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Plasticidade morfológica, reprodutiva e assimetria flutuante de Myzus persicae (Sulzer) (Hemiptera: Aphididae) sob diferentes temperaturas

Morphological and reproductive plasticity and fluctuating asymmetry of Myzus persicae (Sulzer) (Hemiptera: Aphididae) under different temperatures

Resumos

Quatro clones do pulgão Myzus persicae (Sulzer) foram utilizados para se avaliar a magnitude de suas respostas plásticas em sete condições de temperatura 15,0; 17,5; 20,0; 22,5; 25,0; 27,5 e 30,0ºC. Um índice multivariado de tamanho foi obtido por ACP, a partir de cinco caracteres morfológicos. Quatro desses caracteres foram medidos bilateralmente para quantificação da Assimetria Flutuante (AF). A fecundidade foi estimada pelo número de ninfas presentes do trato reprodutivo das fêmeas. A variabilidade atribuída aos componentes ambientais e genéticos de variação foi estimada com o auxílio de um modelo de genética quantitativa. A maior parte da variabilidade fenotípica morfológica na população estudada ocorreu como resposta à temperatura (componente ambiental), mas componentes genéticos de variação também foram detectados. Acredita-se que o potencial plástico descrito seja adaptativo, contudo um ambiente a 30ºC não permitiu a sobrevivência. Pequena variabilidade no comprimento do rostro com relação aos demais caracteres pode ter resultado de seleção estabilizadora, considerando seu valor adaptativo para a obtenção de alimento. Os pulgões apresentaram AF em alguns dos caracteres medidos. Entretanto, não foi detectada relação linear dos níveis de AF com valores de temperatura, nem houve um padrão geral de variação para este caráter. Os dados corroboram a hipótese de que adversidades do meio afetam mais efetivamente o tamanho dos organismos e que, portanto, este seria um indicativo de estresse mais eficiente do que a AF de um caráter propriamente dito.

Genética quantitativa; pulgão-verde-do-pessegueiro; ruído do desenvolvimento


Four clones of the aphid Myzus persicae (Sulzer) were used to assess the magnitude of their responses to seven different temperatures (15.0, 17.5, 20.0, 22.5, 25.0, 27.5 and 30.0ºC). A multivariate index of size was obtained using five morphological characteristics simplified by PCA. Among these characteristics, four were measured bilaterally both sides in order to evaluate the fluctuating asymmetry (FA). Fertility was estimated according to the number of nymphs in the reproductive female apparatus. The variability attributed to the environmental and genetic components was estimated using a genetic quantitative model. A large part of the total variability found for size distribution was attributed to differences in temperature (environmental component), but genetic components of variation were also detected. The plastic potential was considered adaptive, since it increases clone survival in unstable environments and allows new habitat exploitation. However, 30ºC temperature did not permit clone development and survival. Lower variability in one morphological character, the rostrum, in comparison with the other traits may be the result of a stabilizing selection, in relation to its adaptive value to obtain food. The aphids presented FA in some of the measured characteristics. However, no linear relation was detected for the levels of FA and temperature values and no general pattern of variability was found. The data corroborate the hypothesis that size is more effectively affected than FA by external influences, and consequently, is a much more efficient indicator of environmental stress.

Quantitative genetics; green peach aphid; developmental noise


ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Plasticidade morfológica, reprodutiva e assimetria flutuante de Myzus persicae (Sulzer) (Hemiptera: Aphididae) sob diferentes temperaturas

Morphological and reproductive plasticity and fluctuating asymmetry of Myzus persicae (Sulzer) (Hemiptera: Aphididae) under different temperatures

Alexandre P. KanegaeI; Cecília LomônacoII

ICurso Graduação em Ciências Biológicas

IIInstituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, 38400-902, Uberlândia, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Cecília Lomônaco e-mail: lomonaco@ufu.br

RESUMO

Quatro clones do pulgão Myzus persicae (Sulzer) foram utilizados para se avaliar a magnitude de suas respostas plásticas em sete condições de temperatura 15,0; 17,5; 20,0; 22,5; 25,0; 27,5 e 30,0oC. Um índice multivariado de tamanho foi obtido por ACP, a partir de cinco caracteres morfológicos. Quatro desses caracteres foram medidos bilateralmente para quantificação da Assimetria Flutuante (AF). A fecundidade foi estimada pelo número de ninfas presentes do trato reprodutivo das fêmeas. A variabilidade atribuída aos componentes ambientais e genéticos de variação foi estimada com o auxílio de um modelo de genética quantitativa. A maior parte da variabilidade fenotípica morfológica na população estudada ocorreu como resposta à temperatura (componente ambiental), mas componentes genéticos de variação também foram detectados. Acredita-se que o potencial plástico descrito seja adaptativo, contudo um ambiente a 30oC não permitiu a sobrevivência. Pequena variabilidade no comprimento do rostro com relação aos demais caracteres pode ter resultado de seleção estabilizadora, considerando seu valor adaptativo para a obtenção de alimento. Os pulgões apresentaram AF em alguns dos caracteres medidos. Entretanto, não foi detectada relação linear dos níveis de AF com valores de temperatura, nem houve um padrão geral de variação para este caráter. Os dados corroboram a hipótese de que adversidades do meio afetam mais efetivamente o tamanho dos organismos e que, portanto, este seria um indicativo de estresse mais eficiente do que a AF de um caráter propriamente dito.

Palavras-chave: Genética quantitativa, pulgão-verde-do-pessegueiro, ruído do desenvolvimento

ABSTRACT

Four clones of the aphid Myzus persicae (Sulzer) were used to assess the magnitude of their responses to seven different temperatures (15.0, 17.5, 20.0, 22.5, 25.0, 27.5 and 30.0oC). A multivariate index of size was obtained using five morphological characteristics simplified by PCA. Among these characteristics, four were measured bilaterally both sides in order to evaluate the fluctuating asymmetry (FA). Fertility was estimated according to the number of nymphs in the reproductive female apparatus. The variability attributed to the environmental and genetic components was estimated using a genetic quantitative model. A large part of the total variability found for size distribution was attributed to differences in temperature (environmental component), but genetic components of variation were also detected. The plastic potential was considered adaptive, since it increases clone survival in unstable environments and allows new habitat exploitation. However, 30oC temperature did not permit clone development and survival. Lower variability in one morphological character, the rostrum, in comparison with the other traits may be the result of a stabilizing selection, in relation to its adaptive value to obtain food. The aphids presented FA in some of the measured characteristics. However, no linear relation was detected for the levels of FA and temperature values and no general pattern of variability was found. The data corroborate the hypothesis that size is more effectively affected than FA by external influences, and consequently, is a much more efficient indicator of environmental stress.

Key words: Quantitative genetics, green peach aphid, developmental noise

O pulgão-verde-do-pêssego, Myzus persicae (Sulzer), é considerado uma das espécies mais prejudiciais do mundo, por atuar como vetor de várias viroses às plantas, e por sua capacidade de utilizar vários hospedeiros (Heie 1994). Dentre as culturas mais afetadas por esse afídeo estão: picão, mostarda branca, couve, repolho, nabo, pimentão, algodão, alface, ervilha-cheirosa, tomate, tabaco, pêssego, berinjela, batata-inglesa, espinafre, brócolis, rabanete e acelga. No Brasil, sua ocorrência já foi descrita nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Souza-Silva et al. 1995).

Os afídeos possuem vida curta e habitam ambientes efêmeros (Dixon & Wellings 1982). Apresentam reprodução partenogenética formando clones. Esse tipo de reprodução é considerado uma adaptação à instabilidade ou perturbação ambiental (Moran 1992). Cada genótipo pode ser representado por vários fenótipos na população, incluindo indivíduos ápteros ou alados. Formas aladas são produzidas em condições adversas, podendo dispersar-se para colonizar novos hospedeiros (Weber 1985, Dixon 1990).

Os pulgões possuem grande capacidade de variação fenotípica, principalmente no tamanho do corpo. A plasticidade no tamanho pode ser acompanhada por plasticidade em outros caracteres da história de vida do pulgão e está usualmente associada às variações das condições ambientais, principalmente na temperatura e na qualidade do alimento (Kindlmann & Dixon 1992). O termo plasticidade fenotípica refere-se à capacidade que alguns indivíduos possuem de alterar suas características externas (fenótipo) sem que mudanças genotípicas sejam necessárias (Scheiner 1993).

Variações de temperatura ou na qualidade nutricional dos hospedeiros constituem fatores desencadeadores de estresse, que tendem a afetar o desenvolvimento dos pulgões, podendo provocar assimetria em caracteres bilaterais (Parsons 1987, Holloway et al. 1990, Parsons 1992). A assimetria flutuante (AF) poderia, deste modo, ser um bom indicativo dos níveis de estresse ou impacto ambiental (Leary & Allendorf 1989, Parsons 1990, Clarke 1995).

Pouco se sabe sobre os efeitos da AF sobre o potencial reprodutivo ou mesmo sua relação com outros caracteres morfofisiológicos. Alguns trabalhos apontam a AF como característica importante em processos de seleção sexual em insetos (Moller & Pomiankowski 1993, Ueno 1994, Markow 1995).

Este trabalho teve como objetivo verificar a ocorrência de plasticidade fenotípica no tamanho e na fecundidade de distintos clones do pulgão M. persicae, criados em sete diferentes condições de temperatura. Avalia, ainda, se condições adversas de temperatura influenciam o aumento de desvios na simetria bilateral de alguns caracteres morfológicos e investiga sua relação com as respostas plásticas apresentadas.

Material e Métodos

Coleta e Manutenção dos Clones. Foram utilizados indivíduos de M. persicae coletados em hospedeiros distintos (acelga, couve, rabanete e rúcula) e em locais distantes entre si, para estabelecimento, por partenogênese, de clones em laboratório. Os quatro clones foram colocados em recipientes plásticos cobertos com tecido de nylon e mantidos sobre folhas de acelga, substituídas a cada semana ou sempre que necessário.

Procedimento Experimental. Após o estabelecimento dos clones, algumas fêmeas foram levadas à câmara de germinação, ajustada para 12h de luz e 12h de escuro. Este procedimento foi feito em sete temperaturas: 15,0; 17,5; 20,0; 22,5; 25,0; 27,5 e 30,0oC. Após a produção de cerca de quatro gerações (um mês), dez pulgões adultos de cada clone foram coletados ao acaso para a obtenção da medida dos seguintes caracteres: sifúnculo, fêmur e tíbia do terceiro par de pernas, segmento III da antena e rostro. As medidas do sifúnculo, fêmur, tíbia e segmento III da antena foram tomadas bilateralmente. A definição dos caracteres para análise morfométrica baseou-se na escolha de estruturas menos passíveis de sofrer distorções, após a montagem dos indivíduos em lâminas, preparadas a fresco. Procurou-se, ainda, utilizar diferentes partes do corpo do animal, na tentativa de maximizar a cobertura dos eixos de variação (Strauss & Bookstein 1982). Foi determinado o número de ninfas presentes no trato reprodutivo de cada fêmea para estimativa da fecundidade. As medidas morfométricas e a contagem do número de ninfas foram realizadas com o auxílio de microscópio com aumento de 10 vezes.

Análise Estatística. Para se verificar a natureza e a magnitude das variações das medidas morfométricas, os dados foram submetidos à Análise de Componentes Principais (ACP). Essa análise simplifica os dados originais, caso estejam correlacionados entre si, deles extraindo índices multivariados de tamanho. Os índices de tamanho correspondem aos coeficientes do primeiro componente principal e os demais componentes principais denotam distorções na forma dos organismos analisados (Manly 1994). As distribuições dos índices de tamanho e da fecundidade foram testadas quanto à normalidade pelo teste Lilliefors-Kolmogorov Smirnov (Sokal & Rohlf 1995, Wilkinson 1999). Foram também calculados e comparados os coeficientes de variação de cada caráter métrico (Zar 1984).

Os índices de tamanho foram submetidos à Análise de Variância (ANOVA), tomando-se como fatores os clones e as temperaturas nas quais os pulgões foram condicionados. O teste de Tukey, que efetua comparações múltiplas, foi utilizado para verificar a ocorrência de diferenças no tamanho nas diferentes temperaturas (Zar 1984). Segundo o modelo genético de Via & Lande (1985), que avalia quantitativamente a plasticidade fenotípica, a variação fenotípica total de um caráter equivale à soma de seus componentes genético e ambiental, bem como da interação entre ambos. Por essa razão, a ocorrência de plasticidade fenotípica para o tamanho foi estimada pelo componente ambiental de variação (fator temperatura) (Falconer 1989).

Diferenças na fecundidade entre clones e nas diferentes temperaturas foram verificadas pelo teste Kruskal Wallis. As comparações múltiplas foram feitas segundo as recomendações de Zar (1984), utilizando-se um teste "Tukey-type".

Para a análise da assimetria flutuante (AF), as diferenças nas medidas tomadas bilateralmente (direito menos esquerdo) foram submetidas ao test-t, que verificou se as distribuições apresentavam médias iguais a zero (Palmer & Strobeck 1986, Swaddle et al. 1994), caso contrário poderia se tratar de variações assimétricas. Também foi verificado se os níveis de AF de um caráter estavam correlacionados com o tamanho dos indivíduos. Em casos afirmativos, os valores de AF foram corrigidos, dividindo-os pelos tamanhos dos caracteres medidos no lado direito (Palmer & Strobeck 1986). Para se verificar diferenças nas temperaturas testadas, os índices de AF foram submetidos à Análise de Variância e ao teste de Tukey (Zar 1984).

Após a obtenção de valores médios de fecundidade, tamanho e AF, que correspondem aos valores genotípicos para cada clone em cada temperatura, foi verificado o ajuste dessas distribuições à curva normal, utilizando-se o teste Lilliefors - Kolmogorov Smirnov (Sokal & Rohlf 1995, Wilkinson 1999). Em seguida foi construída uma matriz descrevendo o grau de associação das variáveis entre si e destas com a temperatura. Para isso foram calculados os índices de correlação de Sperman Rank (Zar 1984).

Resultados

Não houve reprodução ou sobrevivência dos pulgões criados a 30oC. Os resultados apresentados a seguir consideram, portanto, apenas os dados obtidos nas demais condições de temperatura.

Como as variáveis originais estavam significativamernte correlacionadas, a ACP foi considerada adequada para a obtenção do índice multivariado de tamanho, cuja distribuição ajustou-se a uma curva normal (Dmax = 0,063; P = 0,303). Cerca de 73,6% das variações morfológicas foram devidas a diferenças de tamanho entre os indivíduos e 26,4% foram causadas por divergências na forma. Os sinais dos coeficientes do primeiro componente principal foram todos positivos, mas o tamanho do rostro obteve sinal negativo no segundo componente principal, o que demonstra a ocorrência de distorção na forma (Tabela 1). Além disso, o tamanho do rostro apresentou pequeno coeficiente de variação (CV = 6,9%), o menor valor absoluto se comparado às demais medidas efetuadas, que variaram de 8,1% a 10,3%. Não foi possível comparar estatisticamente os coeficientes de variações encontrados porque algumas das variáveis log-transformadas não se apresentaram normalmente distribuídas (Zar 1984).

A ANOVA indicou que o tamanho dos pulgões foi significativamente diferente entre os clones (F = 6,600; P < 0,0001) e que a temperatura também influenciou o desenvolvimento dos mesmos (F = 67,544; P < 0,0001) (Tabela 2). Como os indivíduos de cada clone, criados nas diferentes temperaturas, eram geneticamente idênticos, as mudanças nos seus tamanhos constituem respostas plásticas, ou seja, alterações fenotípicas por ação ambiental. Além disso, houve interação genético-ambiental, o que mostra que existem diferenças genéticas na direção e intensidade de respostas plásticas entre clones.

A Fig. 1A descreve o modo como a temperatura afeta o tamanho médio da população de pulgões. À medida que a temperatura aumenta, o tamanho também aumenta até 17,5oC, mas a partir de 20,0oC há uma gradativa diminuição no tamanho dos pulgões. O teste de Tukey, que compara as diferenças de tamanho encontradas nas diferentes temperaturas mostrou que, estatisticamente, a 5% de probabilidade, existiram apenas três classes de tamanho dos pulgões em relação à temperatura a que foram submetidos durante seu desenvolvimento. A classe denominada "a" reúne os menores indivíduos, criados a 27,5oC. A classe "b" agrupa os indivíduos de tamanhos intermediários, criados nas temperaturas de 15,0; 22,5 e 25,0oC. Já a classe "c", que compreende as temperaturas de 17,5oC e 20,0oC, reúne os indivíduos de maior tamanho.


A Fig. 1B descreve a fecundidade nas diferentes temperaturas e aponta dois grupos que compreendem pulgões com menor fecundidade (criados a 22,5oC e 27,5oC) e os mais fecundos (que se desenvolveram nas temperaturas de 15,0; 17,5; 20,0 e 25,0oC). Não foi possível utilizar a ANOVA para decompor a variabilidade total, utilizando modelo de Via & Lande (1985), uma vez que a distribuição da fecundidade não se ajustou à curva normal (Dmax = 1,0; P < 0,001).

Os resultados obtidos a partir do teste-t para uma amostra indicam que as diferenças obtidas das estruturas bilaterais se enquadram na categoria de AF, com média não significativamente diferente de zero (exceção apenas para a AF do sifúnculo a 22,5oC, o que corresponde a menos de 5% do número de variáveis testadas).

A análise de correlação de Pearson indicou que a flutuação na simetria da tíbia (r = 0,193; P = 0,003) estava positiva e significativamente associada ao tamanho dos pulgões. Por isso, segundo recomendação de Palmer & Strobeck (1986) os valores de AF da tíbia foram corrigidos.

As ANOVAs para dois fatores (clone e temperatura) relativas às quatro medidas de AF (Tabela 3) demonstraram padrões distintos de variação entre os caracteres analisados. Somente AF do fêmur foi significativamente diferente entre os clones testados. A temperatura apenas não afetou os níveis de AF encontrados para as medidas bilaterais da tíbia. Entretanto, embora a temperatura tenha tido efeito sobre o grau de assimetria de alguns dos caracteres bilaterais medidos, não foi detectado um padrão geral regendo tais variações. Ao contrário do que se esperava encontrar, os extremos de temperatura não apresentaram tendência ao aumento no grau de assimetria, quando comparadas com temperaturas intermediárias. Para algumas variáveis, como as medidas da antena e do sifúnculo, somente um dos extremos de temperatura apresentou valores elevados de AF. Esses padrões podem ser facilmente visualizados na Fig. 2, que indica os grupos formados por análise de comparações múltiplas de Tukey.


As correlações ou associações das variáveis entre si foram significativas apenas entre fecundidade x tamanho (rs = 0,574; P < 0,01) e AF da antena x fecundidade (rs = 0,531; P < 0,02), ambas diretamente proporcionais. A correlação entre tamanho x temperatura também foi significativa (rs = 0620; P < 0,005), mas, neste caso, o aumento na temperatura resultou em redução do índice de tamanho dos pulgões.

Discussão

M. persicae apresentou respostas plásticas morfológicas e plasticidade no potencial reprodutivo quando submetido a diferentes temperaturas durante o período de desenvolvimento. A variabilidade fenotípica morfológica nas populações estudadas ocorreu principalmente em função da variação da temperatura (fator ambiental), mas também sofreu influências genéticas, havendo, inclusive, variabilidade para a plasticidade propriamente dita (Scheiner 1993).

Esses dados confirmam as observações de Wang et al. (1997), que analisaram a influência da temperatura no desenvolvimento, sobrevivência e reprodução de Aphis nasturtii Kaltenbach (Hemipterae: Aphididae). Blackman & Spence (1994), que trabalharam com M. persicae em quatro temperaturas (10,0; 15,0; 20,0 e 26,5oC), também notaram diminuição do tamanho do corpo com o aumento da temperatura. O limite de tolerância ao calor em M. persicae, obtido a 30oC, temperatura na qual os quatro clones não sobreviveram até a fase adulta, parece indicar limitações no potencial plástico da espécie. Ao contrário da maioria dos insetos, o desenvolvimento otimizado de pulgões ocorre em temperaturas amenas, como as encontradas em regiões de climas temperados ou subtropicais, hábitats em que predominam, embora sejam cosmopolitas (Dixon 1985, Heie 1994).

Em se tratando de indivíduos geneticamente idênticos, qualquer variação fenotípica dentro de cada clone somente poderia ter sido gerada pela influência do ambiente no genótipo, excetuando-se os casos de mutações (Falconer 1989). A redução no tamanho ou na fecundidade em temperaturas não otimizadas, como foi observado para M. persicae neste experimento, pode ser decorrente dos custos para a plasticidade, ou seja, gastos metabólicos adicionais necessários para se manter a estabilidade no desenvolvimento em face às adversidades do meio (Lenski & Benetti 1993, Scheiner & Berrigan 1998).

Segundo Stearns (1989), adaptações são produtos da seleção natural moldados para o desempenho de funções específicas. Considerando a reduzida habilidade de pulgões como M persicae gerarem variabilidade na reprodução partenogenética, pode-se supor que a seleção natural tivesse favorecido, especialmente em regiões tropicais, clones com grande potencial plástico. Desse modo, acredita-se que o potencial plástico descrito seja adaptativo, visto que poderia viabilizar a ocupação de novos hábitats ou facilitar a sobrevivência em ambientes instáveis (Gotthard & Nylim 1995, Losos et al. 2000).

A temperatura não é, entretanto, o único fator a influenciar o tamanho de pulgões. Dixon et al. (1995) demonstraram, por exemplo, que o tamanho de afídeos está diretamente correlacionado com a altura de suas plantas hospedeiras. Uma vez que plantas de maior porte apresentam também o floema mais distante da superfície da epiderme, há o favorecimento, nestas plantas, de indivíduos maiores.

A menor variabilidade do tamanho do rostro, com relação às demais estruturas morfológicas, pode ser decorrente de processo de canalização, visto ser esta uma estrutura importante para obtenção de alimento. Características morfológicas que ajudam fitófagos a sobreviverem na planta hospedeira são geralmente objetos da seleção natural estabilizadora e, por isso, tendem a apresentar menor variabilidade e maior herdabilidade (Kindlmann & Dixon 1992, Via & Shaw 1996). Há, entretanto, situações em que a seleção direcional pode conferir maior plasticidade no tamanho do rostro. Moran (1986), trabalhando com afídeos do gênero Uroleucon (Hemiptera: Aphididae), notou que os rostros tendiam a ser maiores em clones que parasitavam plantas hospedeiras cujas folhas eram pilosas. Pereira & Lomônaco (dados não publicados) encontraram padrão similar de variação em clones Brevicoryne brassicae L. (Hemiptera: Aphididae) quando desenvolvidos em acelga e rabanete.

Correlações ou associações positivas entre tamanho e fecundidade como as observadas para M. persicae já haviam sido descritas por Via & Shaw (1996) para Acyrthosiphon pisum Harris (Hemiptera: Aphididae). Wang et al. (1997), trabalhando com A. nasturtii, também registraram a temperatura afetando a fecundidade e estudos realizados por Kindlmann & Dixon (1992) com A. fabae Scopoli (Hemiptera: Aphididae) informaram que o aumento da temperatura resultava no incremento da taxa reprodutiva.

Correlações genéticas informam não somente o grau de associação entre duas variáveis, mas também como elas se comportam ou co-variam em ambientes distintos (Falconer 1989). Parece haver, para M. persicae, relação linear regendo variações de tamanho e fecundidade ao longo do gradiente de temperatura analisado.

Não foi confirmada a hipótese de que condições adversas de temperatura pudessem influenciar os níveis de AF, aumentando-os. Os dados obtidos também não corroboram a idéia de que a redução de tamanho ou da fecundidade fossem inversamente proporcionais aos valores de AF.

Embora a relação entre AF e estresse, vivenciada durante o período de desenvolvimento, não tenha sido observada neste trabalho, ela já foi comprovada em outros experimentos (Clarke & Ridsdill-Smith 1990, Clarke & McKenzie 1992).

Há, até o momento, inúmeras controvérsias sobre a relevância da AF, compreendida como indicativa de perturbações no programa normal de desenvolvimento de organismos com simetria bilateral (Santos 2001). A não confirmação, por diversos trabalhos, de premissas acerca de níveis esperados de AF pode, em parte, ser devida aos inúmeros fatores que a influenciam: endogamia, heterozigozidade e recombinação, considerados fatores genômicos de perturbações, além das interferências ambientais de diversas naturezas e intensidades (Parsons 1992, Markow 1995). Além disto, pouco ainda se sabe sobre as bases genéticas da estabilidade no desenvolvimento (Clarke 1995).

Recentemente, entretanto, Bjorkstein et al. (2000) indicaram que o tamanho de caracteres morfológicos parece ser muito mais sensível às condições de desenvolvimento do que a AF. A afirmação desses autores foi corroborada não somente pelos dados obtidos neste estudo como também por aqueles apresentados por Lomônaco & Germanos (2000). Uma possível explicação para este fato seria a de que um grande potencial plástico tamponaria as condições de estresse, permitindo a manutenção do desenvolvimento, como o estabelecido em condições ótimas ou normais. Se isto for verdade, é possível predizer que organismos com menor habilidade para a plasticidade sejam mais susceptíveis a apresentar maiores índices de assimetria flutuante em situações de estresse.

Literatura Citada

Received 22/04/02

Accepted 12/12/02

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  • Endereço para correspondência
    Cecília Lomônaco
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2003

    Histórico

    • Aceito
      12 Dez 2002
    • Recebido
      22 Abr 2002
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