exposições idealizadas por DaMatta em parceria com o fotógrafo João Poppe. Neste volume, textos e registros fotográficos de manifestações carnavalescas, sobretudo folguedos de rua, se entrelaçam, expandindo também em visualidade os temas enunciados na referida obra de 1979.

O livro contou com o efetivo apoio da então recém-inaugurada editora de arte Pinakotheke (1979), hoje conhecida por Pinakotheke Cultural. O volume foi concebido a partir de duas exposições realizadas em 1980 e 1981 no Acervo Galeria de Arte, tendo o antropólogo aceito convite para contribuir com uma “nova forma de abordagem cultural”, tal como aponta o crítico de arte Carlos Roberto Maciel Levy na apresentação. Já no texto de agradecimentos, DaMatta se incumbiria de propor diminuir as distâncias entre Estética e Antropologia ( DaMatta 1981DAMATTA, Roberto.1981. Universo do Carnaval: imagens e reflexões. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke.:16).

Em Universo do Carnaval temas e conceitos canônicos presentes nas Ciências Sociais, tais como sagrado e profano, holismo e individualismo, gênero e sexualidade, ganharam densidade visual nas 57 pranchas comentadas em texto pelo antropólogo. O conjunto se comprometeu com o modelo explicativo pendular na figuração sociológica estabelecida pelo dualismo central casa e rua, metáforas que para ele emulam a totalidade dos universos relacionais privado e público na sociedade brasileira, onde a festa carnavalesca aparece como ritual de inversão da ordem social num sistema descrito em diferentes planos recíprocos.

Cabe notar que o diálogo textual mais cerrado e antevisto pelo modelo travado com as imagens carnavalescas dispensou o uso de legendas e títulos nas pranchas presentes em Universo do Carnaval. De certo modo, o resultado revela um maior controle ou subordinação das figuras ao texto, num exercício que confere pouca margem para que as imagens possam falar para além do enquadramento analítico, ou remetaforizarem o próprio modelo. Portanto, o volume trata mais das similitudes do que das diferenças entre suportes narrativos, subsumindo o estranhamento entre as “lógicas” imagéticas e literárias de se narrar o carnaval.

De todo modo, o volume reivindica um Brasil mais legível porque visualizado, imaginado e emocionado, promovendo uma antropologia brasileira do carnaval e a própria carnavalização das Ciências Sociais, tal como exulta o autor: “é preciso carnavalizar as ciências sociais, fazendo-as abertas ao jogo da sociedade”, afinal, como “momento extraordinário o carnaval seria uma festa” e “serpentina social a relacionar todos esses brasis” ( DaMatta 1981DAMATTA, Roberto.1981. Universo do Carnaval: imagens e reflexões. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke.:27).

Logo no “Prefácio, agradecimentos, recomendações” são deixadas pistas daquilo que viria a se materializar num próximo experimento: “Se essa experiência frutificar e der bons resultados poderemos futuramente enfrentar outros temas já bem situados na arte brasileira, mas que jamais foram vistos por um prisma francamente sociológico” ( DaMatta 1981DAMATTA, Roberto.1981. Universo do Carnaval: imagens e reflexões. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke.:17).

Figura 3.
Títulos da editora Pinakhotheke

Futebol, outro universo?

“[...] eu queria ser escritor, não queria ser antropólogo, se eu tivesse estudado numa High Scholl americana, eu teria ido para o departamento de artes, eu ia participar de peça de teatro, eu ia participar do musical e eu ia fazer creative writing” (DaMatta em entrevista a Maria Laura Cavalcanti 2020DAMATTA, Roberto. 2020 [2013]. “Entrevista”. In: Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Drama, ritual e performance. A Antropologia de Victor Turner. Rio de Janeiro: Mauad X . [2013]:113).

Um ano depois, o próximo experimento com o futebol, até mais exitoso, revelou-se também mais complexo. DaMatta buscou replicar a mesma retórica persuasiva de aproximação aplicada ao carnaval tanto no capítulo que abre a coletânea ( DaMatta 1982DAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte a sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. Flores. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .) quanto no texto do catálogo da exposição ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.). Mas o resultado parece mais incerto ou inconcluso se tomado desde a complexidade de suportes, temas e ênfases reunidos no conjunto diverso de estilos e artistas que aparecem discriminados na exposição. Nessa direção e especulando, haveria na exposição soluções estéticas “antidamattianas”, que dificultariam o acesso interpretativo ao seu modelo?

Como estabelecer o confronto entre os efeitos argumentativos explícitos do texto escrito com os aspectos implícitos das composições estéticas, tal como adverte Bateson ao enunciar em texto clássico a difícil passagem entre as lógicas artística e científica? ( Bateson 2008 [1958]BATESON, Gregory. 2008 [1958]. Naven. Um exame dos problemas sugeridos por um retrato compósito da cultura de uma tribo da Nova Guiné. São Paulo: Edusp.:69). Buscar os efeitos de plasticidade na racionalização sociológica não acabaria por encontrar obstáculos retidos nos limites epistêmicos do próprio modelo nascido da escrita? Como evitar os impactos de receituário que acossam os usos do modelo nesse projeto de captura das energias que conformam temas como futebol e carnaval?

Difícil nesse momento avançar em cada uma destas questões sem tomar ciência visual do conjunto diverso dos artefatos da exposição, embora algumas obras tenham sido selecionadas e incluídas, provavelmente sob orientação de DaMatta, no livreto do catálogo e na coletânea de estudos.

O fato é que DaMatta se aproxima das artes visuais por seus próprios termos, isto é, a partir da produção ficcional da antropologia imaginativa mobilizando, como já foi salientado, a noção de drama ( DaMatta 1982DAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte a sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. Flores. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:30). Ponto de encontro fictível ou extensão metafórica entre visualidade e escrita, texto antropológico ( DaMatta 1982DAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte a sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. Flores. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .) e ensaio estético ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.), drama talvez seja a noção mais lábil que permitiu a ele estabelecer maior fluidez poética entre arte e jogo tanto no texto do catálogo quanto no da coletânea.

Cavalcanti, ao analisar a origem etnográfica da noção de drama em Victor Turner, mostra como aquele autor, sabidamente um interlocutor próximo a DaMatta, transpunha, antecipava e aprofundava o caráter dramatúrgico das ações dos agentes capturados no movimento de sua escrita etnográfica ( Cavalcanti 2020CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2020. Drama, ritual e performance. A antropologia de Victor Turner. Rio de Janeiro: Mauad X.:39-40). Acrescenta-se, escrita permeada por frames dramáticos a envolver o leitor.

A metáfora do Universo, que outorgou ao futebol as perspectivas visuais, cenográficas e reflexivas, aproximou drama de performance ( Cavalcanti 2020CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2020. Drama, ritual e performance. A antropologia de Victor Turner. Rio de Janeiro: Mauad X.). Nesse sentido, o futebol como evento que potencializa ações dramáticas e evoca destinos parece sucumbir menos às tentações estruturais da noção de dilema, sabidamente um termo que popularizará o modelo damattiano.

Porque a noção de drama pode ser tomada como realce ficcional da própria escrita e na maneira como se buscou estranhar o objetivismo sociológico numa intencionada apercepção sensível, mais que analítica, desacomodando o lugar da Antropologia e do próprio antropólogo. Ser um autor “marginal”, tal como se autodefiniu (DaMatta citado em Cavalcanti 2020CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2020. Drama, ritual e performance. A antropologia de Victor Turner. Rio de Janeiro: Mauad X.:128), levou DaMatta a experimentar na sociologia esportiva imaginativa uma espécie de jogo dialético pessoalizado entre aquilo que poderia ter sido como escritor de creatives writing e o escritor que passou a ser de textos acadêmicos. Mas há outros desdobramentos entre drama e dilema.

Se o carnaval teve guarida na sala de estar do esquema damattiano como elemento constitutivo do modelo, um outro do mesmo, o futebol seria o puxadinho implícito na edificação empírica sustentada por paradas militares, carnavais, literatura e a sociabilidade, objetos canônicos no texto de 1979. O tema do futebol só receberia tratamento mais sistemático a partir das iniciativas oferecidas em “Universo do Futebol”, contexto em que as escritas etnográfica e literária se somaram aos experimentos plásticos e performances políticas naquela conjuntura.

É preciso lembrar ainda que no esquema de Carnavais, malandros.... o futebol não aparece como um ritual de inversão, nem ritual da ordem institucional autoritária, tampouco um mediador cosmológico ou de neutralidade. Também está ausente do dilema da sociabilidade celebrada no “você sabe com que está falando”, uma vez que o clubismo como vocalização de diferenças se coloca mais como um sistema híbrido que conjuga liberdade de escolha individual com práticas classificatórias multipolarizadas, porém menos sujeitas aos ataques de um dualismo esquemático entre hierarquia e individualismo.

O futebol parece deslizar e incomodar toda a interpretação ligeira que se possa fazer a partir do modelo, mas, ao mesmo tempo, corrobora com aquilo que DaMatta justamente quis evitar, ou seja, a ascensão de um esporte portador de devires civilizatórios ( Elias & Dunning 1992ELIAS, Norbert & DUNNNING, Eric. 1992 [1985]. Em busca da excitação. Lisboa: Difel. [1985]), que abrisse mão da singularidade não individualista como valor inalienável da cultura brasileira.

Mesmo assim é possível demarcar em seus posteriores escritos jornalísticos, que buscaram vulgarizar o modelo presente na obra de 1979, os aspectos que levaram à apoteose das regras universais igualitárias como experiências exitosas no futebol. Resta saber se esse movimento faz parte do modus operandi gerido pelas emoções presentes nesses experimentos colaterais, que primaram por aderência textual, estilo dramático e profundidade performática, tal como verificado no contexto tripartite da exposição, ou se, por fim, o drama, de jogo sempre incerto, se convencionalizou em dilema e conformismo intelectual, passando a aprisionar o próprio autor e o potencial político do futebol como mais um índice do modelo. Não obstante, o texto do catálogo é revelador ao posicionar o futebol de maneira mais distante do “modo de congraçamento social que integra o conflito (como o Carnaval)” ( DaMatta 1982bDAMATTA, Roberto. 1982b. “Universo de Futebol: esporte e sociedade brasileira”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte . pp. 7-15.:8).

Na semana em que o Brasil acabou desclassificado da Copa, surpreendendo a crônica mundial e os torcedores, a coletânea viria a lume numa sequência apertada de fatos: a derrota da seleção no dia 5 de julho, a publicação no dia 11 de um artigo que DaMatta escrevera para o Jornal do Brasil ( DaMatta 1982dDAMATTA, Roberto. 1982d. “O milagre da derrota”. Jornal do Brasil, 11.07.1982.) e o lançamento do livro ocorrido no setor K da exposição, no MAM, em 13 de julho.

Figura 4.
Fragmento do Catálogo Universo do Futebol, p. 55

A derrota poderia criar um anticlímax e esfriar o lançamento, mas nesse interregno o artigo para o jornal serviu de antídoto reflexivo antes mesmo que o conteúdo da coletânea viesse a público. Como se cumprisse a tarefa de acolher a dor dos leitores no calor da decepção pelo revés diante da seleção italiana, nele aparecem condensados muitos dos temas abordados pelos autores na coletânea: a noção de destino ( DaMatta 1982DAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte a sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. Flores. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:25), igualitarismo ( Flores 1982FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. 1982. “Na zona do agrião. Algumas mensagens ideológicas do futebol”. R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:48), nacionalismo e populismo ( Flores 1982FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. 1982. “Na zona do agrião. Algumas mensagens ideológicas do futebol”. R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:50-51), luto, vergonha e morte ( Vogel 1982VOGEL, Arno. 1982. “O momento feliz, reflexões sobre o futebol e o ethos nacional”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes ; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira, Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:92-93).

Mas se é evidente a orientação damattiana impressa à coletânea, nela não se evidencia um tratamento mecanicista na utilização do modelo pelos demais autores e autora . Por exemplo, na etnografia apresentada por Simoni Guedes (1982GUEDES, Simoni Lahud.1982. “Subúrbio, celeiro de craques”. In: R. DaMatta; S. L. Guedes ; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .) encontram-se os efeitos políticos motivadores de vários futebóis populares “menores”, que se afastam do glamour da equação nação↔ futebol↔sociedade presente no futebol de espetáculo ( Costa & Toledo 2022COSTA, Carlos Eduardo & TOLEDO, Luiz Henrique de. 2022. “Cenas e encenações: a Antropologia intersticial de Simoni Guedes”. In: L. Costa & R. Helal (orgs.), Esporte e Sociedade. A contribuição de Simoni Guedes. Curitiba: Apris.).

Já Luiz Felipe Baêta Neves Flores preenche lacunas deixadas à margem da abordagem damattiana, ocupada em rechaçar da esfera do futebol o estigma do ópio do povo. E sem negligenciar essa decisão metodológica contra aquela grosseria conceitual, que, como citado, já habitava os textos opinativos nos jornais, Flores pondera os efeitos políticos gerados sobretudo pelo futebol de espetáculo. Se o futebol vivido não pode ser considerado manifestação alienante, não obstante pode acomodar ilusões políticas operadas a partir de múltiplos contextos.

No nacionalismo, a ilusão de unidade (nação) encobrindo as diferenças e antagonismos; no paternalismo, a ilusão do relacionamento justo e bondoso, ocultando efetivas relações econômicas (profissionais) e raciais; no populismo [pensando na relação entre torcedores e dirigentes], a ilusão de exercício do poder, recalcados os limites de tal exercício ( Flores 1982FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. 1982. “Na zona do agrião. Algumas mensagens ideológicas do futebol”. R. DaMatta; S. L. Guedes; A. Vogel & L. F. B. N. Flores, Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke .:51).

Sabe-se que do futebol também emanam transgressões que incidem tanto na ordem holista quanto na individualista, sobretudo se tomadas do ponto de vista de outro universo colateral, o de seus olhadores por excelência, os torcedores. O fenômeno da “violência torcedora” ganharia preeminência nos estudos antropológicos a partir dos anos 90 ( Toledo 2019TOLEDO, Luiz Henrique. 2019. Torcer: perspectivas analíticas em Antropologia das práticas esportivas. Tese de titularidade, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. ), tema que, de certa maneira, se ausenta dos escritos damattianos sobre futebol, mas que em parte foi contemplado no material da exposição de 1982. 11 11 Sessão H − Iconografia VIII: violência no Futebol (textos e fotografias publicadas na imprensa). O comportamento torcedor seria um dos responsáveis pela relativização dos usos instrumentais que se fez do modelo dammatiano, ao menos no que concerne ao argumento que sustenta o futebol como fenômeno difusor de éticas universalistas e pedagogia de experimentações democráticas, fruto das alternâncias entre vitórias e derrotas.

De todo modo, essa perspectiva um tanto marcada por um juralismo da parte de DaMatta, onde as qualidades esportivas do mérito, desempenho e capacidade só poderiam levar às boas regras de convivência, se deparará com o comportamento multifacetado torcedor naquilo que ele destila como o anverso do conhecido bordão, que sentencia a clareza das regras do futebol emuladas de uma suposta racionalidade liberal jurídico-democrática. Mas para além do texto da coletânea, é revelador que DaMatta tenha ambiguizado esse sentido normativo ou experiência política do futebol nos textos jornalísticos, utilizando por duas vezes a metáfora do “milagre” ( DaMatta 1982cDAMATTA, Roberto. 1982c. “Os milagres do futebol”. Folha de S.Paulo, 27.06.1982., 1982dDAMATTA, Roberto. 1982d. “O milagre da derrota”. Jornal do Brasil, 11.07.1982.), como que retomando o futebol na chave do drama e menos como elemento do dilema estrutural presente no modelo analítico de 1979.

Universo da exposição

Algumas exposições e mostras salpicaram pela cidade do Rio de Janeiro naqueles meses de junho e julho, reverberando o evento da Copa de 1982. Exposições de fotojornalismo esportivo dominavam a agenda cultural. “Fotografias nas Copas do mundo” esteve na galeria Funarte. No Shopping Center da Gávea fotos e jornais de época compuseram a mostra “Brasil Copa a Copa”. A Associação dos repórteres fotográficos e cinematográficos do Rio de Janeiro promoveria “Jornal sem texto - Copa do Mundo”, e no mezanino da estação Carioca do metrô, inaugurada no ano anterior, o Jornal do Brasil patrocinava “Futebol: arte e paixão - imagens da copa”. No museu dos esportes Emílio Garrastazu Médici, localizado no estádio do Maracanã, ocorria a mostra “O Brasil na Copa do mundo”, que trazia recortes de jornal, fotos e objetos. Em outras capitais, como em São Paulo, esse clima estético foi mais restrito. “Foto-Copa Espanha 82” foi uma mostra que renovava as fotos a cada semana, evento alocado na Fotogaleria Fotóptica, na rua Bela Cintra, e a mostra “O esporte ilustrado” tematizava trabalhos de ilustradores no Paço das Artes, na avenida Europa.

Em conjunto com outras mostras a exposição Universo do Futebol participaria e promoveria a retomada dos espaços expositivos do MAM-RJ, em parte consumidos por um incêndio em julho de 1978, desastre que tomou perto de 90% do acervo e coleções temporárias. Os blocos destinados às exposições voltariam a receber o público em 1979 e não parece casual que alguns experimentalismos flertassem com essa retomada, inclusive na escolha de um tema que também parecia gozar de pouca atenção dos cânones mais acadêmicos da arte, sobretudo ocupando museus públicos. 12 12 Em 1994, o MAM voltaria ao tema com a exposição “Todas as Copas 1990-1994”. Esta foi a última investida do museu sobre a temática, mesmo levando em conta que em 2014 o país e sobretudo a cidade do Rio de Janeiro sediaram outra Copa do Mundo.

Cabe destacar que uma das primeiras exposições coletivas de arte tematizando futebol também foi organizada pelo MAM-Rio por ocasião da Copa do Mundo em 1970 e recebeu o descritivo título “História do Futebol Brasileiro”. 13 13 Segundo o crítico de arte Frederico de Morais, “as duas primeiras mostras sobre futebol [no Brasil] tiveram lugar no Paço das Artes, em São Paulo, e no Museu de Arte Moderna no Rio, ambas realizadas em 1970. Em 1978, o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, realizou o I Salão do Futebol” ( Morais 1982:16). A imposição cronológica daquela primeira exposição, abrigada em fatos históricos, foi confrontada em 1982 com a espacialidade da noção de cultura por intermédio da metáfora do universo. A guinada da perspectiva histórica para um olhar mais antropológico, fundamentando o conceito geral da exposição, permitiu reposicionar a Antropologia na relação não apenas com o tema futebol, mas com as artes visuais e outras ciências humanas.

O que se pode depreender desses experimentos pontuais é que havia uma atmosfera retroalimentadora na produção de um contexto favorável às ideias damattianas para além do interesse acadêmico que retomava a “cultura popular” e as “classes populares” como temas de destaque no interior da antropologia urbana.

Em relação à crítica de arte, percebe-se outro distanciamento a ser combatido entre o fenômeno e a linguagem estética. Wilson Coutinho 14 14 Coutinho, Wilson. “Futebol dos artistas”, Jornal do Brasil, Caderno B, 20 de junho de 1982. qualificou a exposição “Universo do Futebol” de “simpática” e “alegre”, para em seguida cobrar dos artistas maior transposição estética do tema para os cânones das artes plásticas. Entre poucos elogios e referências às conhecidas alegorias futebolísticas, apontou para as dificuldades de apreensão estética do mais popular dos esportes, que ali no ecletismo dos artistas e oportunismo da mostra fez com que o futebol perdesse muito em densidade discursiva.

O fato é que o futebol é um acontecimento mais vasto e maior. O talento do artista ao invadir, apressadamente, esta área sofrera, sempre, a comparação com que o esporte produz. Principalmente quando os artistas procuram apreender os esquemas visuais e formais do esporte e sucumbem a uma pálida representação: balizas, campos, camisas de clubes, bandeiras. Neste caso, o sonho dadaísta se realiza: a arte está nas ruas. Mas a abertura do Museu, depois de um tempo parado por obras, é salutar. E a exposição, alegre (Coutinho, Caderno B, Jornal do Brasil, 18 de junho de 1982).

Considerada na sua incontornável fugacidade, lugar de acolhimento daquele experimento multidisciplinar em que reflexão, pedagogia, visualidade e performance ocuparam os espaços da alta cultura museológica, a exposição como experiência sensível e popular só pode ser acessada hoje pelo itinerário descritivo e reflexivo do conjunto bibliográfico disponível: o catálogo e a coletânea acadêmica. O quanto da exposição esteve contida na coletânea e o quanto da coletânea impregnou a exposição parece revelador do empenho e da guinada antropológica na concepção que produziu o pertencimento mútuo entre seus artefatos. Contando com dupla curadoria, 15 15 Os já mencionados Max Perlingeiro e Gustavo Afonso Capanema. a figura onipresente de DaMatta entre esses universos não deve ser subestimada.

Avançando sua participação como organizador do volume acadêmico, Roberto DaMatta aparece também na contracapa interna do catálogo ocupando o lugar de “consultor em ciências sociais”. Já nas informações que trazem toda a equipe que participou da concepção da exposição, indicada na página 56 do mesmo volume, DaMatta também figura na equipe de “realizadores”, integralizada pelos críticos e historiadores de arte Carlos Roberto Maciel Levy, Frederico de Morais, Maria Elizabete Santos Peixoto e pelo artista plástico Ronaldo do Rego Macedo.

Consultor, idealizador, realizador, organizador, colaborador, escritor, depoente à moda dos cronistas esportivos, 16 16 DaMatta participaria de sessões de depoimento no setor D - Inoconografia IV: videotape (programas de depoimentos e análises), comentando jogos icônicos, tais como Iugoslávia x Zaire, Holanda x Escócia e França x Alemanha projetados em vídeo ao longo da Copa. intelectual politicamente motivado, DaMatta universalizou experiências pessoalizadas naquilo que reivindicou como obra coletiva de uma antropologia imaginativa sobre os fenômenos da esportividade.

Figura 5.
Fragmento do expediente do Catálogo Universo do Futebol, p. 56

Considerações finais

Tive acesso à coletânea pela cortesia de um amigo e colega de trabalho, o antropólogo Piero de Camargo Leirner, que em 1991 me presenteou com um exemplar vindo de seu pai, que contribuiu na exposição com a instalação denominada O Hino (1982), ambientada no controverso setor C. Para nossa surpresa, no interior do volume escondia-se outro, que parecia vir a contrabando das nossas expectativas. Era o referido catálogo da exposição, pouco ou nada manuseado. Ao contrário da euforia imediata despertada pela posse da coletânea, que à época ainda circulava timidamente nos poucos ambientes de pós-graduandos que acolhiam o tema futebol nas ciências sociais, o exemplar do catálogo ficou, por décadas, à espera de uma mirada mais interessada.

Logo no texto de apresentação do catálogo nota-se a simbiose argumentativa que os curadores imprimiram à visão do futebol como fenômeno contextualizante, redescoberto no diálogo com a popularização da Antropologia em alguns ambientes intelectualizados: “[...] sabemos que a perspectiva socioantropológica constitui um dos mais eficazes instrumentos que nos proporciona hoje o conjunto de disciplinas das Ciências Sociais” ( Capanema & Perlingeiro 1982CAPANEMA, Gustavo Affonso & PERLINGEIRO, Max. 1982. “Apresentação”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro/ Acervo Galeria de Arte. p. 5. :5).

Como artefato, o catálogo serviu de ressonância da exposição, tornou-se item colecionável 17 17 Uma rápida busca encontrou uma única menção do catálogo em Conrado leiloeiro (Feliz Conrado Gassiebayle), anunciando um leilão ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 15 de julho de 2016. No lote 376 constava um exemplar oferecido com o status de “item de colecionismo”. Disponível em: https://www.conradoleiloeiro.com.br/peca.asp?ID=1877404. Acesso em 23/04/2021. para, somente agora, metamorfosear-se em referência bibliográfica acadêmica. De estilo ensaístico compósito, o catálogo joga luz sobre aspectos menos essencializados despertados pelos desgastes tanto da coletânea quanto dos usos do modelo interpretativo damattiano inaugurado em 1979.

Universo do Futebol, a coletânea, foi aqui retroalimentada de contextos, liberada da sua atividade intelectual e das cangas classificatórias que pesam sobre os ombros de seus autores, sobretudo os de DaMatta. No caminho de um experimento em performance, e dentro daquilo que se pode oferecer como estilo imaginativo ou “cosmologia científica” ( Cortado 2021CORTADO, Thomas Jacques. 2021. “ Contra Durkheim. La Science sociale comme vision du monde, de Wiktor Stoczkowski”. Mana - Estudos de Antropologia Social, 27 (1):1-29. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/44tTvRbFBRFCMnzNvPLGQbC/abstract/?lang=pt . Acesso em 12/10/2021.
https://www.scielo.br/j/mana/a/44tTvRbFB...
:24) focada no seu organizador, a coletânea pode ser retomada na plasticidade argumentativa de um estilo emotivo de escrita. Portanto, não se trata apenas de capturar discursos sobre as emoções do futebol, mas estabelecer um discurso analítico e emotivo a partir dele.

Intuir o lugar da coletânea no interior da exposição permitiu iluminar um lado mais sombreado do contexto da Antropologia urbana praticada nos anos 80. Posteriormente, esses pioneiros estudos acadêmicos sobre futebol sofreram um processo de abdução convencionalizante, mecanicamente aludidos como referência um tanto contemplativa no modo como passou a ser mobilizada toda a coletânea na condição de marco bibliográfico. Retomar seu contexto de enunciação na forma de artefato de intervenção cultural permitiu atiçar de maneira motivadora, e por que não dizer emocionante, alguns dos liames que a promoveram nas décadas seguintes com o boom de trabalhos de fatura socioantropológica sobre esportes.

A hipótese sustentada no artigo foi a de que o advento da exposição de arte permitiu à coletânea manter de saída a tensão e o estranhamento criativos, levando em consideração o fato de que o futebol podia prescindir da vocação epistemológica totalizante culturalista presente na metáfora do universo para se colocar como fértil articulador de novos contextos.

Uma vez que o ficcional, o imaginativo e o imagético grassaram mais livremente no ambiente crítico e inventivo das artes em sintonia com as ruas esportificadas e politizadas dos anos 80, uma determinada Antropologia pôde expandir em imagens analógicas suas próprias pretensões intelectuais, posicionando as emoções como um fundo incômodo das figuras e figurações que passaram a povoar a recepção de Universo do futebol no meio acadêmico.

Bloquear as pretensões intelectualistas primárias, e é assim que se pode ler também a crítica à tese do ópio do povo, estava no horizonte das intenções de seus autores. No entanto, a consagração da coletânea como referência recorrente no ambiente acadêmico a posicionou como manifesto sublimado da identidade brasileira, aspecto que a redescoberta da exposição e do catálogo pode ajudar a realinhar.

Para alguns, a coletânea segue em continuidade ao projeto freyriano ( Kessler & Damo 2022KESSLER, Claudia Samuel & DAMO, Arlei Sander. 2022. “A partir do legado de Simoni: um olhar crítico sobre gênero e futebol no Brasil”. In: L. Costa & R. Helal (orgs.), Esporte e sociedade. A contribuição de Simoni Guedes. Rio de Janeiro: Apris.), para outros, ela poderia servir como mais um exemplo do autoengano sociológico naquilo que o modelo damattiano preserva de reificante e comparativamente pseudossingular no trato da coisa pública ( Souza 2001SOUZA, Jessé. 2001. “A sociologia dual de Roberto DaMatta: descobrindo nossos mistérios ou sistematizando nossos autoenganos?”. RBCS, v. 16, n. 45:47-67.). Aqui foram destacados os engajamentos e os pertencimentos mútuos que levaram o organizador da co(l)etânea pelos domínios de uma intervenção cultural ao mesmo tempo socioantropológica, política e estética, tomando o futebol como evento que dramaticamente pôs antropólogos, historiadores, editores, artistas, jogadores, torcedores, leitores, livros, objetos e ideias em relação contextual.

Essa tríade de artefatos etnografáveis − exposição, catálogo e coletânea - manteve seus elementos em ressonância por um brevíssimo intervalo de tempo, praticamente o tempo da exposição e da Copa que transcorreu em meados de 1982. Figurando em imagens compósitas de metáforas espelhadas, aquele experimento acabou silenciado, mas a coletânea “da” exposição ganhou sobrevida na forma de referência bibliográfica. Exposição desmontada e seu catálogo descontinuado de sua função precípua, desfez-se um elo motivador importante, que alimentava a coletânea como artefato de intervenção política e cultural.

Passadas mais de quatro décadas, o destino não cumprido de uma democracia plena não coloca a coletânea, a exposição e seu catálogo no pantanoso terreno das ilusões ufanistas, mas sim os promovem no torvelinho de novas dramatizações. As turbulentas ruas de 2022 e 2023, amplamente ocupadas por estéticas e metáforas futebolísticas e disputadas por enfrentamentos político-ideológicos, demandam a expansão de novas aventuras analíticas, mas sobretudo experimentais, tendo ao seu centro gravitacional um contexto revelador originalmente explorado desde Universo do Futebol.

Referências

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  • WAGNER, Roy. 2010 [1975]. A invenção da Cultura São Paulo: Cosac&Naify.

Notas

  • 1
    Agradeço as leituras prévias dos antropólogos Carlos Eduardo Costa e Piero de Camargo Leirner, bem como a troca de mensagens e disponibilidade de material de pesquisa do MAM-RJ na pessoa de Moema Alves. Este artigo é dedicado à José Guilherme Magnani, Maria Lúcia Montes ( in memoriam) e Roberto DaMatta.
  • 2
    Carlos Estevam Martins, “O significado das eleições de 82”, Tendências e Debates, Folha de S.Paulo, 11.06.1982.
  • 3
    Em “Football-Mulato”, artigo publicado em 1938.
  • 4
    Conforme publicado no artigo “À sombra das chuteiras ideológicas”, Folha de S.Paulo, 13.06.1982.
  • 5
    Para Strathern, jogo livre seria jogar com contextos internos aos cânones e convenções acadêmicos, apenas objetificando contextos externos. Trata-se de movimento de obviação dos interesses dos interlocutores, o que tornam opacas as desigualdades de posicionamentos políticos entre estilos narrativos ( 2013STRATHERN, Marilyn. 2013 [1987]. Fora de contexto: as ficções persuasivas da Antropologia. São Paulo: Terceiro Nome. [1987]:80).
  • 6
    Aparentemente há um erro no título, que aparece grafado Universo “de” futebol, ao invés “do” futebol. Provavelmente um mal-entendido que sobreviveu à revisão.
  • 7
    DaMatta participava desse momento ainda como entusiasta, tal como lembra Simoni Guedes: “’Descreva um jogo de futebol como se você fosse uma pessoa de outra sociedade’. Foi um dos temas que compuseram a seleção dos ingressantes de mestrado no Museu Nacional em 1972 [...] Conta a autora que, provavelmente, Roberto Da Matta, que fazia parte da banca, teria proposto como um dos temas que os candidatos teriam que escolher para desenvolver na prova de admissão” ( Hollanda 2021HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de. 2021. “Retrato da antropóloga quando jovem: Simoni Guedes - dos anos de formação a Subúrbio, celeiro de craques”. Mana - Estudos de Antropologia Social, v. 27 (1):1-28. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/SzGzRjxLzHvmcbF9gkKwFSJ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 10/10/2022.
    https://www.scielo.br/j/mana/a/SzGzRjxLz...
    :11).
  • 8
    As crônicas reunidas por Ruy Castro em Rodrigues ( 1993RODRIGUES, Nelson. 1993. À sombra das chuteiras imortais. Crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras ., 1994RODRIGUES, Nelson. 1994. A pátria em chuteiras. Novas crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras .): “A invisibilidade do óbvio” ( O Globo, 26/10/1958), “Os inimigos do óbvio” ( O Globo, 8/6/1966), “Jogador escalado pelo óbvio” ( O Globo, 10/6/1966) e por Oscar Maron Filho e Renato Ferreira, “Vai falar o óbvio ululante”, em Rodrigues ( 1987RODRIGUES, Nelson & RODRIGUES FILHO, Mario. 1987. Fla-Flu. E as multidões despertaram. Rio de Janeiro: Europa empresa gráfica e editora.).
  • 9
    Deve-se levar em conta que um pensamento feminista negro se insurgiu justamente no contexto em que as ideias damattianas começavam a ganhar corpo e a serem vulgarizadas no senso comum a partir de Carnavais, malandros... ( 1979DAMATTA, Roberto. 1979. Carnavais, Malandros e Heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar.). Esse movimento de pensadoras feministas negras amplificou e complexificou o cenário intelectual dos anos 80. Cabe citar notadamente ativistas como Sueli Carneiro, e diria sobretudo Lélia Gonzales em seu icônico e assertivo estilo contundente apresentado num texto de 1979 e publicado em 1984 na Revista da ANPOCS ( “Racismo e Sexismo na cultura brasileira”GONZALEZ, Lélia. 1984. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs:223-244. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5509709/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf . Acesso em 4/02/2023.
    https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
    ). Mulher negra, mulata, mãe preta conformam um conjunto de categorias de dentro da casa que interpelam o conceitualismo descarnado (e desalmado?) investido em noções intelectualistas de casa por autores clássicos da antropologia até os mais contemporâneos. Agradeço aos pareceristas que atentaram para essa questão apenas esboçada aqui.
  • 10
    Ver, por exemplo, Guedes ( 1977GUEDES, Simoni Lahud. 1977. Futebol, instituição zero. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social/UFRJ.), Magnani ( 1984MAGNANI, José Guilherme. 1984. Festa no Pedaço. São Paulo: Brasiliense.).
  • 11
    Sessão H − Iconografia VIII: violência no Futebol (textos e fotografias publicadas na imprensa).
  • 12
    Em 1994, o MAM voltaria ao tema com a exposição “Todas as Copas 1990-1994”. Esta foi a última investida do museu sobre a temática, mesmo levando em conta que em 2014 o país e sobretudo a cidade do Rio de Janeiro sediaram outra Copa do Mundo.
  • 13
    Segundo o crítico de arte Frederico de Morais, “as duas primeiras mostras sobre futebol [no Brasil] tiveram lugar no Paço das Artes, em São Paulo, e no Museu de Arte Moderna no Rio, ambas realizadas em 1970. Em 1978, o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, realizou o I Salão do Futebol” ( Morais 1982MORAIS, Frederico. 1982. “Futebol e artes plásticas: da celebração à denúncia”. Catálogo Exposição Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Museu de Arte Contemporânea/ Acervo Galeria de Arte. pp. 16-28.:16).
  • 14
    Coutinho, Wilson. “Futebol dos artistas”, Jornal do Brasil, Caderno B, 20 de junho de 1982.
  • 15
    Os já mencionados Max Perlingeiro e Gustavo Afonso Capanema.
  • 16
    DaMatta participaria de sessões de depoimento no setor D - Inoconografia IV: videotape (programas de depoimentos e análises), comentando jogos icônicos, tais como Iugoslávia x Zaire, Holanda x Escócia e França x Alemanha projetados em vídeo ao longo da Copa.
  • 17
    Uma rápida busca encontrou uma única menção do catálogo em Conrado leiloeiro (Feliz Conrado Gassiebayle), anunciando um leilão ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 15 de julho de 2016. No lote 376 constava um exemplar oferecido com o status de “item de colecionismo”. Disponível em: https://www.conradoleiloeiro.com.br/peca.asp?ID=1877404. Acesso em 23/04/2021.

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Associado:

John Comeford

Editora Associada:

Adriana Vianna

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2022
  • Aceito
    10 Maio 2023
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