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Lentas mudanças: o voto e a política tradicional

Resumos

O objetivo deste artigo é analisar a relação entre poder político e desenvolvimento, bem como avaliar as mudanças políticas nos municípios brasileiros. O estudo está baseado em dados do TSE para as eleições municipais de 1996, 2000 e 2004, e leva em conta variáveis estruturais como tamanho e qualidade de vida dos municípios (IBGE/IPEA/PNUD) e a ideologia dos partidos políticos. A conclusão é que os partidos tradicionais têm maior apoio nos municípios menores e com pior qualidade de vida.

Eleições municipais; política tradicional; voto; partidos políticos; geografia eleitoral


The goal of the present work is to analyze the relationship between development and political power, as well as to evaluate political changes in municipalities in Brazil. The study is based on a data bank from municipal elections (Tribunal Superior Eleitoral, 1996, 2000 and 2004) applying a procedure which takes structural variables into account, such as size and quality of life in municipalities (IBGE/IPEA/PNUD), and ideology of political parties. The question is whether favorable geographic-political configurations exist for left or right wing parties. Our conclusion is that traditional political parties (right wing) find larger support in micro municipalities with bad quality of life.

Municipal elections; traditional politics; vote; political parties; electoral geography


Lentas mudanças: o voto e a política tradicional

Lúcia AvelarI; Maria Inez Machado Telles WalterII

IDepartamento de Ciência Política, Universidade de Brasília

IICeppac - Universidade de Brasília

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a relação entre poder político e desenvolvimento, bem como avaliar as mudanças políticas nos municípios brasileiros. O estudo está baseado em dados do TSE para as eleições municipais de 1996, 2000 e 2004, e leva em conta variáveis estruturais como tamanho e qualidade de vida dos municípios (IBGE/IPEA/PNUD) e a ideologia dos partidos políticos. A conclusão é que os partidos tradicionais têm maior apoio nos municípios menores e com pior qualidade de vida.

Palavras-chaves: Eleições municipais, política tradicional, voto, partidos políticos, geografia eleitoral

ABSTRACT

The goal of the present work is to analyze the relationship between development and political power, as well as to evaluate political changes in municipalities in Brazil. The study is based on a data bank from municipal elections (Tribunal Superior Eleitoral, 1996, 2000 and 2004) applying a procedure which takes structural variables into account, such as size and quality of life in municipalities (IBGE/IPEA/PNUD), and ideology of political parties. The question is whether favorable geographic-political configurations exist for left or right wing parties. Our conclusion is that traditional political parties (right wing) find larger support in micro municipalities with bad quality of life.

Keywords: Municipal elections, traditional politics, vote; political parties, electoral geography

As mudanças socioeconômicas e as alternâncias de regimes políticos no Brasil não conseguiram neutralizar os fundamentos da política tradicional brasileira; contudo, não há como negar a evidência de que há um outro processo de estruturação de nossa vida política. Ele se manifesta claramente no âmbito das eleições nacionais presidenciais, com a competição se travando entre partidos de origem urbana que se distinguem por maior ou menor enraizamento na sociedade. Nas eleições municipais, contudo, as disputas se dão predominantemente entre partidos de origem tradicional que detêm a grande maioria do poder municipal, com exceções que devem ser vistas como o resultado da estruturação de um outro mapa partidário (MARTINS, 2002).

Guiados pelas teses de autores mestres (LEAL, 1949; SOUSA, 1976; SOARES, 1974), que afirmavam a relação entre desenvolvimento e poder político direcionado para mudanças culturais, sociais e políticas, nosso objetivo é apresentar dados de três eleições municipais brasileiras que nos permitam avaliar quanta mudança política ocorre no controle do poder municipal em todo o território, a partir de um enfoque que privilegia variáveis de caráter estrutural, como o porte e a qualidade de vida dos municípios, relacionados com os partidos vencedores na disputa pelas prefeituras e classificados conforme sua orientação ideológica.

Nossa tese deste é que as mudanças econômicas, sociais e, sobretudo, as mudanças decorrentes da urbanização e da conseqüente "crise urbana", se não foram suficientes para ameaçarem o poder da política tradicional nos municípios brasileiros, ainda assim, lentamente favoreceram seu enfraquecimento diante de forças de "esquerda", consideradas como as que representam adeptos de políticas de caráter redistributivo1 1 Elite política tradicional é uma classe de elites dominantes que não ocupa um lugar particular na estrutura produtiva e cujo poder não deriva unicamente de recursos econômicos. No estudo de Hagopian (1986), elite tradicional é definida como uma classe política cujo poder é transmitido pela linhagem familiar e que exerce a dominação de tipo tradicional por meio de laços clientelísticos . . Tal definição, sucinta por excelência, leva em conta definição de inúmeros pesquisadores brasileiros.

Martins (2002) oferece uma lista cronológica de referências bibliográficas de estudos anteriores. O caráter redistributivo a que nos referimos vem da discussão na literatura sobre "tornar social a democracia", que permeou a formação dos partidos de esquerda desde o final do século XIX na Europa ocidental (PRZEWORSKI, 1995; ELEY, 2005), também analisada por Reis ( 2007), ao refletir sobre os dilemas da democracia no Brasil.

Para avaliar essa tese, a pesquisa lançou mão dos dados das eleições municipais de 1996, 2000 e 2004, relacionando-os com o número de prefeituras obtidas segundo o coeficiente denominado "padrão Brasil" (AVELAR & LIMA, 2000)2 2 Nesse artigo, os autores utilizaram o seguinte procedimento: verificaram quantos municípios no país incluíam-se em cada uma das três categorias da dimensão qualidade dos municípios no país - boa, média, ruim-, e quantos nas categorias da dimensão porte dos municípios - micro, pequeno, médio ou grande. Tal distribuição foi denominada "padrão Brasil". A partir dela, para os partidos que alcançaram 2% dos votos válidos nas eleições de 1996, a) qual a respectiva redistribuição neste espaço, ou seja, quantas prefeituras conquistaram em cada uma das células; b) o percentual de prefeituras que cada partido conquistou nessa combinação; c) partindo das duas medidas anteriores calculou-se o delta percentual, ou seja, a distância que cada partido alcançou em relação ao padrão Brasil. Neste artigo o "padrão Brasil" foi introduzido por um dos autores, Fernão Dias de Lima. , indagando sobre as configurações político-geográficas das quais os partidos retiram sua força eleitoral. Diante das evidências de uma perda progressiva de poder das siglas que tradicionalmente controlaram o poder municipal, cogita-se quais mudanças políticas estariam na origem desse fato.

O argumento é que o desenvolvimento, a urbanização e a participação em grupos associativos de pessoas das camadas menos favorecidas afetaram parcialmente as bases do poder local, em uma direção nunca vista na história política do país. Embora os micro e pequenos municípios sejam palco de disputas internas entre elites com padrões de controle eleitoral que constrangem a autonomia política da população, com relações assimétricas de poder, há, em algumas regiões, processos associativos, interferência de programas de transferência direta de renda, assentamentos e reassentamentos, por exemplo, que afetam a distribuição de poder no grande interior do país.

Dados geográficos e escolhas eleitorais

Os estudos que se utilizam da geografia eleitoral têm origens remotas (cf. AVELAR e LIMA, 2000)3 3 O referido artigo lista uma bibliografia sobre geografia eleitoral e análise política. . Configurações regionais relacionadas com localização (capital/interior), porte e qualidade de vida dos municípios nos informam sobre a natureza da competição política, sobre continuidades e mudanças, sobre valores políticos etc., em uma abordagem conhecida desde os trabalhos de Rudolf Heberle que, entre 1918 e 1932, escreveu uma das mais importantes obras para a compreensão do nazismo rural. Desde então multiplicaram-se os trabalhos que se utilizam dessa via metodológica para compreender e analisar a política.

Algumas referências metodológicas para esclarecer como foi construído nosso banco de dados, quais as fontes utilizadas e como se fez a unificação dessas fontes estão apresentadas a seguir.

Para analisar a influência das forças políticas levando-se em conta o porte dos municípios e os respectivos níveis de desenvolvimento humano (IDH-M), as fontes de dados utilizadas são o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Do IBGE retiramos as informações sobre o porte dos municípios definido conforme sua população; do IPEA, especificamente do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil - 2000, retiramos os dados sobre a qualidade de vida dos municípios, o IDH-M, e, do TSE, coletamos os dados sobre os partidos políticos que foram vitoriosos nos municípios brasileiros nas eleições de 1996, 2000 e 2004. O objetivo é identificar se há configurações ecológicas mais favoráveis à influência dos partidos, quais partidos são mais influentes em localidades menores e piores (ou melhores) e se as mudanças estruturais das últimas décadas afetaram a estrutura do poder no âmbito municipal.

Algumas dificuldades foram encontradas. Por exemplo, o número de municípios existentes no Brasil entre 1996 e 2004, período de nossa análise, diverge nas fontes consultadas - o IBGE4 4 www.ibge.gov.br. , o TSE5 5 www.tse.gov.br. e o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil - 20006 6 Ver em www.pnud.org.br e www.ipea.gov.br. . Este último informa que utilizou o universo dos municípios definido pelo IBGE nos censos de 1991 e 2000, o qual "não necessariamente coincide com o oficialmente existente ou instalado na data de referência". Não é esclarecedora essa observação, transcrita do comentário que acompanha as séries municipais de IDH geradas pelo Atlas. De fato, a lista de municípios não coincide com a obtida no portal do IBGE, nem para 1991 nem para 2000. Da mesma forma, a lista de municípios gerada pelo TSE difere das demais.

Assim, para montar o arquivo de dados, na falta de uma codificação única nas fontes pesquisadas, foram incluídos todos os municípios com denominações diferentes que apareceram nas três fontes no período pesquisado. Por esse motivo, o número de municípios pode variar nas análises univariadas de IDH-M, população e partido do prefeito eleito. Nas análises conjuntas, foram incluídos os municípios para os quais havia informações relacionadas a todas as variáveis simultaneamente. Cabe salientar que a quantidade de municípios atual é, segundo o IBGE, 5.506, mas a lista do TSE inclui quantidade maior em 2000 e 2004. Assim, o arquivo de dados ficou com 5.577 registros, correspondentes a todos os municípios (de acordo com os nomes) que apareceram em uma das fontes.

Os dados do TSE foram transcritos diretamente. Do IBGE foram obtidos os dados de população a partir do Censo de 2000 e da Contagem de População de 1996 por município. Para 2004, a população municipal foi estimada por interpolação simples, a partir dos dados do Censo e da Contagem. No caso do IDH, foram feitas estimativas para os anos de 1996 e 2004 por interpolação simples a partir dos dados de 1991 e 2000 fornecidos pelo Atlas. Quando não havia dado de 1991 para algum município, repetiu-se o dado de 2000 para os três períodos, considerando-se que, em quatro anos, a alteração do IDH não é muito grande. A diferença do IDH em dez anos, 1991 a 2000, foi maior que 0,2 em apenas três municípios (0,05%).

Uma das medidas centrais para a análise é a qualidade de vida dos municípios, medida pelo IDH-M. A Figura 1 traz dados sobre a evolução positiva do IDH dos municípios brasileiros entre 1996 e 2004, ano em que a média aproximou-se de 0,799, limite inferior do "IDH alto" segundo o padrão do PNUD.


Com o intuito de classificar os municípios conforme o nível de desenvolvimento (alto, médio e baixo), seguimos o critério de nossa análise anterior, qual seja: os municípios com percentil abaixo ou igual a 33 foram identificados como de baixa qualidade de vida; municípios com percentis entre 33 e 67 foram identificados como de qualidade média, e, por fim, aqueles com percentis acima de 67 foram identificados como de boa qualidade de vida ou alto desenvolvimento.

Ainda segundo o procedimento adotado anteriormente, a população foi utilizada para classificar os municípios pelo porte e, depois, correlacionada à qualidade de vida. O IBGE classifica os municípios conforme a população em micro-municípios (até 10 mil habitantes), pequenos (de 10 mil a 19,9 mil), médios (de 20 mil a 99,9 mil) e grandes (100 mil habitantes ou mais). Essa classificação foi utilizada para os três anos, 1996, 2000 e 2004. Nota-se que, entre 1996 e 2000, o maior crescimento percentual deu-se entre os micro-municípios (de 44,1 para 47,9%) e de 2000 para 2004 aumentaram ligeiramente os percentuais de municípios médios (de 23,0 para 24,4%) e grandes (de 4,1 para 4,5%) (Figura 2).


Uma das hipóteses correntes na literatura sobre a continuidade da dominação tradicional é o controle eleitoral municipal - antes, nas mãos dos coronéis; depois, daqueles ou de seus pares substitutos - sem que haja mudança nas práticas políticas de natureza clientelística. Seguindo a literatura, o clientelismo tradicional se sobrepôs ao clientelismo de Estado, quando ocorreu a centralização estatal e as posições no Estado passaram a ser cruciais para retirar recursos para fins eleitorais nas respectivas periferias (HAGOPIAN, 1986). Consideramos como periferias os municípios menores, com pior qualidade de vida e com baixo desenvolvimento humano.

Outra evidência que corrobora o argumento apresentado é que é uma prática ancestral dividir municípios para acomodar dissidências entre famílias políticas, ou para aumentar o número dos distritos eleitorais sob a dominação de caciques regionais que, com o clientelismo e a partir do acesso aos recursos do Estado, mantêm a fidelidade de seus eleitores.

Quase a metade dos municípios brasileiros são localidades com até dez mil habitantes. Sendo assim, há dois caminhos para se avaliar a força dos partidos no âmbito municipal: pelo número de prefeituras que um partido alcança na corrida eleitoral ou pela quantidade de população governada. Observando os dados com base no número de prefeituras conquistadas, nos três pleitos analisados, o PMDB foi o partido que conquistou o maior número de municipalidades, embora sua vantagem tenha caído desde 1996. O PFL7 7 Embora a denominação do PFL tenha sido alterada para Democratas, a sigla anterior será mantida posto que ainda era esta no período coberto por este artigo. e o PSDB alternam a segunda posição, mas ambos perderam municípios nas eleições de 2004. Perderam para quem? Para o PT e o PL, especialmente na contagem de 2004 em relação a 2000. A vitória presidencial do PT em 2002 levou ao aumento do controle de municípios, em parte devido à mudança de partido dos prefeitos, que ocorre quando os Executivos estadual e federal se alternam nos respectivos postos, fenômeno observado nos períodos de 1946 a 1964 e entre 1965 e 1979. Entre os partidos que não estão na Figura 3, destaca-se o crescimento de prefeituras conquistadas pelo PPS, embora outras siglas também tenham crescido em 2004, como o PRTB e o PCdoB.


Assim, os partidos da elite política tradicional continuam dominando o poder municipal, embora aqueles de vocação urbana ou trabalhista venham avançando em áreas monopolizadas pelos partidos tradicionais. Tal constatação é importante se quisermos analisar a relação entre poder municipal e representação legislativa estadual e federal. As ligações entre os representantes da Câmara Federal com os líderes das regiões periféricas fazem parte de nossa tradição. Isto se deve à regra de representação proporcional e, também, à liderança municipal que garante votos a esses representantes. A Figura 3 mostra as perdas e os ganhos dos maiores partidos nas três últimas eleições municipais.

Comparando as quantidades de prefeituras conquistadas nos pleitos sucessivos, observa-se queda dos quatro partidos mais presentes, PMDB, PFL, PSDB e PP. Entre 2000 e 2004 cresceram mais o PL e, principalmente, o PT. Em todo o período 1996-2004, os partidos que mais caíram em percentual foram o PMDB (-5,2%) e o PFL (-3,1%), e os que mais subiram foram o PT (5,3%) e o PL (2,5%).

Comparando os partidos dos prefeitos eleitos em 1996 e 2000, houve mudança em 67,9% dos municípios. Entre 2000 e 2004, 71,4% das prefeituras trocaram de partido. Como a grande maioria dos municípios é controlada por partidos como o PFL e o PMDB, o fato de haver troca por partido do mesmo espectro ideológico não significa que haja mudanças expressivas, mas, sim, continuidade.

Em apenas 8,9% dos municípios o partido do prefeito eleito foi o mesmo nos três pleitos. Entre esses, 14,5% são de Minas Gerais e 10,9% de São Paulo. Em todos os municípios do Acre, do Amapá e de Roraima houve mudança de partido dos prefeitos eleitos. Das seis unidades da Federação em que 10% ou mais dos preefeitos eleitos eram do mesmo partido nos três pleitos, cinco situam-se na região nordeste.

Em trabalho anterior, observamos que a competição eleitoral com maior grau de incerteza nos resultados tem ocorrido em centros urbanos maiores e nas regiões de maior desenvolvimento. Nas regiões mais "periféricas", com forte poder local e regional, as disputas são mais previsíveis, mesmo porque, do ponto de vista ideológico, não há densas diferenças entre os partidos. Oligarquias regionais ainda se mantêm como realidade política. E, se observarmos os dados das eleições municipais de 2000 em relação a 1996, os estados do nordeste, mais uma vez, lideram na manutenção dos partidos dos prefeitos. Entre os dez estados que mantiveram o partido do prefeito em 30% ou mais dos municípios, sete são nordestinos, sendo que, na Paraíba, mais da metade dos municípios manteve o partido em suas prefeituras.

Nas eleições de 2004, menos estados mantiveram o partido em 30% ou mais dos municípios. Isso ocorreu em apenas sete, sendo quatro deles estados nordestinos, apontando para o fato da continuidade oligárquica nos municípios menores e com piores qualidades de vida.

População e partido

Em 1996, a população abrangida por prefeituras do PFL, PPB, PSDB e PMDB estava em torno de 64%. Em 2000, o PPB caiu de 16,3 para 6,4%, enquanto o PT subiu de 5,0 para 17,6%, em virtude da eleição em São Paulo. Com a vitória em São Paulo, o PT passou a ser o partido que, individualmente, governava o maior percentual de população. Em 2004, a situação mudou novamente, com o PSDB assumindo a ponta, com 20,8% da população, mais uma vez devido à eleição do prefeito do município de São Paulo. O PT caiu para 13,9%, ficando em segundo lugar. A Figura 4 mostra a situação dos principais partidos nas três eleições e seus respectivos ganhos e perdas de população:


A novidade é o avanço dos partidos de esquerda a partir de 2000, e o recuo constante dos partidos de direita. Os partidos de centro mantiveram-se com fatias semelhantes da população, tendo havido aumento em 2004, o que confirma achados anteriores relacionados com a consolidação de um mapa partidário em que quatro partidos passaram a ser o centro das disputas políticas, o PMDB, o PFL, o PSDB e o PT (Speck, 2004).

Os estudos eleitorais à época do regime militar já mostravam que nas capitais brasileiras havia sintomas das mudanças: na maioria delas ganhava o MDB, e a ARENA era vitoriosa nos municípios menores e periféricos. Parece, então, haver uma continuidade histórica dessa tendência quando analisamos alternâncias nos maiores centros urbanos, principalmente nos estados do sul e do sudeste. Neste caso, desenvolvimento e mudança política estão relacionados; assim, muito lentamente, deixa de ser realidade o Brasil estudado por Victor Nunes Leal9 9 No que se refere à evolução do percentual da população governada pelos partidos, o PPS foi o partido que mais elevou sua abrangência. Em 1996, detinha 0,4% da população, em 2000, 3,4 e em 2004, 5,7%. .

As Figuras 6 e 7 demonstram isso. A quantidade de capitais governadas pelos diferentes partidos modificou-se a cada pleito. O PFL e o PMDB cairam nos três pleitos; PSDB e PDT alternaram os percentuais, e o PT aumentou em quase cinco vezes o número de capitais sob seu governo.



No interior, os números se modificaram com base em uma dinâmica diferente, apresentando maior regularidade, com quedas ou elevações mais suaves, como se pode verificar na Figura 7. Isso aponta para o fato de que as mudanças políticas são mais lentas no interior do país, sobretudo entre os municípios micro e pequenos, onde há controle do eleitorado.

Assim, a disputa democrática pelo poder municipal é realidade nos municípios de densidade populacional expressiva, nos quais a incerteza dos resultados vem se firmando desde o período 1946 a 1964, mas, sobretudo, no período militar, quando a ARENA perdia nos grandes centros urbanos. A continuidade desta tendência pode ser observada nos dados apresentados na Figura 7.

Qualidade do município (IDH) e partido

Quando nos perguntamos se a qualidade de vida do município tem a ver com a predominância de certos partidos a resposta é afirmativa. Entre os municípios de IDH mais baixo, predominam o PFL e os partidos considerados de direita - assim foi nos três pleitos analisados. Entre os municípios com IDH baixo, o PFL foi o partido que mais elegeu prefeitos nos três pleitos analisados: em 1996 elegeu 22,2% dessas prefeituras, 24,5% em 2000 e 21,5% em 2004, sempre seguido pelo PMDB nos municípios com baixa qualidade de vida.

À medida que o IDH aumenta, os partidos de centro passam a predominar, especialmente o PMDB. Em 1996, o PMDB elegeu 25,2% dos prefeitos dos municípios de IDH médio, 22,4% em 2000 e 19,1% em 2004. O PSDB foi sempre o segundo mais freqüente entre os municípios com qualidade média de vida.

Os partidos de esquerda são minoritários e, embora mais presentes nos municípios com IDH médios e altos, dentro do período cresceram em todos os tipos de municípios. Em 1996, esses partidos ficaram com 13,9% das prefeituras dos municípios de IDH alto, passaram para 14,9% em 2000 e atingiram 18,6% dos municípios com IDH alto em 2004. Em seguida, PMDB e PSDB predominam também entre os municípios de maior qualidade de vida.

A partir desses dados observamos a permanência da estrutura política historicamente construída. Quando há mudanças, só lentamente elas alcançam as localidades com menor industrialização e urbanização, e o controle político permanece crucial para a continuidade também no centro, como dito anteriormente.

Focalizando os partidos, confirma-se a concentração maior da direita entre os municípios de IDH mais baixo. Entre as prefeituras conquistadas pelo PFL em 1996, 44,2% eram municípios de IDH baixo; em 2000 eram 43,9% e, em 2004, 49,7%. Assim, acentuou-se ao longo do tempo a concentração do PFL nos municípios com piores índices de qualidade de vida.

Os partidos de centro dividem-se entre os municípios de qualidade média e alta, assim como os partidos de esquerda. O PT tem se concentrado mais nos municípios de IDH alto: em 1996, 53,1% das prefeituras do PT eram desse tipo de município; em 2000, 55,9%, e em 2004, 40,7%. Nas eleições de 2004, o PT diluiu-se mais entre todos os tipos de municípios. Das prefeituras conquistadas, 23,2% eram municípios com IDH baixo, 36% com IDH médio, e 40,7% com IDH alto. Esses números refletem o crescimento do PT em geral, e seu avanço nos municípios com menos qualidade de vida.

Porte do município e partido

No caso dos partidos de direita e de centro, a distribuição entre os municípios dos diversos portes é equilibrada. Já os partidos de esquerda estão mais concentrados nos grandes municípios. O percentual de prefeituras em cidades de grande porte, sobretudo para o PT, é mais do que o dobro dos municípios menores. A Figura 8 mostra que os percentuais de partidos por tendência são mais estáveis entre os municípios menores.


Essa mesma tendência foi observada nos dados dos partidos isoladamente. O PMDB manteve-se na liderança das prefeituras em micro, pequenos e médios municípios. Em 2000, foi ultrapassado pelo PT nos municípios grandes. Em 1996, o PMDB estava em 16,7% dos municípios grandes e o PT em 7,8% deles. Em 2000, os dados se inverteram, o PMDB tinha 14,8% das prefeituras dos grandes municípios e o PT, 20,6%. Em 2004, essa diferença se manteve. Enquanto o PMDB tinha 13,8%, o PT contava com 19% das prefeituras dos municípios grandes.

Padrão Brasil

O Padrão Brasil10 10 Distribuição dos municípios por porte e qualidade. alterou-se muito pouco ao longo do tempo. Entre 1996 e 2004, a maior diferença se verificou entre os micro-municípios de IDH baixo, que aumentaram 2,6%. Em 2004, comparado a 2000, a maior diferença foi de 1%. Como são muito semelhantes, estão apresentados apenas os dados referentes a 2004 para ilustrar o Padrão Brasil.

Delta Percentual - resultados das eleições em relação ao Padrão Brasil, ou áreas de influência dos partidos

Seguindo critério semelhante ao de trabalho anterior (Avelar & Lima, 2000), foram calculadas as distribuições de cada partido nas células da tabela do Padrão Brasil para cada ano. Em seguida, obteve-se o Delta Percentual, definido como a distância dos partidos em relação ao Padrão Brasil. Essa distância é representada pela proporção do percentual do partido em cada célula em relação ao percentual do Padrão Brasil na mesma célula. Essa proporção foi multiplicada por cem para expressar o resultado em percentual.

O Delta Percentual será negativo quando o partido tiver conquistado menos prefeituras do que o Padrão Brasil. O valor do Delta dará a magnitude dessa diferença. Quanto maior o valor do Delta, positivo ou negativo, maior será a distância em relação ao Padrão Brasil11 11 Ressalta-se que, em razão da pequena quantidade de municípios grandes e de baixa qualidade que ocorreu no Padrão Brasil, o Delta percentual pode ser extremamente grande em alguns casos. . Assim foram delimitadas as áreas de influência de cada partido.

Os resultados estão apresentados por grupos de partidos segundo a tendência à direita, ao centro e à esquerda. Destacam-se os nove primeiros partidos em termos de percentual de votos obtidos no país (ver Figura 3).

Partidos de direita

Entre os partidos destacados, são considerados de direita o PFL, o PPB, PTB e o PL. Somados, os percentuais de prefeituras conquistadas por esse grupo de partidos em 1996, 2000 e 2004 são, respectivamente, 40,1, 41,0 e 38,6. Assim, em torno de 40% das prefeituras foram conquistadas por esses partidos nos três pleitos. Nos dados destaca-se o crescimento do PL nas eleições de 2004 pelo fato de ser o partido do vice-presidente na ocasião. O PFL, que estava na oposição no mesmo pleito, caiu em relação a 2000. Os Deltas Percentuais desses partidos são apresentados na Tabela 2. Para facilitar a leitura, está incluído apenas o resultado referente a 2004.

Entre os partidos classificados como de direita, considera-se o PFL como o principal, por ser o que obteve mais votos em todos os pleitos e esteve sempre entre os três mais votados do país. O Delta Percentual para esse partido foi positivo principalmente entre os municípios de qualidade baixa, e foi maior entre os micro e pequenos municípios. A tendência é totalmente invertida em relação aos municípios de média e alta qualidade, e entre os de porte médio e grande.

O PPB predominou entre os micro-municípios em todos os níveis de qualidade e nos municípios de alta qualidade. O Delta Percentual foi negativo entre os municípios maiores. O PTB foi mais forte nos municípios de qualidade média e de porte médio. Entre os micro e pequenos, predominou naqueles de qualidade baixa e média. No caso do PL, a área de influência está bem definida entre os municípios de menor porte e de qualidade baixa.

Esse conjunto de partidos tem em comum a influência em municípios menores e tende a se concentrar nos de qualidade mais baixa. Inversamente, tende a ser mais fraco nos municípios grandes e de melhor qualidade.

Partidos de centro

Estão classificados como partidos de centro o PMDB e o PSDB. Em termos globais, esses dois partidos representam 41,2, 40,4 e 34,7% das prefeituras nos pleitos de 1996, 2000 e 2004, respectivamente. Ambos foram os dois mais votados nas eleições de 2004, embora tenham caído em relação a 2000. O PMDB veio perdendo espaço desde 1996. O Delta Percentual referente aos dois partidos encontra-se na Tabela 3.

Diferentemente dos partidos de direita, PMDB e PSDB são negativos em relação ao Padrão Brasil nos municípios com baixa qualidade de vida. Concentram sua influência, principalmente, nos municípios de média qualidade. No caso do PMDB, há influência forte também nos municípios menores, ao contrário do PSDB, que é mais forte nos municípios maiores. O PMDB é mais disseminado no país, tem máquina eleitoral em quase todos os municípios e é o herdeiro do poder tradicional.

Partidos de esquerda

Finalmente, os partidos de esquerda destacados, PDT, PT e PSB, conquistaram 12,9, 11,0 e 16,0% das prefeituras em 1996, 2000 e 2004. Assim como o PL subiu consideravelmente em 2004, o mesmo ocorreu com o PT, pelo fato de ser o partido do presidente da República.

PT e PDT são influentes nos municípios de maior qualidade. O PT tem Delta Percentual positivo e alto nos municípios com qualidade alta e maior porte. Os outros dois partidos tiveram resultados positivos em células de municípios menores, o que ocorreu com o PT apenas em municípios com qualidades de vida média e alta.

Partidos agrupados por tendência

Para verificar melhor a existência das áreas de influência em função das tendências dos partidos - direita, centro e esquerda - os resultados foram agrupados, mantendo os nove partidos destacados. Os resultados do cálculo do Delta Percentual estão apresentados a seguir, incluindo agora os resultados de 1996, 2000 e 2004, que ajudam a verificar a tendência ao longo do tempo.

A Tabela 5 reforça que os partidos de direita são mais influentes nos municípios de baixa qualidade, de porte médio ou menor; os de centro concentram-se também nos municípios menores, incluindo principalmente os de média e alta qualidade. O caso mais marcante ocorre com os partidos de esquerda, cuja área de influência é proporcional ao tamanho e à qualidade dos municípios. Há uma clara concentração nos grandes centros, de qualidade média e, principalmente, alta.

Os dados acima sintetizam o argumento que desenvolvemos no decorrer do trabalho. Os partidos de direita, de configuração tradicional e oligárquica dominam nos municípios menores e de baixa qualidade de vida; os partidos de centro dominam nas regiões de melhor qualidade de vida e, sobretudo, nos municípios micro e pequenos, enquanto os partidos de esquerda são urbanos, ali têm sua origem e, como os dados sugerem, conquistam eleitores dos municípios maiores para os de tamanho médio. Em suma, um mapa partidário municipal em mutação lenta, contudo, constante, como já firmado por outros autores (SPECK, 2004) . Resta saber se haverá condições de crescimento das forças de esquerda nos redutos de menor população e desenvolvimento.

Conclusão

Os dados sugerem que há mudanças no plano municipal com o avanço de forças políticas de origem distinta daquela do poder tradicional. Destacando a influência do PFL e do PMDB nos micro-municípios e nos de pequeno porte, que representam a grande maioria do país, é importante lembrar suas respectivas origens, assim como a de outros partidos pequenos de direita.

O perfil político-partidário do período 1946-1964 era o da predominância das forças oligárquicas regionais que sobreviveram ao período getulista (1930-1945) (HAGOPIAN, 1996), com as elites tradicionais mantendo o controle político sobre os municípios. Ao final do período, o PTB amealhava votos de setores oposicionistas e de orientação ideológica contrária à hegemonia oligárquica, principalmente nos maiores centros urbanos e nas áreas de recente industrialização. O bipartidarismo dos anos militares - ARENA e MDB - apresentou as mesmas tendências: os municípios mais pobres e menores votavam com a ARENA, dentro da coluna do governo, dependentes que eram das finanças do Estado e, portanto, do comando político dos chefes regionais que carreavam recursos junto ao Estado centralizado. O estudo de Faria (1978) que testou a correlação entre tamanho e nível de desenvolvimento do município, encontrou que os municípios com menos de 15 mil habitantes eram território da ARENA. O MDB ganhava nos municípios maiores, nos quais as forças oposicionistas de várias origens trabalhavam juntas contra o regime. Há que se levar em conta também a grande dificuldade do MDB em fundar, neste período, diretórios nos municípios, apesar dos esforços para ampliar a máquina eleitoral. O PMDB foi beneficiário destes esforços, pois, no período pós-militar, estendeu suas bases em todo o território nacional.

O trânsito de antigos membros do PSD ou da UDN para o PMDB conformou aquilo que Ulysses Guimarães denominava como os "vários PMDBs". Dizia ele: "as vitórias do PMDB não sinalizam um avanço das forças progressistas do país ... na maioria dos municípios, o PMDB conservador é que era vitorioso" (cit. por HAGOPIAN, 1986, p.383).

Se o antigo MDB abrigou parte da elite política tradicional brasileira conforme as respectivas regiões, o PMDB também se configurou como um partido dessas elites e de forças de esquerda, com um perfil de oposicionismo e autoritarismo (KINZO, 1985; FLEISCHER, 2004). Tal como o PFL e os partidos menores, o PMDBsoube utilizar os recursos da patronagem para a continuidade do poder local, à medida que ampliava sua máquina eleitoral iniciada no período militar. Muitos deputados do PDS foram cooptados por políticos do PMDB no interior do país, em operações que não eram estranhas a um partido constituído de forças de um espectro ideológico amplo e inclusivo, o partido catch-all, proporcionando sucessivas vitórias eleitorais e ganhando o grande interior do país.

O PFL, fundado como dissidência do PDS (ex-ARENA) em 1985, com parlamentares que deram apoio ao governo militar, continuou angariando apoio eleitoral no âmbito municipal e nos micro municípios de qualidade de vida ruim, ou seja, onde a ARENA também retirou sua força eleitoral. Um partido de banqueiros, da elite financeira, distante do eleitorado, firmando-se onde a disputa democrática ainda está longe de ser uma realidade. Não sem razão sua figura símbolo, o senador Jorge Bornhauser declarou na oportunidade em que o partido mudou seu nome para DEMOCRATAS (DEM) que "a nossa meta agora não é nacional, é municipal... queremos aumentar a filiação nos municípios para as eleições de 2008". Tal declaração, quando contrastada com os dados das três últimas eleições municipais, reflete seus efetivos ganhos eleitorais nos municípios com piores qualidades de vida e menores enquanto no plano nacional permaneceu coadjuvante, ora do PMDB, hora do PSDB. É um caso de continuidade oligárquica, só que das elites financeiras regionais.

Quais mudanças no nível estrutural vêm apontando a entrada de outros partidos do centro para o interior do país? A partir da década de 1980 as mudanças se aprofundaram, não apenas em razão do ciclo de urbanização consolidado, mas, também, por mudanças nos padrões de escolaridade. Em 1989, conforme lembrado por Coimbra (2006), por Castro (2004) e por Reis (2004), 20% dos eleitores não ultrapassavam o primeiro grau; em 2006, eles eram mais de 40%. Os eleitores que apresentavam baixíssima escolaridade em 1989 ficavam em torno de 60%. Em 2006, eles eram 33%. Em 1989, apenas 18 milhões de eleitores tinham acesso ao segundo grau ou mais. Em 2006, eles eram pelo menos 50 milhões. É um quadro de prontidão ao consumo de informações bastante diverso. Coimbra ainda nos chama atenção para o fato de que a população urbana também envelheceu: mais de 50% dos eleitores têm, hoje, mais de 40 anos.

Se esse quadro é mais visível para os grandes centros urbanos, no interior teríamos de acrescentar outros argumentos para as perdas dos partidos de direita. Otávio Velho (2006) chama atenção para o fenômeno relacionado com o sentimento de ampliação de poder que ocorre quando os indivíduos participam em movimentos, organizações políticas de filiações várias: os assentamentos e os movimentos ligados à terra, as escolas e universidades que oferecem cursos para a formação de professores que trabalham no campo ou em municípios pequenos, os projetos de extensão que envolvem universitários e a sociedade, nos quais se fundem saberes universitários e não universitários, bem como as cooperativas de trabalho e os sindicatos rurais e outras formas de associativismo analisadas em um grande número de estudos.

Qual é a relação entre associativismo e comportamento eleitoral? Se não temos dados para responder a tal questão, temos registros de que, desde 1991, é crescente o número de associações civis conforme dados da pesquisa IBGE/IPEA em parceria com duas redes de organização da sociedade civil. Em 2002, segundo os dados, havia 276 mil associações civis no país, empregando 1,5 milhão de pessoas, sendo que 62 % dessas organizações foram constituídas a partir de 1991 (CICONELLO, 2006).

A pesquisa também mostra que, dentre os vários associativismos, muitos resultam em trabalhos de organização política. A título de exemplo, existem movimentos e organizações como a CONAM (Confederação Nacional de Associações de Moradores), que congrega mais de 550 entidades municipais e 22 federações estaduais e faz parte de fóruns e redes nacionais e internacionais. A CONAM participa, por exemplo, da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), do Fórum Brasil do Orçamento (FBO), da Frente Nacional de Saneamento Ambiental (FNSA), do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para todos (MDT) e da Frente Continental de las Organizaciones Comunales (FCOC), citando apenas algumas delas.

E o que dizer da participação das mulheres no mundo do trabalho, no trabalho rural, em grupos cooperativos de geração de renda, nas comunidades de base, nos movimentos, nas ONGs? E a ação dos eco-grupos que vivem em núcleos de proteção ambiental, trabalhando contra a sua depredação? São matrizes político-pedagógicas que conscientizam a população pobre do grande interior, como o movimento dos sem-terra (socialismo e comunitarismo cristão), o movimento da economia solidária em trabalho da igreja católica e a cooperação de indígenas com os quilombolas. Tudo isso progride lado a lado com os cabos eleitorais dos maiores partidos, influenciando os núcleos do associativismo, como vemos nas associações de moradores, nas associações de bairros e nos conselhos gestores influenciados pelos representantes da burocracia do Estado. (CICCONELO, 2006; SHERER-WARREN e LUCHMAN, 2004; DAGNINO, OLVERA & PANFICHI, 2006; AVRITZER, 2004). Pouco sabemos a respeito do relacionamento entre associativismo e número de votos para este ou aquele partido, aliás uma pauta de pesquisa das mais instigantes, mas é plausível a hipótese de que o crescimento dos partidos de esquerda no interior se relaciona com o crescimento do associativismo político. É difícil imaginar os maiores partidos - como o PFL, o PMDB ou o PSDB - ligados àqueles movimentos que buscam maior autonomia dos indivíduos. Estaria a difusão das idéias de direitos e de igualdade (BENDIX, 1998) na base da perda de poder político municipal dos partidos de direita?

Concluímos lembrando que há um outro mapa partidário em estruturação no interior do país12 12 Assim como nas representações do legislativo federal, segundo estudo de Martins (2002). . A conjunção de fatores econômicos e sociais e de ações políticas que vieram se estruturando nas últimas décadas pode explicar um quadro de disputa real interpartidária, com protagonistas que colocam a questão social em um lugar proeminente.

Recebido para publicação em setembro de 2007.

Aprovado para publicação em janeiro de 2008.

Lúcia Avelar - lucia_avelar@uol.com.br

Maria Inez M.T.Walter - minez@unb.br

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  • VELHO, O. "A conquista da autonomia". Carta Capital, São Paulo, ano XIII, n.425, 27.12.2006.
  • 1
    Elite política tradicional é uma classe de elites dominantes que não ocupa um lugar particular na estrutura produtiva e cujo poder não deriva unicamente de recursos econômicos. No estudo de Hagopian (1986), elite tradicional é definida como uma classe política cujo poder é transmitido pela linhagem familiar e que exerce a dominação de tipo tradicional por meio de laços clientelísticos .
  • 2
    Nesse artigo, os autores utilizaram o seguinte procedimento: verificaram quantos municípios no país incluíam-se em cada uma das três categorias da dimensão qualidade dos municípios no país - boa, média, ruim-, e quantos nas categorias da dimensão porte dos municípios - micro, pequeno, médio ou grande. Tal distribuição foi denominada "padrão Brasil". A partir dela, para os partidos que alcançaram 2% dos votos válidos nas eleições de 1996, a) qual a respectiva redistribuição neste espaço, ou seja, quantas prefeituras conquistaram em cada uma das células; b) o percentual de prefeituras que cada partido conquistou nessa combinação; c) partindo das duas medidas anteriores calculou-se o delta percentual, ou seja, a distância que cada partido alcançou em relação ao padrão Brasil. Neste artigo o "padrão Brasil" foi introduzido por um dos autores, Fernão Dias de Lima.
  • 3
    O referido artigo lista uma bibliografia sobre geografia eleitoral e análise política.
  • 4
  • 5
  • 6
    Ver em
  • 7
    Embora a denominação do PFL tenha sido alterada para Democratas, a sigla anterior será mantida posto que ainda era esta no período coberto por este artigo.
  • 8
    Os partidos destacados representam 91,3, 92,3 e 89,3% das prefeituras nos pleitos de 1996, 2000 e 2004, respectivamente.
  • 9
    No que se refere à evolução do percentual da população governada pelos partidos, o PPS foi o partido que mais elevou sua abrangência. Em 1996, detinha 0,4% da população, em 2000, 3,4 e em 2004, 5,7%.
  • 10
    Distribuição dos municípios por porte e qualidade.
  • 11
    Ressalta-se que, em razão da pequena quantidade de municípios grandes e de baixa qualidade que ocorreu no Padrão Brasil, o Delta percentual pode ser extremamente grande em alguns casos.
  • 12
    Assim como nas representações do legislativo federal, segundo estudo de Martins (2002).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      Jan 2008
    • Recebido
      Set 2007
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