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AS MONOGRAFIAS DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA DO ESPÍRITO SANTO: CIRCULAÇÃO E PRODUÇÃO DE SABERES (1932-1939)

THE MONOGRAPHS FROM THE ESPÍRITO SANTO SCHOOL OF PHYSICAL EDUCATION: KNOWLEDGE CIRCULATION AND PRODUCTION (1932-1939)

LAS MONOGRAFÍAS DE LA ESCUELA DE EDUCACIÓN FÍSICA DE ESPÍRITO SANTO: CIRCULACIÓN Y PRODUCCIÓN DE CONOCIMIENTOS (1932-1939)

Resumo

Analisa o processo de elaboração de monografias na Escola de Educação Física do Espírito Santo para compreender a formação de professores, a circulação de saberes e sua materialização como dispositivo de controle dos conhecimentos incorporados. Utiliza como fontes os documentos presentes no Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, entre os anos de 1932 e 1939. Usa como referencial teórico e metodológico os conceitos de lutas de representações e circulação e o modelo do paradigma indiciário. Os indícios nos permitem compreender que as monografias eram um dispositivo que reforçava a utilização do Método Francês. Os alunos usaram os recursos disponíveis na escola, como livros e periódicos, para sua elaboração. Os temas presentes nos trabalhos referiam-se aos saberes apresentados para a formação dos professores e à forma como o Método Francês foi utilizado no Estado.

Palavras-chave
Educação Física; Método Francês; Monografia

Abstract

This article examines the process of writing monographs at the Espírito Santo School of Physical Education to understand teacher training, knowledge circulation and its materialization as a device to control incorporated knowledge. As sources, it uses documents in the Permanent Archive of the Center for Physical Education and Sports of the Federal University of Espírito Santo between 1932 and 1939. Its theoretical and methodological framework are the concepts of representational struggles, circulation and the model of the index paradigm. The evidence allows us to understand that monographs reinforced the use of the French Method. To write them, students used resources available at the School such as books and journals. The works’ topics were related to knowledge presented for teacher training and the way the French Method was used in the state.

Keywords
Physical Education; French Method; Monograph

Resumen

Analizar el proceso de elaboración de monografías en la Escuela de Educación Física de Espírito Santo para entender la formación del profesorado, la circulación de conocimientos y su materialización como dispositivo de control de los conocimientos incorporados. Utiliza como fuentes los documentos presentes en el Archivo Permanente del Centro de Educación Física y Deportes de la Universidad Federal de Espírito Santo, abarcando el periodo entre 1932 y 1939. Utiliza como referencia teórica y metodológica los conceptos de lucha de representaciones y circulación y el modelo del paradigma indiciario. Los indicios nos permiten comprender que las monografías eran un dispositivo que reforzaba la utilización del Método Francés. Los alumnos utilizaron los recursos disponibles en la escuela, como libros y revistas, para su elaboración. Los temas presentes en el trabajo se referían a los conocimientos presentados para la formación de los profesores y a la forma en que el Método Francés ha sido utilizado en Espírito Santo.

Palabras clave
Educación Física; Método Francés; Monografía

1 INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a produção de conhecimento para a disciplina Educação Física na Escola de Educação Física do Estado do Espírito Santo (EsEFES), entre os anos de 1932 e 1939, buscando compreender as discussões presentes na formação dos professores de Educação Física, e analisa a produção de conhecimento para essa área no respectivo estado. A pesquisa que gerou este artigo faz parte do projeto História e memória da Educação Física e do esporte no Espírito Santo: autores, atores e instituições (1931-1961), desenvolvido no Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria).

Analisamos a produção de monografias como um dispositivo formativo presente na EsEFES durante sua primeira década de existência. A criação da escola ocorreu pelo Decreto Estadual nº 1.366, de 26 de junho de 1931 (ESPIRITO SANTO, 1931ESPIRITO SANTO (Estado). Decreto nº 1.366, de 26 de junho de 1931. Crêa o Departamento de Cultura Physica do Estado. Diário Official [do Estado], Vitória, 26 jun. 1931. ), que veio a representar uma primeira iniciativa da Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx)1 1 Utilizaremos ora Centro Militar de Educação Física, ora EsEFEx. A expressão Centro Militar de Educação Física refere-se ao período anterior à mudança para EsEFEx, ocorrido em 19 de outubro de 1933 pelo Decreto nº 23.252. na expansão do ensino dessa área de conhecimento, orientada pelo Método Francês.

A escola teve como objetivo oferecer uma formação especializada em Educação Física para os(as) professores(as) normalistas. A especialização era essencial, uma vez que, durante a formação dos professores nas escolas normais, o ensino da Educação Física foi orientado pelo Método Sueco (SCHNEIDER; ALVARENGA; BRUSCHI, 2011SCHNEIDER, Omar; ALVARENGA, J. Alvarenga; BRUSCHI, Marcela. Educação, ginástica e educação física: apropriações da pedagogia moderna no Espírito Santo entre as décadas de 1910 e 1930. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 6., 2011, Vitória. Invenções, tradições e escritas da história da educação no Brasil... Vitória, 2011. v. 1. p. 1-15.), possuidor de um rol de saberes que não condizia mais com as novas propostas educacionais.

A EsEFES produziu documentos que hoje se apresentam como fontes históricas, que possibilitam a reconstrução da memória da instituição. Esses documentos fazem parte do Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (Cefd/Ufes), guardados na próprio Centro.2 2 Em 2014, foi aprovado o projeto Centro de Memória da Educação Física e do Esporte Capixaba (Cemefec), sediado no Cefd/Ufes, de autoria do professor Omar Schneider, com o objetivo de recuperar os documentos e criar um espaço adequado para a guarda definitiva do arquivo. O arquivo se apresenta como um importante acervo que fornece indícios da organização da escola desde o ano de 1931, momento da sua criação. Localizamos no acervo programas de ensino das disciplinas, atas das reuniões do Departamento, movimentação de professores, boletins diários, dossiês dos alunos, monografias, além de outros documentos.

Como corpus documental, utilizaremos as monografias elaboradas entre os anos de 1932 e 1939. As monografias localizadas permitem a análise dos saberes em circulação em um dado período sobre a Educação Física, compreendendo os conhecimentos em circulação para a constituição do campo acadêmico, analisando os recursos materiais que chegavam à escola e os modos como os alunos a eles tiveram acesso para a elaboração de seus trabalhos.

No estudo, usamos o repertório da História Cultural e da Micro-História como referencial teórico e metodológico. Ao elaborar o conceito de lutas de representações, Chartier (1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.) considera que elas têm tanta importância como as lutas econômicas, pois lidam diretamente com as formas como os indivíduos enunciam suas representações. As representações que circulam não estão envoltas por uma aura de neutralidade. É necessário observar que elas são coletivas, pressupondo que estão sempre em concorrência e em competição e traduzem suas posições “[...] determinadas pelos interesses de grupo que as forjam” (CHARTIER, 1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990., p. 17). Ao fazermos uso desse conceito, não visualizamos os materiais disponíveis na escola e seus conteúdos como discursos neutros, mas que “[...] produzem estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas” (CHARTIER, 1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990., p. 17).

Determinar o lugar de produção das monografias possibilita construir a materialização de um projeto cultural que envolve estratégias de circulação de saberes. Carvalho (1998), ao utilizar como empréstimo o conceito de estratégia proposto por Certeau (1994), que considera haver uma manipulação das relações de forças, põe “[...] em evidência dispositivos de imposição de saberes e normatização de práticas, referidos a lugares de poder determinados: uma casa de edição, um departamento governamental, uma instância eclesiástica, uma iniciativa de reforma educacional etc.” (CARVALHO, 1998, p. 9). A noção de estratégia permite perceber a disputa pela autoridade como o eixo da luta de representações, pois o que está em jogo, na formação dos professores de Educação Física, é a capacidade de conformar um determinado modelo de prática.

A capacidade de determinado grupo de agir e de falar com autoridade, selecionando os saberes da Educação Física, favoreceu uma circulação de livros e impressos na EsEFES. Para Chartier (1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.), o conceito de circulação é considerado um dispositivo que tem como finalidade desenvolver um consumo modelar de ideias e a sua materialização em outros produtos culturais.

Na análise das fontes, utilizamos as proposições de Ginzburg (1991GINZBURG, Carlo. Provas e possibilidades à margem de “Il Ritorno de Martin Guerre” de Natalie Zemon Davis. In: GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel , 1991. p. 179-202. ) com o paradigma indiciário, que nos auxilia na procura de rastros das intencionalidades dos grupos que se situavam estrategicamente na organização da EsEFES, propondo saberes e leituras modelares na formação dos professores, e que era propagado no ensino da Educação Física no Espírito Santo. As primeiras pistas na organização das monografias nos deram indícios de que essas produções reforçavam a atuação da EsEFEx na organização da prática da Educação Física no estado do Espírito Santo.

2 A PRODUÇÃO DAS MONOGRAFIAS

A elaboração da monografia passa a se tornar obrigatória a partir da segunda turma oferecida pela instituição, o chamado Curso de Férias, ocorrido entre dezembro de 1931 e março de 1932.3 3 Na primeira década de existência da EsEFES, a formação dos professores de Educação Física variava de três a oito meses de duração. Nos documentos do Arquivo Permanente do Cefd/Ufes, 4 4 Também eram ofertados na EsEFES os Cursos de Formação de Instrutores e de Monitores. Ficava dispensada a produção desse material formativo aos alunos que ingressavam em ambos os cursos. encontramos as monografias guardadas nos dossiês dos alunos até o ano de 1939.5 5 Nos anos de 1936, 1937 e 1938, não ocorreram atividades na escola, pois buscava-se uma reestruturação curricular para que a escola caminhasse para o ensino superior. Com o Decreto nº 10.330, as finalidades são regulamentadas, iniciando novamente suas atividades no ano de 1939.

Os trabalhos produzidos na EsEFES seguiam um padrão de formatação. Normalmente eram redigidos em máquina datilográfica, contendo capa e contracapa, título, nome do aluno, registro da entrega e da apresentação, carimbado e assinado pelo diretor da escola. Por vezes, as capas e contracapas eram acompanhadas pelo nome da instituição, estado e ano, seguidos por uma dedicatória, normalmente direcionada a algum professor da escola, possivelmente o professor que teria orientado o aluno na produção do trabalho.

As monografias discorriam sobre um tema, seguindo uma lógica de introdução, desenvolvimento e conclusão, porém não observamos esses requisitos em todas as monografias. Algumas iniciavam já com a discussão sobre o tema. Outras, por vezes, não apresentavam uma conclusão. Esses trabalhos eram produzidos brevemente, contendo, em média, de cinco a dez páginas, provavelmente em razão do pouco tempo destinado à elaboração da monografia, já que a formação oferecida era de apenas poucos meses. O pouco tempo de duração do curso foi uma das justificativas apresentadas pela aluna Maria da Penha Couto Teixeira durante a elaboração de sua monografia no ano de 1935. No início do seu texto, a aluna pondera que o trabalho “Representa, porem o esforço [de] um curso de pouco mais de seis mezes e toda a boa vontade e desejo de produzir de accordo com as possibilidades de nossa capacidade” (TEIXEIRA, 1935TEIXEIRA, Maria da Penha. Fadiga e educação physica. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1935. , p. 3).

Podemos considerar que, para a produção das monografias, os alunos utilizaram livros e periódicos presentes na biblioteca da EsEFES, pois notamos que muitas informações, ou mesmo citações, feitas sem indicar referências de livros e páginas, se repetiam entre as monografias, sinalizando que os materiais utilizados como suporte para auxiliar em suas produções foram os mesmos entre os alunos. Talvez esse seja um dos motivos levantados pelo aluno Moacyr Ewald Borges, no curso do período de 1935, quando escreve que os trabalhos eram produzidos “Completamente despidos de artificios litterarios, pois que, para tanto, fallece competencia, este trabalho, representa, apenas, um esforço para comprovar nosso gráo de aproveitamento” (BORGES, 1935, p. 3)6 6 BORGES, Moacir Ewald. Influencia da educação physica na formação do caracter. Vitória, 1935. [Trabalho final]. O material pertence ao acervo histórico do Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. .

Em sentido contrário ao que é exposto pelo aluno Moacyr, nos registros oficiais da escola, a produção das monografias é evidenciada como “[...] indice incontestavel do aproveitamento e do cabedal de conhecimentos adquiridos pelos alunos” (ESPIRITO SANTO, 1932-1934ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934., p. 315). Além das leituras realizadas pelos alunos e do currículo da escola, os trabalhos são registros que dizem sobre as discussões que ocorriam sobre os processos de ensino pelos responsáveis em ministrar as disciplinas e os saberes que, naquele momento, compunham o conhecimento sobre Educação Física.

No impresso Revista de Educação, periódico educacional que circulou nos anos de 1934 e 1937 no Espírito Santo e discutia assuntos educacionais, é publicado um artigo, no ano de 1934, sobre os trabalhos monográficos, evidenciando, para os leitores capixabas, as práticas realizadas no interior da instituição. Consideravam ser essa atividade um importante instrumento formativo aos futuros professores de Educação Física, pois demonstrava a formação que os alunos recebiam e que materializavam em forma de trabalho escrito. Assim, consideravam haver elevado valor científico e segurança nas afirmações.

Vimos de assistir ontem [...] a leitura dos trabalhos de encerramento do curso especial de educação fisica, mantido pela Inspetoria de Educação Fisica para professores e praças graduadas da Força Publica do Estado. São teses interessantes, revelando um já notável gráo de cultura antropotecnica dos seus autores. Há, em algumas, muita segurança nas afirmativas, muita observação pessoal e muita originalidade. Em outras, as esplanações inteligentes e seguras dos seus autores mostram que estão senhores do assunto e prontos para a realização da obra meritoria e plena de patriotismo que o Governo do Espirito Santo se propôs realizar [...] (OS TRABALHOS, 1934OS TRABALHOS de fim de curso da inspetoria de educação física. Revista de Educação, Vitória, v. 1, n. 2, p. 40-41, maio 1934., p. 40).

A partir do ano de 1933, os trabalhos passaram a ser apresentados e lidos perante uma banca avaliadora, composta por professores e instrutores, com participação de autoridades de diferentes áreas do conhecimento. Para a turma do período letivo do ano de 1933, a banca foi composta por Mario Bossois Ribeiro, chefe do Serviço de Inspeção Médico e Educação Sanitária Escolar, Hilton Nogueira, Mario Tavares e Joaquim de Souza, professores da EsEFES (ESPIRITO SANTO, 1932-1934ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934.). Na turma de formandos do ano de 1934, há a participação de Christiano Fraga, diretor do Departamento da Saúde Pública e professor da escola, Claudionor Ribeiro, chefe do Serviço de Cooperação e Extensão Cultural, da professora Hilda Pessoa Prado, diretora do Jardim da Infância “Ernestina Pessoa”, da professora Maria Magdalena Pisa, diretora do Grupo Escolar “Padre Anchieta” e de Julieta Greppe, professora da escola (ESPIRITO SANTO, 1932-1934ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934.). Para os trabalhos encerrados no ano de 1935, compuseram a banca as professoras da escola Celina Cardoso e Felisbinha Pinheiro de Morais (ESPIRITO SANTO, 1935ESPIRITO SANTO (Estado). Secretaria da Educação e Saúde Pública. Boletim Diário. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1935.), e para os trabalhos finalizados no ano de 1939, a comissão da banca foi formada pelos professores da escola o tenente Heitor Rossi Bélache, Timoteo Filho, Napoleão Freitas e Felisbina Pinheiro de Morais.

Para a turma formada no ano de 1932, a primeira turma na qual a produção da monografia se configurou como um pré-requisito formativo obrigatório, as monografias eram somente classificadas como Aprovados. Mas, com a organização da banca avaliadora, as monografias produzidas a partir do ano de 1933 começaram a receber julgamento. Eram quatro as classificações: Distinção com Louvor, Distinção, Plenamente e simplesmente Aprovados (ESPIRITO SANTO, 1932-1934ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934.). Não localizamos os critérios utilizados pelos avaliadores para realizar o julgamento das monografias, porém inferimos que essas classificações representavam os avanços adquiridos por alguns alunos em detrimento de outros, que souberam produzir uma boa síntese monográfica, discutindo com o tema e os autores escolhidos e debatendo com as propostas de ensino para a Educação Física em concordância com os conhecimentos do Método Francês.

Essa nova forma de julgamento nos permite ponderar que as monografias que receberam uma classificação mais elevada souberam dialogar com as intencionalidades postas pelo grupo de indivíduos da EsEFEx. Em outro sentido, as monografias que receberam um grau de classificação inferior sinalizam que não conseguiram estabelecer uma aproximação com as propostas de ensino da Educação Física e o projeto de escolarização planejado aos escolares no Espírito Santo.

A classificação das monografias pode ser compreendida quando utilizamos o conceito de lutas de representações (CHARTIER, 1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.), como uma estratégia do grupo que administrava a EsEFES, oriundo da EsEFEx, tendo em vista a propagação das ideias que defendiam para o ensino da Educação Física. Assim, a classificação dos trabalhos monográficos era uma prática utilizada para nomear os alunos que se destacaram ao término do curso e que colaboravam com a escrita para o desenvolvimento da Educação Física. Esses trabalhos possivelmente serviram de suporte material para os novos alunos que ingressavam na escola pois, após a apresentação à banca avaliadora, as monografias eram registradas como documentos oficiais e passavam a compor o acervo da biblioteca.

2.1 OS CONHECIMENTOS SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA EM CIRCULAÇÃO NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA DO ESPÍRITO SANTO

Por meio do levantamento realizado no Arquivo Permanente do Cefd/Ufes, considerando somente as monografias localizadas, realizamos uma categorização dos temas discutidos durante a década de 1930 no Espírito Santo, conforme o Gráfico 1. Quando os títulos das monografias não sinalizavam o tema abordado, foi realizada uma leitura para determinar o assunto discutido. Dessa forma, delineamos 14 eixos temáticos em um total de 129 monografias.

Gráfico 1
Temas das monografias dos alunos da EsEFES na década de 1930.

O levantamento dos temas7 7 Na categoria Outros, foram reunidos os trabalhos cujos temas não pudemos classificar, sendo incluída também a monografia Dança, com apenas uma produção. abordados nas monografias nos permite perceber a cultura escolar que circulava na década de 1930 na EsEFES, compreendendo os saberes que eram apresentados na formação de professores e que deveriam ser utilizados para intervir no cotidiano escolar da disciplina Educação Física nas escolas do Estado e também fora dela. É destacada a importância que atribuíam à prática da Educação Física para promover o Progresso e para o desenvolvimento físico e moral da Mulher e da Infância, tendo em vista assegurar a Saúde, além de dar maior evidência às discussões sobre a Ginástica, a História da Educação Física e os Métodos Ginásticos.

Foi realizada uma revisão bibliográfica de pesquisas científicas que discutiram os temas em circulação sobre a Educação Física durante a década de 1930. Nossa intenção foi realizar uma análise macro, a fim de identificar as temáticas que estavam sendo apresentadas, em especial, na imprensa periódica da Educação Física, entendida, segundo Ferreira Neto (2005)FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DACOSTA, Lamartine Pereira (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776-777., como um meio para a produção e legitimação de um conhecimento com fins a implantar e consolidar a Educação Física no País. Na revisão, dois autores se destacaram: Schneider (2003SCHNEIDER, Omar. A Revista de Educação Physica (1932-1945): Estratégias editoriais e prescrições educacionais. 2003. 345 f. Tese (Doutorado em Educação, História, Política, Sociedade) - Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. ) e Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.). Ambos analisaram duas revistas que iniciaram sua publicação na década de 1930.

Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.), ao utilizar como fonte os exemplares da Revista de Educação Física, entre as décadas de 1930 e 1940, informa-nos que sua publicação foi considerada um veículo oficial dos militares e traz as marcas das discussões ocorridas na EsEFEx. Publicada por militares da própria instituição, divulgava os pressupostos do Exército para a orientação da Educação Física nacional, tanto para a escola, quanto para fora dela.

Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.) realizou um levantamento dos temas que circularam na revista. Entre os assuntos mais discutidos, a prática da Educação Física indicada para a mulher e a infância ganhou grande circulação no periódico no período tratado. Localizou também em suas páginas artigos abordando questões de higiene, de saúde, sobre a alimentação, a massagem, a beleza, a correção postural, os jogos, artigos orientando a organização de estádios, a construção de piscinas, aparelhamentos ginásticos e biométricos. A autora discute que o esporte não aparece como foco principal dos militares, mas a ginástica era o tema que circulava mais fortemente nesse periódico.

Por sua vez, a revista Educação Physica (1932-1945), produzida por intelectuais do meio civil, é considerada por Schneider (2003SCHNEIDER, Omar. A Revista de Educação Physica (1932-1945): Estratégias editoriais e prescrições educacionais. 2003. 345 f. Tese (Doutorado em Educação, História, Política, Sociedade) - Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. ) e Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.) como uma publicação que buscou atingir “[...] uma diversidade de leitores, que incluem técnicos esportivos, professores de Educação Física, pessoas ligadas à educação, governos, instituições privadas [...]” (BERTO, 2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008., p. 76) e a quem mais pudesse interessar.

Schneider (2003SCHNEIDER, Omar. A Revista de Educação Physica (1932-1945): Estratégias editoriais e prescrições educacionais. 2003. 345 f. Tese (Doutorado em Educação, História, Política, Sociedade) - Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. ) e Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.) sinalizam que, na revista, o esporte aparece como tema constante durante todo o período em que se manteve em circulação, “Seja ele em forma técnica, seja educacional, o esporte aparecerá em todos os números da revista, com maior ênfase do que qualquer outro assunto tratado” (BERTO, 2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008., p. 76). Schneider (2003)SCHNEIDER, Omar. A Revista de Educação Physica (1932-1945): Estratégias editoriais e prescrições educacionais. 2003. 345 f. Tese (Doutorado em Educação, História, Política, Sociedade) - Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. , ao realizar um levantamento dos principais temas que circularam na revista durante toda a sua duração, percebeu que, dentre 3.768 matérias que circularam durante os 13 anos em que o impresso foi publicado, 31,8% dos artigos são referentes aos Esportes, seguidos dos temas Fundamentos Pedagógicos, com 28,4% dos artigos; Saúde, com 15% das publicações; Alimentação, com 6,8% das matérias; Filosofia, com 3,8%; Medicina Esportiva, com 1,1% dos artigos; Acampamentos e turismo, com 1% das publicações; e 0,7% referente às matérias sobre Bibliografia e Literatura.

Os resultados encontrados no levantamento dos temas das monografias produzidas na EsEFES nos levam a inferir a aproximação com os ideais divulgados pelo Exército, uma vez que os principais assuntos escritos - a Infância, a Mulher e a Saúde - se aproximaram com os temas divulgados na Revista de Educação Física no levantamento realizado por Berto (2008BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.).

Além dessa aproximação com discussões científicas presentes no campo educacional, os indícios nos documentos do Arquivo Permanente do Cefd/Ufes reforçam a relação com os ideais divulgados pela EsEFEx. Havia na EsEFES uma biblioteca. As obras que chegavam nesse espaço eram anotadas nos Boletins Diários, documento que registrava o cotidiano da escola. Esses registros nos possibilitaram ter acesso às obras que chegavam à escola, sinalizando duas formas de aquisição: adquiridas pela própria escola, ou recebidas em forma de doação. A presença de algumas obras evidencia as intencionalidades dos sujeitos que mantinham o funcionamento da escola.

No ano de 1932, localizamos, compondo parte do acervo da biblioteca da escola, o Règlement Géneral d’Éducation Physique. Foram recebidos nesse ano dois exemplares, o que reafirma a ideia de que o ensino da Educação Física era orientado pelo Método Francês. Também destacamos a presença do periódico Revista de Educação Física e do livro Histórico da Educação Física (ESPIRITO SANTO, 1931-1932ESPIRITO SANTO (Estado). Secretaria da Educação e Saúde Pública. Boletim Diário . Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1931-1932. ; ESPIRITO SANTO, 1932-1934ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934.).

No Brasil, o Règlement Général d’Éducation Physique foi traduzido pela EsEFEx, ficando conhecido como Regulamento nº 7 de Educação Física. O método tornou-se obrigatório em todo o território brasileiro a partir do ano de 1931, tanto nas instituições militares, quanto nas escolares. Como consta no início da obra traduzida, sua adoção teria ocorrido por ainda não existir um método brasileiro: “Não sendo, pois, um regulamento nacional, a sua aplicação irá encontrar certas dificuldades que a Escola de Educação Física do Exército [...] procurará remover [...]” (ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO, 1934ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. Regulamento de educação física (1ª parte). Rio de Janeiro: Biblioteca de “Defesa Nacional”, 1934., p. 5).

Já a Revista de Educação Física foi um impresso produzido e divulgado pela EsEFEx, iniciada sua publicação no ano de 1932.8 8 A Revista de Educação Física mantém-se sendo publicada pelo Instituto de Pesquisa de Capacitação Física do Exército. A EsEFEx buscou expandir, regulamentar e orientar o ensino da Educação Física em todo o Brasil. A revista pode ser considerada um dispositivo de propagação dos sentidos que atribuíam à prática da Educação Física e o que deveria ser discutido e lido nos cursos de Educação Física criados em alguns estados brasileiros por aqueles que determinavam sua produção e os assuntos que acreditavam ser os mais adequados para as tropas militares e o ambiente escolar (FERREIRA NETO, 1999FERREIRA NETO, Amarílio. A pedagogia no Exército e na Escola: a educação física brasileira (1880-1950). Aracruz: Facha, 1999. ; ASSUNÇÃO, 2012ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Presença americana na educação física brasileira: padrões culturais na imprensa periódica (1932-1950). 2012. 137 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012.).

Por meio dos documentos do Arquivo Permanente do Cefd/Ufes, notamos que a Revista de Educação Física foi frequentemente recebida na escola, passando a compor o acervo da biblioteca. Por vezes, era distribuída para os professores e alunos, o que nos possibilita pensar que a revista se tornou um material utilizado pelos alunos para a construção de seus trabalhos e escolhas dos temas (ESPIRITO SANTO, 1932-1934ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934.). A aproximação com o Exército se torna ainda mais evidente, uma vez que os próprios organizadores e professores do curso no estado eram oriundos da EsEFEx. Essa era uma forma de propagar e regulamentar o ensino oferecido nessa instituição.

Já o livro Histórico da Educação Física foi produzido pelos tenentes formados na EsEFEx, Laurentino Lopes Bonorino, Antonio de Mendonça Molina e Carlos Marciano de Medeiros. Foi publicado em dezembro de 1931, divulgado pela Imprensa Oficial de Vitória. Os autores assim descrevem os objetivos do livro:

Move-nos o elevado proposito de alargarmos a estrada para nossos porvindouros no Centro Militar de Educação Fisica e para aqueles que, nos estabelecimentos congeneres, se dedicarem ao assunto, facilitando-lhes o estudo da cadeira de Historia e poupando-lhes o fastidioso trabalho de ininterruptas consultas [...] (BONORINO; MOLINA; MEDEIROS, 1931BONORINO, Laurentino Lopes; MOLINA, Antonio de Mendonça; MEDEIROS, Carlos Marciano de. Histórico da educação física. Vitória: Imprensa Oficial, 1931., p. 5).

Podemos inferir que o ensino da cadeira de História da Educação Física presente na escola utilizou o livro Histórico da Educação Física como referência para as aulas desde a primeira turma formada na instituição, no ano de 1931, no chamado Curso de Emergência, mesmo que, nesse momento, o livro ainda se encontrasse em processo de finalização, pois um de seus autores, Carlos Marciano Medeiros, ocupava o cargo de diretor da escola e professor da referida disciplina. Consideramos que o livro foi utilizado pelos alunos que elaboraram, principalmente, as monografias com o tema História da Educação Física, em função da forma como apresentaram as discussões, semelhante à abordada no Histórico da Educação Física, e apresentando as vantagens da utilização do Método Francês em detrimento dos outros métodos ginásticos.

Nesses moldes, o Regulamento nº 7 de Educação Física, a Revista de Educação Física e o Histórico da Educação Física podem ser compreendidos como uma caixa de utensílios (CARVALHO, 2001CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A caixa de utensílios e a biblioteca: pedagogia e práticas de leitura. In: VIDAL, D. G.; HILSDORF, M. L. S. (Org.). Brasil 500 anos: tópicos em história da educação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 137-167.), dispositivo no qual se esperava que o professor buscasse modelos que lhe permitissem reproduzir os temas e as discussões considerados exemplares. São modelos de aula e de exercícios indicados nas obras para a prática docente, diferentes dos apresentados na Biblioteca Pedagógica, em que o bom professor seria aquele que conseguisse operar com os conceitos e as teorias. A utilização do conceito de lutas de representações desenvolvido por Chartier (1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.) nos possibilita evidenciar o uso dos materiais presentes na biblioteca da escola na elaboração dos trabalhos monográficos, uma vez que reforçavam a utilização do Método Francês adotado pelo Exército para as tropas e as escolas brasileiras.

A circulação do modelo ginástico difundido pelo grupo que administrava a EsEFES fica destacada quando as próprias monografias produzidas na instituição acentuam a importância da introdução do Método Francês como saber que deveria nortear a prática dos professores no Espírito Santo. Destacamos algumas citações. A aluna Maria Orlandina Bomfim apresenta brevemente três métodos ginásticos: o Método Sueco, o Método Natural e o Método Francês. Ao discorrer sobre os objetivos específicos de cada método, apresenta algumas críticas existentes para o Método Sueco, que “[...] não offerece nenhum prazer executar os movimentos bruscos dos seus exercicios” (BOMFIM, 1933BOMFIM, Maria Orlandina. A educação physica e seus methodos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933., p. 5) e para o Método Natural, que se torna “[...] um lamentavel erro [...], dando os mesmos exercicios para homens e mulheres” (BOMFIM, 1933BOMFIM, Maria Orlandina. A educação physica e seus methodos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933., p. 6). Porém, a aluna apresenta considerações importantes para a inserção do Método Francês nas escolas de todo o Brasil. Assim considera:

Este methodo [...] corrige com perfeição os esforços estaticos do methodo sueco, [...]; introduz a verdadeira caracteristica dos movimentos naturaes: - completos, continuos e arredondados; dosa sufficientemente os esforços que são exigidos pelos differentes exercicios; reprova o emprego dos movimentos analyticos por naturaes. E’ portanto o methodo mais perfeito, razão por que é adoptado no exercito brasileiro, nas nossas escolas, e o mais ensinado nos cursos de educação physica espalhados por todo o Brasil. Aqui, nas nossas escolas, já foi introduzido, sendo ministrado por competentes professores diplomados pelo Curso de Educação Physica do Estado (BOMFIM, 1933BOMFIM, Maria Orlandina. A educação physica e seus methodos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933., p. 11-12).

A adoção do Método Francês no Brasil e no Espírito Santo era justificada, pois “‘[...] em perfeita concordancia com as descobertas cientificas mais recentes, satisfaz cabalmente ás necessidades porque continúa a tradição da escola franceza, que era a mais aceitavel, e tem por fim, em sua evolução, o aperfeiçoamento da raça’” (GREPPE, 1933GREPPE, Julieta. Ligeiros comentarios sobre a higiene e educação fisica no Brasil. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933., p. 4), trazendo resultados “[...] extraordinariamente salutares á respiração, circulação, nutrição, ao sistema nervoso e cérebro, sobre os ossos e musculos (SALETO, 1933SALETO, Ormy. A educação fisica como fator de saúde e beleza. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933., p. 11). Dessa forma, os temas apresentados reforçam a perspectiva de que a EsEFES teria adotado o Método Francês como modelo oficial para seu ensino.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção das monografias no interior da EsEFES pode ser considerada como uma estratégia de conformação de conhecimentos por aqueles que se posicionavam na linha de frente da área educacional, em determinar as discussões que deveriam ser discutidas na formação de professores de Educação Física no Estado do Espírito Santo. Dessa forma, as produções dos alunos são consideradas vestígios das práticas presentes na escola, que utilizam o conhecimento do Método Francês para nortear as discussões estabelecidas na instituição e que orientariam as práticas cotidianas dos professores no exercício de sua atividade.

Nos temas abordados nas monografias sobre a Educação Física, pode-se perceber que discussões sobre a importância de sua prática para o progresso brasileiro, para a mulher, a infância e a saúde se destacavam dentre os temas com maior quantitativo de artigos elaborados. Além dessas, as outras discussões, principalmente os temas História da Educação Física e os Métodos Ginásticos, podem ser consideradas como uma estratégia utilizada pelos militares com a finalidade de evidenciar a importância do Método Francês na conformação de uma nova finalidade para a Educação Física, uma vez que, nas monografias que foram produzidas sobre os respectivos temas, fica registrada a relevância da utilização do Método Francês em contraposição aos demais métodos que norteavam a prática da Educação Física no Espírito Santo e no Brasil, anteriormente à década de 1930.

Não podemos deixar de mencionar neste trabalho que, até o ano de 1930, a ginástica, entendida por Educação Física, era ministrada no Espírito Santo orientada pelo Método Sueco, com uma concepção em termos de saúde, ortopedia e correção dos corpos. Os próprios alunos que ingressavam na EsEFES possuíam esse conhecimento, uma vez que haviam realizado suas primeiras formações nas escolas normais do estado, que haviam adotado, desde 1908, o Método Sueco. Em 1930 foram instalados novos objetivos para a Educação Física. Nesse sentido, Carvalho (1997CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, M. C. (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 269-287.), no campo da História da Educação, e Schneider (2003SCHNEIDER, Omar. A Revista de Educação Physica (1932-1945): Estratégias editoriais e prescrições educacionais. 2003. 345 f. Tese (Doutorado em Educação, História, Política, Sociedade) - Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. ), na História da Educação Física, observaram que haveria, nas primeiras décadas do século XX, duas metáforas da disciplina: disciplina como ortopedia e disciplina como eficiência. Nessa transição das professoras normalistas para professoras especializadas em Educação Física a partir da década de 1930, percebemos esse deslocamento ocorrido na redefinição de saberes e de objetivos educacionais da disciplina.

As monografias passam a ser compreendidas como um dispositivo, uma vez que reforçavam as ações que vinham sendo desempenhadas pela EsEFEx. O levantamento dos temas nos trabalhos monográficos nos faz concluir a relação que foi estabelecida com os militares a partir da década de 1930, pois esses temas estão relacionados com os conteúdos presentes no Regulamento nº 7 de Educação Física, na Revista de Educação Física e no livro Histórico da Educação Física. Concluímos que a elaboração das monografias foi tida como uma estratégia, pondo em evidência novos saberes que tinham como objetivo a normatização de práticas, um meio de controlar e avaliar o nível de conhecimento que os professores haviam absorvido e mais do que isso, como conseguiam fazer uso das novas experiências para dar sentido às suas práticas docentes no processo de escolarização.

Apoio

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).

REFERÊNCIAS

  • ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Presença americana na educação física brasileira: padrões culturais na imprensa periódica (1932-1950). 2012. 137 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012.
  • BERTO, Rosianny Campos. Regenerar, civilizar, modernizar e nacionalizar: a educação física e infância em revista nas décadas de 1930 e 1940. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.
  • BOMFIM, Maria Orlandina. A educação physica e seus methodos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933.
  • BONORINO, Laurentino Lopes; MOLINA, Antonio de Mendonça; MEDEIROS, Carlos Marciano de. Histórico da educação física. Vitória: Imprensa Oficial, 1931.
  • CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A caixa de utensílios e a biblioteca: pedagogia e práticas de leitura. In: VIDAL, D. G.; HILSDORF, M. L. S. (Org.). Brasil 500 anos: tópicos em história da educação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 137-167.
  • CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, M. C. (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 269-287.
  • CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
  • ESPIRITO SANTO (Estado). Decreto nº 1.366, de 26 de junho de 1931. Crêa o Departamento de Cultura Physica do Estado. Diário Official [do Estado], Vitória, 26 jun. 1931.
  • ESPIRITO SANTO (Estado). Ministério da Educação e Cultura. Dossiês de alunos. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1932-1934.
  • ESPIRITO SANTO (Estado). Secretaria da Educação e Saúde Pública. Boletim Diário. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1935.
  • ESPIRITO SANTO (Estado). Secretaria da Educação e Saúde Pública. Boletim Diário . Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1931-1932.
  • ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. Regulamento de educação física (1ª parte). Rio de Janeiro: Biblioteca de “Defesa Nacional”, 1934.
  • FERREIRA NETO, Amarílio. A pedagogia no Exército e na Escola: a educação física brasileira (1880-1950). Aracruz: Facha, 1999.
  • FERREIRA NETO, Amarílio. Publicações periódicas de ensino, de técnicas e de magazines em educação física e esporte. In: DACOSTA, Lamartine Pereira (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 776-777.
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  • GREPPE, Julieta. Ligeiros comentarios sobre a higiene e educação fisica no Brasil. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933.
  • OS TRABALHOS de fim de curso da inspetoria de educação física. Revista de Educação, Vitória, v. 1, n. 2, p. 40-41, maio 1934.
  • SALETO, Ormy. A educação fisica como fator de saúde e beleza. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1933.
  • SCHNEIDER, Omar. A Revista de Educação Physica (1932-1945): Estratégias editoriais e prescrições educacionais. 2003. 345 f. Tese (Doutorado em Educação, História, Política, Sociedade) - Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
  • SCHNEIDER, Omar; ALVARENGA, J. Alvarenga; BRUSCHI, Marcela. Educação, ginástica e educação física: apropriações da pedagogia moderna no Espírito Santo entre as décadas de 1910 e 1930. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 6., 2011, Vitória. Invenções, tradições e escritas da história da educação no Brasil... Vitória, 2011. v. 1. p. 1-15.
  • TEIXEIRA, Maria da Penha. Fadiga e educação physica. Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1935.
  • 1
    Utilizaremos ora Centro Militar de Educação Física, ora EsEFEx. A expressão Centro Militar de Educação Física refere-se ao período anterior à mudança para EsEFEx, ocorrido em 19 de outubro de 1933 pelo Decreto nº 23.252.
  • 2
    Em 2014, foi aprovado o projeto Centro de Memória da Educação Física e do Esporte Capixaba (Cemefec), sediado no Cefd/Ufes, de autoria do professor Omar Schneider, com o objetivo de recuperar os documentos e criar um espaço adequado para a guarda definitiva do arquivo.
  • 3
    Na primeira década de existência da EsEFES, a formação dos professores de Educação Física variava de três a oito meses de duração.
  • 4
    Também eram ofertados na EsEFES os Cursos de Formação de Instrutores e de Monitores. Ficava dispensada a produção desse material formativo aos alunos que ingressavam em ambos os cursos.
  • 5
    Nos anos de 1936, 1937 e 1938, não ocorreram atividades na escola, pois buscava-se uma reestruturação curricular para que a escola caminhasse para o ensino superior. Com o Decreto nº 10.330, as finalidades são regulamentadas, iniciando novamente suas atividades no ano de 1939.
  • 6
    BORGES, Moacir Ewald. Influencia da educação physica na formação do caracter. Vitória, 1935. [Trabalho final]. O material pertence ao acervo histórico do Arquivo Permanente do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo.
  • 7
    Na categoria Outros, foram reunidos os trabalhos cujos temas não pudemos classificar, sendo incluída também a monografia Dança, com apenas uma produção.
  • 8
    A Revista de Educação Física mantém-se sendo publicada pelo Instituto de Pesquisa de Capacitação Física do Exército.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2016
  • Aceito
    28 Abr 2017
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