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NOVAS PAISAGENS URBANAS DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA

NEW URBAN LANDSCAPES OF THE MINHA CASA, MINHA VIDA PROGRAM

RESUMO

O programa "Minha casa, minha vida", maior programa habitacional do país nos últimos trinta anos, mudou profundamente a paisagem de muitas cidades brasileiras. Lançado em 2009, no segundo mandato do ex-presidente Lula, se tornou uma das principais bandeiras políticas do governo Dilma Rousseff e foi responsável da construção, nas periferias urbanas do país, de conjuntos de dezenas, centenas ou até milhares de pequenas casas. Concebido para dinamizar a construção civil e combater os efeitos da crise econômica internacional, se tornou um instrumento para reduzir o déficit habitacional do país, mas não escapa de críticas dos especialistas que estudaram seus empreendimentos. O presente artigo após ume breve apresentação da sua história, considera os seus efeitos na paisagem das cidades, medidos através de fotos, provenientes do campo ou da Internet, e de imagens verticais do Google Earth. Casos específicos são escolhidos em cidades de porte médio e em algumas capitais. Finalmente duas entrevistas ajudaram a completar a avaliação do programa.

Palavras-chave:
Política habitacional; Paisagem urbana; Minha Casa Minha Vida

ABSTRACT

The "Minha casa, minha vida" (My house, My life) program, the country's largest housing program in the last 30 years, changed the landscape of many Brazilian cities. Launched in 2009, in the second term of former President Luiz Inacio Lula da Silva, he became one of Dilma Rousseff's main government policies Rousseff and was responsible for the construction, on the urban fringes around the country, of sets of tens, hundreds or even thousands small houses. Designed to streamline construction and combat the effects of the international economic crisis, it became an instrument to reduce the housing deficit in the country, but does not escape criticism from the experts who have studied their ventures. The article after a short presentation of its history, discusses its effects on the landscape of cities, measured through photos taken in field or collected on the Internet and Google Earth vertical images. Specific examples are chosen in medium-sized cities, and in some capitals. Finally two interviews help complete the program evaluation.

Keywords:
Housing policies; Urban landscapes; Minha Casa Minha Vida

RESUME

Le programme "Minha casa, minha vida" (Ma Maison, Ma Vie), le plus grand programme de construction de logements des trente dernières années, a profondément changé le paysage de nombreuses villes brésiliennes en y créant d'immense quartiers de maisons identiques, alignées au cordeau et très proches les unes des autres. Lancé en 2009, au cours du second mandat de Luíz Inácio Lula da Silva, il est devenu l'un des principaux fleurons des politiques gouvernementales de Dilma Rousseff. Conçu pour stimuler la construction et lutter contre les effets de la crise économique internationale, il est devenu un instrument pour réduire le déficit de logements dans le pays, mais il n'échappe pas aux critiques des spécialistes qui l'ont étudié. L'article, après une brève présentation de son histoire, il cherche à repérer la marque du programme sur le paysage des villes sur des photos (prises sur le terrain ou récoltées sur Internet) et des images verticales de Google Earth. Des exemples spécifiques sont choisis dans des villes de taille moyenne et certaines capitales. Enfin deux interviews nous aident compléter l'évaluation du programme.

Palabras clave:
Politique de logement; Paysages urbains; Minha Casa Minha Vida

INTRODUÇÃO

O programa "Minha casa, minha vida", maior programa habitacional do país nos últimos trinta anos, mudou profundamente a paisagem de muitas cidades brasileiras. Lançado em 2009, no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele se tornou uma das principais bandeiras políticas do governo Dilma Rousseff e foi responsável da construção, nas periferias urbanas de todo o país, de conjuntos de dezenas, centenas ou até milhares de pequenas casas.

Se for completada, a terceira fase do programa, lançada em março de 2016, pode fazê-lo superar os números do BNH (Banco Nacional da Habitação), criado durante a ditadura militar (1964-1985). Concebido para dinamizar a construção civil e combater os efeitos da crise econômica internacional iniciada em 2008, ele se tornou um instrumento para reduzir o déficit habitacional do país, mas não escapa de críticas dos especialistas que estudaram seus empreendimentos.

Recentemente, o programa passou a ser motivo de polêmicas quando Michel Temer (PMDB), assumiu o governo como presidente interino após o impeachment de Dilma Rousseff. Integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ocuparam o saguão do prédio da Secretaria da Presidência da República, na avenida Paulista, em São Paulo, para exigir que o novo ministro das Cidades voltasse atrás da decisão de revogar a portaria do governo Dilma Rousseff que autorizava a contratação da construção novas unidades.

O momento no qual o programa parece ameaçado é apropriado fazer um balanço. Sem pretensão a fazer uma análise completa, escolhemos um ângulo específico, após uma breve apresentação da sua história, abordaremos os seus efeitos na paisagem das cidades brasileiras. Serão medidos através de fotos tiradas em campo ou colhidas na Internet e de imagens verticais do Google Earth, principalmente em cidades de porte médio, mas também em algumas capitais. Finalmente duas entrevistas ajudarão a completar a avaliação do programa, destacando os seus pontos positivos e negativos.

O PROGRAMA E A SUA EVOLUÇÃO

A primeira etapa do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) cumpriu, pelo menos no papel, a meta de oferecer, entre 2009 e 2011, um milhão de casas à população com renda de até dez salários mínimos. De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), até o fim de 2010, pouco mais de um milhão de contratos para a construção ou financiamento de unidades habitacionais já haviam sido firmados, ou 100,4% da meta do programa. No entanto, do total de casas e apartamentos contratados, até este momento somente 238 mil (23%) tinha sido entregues. Nas duas primeiras fases do programa habitacional foram investidos aproximadamente R$ 240 bilhões.

Das duas milhões de casas previstas até 2014, 1,2 milhão eram para famílias que ganhavam até R$ 1 600 por mês. Para famílias com renda de até R$ 3 100, a meta era contratar 600 mil habitações. Já com renda até R$ 5 mil, seriam 200 mil unidades. Além disso, o governo tinha atendido a reivindicação das construtoras e ampliado o valor médio das moradias para a população de mais baixa renda, de R$ 42 mil a R$ 55 mil. Em 2014, ano em que disputou a reeleição, a presidente da República havia prometido que a terceira fase do programa habitacional entregaria 3 milhões de residências.

Em março de 2016, em meio ao processo de impeachment no Congresso Nacional e um dia depois de o PMDB romper oficialmente com o Palácio do Planalto, foi lançada a terceira fase do programa, cujo objetivo era de entregar dois milhões de moradias populares até 2018. No entanto, no lançamento oficial a estimativa inicial foi reduzida em 1 milhão de moradias. Segundo o Ministério das Cidades, a previsão do governo era de investir cerca de R$ 210 bilhões nesta nova etapa.

A terceira fase revisou novamente os limites das faixas de renda e dos valores das casas.

Figura 1
Distribuição das ações do programa Minha casa minha vida

Tabela 1
Faixas de rendas e valores das casas do programa, novos valores

Também em março de 2016, o Governo Federal lançou o portal do programa (http://www.minhacasaminhavida.gov.br/) que concentra informações sobre o programa. Neste link, podem-se encontrar as regras do programa, bem como as atribuições dos participantes em todas as modalidades do programa. No dia 17 de outubro de 2016 ele indicava um total de 4 219 366 casas contratadas, 294,5 bilhões de Reais investidos, 2 632 953 famílias já contempladas, 10,5 milhões de pessoas beneficiadas e 1 586 413 prestes a receber as suas moradias.

Ao mapear as ações do programa verifica-se que as novas casas foram realmente implantadas em regiões de déficit habitacional bastante expressivo, sobretudo nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Geras, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará. Porém, há diferenciação nos elementos que compõem este déficit. Com relação às habitações precárias, Maranhão é o Estado com maior percentual, seguido de perto por Pará, Piauí, Ceará e Bahia. Já o componente de coabitação familiar representa mais de um terço das moradias no Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em outros Estados foi o ônus excessivo que o aluguel representa no orçamento familiar que impulsionou as pessoas a procurarem ser beneficiadas pelas ações do programa.

PAISAGENS URBANAS

As imagens que seguem mostram os efeitos do programa nas paisagens urbanas, vistas em campo ou na Internet, fotos de inauguração dos novos conjuntos ou vistas verticais obtidas no Google Earth. A figura 2 situa as cidades citadas.

Figura 2
Cidades citadas

O que chama mais a atenção é a uniformidade das paisagens produzidas, em razão da padronização das casas. No caso de Serra Talhada (imagem 1 na figura 3), município de Pernambuco (a 450 km do Recife), foi criado o Conjunto Habitacional Poço da Cruz, no Km 418 da BR 232, próximo ao centro de Serra Talhada. O planejamento contava em duas etapas, a segunda formada por Poço da Cruz III (195 casas), e o Poço da Cruz IV (500), essas últimas foram entregues no dia 1° de fevereiro de 2016. Com a entrega destas 500 casas, soma-se agora cerca de 1 200 famílias residindo no bairro Vila Bela, o que o transforma em um dos maiores da cidade. As casas do Residencial Poço da Cruz IV têm uma área privativa 32,23m², divididos em 2 quartos, circulação, sala, banheiro, cozinha e área e serviço, um modelo que se repete nos outros conjuntos do programa.

Figura 3
Paisagens do programa Minha casa, minha vida: 1) Serra Talhada (PE), 2) Posse (GO), 3) Jí-Paraná (RO), 4) Santarém (PA), 5) São Carlos (SP), 6) Imperatiz (PA).

Figura 4
Planta típica de casa do programa Minha casa, minha vida

CIDADES DE PORTE MÉDIO

Nas cidades de porte médio o impacto do programa é forte porque ele levou à construção de bairros que muitas vezes passam a ser o maior da cidade. A opção "imagens históricas" do Google Earth permite seguir as etapas do seu aparecimento na periferia das cidades, como em Ponta Porã e Sobral, na figura 5 e nos parágrafos que seguem.

Figura 5
Bairros novos em cidades médias

PONTA PORÃ

O programa entregou em julho de 2016 mais de mil unidades habitacional no município de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul, a 330 km de Campo Grande) o maior conjunto residencial já erguido no Estado, e um dos maiores do Brasil, que começou a ser construído em 2014. O programa do governo federal tem uma parte de contrapartida dos governos do Estado e prefeituras, que repassam 10% de recursos e em geral doam os terrenos.

O residencial que recebeu nome de Kemel Saad, se localiza no bairro Jardim dos Eucaliptos. No total, foram investidos cerca de R$ 63,7 milhões, sendo R$ 3,2 milhões em contrapartida do Governo do Estado. As casas, construídas em terrenos de 250 metros quadrados, possuem 41,59 m² e contam com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Desse total de habitações, 31 são adaptadas para pessoas portadoras de deficiência e 832 são destinadas para mulheres. As paredes da cozinha, do banheiro e da área de serviço, onde foi instalado o tanque de lavar roupas, são azulejadas até a altura de um metro e meio, todas as portas internas são de madeira, as que dão acesso a parte externa são de ferro. Os imóveis são forrados com material de PVC e as paredes pintadas.

SOBRAL

Em março de 2016 foram entregues casas do programa a 976 famílias do município de Sobral (Ceará, a 240 km de Fortaleza). No mesmo dia, outras 1 458 famílias receberam moradias, em cerimônia simultânea em outros quatro estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais, totalizando 2 434 famílias beneficiadas.

O Ceará está entre os principais Estados beneficiários do programa, em 2015, foram entregues 2 911 unidades habitacionais, 768 em Fortaleza e 2 143 no Interior do Estado. O total deste investimento foi de 229 milhões de Reais, com o aporte do Governo do Estado de 11 milhões.

Em Sobral, os apartamentos fazem parte do residencial Orgulho Tropical 1 e 2, e integram o maior programa habitacional do interior do Ceará. No total, são três módulos que, somados, receberam investimentos do programa de 198,48 milhões de Reais, e contrapartida do Estado no valor de 10,11 milhões. Cada imóvel possui 42,9 m², divididos entre sala de estar, cozinha, dois quartos, um banheiro e área de serviço. O empreendimento possui ainda áreas comuns para lazer e convivência, como playground e quadras poliesportivas. Além disso, o novo bairro vai receber três Centros Educação Infantil e uma escola de ensino fundamental, todos em tempo integral, dois Centros de Saúde da Família e um Centro de Desenvolvimento Humano, onde serão realizadas ações de cultura, esporte e cidadania.

Tabela 2
Casas do programa entregues em Sobral

PARAUAPEBAS

Em Parauapebas o programa contribuiu significativamente à expansão da área urbana, que duplicou entre 2006 e 2001, facilitada, além do efeito do programa, pela situação financeira favorável do município, beneficiado pelos royalties da exploração das minas de Carajás.

Figura 6
Minha casa minha vida em Parauapebas (PA)

Figura 7
Crescimento de Parauapebas

EFEITOS NA PAISAGEM DAS CAPITAIS

O efeito do programa é tão forte que ele é sensível até nas periferias de algumas capitais, que receberam grandes conjuntos habitacionais. Ao viajar de avião é frequente observa-los na proximidade de muitas delas, eles são bem visíveis na paisagem porque são geralmente construídos em áreas até então não urbanizadas. A substituição do vermelho da terra nua ao verde da vegetação e a geometria rígida de centenas de casas alinhadas salta aos olhos dos viajantes.

NOVOS BAIRROS GEOMÉTRICOS

Fortaleza terá, quando completado, o maior projeto Minha Casa Minha Vida do país, no bairro de Ancuri.

Mais de 1 700 famílias serão beneficiadas com a construção da primeira etapa do residencial Luiz Gonzaga, no bairro Ancuri (Regional VI). O conjunto habitacional, cuja ordem de serviço foi assinada no dia em outubro de 2015, abrigará 1 760 unidades e receberá investimentos de R$ 130,6 milhões oriundos da União e do Estado. Ao todo o programa contratou em Fortaleza 25 088 unidades habitacionais, distribuídas entre 29 empreendimentos. As unidades habitacionais possuem 47,3 m² divididos em dois quartos, cozinha, um banheiro, sala e varanda.

Esse é também o primeiro empreendimento no Ceará do MCMV Entidades, modalidade em que organizações não governamentais, como associações e cooperativas, se habilitam, apresentam a demanda e são responsáveis pela gerência do projeto. Na modalidade entidades, a família beneficiada, com renda bruta mensal de até R$ 1.600, começa a pagar a prestação de, no máximo, 5% da renda familiar, após estar morando no empreendimento.

Figura 8
Vistas aéreas de bairros novos

Figura 9
Etapas da construção

A demanda pelas casas é tão forte que a atribuição é feita por sorteio, após definição de prioridades para algumas categorias de beneficiários preferenciais.

Participaram do primeiro sorteio os que efetuaram inscrições no MCMV até o último dia 13 de novembro. No total, eram 88.068 cadastrados que estavam aptos a participar desta vez. Do total de 3 304 unidades, foram sorteadas primeiramente 3%, destinadas somente a famílias com pessoas que tem deficiência física, e outros 3% exclusivamente para famílias em que o chefe ou cônjuge é idoso (maior de 60 anos).

Os demais inscritos poderão ser contemplados em outras oportunidades, as quantidades de casas dos próximos dois sorteios dependendo do nível de execução de obras. Serão sorteados de acordo com seis critérios de prioridade: famílias que moram em áreas de risco; que são chefiadas por mulheres; que possuem integrantes idosos ou deficientes; que são beneficiárias do aluguel social; que são numerosas (com mais de três pessoas dividindo um mesmo cômodo como dormitório); e que possuem doenças crônicas graves, como câncer, Aids, hemofilia ou cardiopatias.

Uma fatia de 75% das unidades será destinada a um grupo composto de cadastrados que possuem de cinco a seis dos critérios. Os outros 25% serão sorteados para um grupo, cujas pessoas se enquadram em até quatro critérios. Para cada grupo, será selecionado ainda um percentual de 30% a mais, para o cadastro reserva. Os ganhadores irão receber as casas após validação das informações fornecidas no cadastro pela Caixa e pelo Banco do Brasil. Caso elas sejam falsas, a pessoa selecionada é excluída do processo.

Ao todo os impactos do programa são suficientemente fortes para remodelar a periferia de capitais grandes, como Cuiabá e São Luís do Maranhão, que ganharam uma série de bairros novos, surgidos em poucos anos (figura 10).

Figura 10
Etapas da construção de bairros novos em capitais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para concluir, duas entrevistas dão visões contrastadas do programa. A primeira é de Adauto Cardoso, professor do IPPUR/UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles, que acompanha a questão habitacional com enfoque nas ações do Minha Casa, Minha Vida. Nesta entrevista (publicada no site Observatório das metrópoles), ele comenta os principais problemas da primeira etapa do programa e o que podem gerar na configuração dos espaços metropolitanos brasileiros.

A segunda entrevista é de Inês Magalhães, socióloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em planejamento e gestão. Desde 2003 ela desenvolveu suas atividades profissionais no Ministério das Cidades, inicialmente como diretora, em seguida como secretária nacional de Habitação e finalmente como ministra (por 21 dias, na véspera do impeachment de Dilma Rousseff). Na entrevista (publicada no site da revista Forum) ela faz um balanço do programa no momento da transição política entre os governos Rousseff e Temer.

ADAUTO CARDOSO

A partir dos estudos do Observatório das Metrópoles, quais problemas foram verificados na primeira etapa do programa Minha Casa, Minha Vida?

Nós podemos falar de quatro grandes problemas no programa do governo federal. O primeiro, que aparece em todas as análises que fizemos, está relacionado à localização dos novos empreendimentos, já que a maioria deles é feito em áreas periféricas, muito distantes, pouco conectadas com a malha urbana. Temos exemplos de moradias que foram feitas completamente isoladas em relação à cidade propriamente dita, o que gera implicações em termos de transporte, de infraestrutura e em termo da qualidade de vida da população que vai morar ali [...].

O programa não consegue cuidar da questão fundiária - o problema da terra e da valorização dela [...]. Dessa forma, quanto mais recursos se colocar no programa, mais a terra vai valorizar, mais o custo da unidade vai subir, e mais esse dinheiro será captado pela propriedade fundiária, pelos proprietários. O resultado é que você está usando recursos públicos, dando subsídios para atender a população de baixa renda, mas está, indiretamente, beneficiando os proprietários da terra [...].

E quais seriam os outros problemas?

Uma segunda falha refere-se à tipologia e às tecnologias usadas nestes empreendimentos. Nós observamos uma série de problemas em relação a isso, já que as soluções de plantas são convencionais e pouco adaptáveis à população de baixa renda [...]. Por exemplo, foram feitos projetos com custos condominiais relativamente altos, fato que irá gerar implicações para a família com renda mais baixa. [...]. Outro problema [vem das] soluções construtivas [...] Por exemplo, algumas construtoras usam "fôrma túnel" - paredes de concreto - mas se o morador quiser furar um buraco para colocar um quadro ou abrir uma porta, ele não consegue[...]. Percebemos que as soluções arquitetônicas são convencionais e se repetem no Brasil inteiro, sem uma adaptação às necessidades regionais da população [...].

Temos ainda o modelo de condomínio fechado, idealizado para o estilo de vida da classe média e, depois, adaptado para estes novos empreendimentos [...]. No caso de empreendimentos construídos em áreas muito periféricas, surge ainda o problema da ausência de serviços para aquela população, já que dentro de um conjunto não é permitido ter áreas comerciais.

Existem resultados diferentes entre os Estados?

Sobre a distribuição dos recursos do MCMV verificamos que há uma distorção regional evidente. A Bahia recebeu 11,6% das unidades contratadas do programa até 2011; enquanto São Paulo, 19%. Em contrapartida, há Estados que receberam poucos recursos, casos do Ceará, 2,2%, e do Espírito Santo, 1,8%. O Pará, por exemplo, recebeu menos recursos que o estado do Alagoas, sendo que o primeiro apresenta um déficit grave de habitação.

E se observarmos a dinâmica de distribuição dentro do estado, caso do Rio de Janeiro, verificamos também a mesma distorção, já que a maior parte dos recursos do MCMV foi destinada à região metropolitana, porém não a todos os municípios. Itaboraí, por exemplo, que tem uma dinâmica urbana fortíssima e uma demanda por habitação de baixa renda muito grande, não recebeu nenhum empreendimento de zero a três salários mínimos. A capital recebeu praticamente todos os empreendimentos dessa faixa de renda. E fora da RMRJ, somente dois municípios receberam recursos: Volta Redonda e Cabo Frio.

INÊS MAGALHÃES

Você que está no Ministério das Cidades desde a primeira gestão de Olívio Dutra (PT/RS), que avaliação pode fazer da primeira unidade entregue até hoje? Qual é o resultado concreto na vida das pessoas?

Quando nós lançamos o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), em 2009, tínhamos desafios muito grandes. Entre eles, atender a população de menor renda e enfrentar o déficit habitacional em todo país. Hoje, passados sete anos, podemos dizer que estamos no caminho certo para a superação desses desafios, pois mais de 90% dos nossos recursos foram destinados a famílias com renda menor que três salários-mínimos.

Desde o lançamento até o momento, são 4,25 milhões de unidades habitacionais contratadas. Ao final da terceira etapa do MCMV, serão 5,75 milhões de unidades contratadas que beneficiarão cerca de 23 milhões de pessoas. Hoje, mais de 10 milhões de pessoas residem em uma moradia proveniente do programa. O MCMV já está presente em mais de 5.300 municípios. Isso significa que famílias de baixa renda que vivem em mais de 96% dos municípios brasileiros contam com moradias do programa [...].

Qual é o cronograma estabelecido pelo governo federal para o Minha Casa, Minha Vida até o final deste ano?

Em março deste ano, o governo anunciou a terceira etapa do programa com a meta de contratação de dois milhões de unidades no período 2015-2018. Para 2016, a meta é contratar 480 mil unidades, sendo 110 para a faixa 1 (famílias com renda até R$ 1.800,00).

O que fica faltando fazer para que o direito à casa própria atinja um maior número de beneficiários?

Ao final do MCMV 3, serão 5,75 milhões de unidades contratadas. Quando forem entregues, serão mais de 23 milhões de pessoas beneficiadas, ou seja, para cada oito pessoas no país, uma será beneficiária do programa. Ressalto que grande parte dos benefícios destinados a faixa 1 do programa (69%) foi destinada a famílias cuja renda não ultrapassa R$ 800 mensais, mostrando a aderência do programa às características do déficit habitacional existente no país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2016
  • Aceito
    03 Jan 2017
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