Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento sustentável e trabalho precário no relato integrado da Natura: pensando um contrarrelato

Sustainable development and precarious work in Natura’s integrated report: thinking of a counter-accounting

Resumo

A incorporação do(s) conceito(s) de sustentabilidade aos discursos empresariais tem se caracterizado como um movimento ideológico voltado à legitimação do poder das grandes corporações. Em 2010 o International Integrated Reporting Committee (IIRC) foi organizado com o propósito de criar uma diretriz globalmente aceita para a contabilização da sustentabilidade. Como as teorias da legitimidade apontam que a comunicação desempenha um papel central nos processos de legitimação, neste artigo comparamos a representação da força de trabalho das revendedoras de cosméticos nos relatórios corporativos de 2015 da Natura Cosméticos S/A, uma das corporações brasileiras mais engajadas nas iniciativas do IIRC, aos resultados de pesquisas acadêmicas independentes. Com isso propomos um contrarrelato, ou seja, um discurso a respeito do desempenho organizacional produzido por atores que sejam independentes da gestão da organização. Corroborando o entendimento do IIRC como um empreendimento interorganizacional para legitimar uma definição de sustentabilidade que seja amigável aos negócios, argumentamos que, em seu relato integrado, a Natura celebra a exploração de trabalho precário como uma contribuição para o desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave:
Relato Integrado; Sustentabilidade; Contrarrelato

Abstract

The concept of sustainability in business discourses has been characterized as an ideological movement aimed at legitimizing the power of large corporations. In 2010, the International Integrated Reporting Committee (IIRC) was launched with the aim of creating a globally accepted framework for accounting for sustainability. As legitimacy theories point that communication plays a central role in legitimation processes, in this article we compare the representation of the workforce of cosmetics sellers in 2015 corporate reports from Natura Cosméticos S/A, one of the Brazilian corporations most engaged in IIRC’s initiatives, to the results of independent academic studies. With this, we propose a counter-accounting, i.e. a discourse about organizational performance produced by actors who are independent from the organization’s management. Corroborating the understanding of the IIRC as an inter-organizational enterprise to legitimize a business-friendly definition of sustainability, we argue that in its integrated report Natura celebrates the exploitation of precarious work as a contribution to sustainable development.

Keywords:
Integrated Report; Sustainability; Counter-Accounting

Introdução

Este artigo apresenta uma reflexão sobre o modo como o conceito de sustentabilidade tem sido apropriado pelos discursos corporativos. Para tanto, discutimos os temas do relato integrado, conforme as diretrizes propostas pelo International Integrated Reporting Council (IIRC), e da precariedade das relações de trabalho pelo sistema de vendas diretas (SVD), tomando o caso da Natura Cosméticos S/A como exemplo.

De acordo com Banerjee (2008Banerjee, S. B. (2008). Corporate social responsibility: The good, the bad and the ugly. Critical Sociology, 34(1), 51-79. doi:10.1177/0896920507084623
https://doi.org/10.1177/0896920507084623...
), o conceito de desenvolvimento sustentável passou a se difundir, durante os anos 1980, como uma tentativa de explorar a relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente. Dentre as diversas definições propostas para esse conceito, provavelmente a mais difundida seja aquela apresentada em 1987 no Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, segundo a qual “a humanidade tem a capacidade de tornar sustentável o desenvolvimento para garantir que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (World Commission on Environment and Development, 1987World Commission on Environment and Development. (1987). Our common future. New York: United Nations., p. 24, tradução nossa). Associado às discussões sobre sustentabilidade, também se difundiu um discurso sobre responsabilidade social corporativa, propugnando que as corporações devem (1) pensar além da lucratividade e prestar atenção a questões sociais e ambientais; (2) comportar-se de maneira ética e demonstrar alto nível de integridade e transparência em todas suas operações; e (3) envolver-se com as comunidades nas quais operam, promovendo o bem-estar social e apoiando as comunidades por meio de filantropia ou outros meios; sob as premissas de que (a) uma boa cidadania corporativa está associada a um bom desempenho financeiro; e (b) se uma corporação for uma “má cidadã”, então sua licença para operar será revogada pela sociedade (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Corporate social responsibility: The good, the bad and the ugly. Critical Sociology, 34(1), 51-79. doi:10.1177/0896920507084623
https://doi.org/10.1177/0896920507084623...
).

Bittencourt e Carrieri (2005Bittencourt, E., & Carrieri, A. (2005). Responsabilidade social: Ideologia, poder e discurso na lógica empresarial. Revista de Administração de Empresas, 45(spe), 10-22. doi:10.1590/S0034-75902005000500001
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200500...
) alertam que a incorporação de temas como sustentabilidade e responsabilidade social aos discursos empresariais tem caráter ideológico, correspondendo a um movimento da gestão das corporações para responder a ataques diversos a suas ações - até mesmo àquelas de legitimidade questionável. Corroborando esse entendimento, Banerjee (2008Banerjee, S. B. (2008). Corporate social responsibility: The good, the bad and the ugly. Critical Sociology, 34(1), 51-79. doi:10.1177/0896920507084623
https://doi.org/10.1177/0896920507084623...
) argumenta que os discursos sobre cidadania corporativa, responsabilidade social e sustentabilidade, em que pese a retórica emancipatória, são definidos por interesses estreitos dos negócios e servem para limitar os interesses de stakeholders externos, caracterizando-se como movimentos ideológicos voltados à legitimação do poder das grandes corporações - para o autor, os discursos corporativos sobre sustentabilidade promovem a manutenção do status quo, produzindo uma elisão que desloca o enfoque da sustentabilidade planetária para a sustentação das corporações por meio de oportunidades de crescimento. Segundo autores como Lara e Oliveira (2017Lara, L. G. A., & Oliveira, S. A.. (2017). A ideologia do crescimento econômico e o discurso empresarial do desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE.BR, 15(2), 326-348. doi:10.1590/1679-395159387
https://doi.org/10.1590/1679-395159387...
), Loureiro e Lima (2012Loureiro, C. F. B., & Lima, M. J. G. S. (2012). A hegemonia do discurso empresarial de sustentabilidade nos projetos de educação ambiental no contexto escolar: Nova estratégia do capital. Revista Contemporânea de Educação, 7(14), 289-303.), Brianezi e Sorrentino (2012Brianezi, T., & Sorrentino, M. (2012). A modernização ecológica conquistando hegemonia nos discursos ambientais: O caso da Zona Franca de Manaus. Ambiente & Sociedade, 15(2), 51-71.) e Henriques e Sant’Ana (2013Henriques, M. S., & Sant’Ana, L. F. (2013). Ideias-força evidenciadas no discurso organizacional sobre sustentabilidade. Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, 10(18), 71-82.), no discurso da sustentabilidade há, antes de tudo, um enfrentamento jurídico, ou seja, o (des)cumprimento às leis é que traz o tema para a gestão das empresas. Além disso, as vantagens competitivas ensejadas pela exploração de produtos, imagens etc. também contribuem para a apropriação discursiva do termo sustentabilidade pelo mundo dos negócios.

No âmbito da regulação de relatórios corporativos, em 2010 criou-se o International Integrated Reporting Committee (IIRC), mais tarde renomeado como International Integrated Reporting Council, por meio de uma iniciativa conjunta do The Prince’s Accounting for Sustainability Project (A4S) e da Global Reporting Initiative (GRI), tendo o objetivo declarado de criar “uma diretriz globalmente aceita para a contabilização da sustentabilidade. Uma diretriz que una informações financeiras, ambientais, sociais e de governança em um formato claro, conciso, consistente e comparável - colocado brevemente, em um formato ‘integrado’” (The Prince’s Accounting for Sustainability Project & Global Reporting Initiative, 2010The Prince’s Accounting for Sustainability Project, & Global Reporting Initiative. (2010). Formation of the International Integrated Reporting Committee (IIRC). Recuperado de http://bit.ly/2SJUyUz
http://bit.ly/2SJUyUz...
, para. 3, tradução nossa).

A Natura Cosméticos S/A passou a adotar as diretrizes do IIRC desde seu relatório anual de 2013, sendo uma das corporações brasileiras mais engajadas com as iniciativas do IIRC: seu vice-presidente de finanças compunha o conselho original do IIRC (The Prince’s Accounting for Sustainability Project & Global Reporting Initiative, 2010The Prince’s Accounting for Sustainability Project, & Global Reporting Initiative. (2010). Formation of the International Integrated Reporting Committee (IIRC). Recuperado de http://bit.ly/2SJUyUz
http://bit.ly/2SJUyUz...
), e ela foi uma das primeiras quarenta organizações que aderiram ao projeto-piloto para auxiliar na elaboração da estrutura do relato integrado (International Integrated Reporting Committee, 2011aInternational Integrated Reporting Committee. (2011a). IIRC announces selection of global companies to lead unique Integrated Reporting Pilote Programme. Recuperado de http://bit.ly/2HGKy8i
http://bit.ly/2HGKy8i...
). Ademais, sustentabilidade é um tema recorrente nos discursos corporativos da Natura - dentre suas crenças, a companhia afirma que “seu valor e sua longevidade estão ligados à sua capacidade de contribuir para a evolução da sociedade e seu desenvolvimento sustentável” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 4).

Para os fins deste artigo, mais do que adotar alguma definição de sustentabilidade, interessa-nos compreender como o sentido desse termo é construído nos relatórios corporativos da Natura. Para tanto, tomamos como base o ano de 2015 e confrontamos a representação da força de trabalho das revendedoras de cosméticos nos relatórios corporativos da companhia aos achados de pesquisas como as de Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.) e de Cruz e Troccoli (2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.). A restrição ao ano de 2015 teve um caráter essencialmente pragmático, visando facilitar uma exploração aprofundada dos relatórios analisados que, em conjunto, somam mais de 250 páginas. Em relação aos demais anos para os quais a companhia havia publicado relatórios adotando as diretrizes do IIRC à época da condução desta pesquisa (2013, 2014 e 2016), embora não tenhamos conduzido análises com o mesmo nível de profundidade, nossas leituras preliminares indicam não haver diferença significativa quanto ao modo como é representada a força de trabalho das revendedoras.

Cervo, Bervian e Silva (2007Cervo, A. L., Bervian, P. A., & Silva, R. (2007). Metodologia científica (6a ed.). São Paulo, SP: Pearson Prentice.) alegam que o conhecimento científico é evolutivo e constantemente sofre modificações. Para eles, o método científico não pode ser rígido, mas deve ser rigoroso na construção do conhecimento, pois enquanto a rigidez metodológica pressupõe uma separação entre autor(a) e obra, não permitindo que o trabalho tenha traços de subjetividade, o mesmo não acontece com o rigor, que está diretamente ligado ao avanço do conhecimento. Nesse sentido, metodologicamente buscamos trabalhar com o que autores como Williams, Burt, Clay e Bridges (2018Williams, K. L., Burt, B. A., Clay, K. L., & Bridges, B. K. (2018). Stories untold: Counter-narratives to anti-blackness and deficit-oriented discourse concerning HBCUs. American Educational Research Journal, 56(2), 556-599. doi:10.3102/0002831218802776
https://doi.org/10.3102/0002831218802776...
) e Bamberg e Andrews (2004Bamberg, M., & Andrews, M. (2004). Considering counter-narratives: Narrating, resisting, making-sense. Amsterdam: John Benjamins.) denominam de contrarrelato, que consiste na identificação e divulgação de informações oriundas de fontes externas sobre os principais problemas econômicos, ambientais e sociais das organizações, a fim de verificar, complementar e/ou contrariar seus relatórios oficiais sobre o próprio desempenho (Boiral, 2013Boiral, O. (2013). Sustainability reports as simulacra? A counter-account of A and A+ GRI reports. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 26(7), 1036-1071. doi:10.1108/AAAJ-04-2012-00998
https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2012-009...
). Para Joseph (2014Joseph, M. (2014). Debt to society: Accounting for life under capitalism. Minneapolis, MN: University of Minnesota.), os contrarrelatos devem ser vistos como uma importante alternativa de transformação na pesquisa em contabilidade, já que valores, objetos, práticas e discursos contábeis devem estar sempre articulados, o que geralmente não acontece nos relatórios contábeis a que estamos sujeitos. Assim, entendemos que seja preciso pensar os relatos e contrarrelatos em termos de uma interação dialógica, na qual uns não existem sem os outros, embora os contrarrelatos tenham sempre, como ressalva Nelson (2001Nelson, H. L. (2001). Damaged identities, narrative repair. Ithaca, NY: Cornell University.), um caráter de insubordinação às narrativas dominantes. Na sequência do artigo, discutimos o emprego do conceito de legitimidade nos estudos organizacionais e na pesquisa em contabilidade socioambiental, apresentamos uma revisão da literatura sobre o relato integrado e propomos um contrarrelato sobre a relação entre a Natura e suas revendedoras, contrapondo os resultados apresentados por Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.) e Cruz e Troccoli (2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.), entre outros, aos relatórios de 2015 elaborados pela companhia.

O conceito de legitimidade nos estudos organizacionais e na contabilidade socioambiental

De acordo com Berger e Luckmann (1967Berger, P. L., & Luckmann, T. (1967). The social construction of reality: A treatise in the sociology of knowledge. London: Penguin.), a construção social da realidade ocorre por meio de processos de institucionalização nos quais há uma tipificação recíproca das ações habituais de diferentes tipos de atores. Porém, como o significado original das instituições é inacessível a novas gerações em termos da memória, para ser transmitido às novas gerações, o mundo institucional precisa ser explicado e justificado - ou seja, legitimado. Assim, a legitimação explica a ordem institucional pela atribuição de validade cognitiva aos significados objetivados durante os processos de institucionalização, tendo na linguagem o principal meio para impor lógica ao mundo social. Segundo os autores, “o edifício das legitimações é construído sobre a linguagem e usa a linguagem como sua principal instrumentalidade” (Berger & Luckmann, 1967Berger, P. L., & Luckmann, T. (1967). The social construction of reality: A treatise in the sociology of knowledge. London: Penguin., p. 82, tradução nossa).

Nos estudos organizacionais, o conceito de legitimidade se baseia na ideia de que as organizações existem na sociedade sob um contrato social expresso ou implícito (Campbell, 2000Campbell, D. J. (2000). Legitimacy theory or managerial reality construction? Corporate social disclosure in Marks and Spencer Plc Corporate Reports, 1969-1997. Accounting Forum, 24(1), 80-100. doi:10.1111/1467-6303.00030
https://doi.org/10.1111/1467-6303.00030...
). Sua premissa básica, conforme Dowling e Pfeffer (1975Dowling, J., & Pfeffer, J. (1975). Organizational legitimacy: Social values and organizational behavior. The Pacific Sociological Review, 18(1), 122-136. doi:10.2307/1388226
https://doi.org/10.2307/1388226...
), é de que:

As organizações procuram estabelecer congruência entre os valores sociais associados ou implicados por suas atividades e as normas de comportamento aceitável no sistema social maior do qual fazem parte. Na medida em que esses dois sistemas de valores são congruentes, podemos falar de legitimidade organizacional. (p. 122, tradução nossa)

Como as organizações utilizam recursos escassos que poderiam ser alocados de outra maneira, tal congruência é concebida como necessária para que sejam socialmente percebidas como empreendimentos aceitáveis. Dowling e Pfeffer (1975Dowling, J., & Pfeffer, J. (1975). Organizational legitimacy: Social values and organizational behavior. The Pacific Sociological Review, 18(1), 122-136. doi:10.2307/1388226
https://doi.org/10.2307/1388226...
) descrevem três formas pelas quais as organizações podem se tornar legítimas: (1) adaptando seus resultados, objetivos e métodos de operação para se adequar às definições de legitimidade prevalentes; (2) tentando, pela comunicação, alterar a definição de legitimidade social para que ela esteja em conformidade com as práticas, resultados e valores atuais da organização; e (3) tentando, novamente com a comunicação, se identificar com símbolos, valores ou instituições que têm forte base de legitimidade social.

Deegan (2002Deegan, C. (2002). Introduction. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 15(3), 282-311. doi:10.1108/09513570210435852
https://doi.org/10.1108/0951357021043585...
), por sua vez, refere-se a quatro possíveis estratégias que as organizações podem adotar para obter ou manter legitimidade: (1) educar e informar seus “públicos relevantes” sobre mudanças (reais) no desempenho e nas atividades da organização; (2) mudar as percepções dos “públicos relevantes” - mas não alterar seu comportamento real; (3) manipular a percepção, desviando a atenção da questão sob enfoque para outras questões, por meio de apelos a símbolos emotivos, por exemplo; ou (4) alterar as expectativas externas sobre seu desempenho.

Tanto para Dowling e Pfeffer (1975Dowling, J., & Pfeffer, J. (1975). Organizational legitimacy: Social values and organizational behavior. The Pacific Sociological Review, 18(1), 122-136. doi:10.2307/1388226
https://doi.org/10.2307/1388226...
) quanto para Deegan (2002Deegan, C. (2002). Introduction. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 15(3), 282-311. doi:10.1108/09513570210435852
https://doi.org/10.1108/0951357021043585...
), a comunicação cumpre papel fundamental nos processos de legitimação. Considerando que os relatórios corporativos representem um meio importante para influenciar as percepções externas sobre as organizações e que a divulgação de relatórios de desempenho socioambiental ainda apresenta caráter predominantemente voluntário, a teoria da legitimidade tem sido empregada na pesquisa em contabilidade socioambiental para explicar por que os gestores decidem divulgá-los, oferecendo evidências de que tais relatórios são motivados pelo desejo de legitimar diversos aspectos das organizações (Deegan, 2002Deegan, C. (2002). Introduction. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 15(3), 282-311. doi:10.1108/09513570210435852
https://doi.org/10.1108/0951357021043585...
).

Embora os referenciais sobre legitimidade enfatizem as ações tomadas pelos gestores para moldar as preferências sociais de acordo com os objetivos organizacionais, percebemos que esse aspecto tem sido pouco explorado na pesquisa contábil socioambiental, cuja abordagem tradicional tem sido a de investigar, no nível das firmas, a responsividade dos relatórios corporativos a ameaças externas à legitimidade delas. Não obstante, há também estudos que identificam o uso instrumental de relatórios de sustentabilidade com o intuito de legitimar e de promover o “esverdeamento” (greenwashing) das organizações, tais como os exemplos apontados no Quadro 1.

Quadro 1
Relatórios de sustentabilidade como ferramenta de legitimação

Tais estudos evidenciam que os relatórios corporativos costumam ser empregados para ressignificar o conceito de sustentabilidade, desprovendo-o de seu potencial crítico - segundo Gray (2010Gray, R. (2010). Is accounting for sustainability actually accounting for sustainability… and how would we know? An exploration of narratives of organisations and the planet. Accounting, Organizations and Society, 35(1), 47-62. doi:10.1016/j.aos.2009.04.006
https://doi.org/10.1016/j.aos.2009.04.00...
), muitas das iniciativas corporativas em torno da sustentabilidade “poderiam ser mais facilmente interpretadas como o modo pelo qual as organizações gostariam de entender a sustentabilidade e como, por sua vez, ser-lhes-ia conveniente se o corpo político acatasse tal visão” (p. 48, tradução nossa). Dessa maneira, entendemos que os referenciais sobre legitimidade também podem ser aplicados para investigar empreendimentos interorganizacionais destinados a construir uma percepção pública favorável aos negócios, permitindo que se interprete o envolvimento das organizações em iniciativas similares ao IIRC como uma tentativa de promover, por meio da contabilidade socioambiental, a aceitação social de uma abordagem amigável aos negócios.

Histórico do relato integrado

No campo da normatização de relatórios corporativos, o IIRC é um órgão relativamente recente (em comparação à GRI e à International Accounting Standards Board - IASB, por exemplo), tendo sido fundado em 2010 e emitido sua primeira norma em 2013. Por conta disso, o relato integrado é um tema ainda incipiente na literatura acadêmica - na sequência desta seção, revisamos alguns dos estudos já publicados a respeito do relato integrado na literatura internacional.

Políticas e práticas de relatórios integrados vinham sendo desenvolvidas por organizações pioneiras na inovação de suas práticas de divulgação antes mesmo de o IIRC ter se consolidado como o órgão globalmente dominante nesse tema. Além disso, na África do Sul já havia diretrizes formais para a elaboração de tais relatórios, que são requisito para cotação na Bolsa de Valores de Joanesburgo (Villiers, Rinaldi, & Unerman, 2014Villiers, C., Rinaldi, L., & Unerman, J. (2014). Integrated reporting: Insights, gaps and an agenda for future research. Accounting Auditing and Accountability Journal, 27(7), 1042-1067. doi:10.1108/AAAJ-06-2014-1736
https://doi.org/10.1108/AAAJ-06-2014-173...
).

Para Flower (2015Flower, J. (2015). The international integrated reporting council: A story of failure. Critical Perspectives on Accounting , 27, 1-17. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.00...
), a característica mais notável na fundação do IIRC foi a alta representatividade de poder do seu Conselho, cujos quarenta membros incluíam os líderes do International Accounting Standards Board (IASB), do Financial Accounting Standards Board (FASB) e da International Federation of Accountants (IFAC), os CEOs das Big Four1 1 Quatro maiores firmas internacionais de contabilidade e auditoria: Deloitte, EY, KPMG e PWC. , os chefes das principais associações profissionais de contadores britânicas e os CFOs de grandes multinacionais como a Nestlé, a Tata e o HSBC. Juntos, os representantes da profissão contábil, dos preparadores de relatórios corporativos e dos reguladores constituíam mais da metade do conselho do IIRC, superando em número os poucos representantes de organizações promotoras da contabilidade socioambiental. Brown e Dillard (2014Brown, J., & Dillard, J. (2014). Integrated reporting: On the need for broadening out and opening up. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 27(7), 1120-1156. doi:10.1108/AAAJ-04-2013-1313
https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2013-131...
) corroboram essa visão, argumentando que “há uma ausência notável de grupos da sociedade civil, sindicatos ou outros que pudessem fornecer perspectivas sociopolíticas para além do caso de negócios nas estruturas de governança do IIRC” (p. 1149, tradução nossa).

Em 2011, o IIRC divulgou uma minuta para discussão que enumerava seis diferentes categorias de recursos e relacionamentos, rotulados como “capitais”, cujo consumo e criação deveriam ser reportados pelas organizações: financeiro, manufaturado, humano, intelectual, natural, capital social e de relacionamento. Nessa minuta, o relato integrado foi definido nos seguintes termos:

O relato integrado reúne informações relevantes sobre a estratégia, a governança, o desempenho e as perspectivas de uma organização de forma a refletir o contexto comercial, social e ambiental dentro do qual ela opera. Ele fornece uma representação clara e concisa de como uma organização demonstra stewardship e como ela cria e sustenta valor. (IIRC, 2011bInternational Integrated Reporting Committee.. (2011b). Towards Integrated Reporting: Communicating value in the 21st century. Recuperado de http://bit.ly/2SNuLep
http://bit.ly/2SNuLep...
, p. 2, tradução nossa)

Após uma consulta pública a respeito dessa minuta, em 2013 o IIRC publicou um documento cujo propósito “é estabelecer Princípios Básicos e Elementos de Conteúdo que guiem o conteúdo geral de um relatório integrado, e explicar os conceitos fundamentais que os sustentam” (International Integrated Reporting Council, 2014International Integrated Reporting Council. (2014). A estrutura internacional para relato integrado. Recuperado de http://bit.ly/39RwCo6
http://bit.ly/39RwCo6...
, p. 7). De acordo com Villiers et al. (2014Villiers, C., Rinaldi, L., & Unerman, J. (2014). Integrated reporting: Insights, gaps and an agenda for future research. Accounting Auditing and Accountability Journal, 27(7), 1042-1067. doi:10.1108/AAAJ-06-2014-1736
https://doi.org/10.1108/AAAJ-06-2014-173...
):

A forma como os relatórios integrados são conceituados agora em 2014, com um foco estratégico em ações e planos futuros enfatizando especificamente a criação de valor, contrasta fortemente com os focos originais de 2010 sobre os stakeholders (além dos acionistas) e a accountability pelos impactos das atividades corporativas. Essa mudança significa que o público-alvo para o relatório integrado é agora substancialmente diferente do dos relatórios de sustentabilidade. Enquanto os relatórios de sustentabilidade visam fornecer informações sociais, ambientais e econômicas a uma ampla gama de partes interessadas, relatórios integrados agora buscam apresentar informações relacionadas à avaliação ampla de risco e ao potencial crescimento do valor futuro, assim atendendo a provedores de capital e potenciais investidores. (p. 1059, tradução nossa)

Brown e Dillard (2014Brown, J., & Dillard, J. (2014). Integrated reporting: On the need for broadening out and opening up. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 27(7), 1120-1156. doi:10.1108/AAAJ-04-2013-1313
https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2013-131...
) argumentam que o relato integrado, tal como concebido pelo IIRC, fornece uma abordagem limitada e unilateral para avaliar e informar sobre questões de sustentabilidade. Para os autores, embora ele possa se adaptar bem à contabilidade convencional e às estruturas de governança existentes, que privilegiam o capital financeiro, o relato integrado pouco fará para atender às necessidades de outros públicos, sendo “provável que nos leve cada vez mais longe de relatórios socioambientais que possam promover a responsabilidade corporativa, o empoderamento dos stakeholders, a governança democrática e a sustentabilidade” (Brown & Dillard, 2014Brown, J., & Dillard, J. (2014). Integrated reporting: On the need for broadening out and opening up. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 27(7), 1120-1156. doi:10.1108/AAAJ-04-2013-1313
https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2013-131...
, p. 1147, tradução livre).

Rastreando a história do IIRC desde a sua formação, em 2010, até a publicação de sua estrutura para relato integrado, Flower (2015Flower, J. (2015). The international integrated reporting council: A story of failure. Critical Perspectives on Accounting , 27, 1-17. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.00...
) argumenta que a entidade não alcançou seus objetivos originais, apontando para quatro áreas em que as atuais propostas do IIRC representam um repúdio a tais objetivos: o relato integrado não visa se tornar o principal relatório de uma empresa, mas apenas um relatório extra, juntamente com as demonstrações financeiras convencionais e os relatórios de sustentabilidade; ele não abrange a sustentabilidade; não abrange o impacto das atividades da empresa sobre os stakeholders de maneira ampla; e impõe poucas obrigações específicas para os preparadores, parecendo provável que venha a ter muito pouco impacto sobre as práticas de divulgação das organizações. Para o autor, o IIRC pode ter declinado de seus objetivos originais por conta de uma agenda oculta de parte das organizações que compõem seu conselho, as quais temeriam que o desenvolvimento de formas alternativas de relatórios corporativos se contrapusesse a uma visão orientada para os acionistas e pusesse em cheque a predominância da profissão contábil nesse campo. Assim, Flower (2015)Flower, J. (2015). The international integrated reporting council: A story of failure. Critical Perspectives on Accounting , 27, 1-17. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.00...
considera que:

Pode-se prever com confiança que a iniciativa do IIRC não resultará em empresas publicando informações completas, corretas e comparáveis sobre seu desempenho relacionado à sustentabilidade e seu impacto sobre os stakeholders, a sociedade e o meio ambiente.

Isso não significa que as empresas não gastarão recursos consideráveis na preparação e publicação de “relatos integrados” elaborados, cheios de mensagens autocongratulatórias sobre quão bem a empresa está cumprindo suas responsabilidades para com os stakeholders, a sociedade e o meio ambiente, e copiosamente ilustrados com fotos de trabalhadores felizes, clientes satisfeitos e paisagens intocadas. Mas isso significa que esses relatórios não fornecerão a informação que a sociedade precisa para avaliar o desempenho da empresa. (p. 10, tradução nossa)

Thomson (2015Thomson, I. (2015). “But does sustainability need capitalism or an integrated report” a commentary on “The International Integrated Reporting Council: A story of failure” by Flower, J. Critical Perspectives on Accounting , 27, 18-22. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.00...
) corrobora essas críticas, argumentando que “o Relato Integrado reduz a sustentabilidade a cinco fontes de valor corporativo, mas fontes de valor que precisam ser mais bem gerenciadas para aumentar a riqueza dos investidores individuais, e não a prosperidade da sociedade” (p. 19, tradução nossa). Assim, “assume-se que o alcance dos objetivos do IIRC de alguma forma emergirá do fornecimento de novas informações para os mesmos tomadores de decisão usando substantivamente as mesmas rotinas de tomada de decisão corporativa para gerenciar os mesmos riscos dentro do mesmo discurso neoliberal” (Thomson, 2015Thomson, I. (2015). “But does sustainability need capitalism or an integrated report” a commentary on “The International Integrated Reporting Council: A story of failure” by Flower, J. Critical Perspectives on Accounting , 27, 18-22. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.00...
, p. 20, tradução nossa). Para o autor, em vez de propiciar reformas que levem a uma maior sustentabilidade, é mais provável que o relato integrado proposto pelo IIRC silencie os elementos radicais da sustentabilidade e ressignifique práticas corporativas insustentáveis como sustentáveis.

A força de trabalho na natura: um contrarrelato

De acordo com Brown (2009Brown, J. (2009). Democracy, sustainability and dialogic accounting technologies: Taking pluralism seriously. Critical Perspectives on Accounting, 20(3), 313-342. doi:10.1016/j.cpa.2008.08.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2008.08.00...
), as tecnologias contábeis são uma prática social que molda subjetividades individuais e grupais, sendo um meio pelo qual o poder é exercido. Ela afirma que “tanto a contabilidade geral como grande parte da contabilidade social são atualmente dominadas por uma abordagem monológica” (Brown, 2009Brown, J. (2009). Democracy, sustainability and dialogic accounting technologies: Taking pluralism seriously. Critical Perspectives on Accounting, 20(3), 313-342. doi:10.1016/j.cpa.2008.08.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2008.08.00...
, p. 331, tradução nossa), adotando uma narrativa sobrecarregada pelos pressupostos do capitalismo e que delimita os parâmetros de debate a valores e pressupostos centrados nas necessidades do capital financeiro, negando voz a perspectivas alternativas. Assim, a contabilidade é despolitizada por meio de uma negação do político e “onde a política é reconhecida, a contabilidade monológica é retratada como fornecendo um referencial neutro dentro do qual os diferentes stakeholders podem perseguir os seus interesses” (Brown, 2009Brown, J. (2009). Democracy, sustainability and dialogic accounting technologies: Taking pluralism seriously. Critical Perspectives on Accounting, 20(3), 313-342. doi:10.1016/j.cpa.2008.08.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2008.08.00...
, p. 316, tradução nossa).

Para fomentar a interação democrática, os defensores de uma contabilidade dialógica têm feito esforços para desenvolver tecnologias contábeis que reconheçam a heterogeneidade e se recusem a privilegiar os mercados de capitais, promovendo formas mais participativas de organização social e o envolvimento dos stakeholders na preparação de relatórios (Brown, 2009Brown, J. (2009). Democracy, sustainability and dialogic accounting technologies: Taking pluralism seriously. Critical Perspectives on Accounting, 20(3), 313-342. doi:10.1016/j.cpa.2008.08.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2008.08.00...
). Uma possível maneira de incrementar o dialogismo é o contrarrelato, descrito por Boiral (2013Boiral, O. (2013). Sustainability reports as simulacra? A counter-account of A and A+ GRI reports. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 26(7), 1036-1071. doi:10.1108/AAAJ-04-2012-00998
https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2012-009...
) nos seguintes termos:

O contrarrelato na área de relatórios de sustentabilidade pode ser definido como o processo de identificação e divulgação de informações sobre os principais problemas econômicos, ambientais e sociais das organizações, que provêm de fontes externas ou não oficiais (relatórios de especialistas, trabalhos de pesquisa, periódicos on-line, estudos de ONGs, publicações governamentais, processos judiciais etc.) tendo em vista verificar, complementar ou contrariar os relatórios oficiais das organizações sobre seu desempenho e realizações. (p. 1037, tradução nossa)

Portanto, mais do que uma metodologia específica, o termo contrarrelato (counter-accounting) descreve uma estratégia política que visa romper o monopólio dos gestores sobre a produção de discursos a respeito do desempenho organizacional, dando voz a diferentes atores para que eles possam apresentar visões distintas, e possivelmente contestatórias, a respeito de tal desempenho. Como nos lembra Bakhtin (2002)Bakhtin, M. (2002). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec., as palavras estão sempre carregadas de um conteúdo de sentido ideológico. Assim, os contrarrelatos refratam os discursos inseridos nos relatos, evidenciando as contradições existentes nos relatos analisados. Na condição de um processo/caminho criativo, os contrarrelatos assumem determinada posição axiológica que se correlacionará a pontos de vista de outros interlocutores, criando uma rede de significações que se contrapõe aos relatos tidos como dominantes.

Estudos empíricos sobre o emprego de contrarrelatos sugerem que eles têm o potencial de fomentar os debates na esfera pública, promovendo a conscientização a respeito dos impactos negativos das organizações sobre o meio ambiente e a sociedade (Apostol, 2015Apostol, O. M. (2015). A project for Romania? The role of the civil society’s counter-accounts in facilitating democratic change in society. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 28(2), 210-241. doi:10.1108/AAAJ-07-2012-01057; Denedo, Thomson, & Yonekura, 2017Denedo, M., Thomson, I., & Yonekura, A. (2017). International advocacy NGOs, counter accounting, accountability and engagement. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 30(6), 1309-1343. doi:10.1108/AAAJ-03-2016-2468
https://doi.org/10.1108/AAAJ-03-2016-246...
; Irvine & Moerman, 2017Irvine, H., & Moerman, L. (2017). Gambling with the public sphere: Accounting’s contribution to debate on social issues. Critical Perspectives on Accounting , 48, 35-52. doi:10.1016/j.cpa.2017.05.002
https://doi.org/10.1016/j.cpa.2017.05.00...
; Vinnari & Laine, 2017Vinnari, E., & Laine, M. (2017). The moral mechanism of counter accounts: The case of industrial animal production. Accounting, Organizations and Society , 57, 1-17. doi:10.1016/j.aos.2017.01.002
https://doi.org/10.1016/j.aos.2017.01.00...
). Um importante exemplo é o de Joseph (2014Joseph, M. (2014). Debt to society: Accounting for life under capitalism. Minneapolis, MN: University of Minnesota.), para quem o estudo de contrarrelatos pode ajudar a evidenciar a rede de significações assentadas em classe, gênero e etnia. Essa autora sustenta que grupos de contabilidade autônomos devem mobilizar os cidadãos em torno de sua capacidade auto-organizada de auditar, alegando que os contrarrelatos advindos dessas auditorias são veículos de crítica e orientação tática no sentido de exigir maior responsabilização daqueles que estão no poder. Assim, encontramos em seu estudo sementes de um dialogismo que combinaria o processo de uma organização horizontal com uma contabilidade que poderia resultar em formas verticais de governança e governamentalidade mais duradouras para as sociedades.

No intuito de evidenciar o caráter monológico do relato integrado tal como orientado pelo IIRC e praticado pelas organizações, nesta seção desenvolvemos um contrarrelato aos relatórios corporativos de 2015 da Natura: na próxima subseção apresentaremos uma revisão da literatura acadêmica sobre o trabalho das revendedoras da Natura; e, na seguinte, confrontaremos os resultados dessa revisão com a representação da força de trabalho das revendedoras nas demonstrações financeiras, no caderno de indicadores e no relatório anual de 2015 da companhia. Jørgensen e Phillips (2002Jørgensen, M. W., & Phillips, L. J. (2002). Discourse analysis as theory and method. London: Sage.) asseveram que

a maneira mais simples de criar uma impressão da natureza de um texto é compará-lo com outros textos. A estratégia de comparação se baseia, teoricamente, no ponto estruturalista de que uma afirmação sempre ganha significado por ser diferente de outra coisa que foi dita ou poderia ter sido dita. Ao aplicar essa estratégia, o pesquisador faz as seguintes perguntas: De que maneira o texto em estudo é diferente de outros textos e quais são as consequências? Qual compreensão do mundo é tida como certa e quais compreensões não são reconhecidas? (p. 149, tradução nossa)

Conforme o procedimento descrito por Silva e Fossá (2015Silva, A. H., & Fossá, M. I. T. (2015). Análise de conteúdo : Exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas Revista Eletrônica, 17(1), 1-14. doi:10.18391/qualitas.v16i1.2113
https://doi.org/10.18391/qualitas.v16i1....
), inicialmente fizemos uma leitura flutuante dos documentos coletados, isto é, definimos nosso corpus de análise. Na sequência, conduzimos uma análise temática dos relatórios, assegurando-nos, por meio de mecanismos de busca, de que todas as menções às revendedoras (usualmente referidas como “Consultoras”, “Consultoras Natura”, “CNs” e variações) fossem consideradas. Segundo Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70.), “o tema, enquanto unidade de registro, corresponde a uma regra de recorte (do sentido e não da forma) que não é fornecida, visto que o recorte depende do nível de análise e não de manifestações formais reguladas” (p. 135). A identificação dessas palavras-chave serviu de base para que analisássemos o tema de interesse em nossa pesquisa: a representação da força de trabalho das revendedoras da Natura. Assim, mais adiante, referenciaremos os principais recortes que emergiram de nossas análises, comparando os discursos veiculados por meio dos relatórios corporativos à literatura revisada na próxima subseção.

A orientação geral desta pesquisa possibilitou que as categorias analíticas fossem retiradas do próprio campo, e não da comprovação ou refutação de hipóteses previamente dadas. Não se quer dizer com isso que o sujeito cognoscente adentre ao campo sem teoria, mas que a teoria surge junto à definição do próprio objetivo e a compreensão permeia todo o trabalho de investigação (Domingues, 2004Domingues, I. (2004). Epistemologia das ciências humanas - Tomo I: Positivismo e hermenêutica - Durkheim e Weber. São Paulo, SP: Edições Loyola.). Convém ressaltar que, em virtude tanto do caráter exploratório de nossa pesquisa quanto de nossa rejeição a pressupostos ontológicos e epistemológicos positivistas, não temos a pretensão de estabelecer um entendimento definitivo a respeito dos relatórios analisados. Em vez disso, convidamos os(as) leitores(as) a avaliar a consistência entre nossa interpretação das evidências textuais referenciadas nas próximas subseções e o arcabouço teórico construído ao longo deste artigo.

O trabalho das revendedoras da Natura

O sistema de vendas diretas (SVD) é “um sistema de comercialização de bens de consumo e serviços baseado no contato pessoal entre vendedores e compradores, fora de um estabelecimento comercial fixo” (Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas, 2015Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas. (2015). Venda direta. Recuperado de http://bit.ly/2wyJJfu
http://bit.ly/2wyJJfu...
, para. 1). De acordo com Cruz e Troccoli (2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.),

uma das maiores empresas brasileiras apoiadas nesse sistema de venda direta é a Natura, por meio de suas consultoras, que são representantes que vendem seus produtos diretamente ao cliente final. A empresa, voltada à produção de cosméticos, fundada em 1969, alcançou, em setembro de 2011, a terceira colocação entre as 100 maiores empresas de venda direta do mundo, ficando atrás da Avon e da Amway, e ultrapassando a alemã Vorwerk e a americana Mary Kay. . . . Em 2010, o total de consultoras Natura atuando mundialmente ultrapassou 1,2 milhão de pessoas, das quais cerca de 1 milhão apenas no Brasil. (p. 64)

Ao final de 2015, a Natura contava com quase 1,4 milhão de revendedoras no Brasil e 1,9 milhão de revendedoras no mundo (Natura, 2016bNatura. (2016b). Caderno de indicadores: Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/38IpCZq
http://bit.ly/38IpCZq...
). Trata-se de uma força de trabalho altamente genderizada, composta quase exclusivamente por mulheres (Abílio, 2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.). De acordo com Schrippe, Santos, Vicenzi, Moreira Junior e Iarczewski (2015Schrippe, P., Santos, S. R., Vincenzi, S. L., Moreira Junior, F. J., & Iarczewski, A. M. W. (2015). Estratégia empresarial para a Natura: Análise de correlação e previsão dos lucros por meio do modelo Holt-Winters. Reuna, 20(4), 5-26. Recuperado de http://bit.ly/2v4nldn
http://bit.ly/2v4nldn...
), as revendedoras e as inovações são os dois pontos que mais fortemente contribuem para o lucro líquido da empresa. Segundo Sutter, MacLennan, Fernandes e Oliveira Junior (2015Sutter, M. B., MacLennan, M. L. F., Fernandes, C. C., & Oliveira Jr, M. M. (2015). Country of origin image and foreign markets strategy: Analysis of the Brazilian cosmetics company Natura. Revista Brasileira de Marketing, 14(3), 393-406. doi:10.5585/remark.v14i3.2834
https://doi.org/10.5585/remark.v14i3.283...
), as revendedoras são as fontes do grande network desenvolvido pela Natura e compõem, em conjunto com a inovação, a base estratégica da empresa.

A Natura utiliza as chamadas consultoras de vendas diretas Natura (CNs), que não são funcionárias da empresa, mas sim representantes que vendem os produtos diretamente ao cliente final - quando são remuneradas com 30% do valor da transação. Além de CNs, as consultoras podem acumular a função de Consultoras Naturas Orientadoras (CNOs), sendo que estas últimas atuam somente no Brasil, orientando e auxiliando no desenvolvimento das CNs. . . . Além das consultoras, no Brasil a Natura também utiliza as chamadas Gerentes de Relacionamento (GRs) em sua estratégia de vendas . . . Trata-se de funcionárias da empresa que atuam mais próximas às CNOs, realizando a capacitação destas por meio de cursos, de encontros e de visitas. (Cruz & Troccoli, 2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78., p. 67)

Ao adotar o SVD, a Natura evita estabelecer com as revendedoras uma relação de emprego, nos termos da legislação trabalhista. Assim, essas revendedoras não têm cobertura previdenciária obrigatória: se quiserem, elas podem se registrar e contribuir para a previdência social como autônomas, mas a companhia não precisa fazer qualquer contribuição complementar, como no caso dos empregados legalmente reconhecidos como tal e, apesar da orientação que recebem da empresa para que se registrem na Previdência Social, segundo Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.), apenas uma entre as 25 revendedoras entrevistadas em sua pesquisa havia feito isso. Abílio (2014) identificou também que muitas revendedoras não sabiam dizer quanto tempo gastavam nem quanto ganhavam vendendo os produtos da Natura, e que a maioria das revendedoras eram também consumidoras desses produtos, sendo ambos os papéis altamente imbricados, com entrevistadas que relataram ter se tornado revendedoras apenas para poder comprar os produtos da Natura por um preço mais baixo e gastar suas comissões comprando produtos para si mesmas. Para Cruz e Troccoli (2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.), essas convergências oportunizam negócios considerados mais fáceis para pessoas (mulheres) que procuram outras formas de complementar sua renda familiar.

Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.) relata que a empresa adota recorrentemente a estratégia promocional de “leve dois e pague um”, o que pode aumentar consideravelmente a comissão das revendedoras, mas que também contribui para a formação de estoques que algumas de suas entrevistadas relataram ter acumulado e que elas acabam consumindo ou distribuindo como presentes para seus conhecidos. Uma vez que tenham encomendado os pedidos, as revendedoras têm 21 dias para pagar pelos produtos, que geralmente são entregues dentro de dois ou três dias úteis após o pedido. Entregar os produtos e cobrar os pagamentos é tarefa de cada revendedora. Quando uma revendedora não paga seus boletos, seu nome é incluído no serviço de proteção ao crédito (SPC), o que além de impedir que volte a efetuar pedidos junto à Natura, também restringe severamente seu acesso ao crédito. Assim, para manterem seus cadastros na Natura e permanecerem com seus nomes “limpos”, as revendedoras costumam arcar com os custos da inadimplência de seus clientes.

Em que pese a alta homogeneidade em termos de gênero, as origens sociais das revendedoras da Natura são diversificadas, incluindo mulheres de classe alta, média e baixa. Algumas revendedoras de classe média conciliam suas atividades de venda com suas carreiras profissionais, conduzindo suas atividades de venda por meio das redes de contatos que mantêm em seus locais de trabalho. Também da classe média vêm algumas revendedoras “tradicionais”, que construíram suas carreiras tendo as atividades de revenda como principal ocupação (Abílio, 2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.). Esse network compõe a base estratégica da empresa, uma vez que potenciais consumidoras se tornam também potenciais revendedoras (Schrippe et al., 2015Schrippe, P., Santos, S. R., Vincenzi, S. L., Moreira Junior, F. J., & Iarczewski, A. M. W. (2015). Estratégia empresarial para a Natura: Análise de correlação e previsão dos lucros por meio do modelo Holt-Winters. Reuna, 20(4), 5-26. Recuperado de http://bit.ly/2v4nldn
http://bit.ly/2v4nldn...
). Já em termos de etnias, Sutter et al. (2015Sutter, M. B., MacLennan, M. L. F., Fernandes, C. C., & Oliveira Jr, M. M. (2015). Country of origin image and foreign markets strategy: Analysis of the Brazilian cosmetics company Natura. Revista Brasileira de Marketing, 14(3), 393-406. doi:10.5585/remark.v14i3.2834
https://doi.org/10.5585/remark.v14i3.283...
) apontam que, como os produtos da empresa são ditos como multiétnicos, é necessário que o grupo de revendedoras também o seja e, por isso, deve-se levar em conta o aspecto étnico na formação da sua rede de revendedoras.

Desde o início dos anos 2000, o aumento do número de revendedoras envolvidas com a Natura, e com o SVD no Brasil em geral, foi impulsionado principalmente pelas classes mais baixas, após um aumento geral de suas condições de vida que se refletiu numa maior capacidade de consumo de cosméticos. Para as revendedoras das classes mais baixas, o SVD se configura como mais uma alternativa para os arranjos informais de trabalho nos quais elas costumam se envolver em paralelo ao trabalho doméstico. Além disso, nas classes altas também houve um aumento do número de revendedoras, em parte devido a estratégias adotadas pela Natura para alcançar esse público. Para as revendedoras desse estrato social, as atividades de venda geralmente são vivenciadas como uma espécie de hobby que também lhes permite obter alguma independência financeira em relação a seus maridos. O aumento da concorrência nos últimos anos diminuiu a participação individual de mercado das revendedoras, afetando especialmente as “tradicionais”. Por causa disso, hoje em dia é mais difícil trabalhar exclusivamente com os produtos da Natura, o que as têm levado a também revender produtos de concorrentes no setor de vendas diretas, como a Avon. Além disso, a concorrência afetou as comissões das revendedoras, pois muitas delas, para atrair mais clientes, diminuem suas comissões de 30% sobre o valor de catálogo (Abílio, 2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.).

Segundo Cruz e Troccoli (2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.), o network das revendedoras produziu um fenômeno interessante: uma rede de terceirizadas de vendas que surge a partir das redes das revendedoras, as quais não se furtam de incorporar informalmente suas amigas para ajudá-las nas vendas, no recolhimento e na entrega dos pedidos. Segundo Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.), que documentou casos em que havia até dez revendedoras subcontratadas, essa subcontratação é caracterizada por uma informalidade completa, sendo construída sobre relações pessoais de confiança, assim como são as relações entre revendedoras e clientes na maioria dos casos. Assim, a existência dessa rede informal sugere que o número de quase 1,4 milhão de revendedoras no Brasil divulgado pela Natura pode subestimar significativamente a quantidade de pessoas envolvidas na venda de seus produtos.

Para controlar essa força de trabalho dispersa, a Natura oferece incentivos não financeiros para as revendedoras mais produtivas, tais como tratamentos de beleza, viagens e uma festa anual para as mais bem ranqueadas (Abílio, 2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.). Cruz e Troccoli (2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.) apontam ainda que as amigas que formam a rede terceirizada também ganham presentes, mas estes das próprias consultoras, construindo uma rede de incentivos formais e informais. As revendedoras também estão organizadas em setores geográficos que são atribuídos a promotoras de vendas formalmente empregadas pela Natura, para as quais são estabelecidas metas de vendas. Essas promotoras organizam reuniões periódicas, de caráter voluntário, com as revendedoras dentro de seus setores, para apresentar os produtos da Natura e fornecer treinamento (Abílio, 2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.; Cruz & Troccoli, 2014Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.).

Conforme Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.) destaca, o SVD é totalmente suportado pela lei. Assim, a transferência de riscos financeiros para as trabalhadoras, a falta de reconhecimento formal das trabalhadoras como empregadas e a ausência de garantias trabalhistas não estão necessariamente associadas à ilegalidade. Em síntese, a literatura acadêmica sobre o trabalho das revendedoras da Natura aponta as seguintes características-chave dessa atividade:

  • as atividades de trabalho estão altamente imbricadas na vida das revendedoras, dificultando para a maioria delas identificar quanto tempo trabalham para a Natura e quanto ganham com isso;

  • as próprias identidades das revendedoras como trabalhadoras são imbricadas com suas identidades como consumidoras - muitas delas trabalham apenas para sustentar o próprio consumo dos produtos da Natura e algumas gastam ainda mais do que arrecadam com suas atividades de venda;

  • o SVD permite que a empresa compartilhe com as trabalhadoras os riscos de mercado associados à sazonalidade e às condições econômicas, e transfira a elas proporções expressivas dos riscos de estocagem e de inadimplência; e

  • A precariedade desse arranjo de trabalho permite que a empresa economize com benefícios e garantias trabalhistas, tais como Previdência Social, férias remuneradas, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) etc.

Representação da força de trabalho das revendedoras pela Natura

Para confrontarmos as alegações da literatura acadêmica sobre o trabalho das revendedoras da Natura ao modo como a própria companhia representa essa força de trabalho em seus relatórios corporativos, analisamos suas demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015 (Natura, 2016cNatura. (2016c). Demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015. Recuperado de http://bit.ly/38LEyXM
http://bit.ly/38LEyXM...
), o caderno de indicadores do Relatório Anual de 2015 (GRI) (Natura, 2016bNatura. (2016b). Caderno de indicadores: Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/38IpCZq
http://bit.ly/38IpCZq...
) e o próprio Relatório Anual de 2015 (relato integrado), em suas versões resumida (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
) e on-line (Natura, 2016eNatura. (2016e). Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/2vachvk
http://bit.ly/2vachvk...
).

Nas demonstrações contábeis tradicionais, a centralidade das revendedoras para as atividades da Natura é explicitamente reconhecida na primeira nota explicativa:

Suas atividades e as de suas controladas (doravante denominadas “Sociedades”) compreendem o desenvolvimento, a industrialização, a distribuição e a comercialização e a exploração de modelos de comércio de cosméticos, fragrâncias em geral e produtos de higiene pessoal, substancialmente por meio de vendas diretas realizadas pelos(as) Consultores(as) Natura, bem como a participação como sócia ou acionista em outras sociedades no Brasil e no exterior. (Natura, 2016cNatura. (2016c). Demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015. Recuperado de http://bit.ly/38LEyXM
http://bit.ly/38LEyXM...
, p. 9, grifos nossos)

Não obstante, ao determinar que as comissões das revendedoras sejam excluídas da receita de vendas divulgada na Demonstração do Resultado (DRE) e dos fluxos de caixa das operações divulgados na Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC) e, ainda, ao desconsiderar as atividades das revendedoras na geração e distribuição de valor na Demonstração do Valor Adicionado (DVA), a contabilidade financeira coloca essas trabalhadoras fora dos limites da organização, promovendo a invisibilidade de seu trabalho - rotuladas pela empresa como “Consultoras Natura”, elas são referidas apenas doze vezes ao longo das 96 páginas das demonstrações financeiras referentes ao exercício findo em 31 de dezembro de 2015.

Os indicadores de sustentabilidade divulgados pela empresa, de acordo com as diretrizes da GRI, tentam remediar a exclusão das revendedoras na DVA apresentando uma estimativa do montante de riqueza que a empresa gerou para elas (Natura, 2016bNatura. (2016b). Caderno de indicadores: Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/38IpCZq
http://bit.ly/38IpCZq...
). No entanto, poucas informações estão disponíveis sobre como os valores divulgados (R$ 4,2 bilhões em 2015) são estimados: aparentemente, assume-se que as revendedoras efetivamente ganhem uma comissão de 30% em cada venda e não há desconto dos custos que elas têm para realizar suas atividades. Em comparação aos trabalhadores formalmente empregados pela empresa, a força de vendas é representada por uma quantidade consideravelmente menor de indicadores de sustentabilidade: número de revendedoras, de atividades de treinamento que lhes foram oferecidas, de revendedoras engajadas em uma iniciativa voluntária patrocinada pela empresa e de prêmios concedidos a elas, e índices de lealdade e satisfação com a empresa são apresentados em apenas três páginas, enquanto os indicadores sobre os funcionários formalizados ocupam dezessete páginas e são expressivamente mais detalhados (Natura, 2016bNatura. (2016b). Caderno de indicadores: Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/38IpCZq
http://bit.ly/38IpCZq...
).

Porém, no relatório anual preparado de acordo com as diretrizes do relato integrado, as revendedoras são mencionadas cerca de oitenta vezes na versão resumida, de 44 páginas. Na maioria das vezes, elas são representadas como um recurso disponível para a empresa - o número de revendedoras geralmente é segmentado por país e apresentado juntamente com indicadores financeiros de desempenho, como na seguinte passagem:

Ao somar desempenhos do Brasil e das Operações Internacionais, nossos resultados consolidados foram de R$ 10,8 bilhões em receita bruta em 2015 (+ 8,6% em relação a 2014), com quase 1,9 milhão de consultoras (+ 8% sobre o ano anterior), Ebitda de R$ 1,5 bilhão (queda de 3,8%), lucro líquido de R$ 513 milhões (redução de 29,9%) e geração de caixa livre de R$ 818 milhões (contra R$ 209 milhões em 2014). (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 18)

No entanto apenas as taxas líquidas do aumento da força de vendas são apresentadas. Assim, não é possível estimar uma taxa de rotatividade para essa função. E mesmo que a empresa divulgue os rendimentos anuais médios gerados para as Consultoras Natura (R$ 4.161 em 2015) e Consultoras Natura Orientadoras (R$ 17.614 em 2015) (Natura, 2016bNatura. (2016b). Caderno de indicadores: Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/38IpCZq
http://bit.ly/38IpCZq...
), no caderno de indicadores de sustentabilidade não há comentários adicionais sobre esses números. Chama atenção, no entanto, que enquanto a média salarial dos empregados é divulgada em base mensal, a média dos rendimentos das revendedoras é apresentada em base anual, o que denota um provável intuito de dissimular quão baixos são esses rendimentos. Em comparação ao salário-mínimo em 2015 para contratos de trabalho de 220 horas por mês - por exemplo, R$ 10.507, considerando o salário-mínimo mensal de R$ 788 multiplicado 13,33 vezes (incluindo o adicional de férias e o 13º salário) - a renda anual média que a Natura gera para as consultoras equivale a menos de 40%.

É claro que, na ausência de uma estimativa de quantas horas uma revendedora trabalha por mês, essa comparação faz pouco sentido, mas ainda assim ela indica que as atividades de revenda proporcionam poucos rendimentos, dado que o salário-mínimo por si só representa uma baixa remuneração. Tendo ainda em mente a dispersão dessa média, considerando que essa é a principal ocupação profissional de algumas revendedoras, enquanto para outras (provavelmente a maioria) as revendas são apenas uma atividade complementar, reforça-se a observação de Abílio (2014Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.) de que muitas revendedoras podem acabar pagando para trabalhar para a Natura. E mesmo para as Consultoras Natura Orientadoras, cujas atividades incluem apoiar as gerentes de relacionamento da Natura em suas tarefas, a renda anual média de R$ 17.614 em 2015 representa pouco mais de 80% da renda anual média de mulheres empregadas pela Natura em posições operacionais (R$ 21.876, considerando o salário mensal médio divulgado pela Natura, de R$ 1.823, multiplicado por doze).

Em que pese o caráter problemático da relação com as revendedoras, consideramos que o relato integrado da Natura deixa apenas um pequeno espaço, se tanto, para críticas ao modelo de negócios da empresa. Existe uma clara adoção das soluções “ganha-ganha” - características de uma abordagem de business case para a responsabilidade social corporativa - nos comentários sobre as ações tomadas pela empresa em benefício da força de vendas, como nos exemplos a seguir:

• Quando é relatado que “uma das preocupações iniciais do projeto era verificar o potencial de impacto da venda de Sou [marca da linha de uso diário] em farmácias sobre as vendas das Consultoras Natura (CNs)” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 23), a manutenção da lealdade das revendedoras e da participação de mercado da Natura podem ser facilmente percebidas como ganhos para empresa.

• O suporte oferecido às revendedoras que possuem pontos de venda próprios, que inclui “a revitalização dos espaços e . . . suporte para que as CNs possam aprimorar sua atividade” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 24), tem como contrapartida a incorporação de “nova arquitetura para o espaço da Natura nesses pontos, valorizando nossos produtos e o contato dos consumidores com a marca” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 24), proporcionando à empresa uma vantagem competitiva em relação a outras marcas comercializadas nesses pontos de venda.

• Um programa que oferece às revendedoras “um pacote de ferramentas digitais que inclui um chip com benefícios exclusivos no uso de dados, aplicativo para o envio dos pedidos e máquina leitora de cartão de crédito e débito” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 27), reunindo “três recursos essenciais para que consultoras tenham mobilidade para a venda e acesso à internet com custos abaixo do mercado” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 27), também beneficia a empresa com o aumento da produtividade das revendedoras.

A abordagem da sustentabilidade em benefício próprio (ou dos acionistas) assumida pela Natura também pode ser percebida nas ambições e no desempenho divulgados em relação à força de vendas, conforme apontado no Quadro 2.

Quadro 2
Visão de sustentabilidade da Natura para a rede de consultoras

Uma maior ênfase às necessidades próprias das revendedoras ocorre quando a empresa informa que criou o “primeiro indicador de desenvolvimento humano corporativo, customizado de acordo com a realidade da Natura” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 37), para obter uma compreensão mais aprofundada dos seus impactos na melhoria da qualidade de vida de sua força de vendas. Esse indicador, inspirado no índice de desenvolvimento humano (IDH), deverá ser monitorado anualmente, permitindo que a Natura gere “instrumentos finos de gestão e investimento social corporativo intrinsecamente associados ao negócio, que possam influenciar a melhoria da qualidade de vida das CNs” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 37). No entanto, a empresa não divulga que tipos de investimentos pretende fazer para melhorar a qualidade de vida de sua força de vendas, nem quanto pretende investir. Além disso, as poucas questões de pesquisa divulgadas - “uso do dinheiro, entendimento sobre a taxa anual de inflação e padrão de uso de computadores e da internet” (Natura, 2016dNatura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
http://bit.ly/39NVb5a...
, p. 37) - evidenciam um caráter instrumental do índice, reconhecido pela própria empresa:

Também foi interessante perceber que as CNs iniciantes apresentam maior vulnerabilidade nas três dimensões analisadas (saúde, conhecimento e padrão de vida). Além de ajudá-las a superar seus desafios social e familiar, há, para nós, a importância estratégica em impulsionar esse perfil em decorrência do impacto que a sua desistência tem na nossa gestão comercial.

Assim, definido a partir do interesse no bem-estar da rede, o levantamento mostrou-se também relevante para a agenda comercial da Natura. (Natura, 2016aNatura. (2016a). A nossa versão do IDH. In Natura, Relatório annual 2015 (p. 37). São Paulo, SP: Autor. Recuperado de http://bit.ly/2IE5jSz
http://bit.ly/2IE5jSz...
, p. 2)

Curiosamente, esse reconhecimento pode ser encontrado na versão on-line do relatório anual, mas não na versão resumida em arquivo PDF. Esse é também o caso da seguinte passagem, a única que identificamos nos relatórios analisados contendo uma crítica às práticas comerciais da Natura sob o ponto de vista de sua força de vendas:

Foram realizadas ainda mais de 300 entrevistas com pessoas que deixaram de ser consultoras para avaliar o motivo da saída. As razões apontadas ficaram restritas a questões financeiras, como prazos de pagamento e pontuação mínima para fazer o pedido. E quase 85% delas indicaram que pensam em voltar a ser CN algum dia. (Natura, 2016aNatura. (2016a). A nossa versão do IDH. In Natura, Relatório annual 2015 (p. 37). São Paulo, SP: Autor. Recuperado de http://bit.ly/2IE5jSz
http://bit.ly/2IE5jSz...
, p. 2)

Essa ruptura superficial do caráter monológico dos relatórios da Natura não é acompanhada por uma consideração substantiva das críticas apresentadas: não se discute se a empresa pretende revisar suas políticas de prazos de pagamento e pontuação mínima para fazer os pedidos, e as reclamações das ex-revendedoras são eufemizadas na frase seguinte, com a apresentação do índice de intenção de retorno às atividades. De modo geral, as ações que a empresa afirma, ao longo do relatório anual, ter adotado ou se comprometido a adotar em benefício de sua força de vendas também oferecem ganhos claros para a própria Natura, ao passo que uma reformulação do modelo de negócios para diminuir a precariedade do trabalho das revendedoras parece estar fora de questão - ou, melhor dizendo, ser colocada fora de questionamento no seu relato integrado.

Considerações finais

Neste artigo propusemos uma reflexão a respeito da apropriação do conceito de sustentabilidade pelo mundo dos negócios, abarcando os temas do relato integrado e das relações de trabalho pelo SVD, tendo como base empírica o estudo da Natura. Nossa investigação caracterizou o relato integrado colorido, ilustrado, interligado e on-line da Natura como um meio pelo qual - com uma autoridade incrementada pelas diretrizes do IIRC, de cujo desenvolvimento a própria Natura participou ativamente - a companhia celebra a exploração de trabalho precário como uma contribuição para o desenvolvimento sustentável.

Para as áreas de administração e contabilidade, este artigo oferece contribuições importantes: para a administração, traz uma possiblidade de pensar o tema da sustentabilidade e o quanto ele está alinhado a ganhos estratégicos e financeiros, além da observação de formas de precarização do trabalho que levam à superexploração de trabalhadoras informais para contribuir com os ganhos dos acionistas, dentro de uma proposta de empresa “sustentável”; já para a contabilidade, entendemos que o IIRC e sua proposta de relato integrado, além de oferecerem uma oportunidade de investigar temas relativos à regulamentação contábil em um contexto ainda pouco institucionalizado, sejam um caso exemplar de iniciativa interorganizacional que, por meio de uma coalizão de interesses profissionais e empresariais revestidos de uma aparência “técnica” e colaborativa, busca ativamente legitimar uma definição de sustentabilidade amigável aos negócios e, assim, permite que as organizações mantenham seus negócios como de costume ao mesmo tempo que afirmam estar em conformidade com diretrizes de sustentabilidade.

A ferramenta metodológica e política do contrarrelato, segundo autores como Banerjee (2008Banerjee, S. B. (2008). Corporate social responsibility: The good, the bad and the ugly. Critical Sociology, 34(1), 51-79. doi:10.1177/0896920507084623
https://doi.org/10.1177/0896920507084623...
), Joseph (2014Joseph, M. (2014). Debt to society: Accounting for life under capitalism. Minneapolis, MN: University of Minnesota.), entre outros, distanciou-nos do percurso positivista dominante nos estudos de contabilidade. Assim, as interpretações apresentadas neste estudo se contrapõem a práticas contábeis e acadêmicas de construir relatos de verdade que naturalizam e normalizam representações sobre os objetos de estudo - no caso em tela, o tema da sustentabilidade. Nesse sentido, ainda que empregada apenas de modo exploratório neste artigo, a abordagem dos contrarrelatos nos permitiu observar o papel da linguagem na construção da realidade feita a partir de relatórios corporativos. Além disso, com o contrarrelato pudemos contestar a abordagem monológica que usualmente permeia os discursos veiculados nesses relatórios, apontando um caminho promissor para alcançar impactos sociais sob uma perspectiva crítica. Afinal, tal como apontado por Banerjee (2008)Banerjee, S. B. (2008). Corporate social responsibility: The good, the bad and the ugly. Critical Sociology, 34(1), 51-79. doi:10.1177/0896920507084623
https://doi.org/10.1177/0896920507084623...
, uma perspectiva crítica sobre a teoria da gestão - como o contrarrelato - deve mostrar o jogo de relações trazido pelas “melhores práticas” no gerenciamento, evidenciando discursos e práticas implicados em um novo colonialismo corporativo que força as pessoas a participarem da economia de maneira particular, sem custos para as empresas, como no caso do SVD aqui discutido.

Por fim, defendemos que a sustentabilidade seja pensada em termos mais abrangentes, tendo por base seus aspectos sociais, econômicos e ambientais, e não somente as vantagens competitivas para os acionistas. Para tanto, mais importante do que discutir as orientações contidas na Estrutura Internacional para Relato Integrado, entendemos ser necessário promover práticas dialógicas na produção dos relatórios corporativos, que rompam com o monopólio dos gestores e incluam uma gama mais ampla de stakeholders na avaliação do desempenho organizacional - algo que nos parece ser o oposto do projeto do IIRC, que se apresenta como mais uma ferramenta a serviço do controle gerencial.

Referências

  • Abílio, L. C. (2014). Sem maquiagem: O trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo, SP: Boitempo.
  • Apostol, O. M. (2015). A project for Romania? The role of the civil society’s counter-accounts in facilitating democratic change in society. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 28(2), 210-241. doi:10.1108/AAAJ-07-2012-01057
  • Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas. (2015). Venda direta. Recuperado de http://bit.ly/2wyJJfu
    » http://bit.ly/2wyJJfu
  • Bakhtin, M. (2002). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec.
  • Bamberg, M., & Andrews, M. (2004). Considering counter-narratives: Narrating, resisting, making-sense. Amsterdam: John Benjamins.
  • Banerjee, S. B. (2008). Corporate social responsibility: The good, the bad and the ugly. Critical Sociology, 34(1), 51-79. doi:10.1177/0896920507084623
    » https://doi.org/10.1177/0896920507084623
  • Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70.
  • Berger, P. L., & Luckmann, T. (1967). The social construction of reality: A treatise in the sociology of knowledge. London: Penguin.
  • Bittencourt, E., & Carrieri, A. (2005). Responsabilidade social: Ideologia, poder e discurso na lógica empresarial. Revista de Administração de Empresas, 45(spe), 10-22. doi:10.1590/S0034-75902005000500001
    » https://doi.org/10.1590/S0034-75902005000500001
  • Boiral, O. (2013). Sustainability reports as simulacra? A counter-account of A and A+ GRI reports. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 26(7), 1036-1071. doi:10.1108/AAAJ-04-2012-00998
    » https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2012-00998
  • Brianezi, T., & Sorrentino, M. (2012). A modernização ecológica conquistando hegemonia nos discursos ambientais: O caso da Zona Franca de Manaus. Ambiente & Sociedade, 15(2), 51-71.
  • Brown, J. (2009). Democracy, sustainability and dialogic accounting technologies: Taking pluralism seriously. Critical Perspectives on Accounting, 20(3), 313-342. doi:10.1016/j.cpa.2008.08.002
    » https://doi.org/10.1016/j.cpa.2008.08.002
  • Brown, J., & Dillard, J. (2014). Integrated reporting: On the need for broadening out and opening up. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 27(7), 1120-1156. doi:10.1108/AAAJ-04-2013-1313
    » https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2013-1313
  • Campbell, D. J. (2000). Legitimacy theory or managerial reality construction? Corporate social disclosure in Marks and Spencer Plc Corporate Reports, 1969-1997. Accounting Forum, 24(1), 80-100. doi:10.1111/1467-6303.00030
    » https://doi.org/10.1111/1467-6303.00030
  • Cervo, A. L., Bervian, P. A., & Silva, R. (2007). Metodologia científica (6a ed.). São Paulo, SP: Pearson Prentice.
  • Cruz, M. N., & Troccoli, I. R. (2014). Do canal de vendas diretas ao suporte à responsabilidade ambiental: O caso da natura. Revista Gestão Organizacional, 7(1), 63-78.
  • Deegan, C. (2002). Introduction. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 15(3), 282-311. doi:10.1108/09513570210435852
    » https://doi.org/10.1108/09513570210435852
  • Denedo, M., Thomson, I., & Yonekura, A. (2017). International advocacy NGOs, counter accounting, accountability and engagement. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 30(6), 1309-1343. doi:10.1108/AAAJ-03-2016-2468
    » https://doi.org/10.1108/AAAJ-03-2016-2468
  • Domingues, I. (2004). Epistemologia das ciências humanas - Tomo I: Positivismo e hermenêutica - Durkheim e Weber. São Paulo, SP: Edições Loyola.
  • Dowling, J., & Pfeffer, J. (1975). Organizational legitimacy: Social values and organizational behavior. The Pacific Sociological Review, 18(1), 122-136. doi:10.2307/1388226
    » https://doi.org/10.2307/1388226
  • Flower, J. (2015). The international integrated reporting council: A story of failure. Critical Perspectives on Accounting , 27, 1-17. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.002
    » https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.002
  • Gray, R. (2010). Is accounting for sustainability actually accounting for sustainability… and how would we know? An exploration of narratives of organisations and the planet. Accounting, Organizations and Society, 35(1), 47-62. doi:10.1016/j.aos.2009.04.006
    » https://doi.org/10.1016/j.aos.2009.04.006
  • Henriques, M. S., & Sant’Ana, L. F. (2013). Ideias-força evidenciadas no discurso organizacional sobre sustentabilidade. Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, 10(18), 71-82.
  • International Integrated Reporting Committee. (2011a). IIRC announces selection of global companies to lead unique Integrated Reporting Pilote Programme. Recuperado de http://bit.ly/2HGKy8i
    » http://bit.ly/2HGKy8i
  • International Integrated Reporting Committee.. (2011b). Towards Integrated Reporting: Communicating value in the 21st century. Recuperado de http://bit.ly/2SNuLep
    » http://bit.ly/2SNuLep
  • International Integrated Reporting Council. (2014). A estrutura internacional para relato integrado. Recuperado de http://bit.ly/39RwCo6
    » http://bit.ly/39RwCo6
  • Irvine, H., & Moerman, L. (2017). Gambling with the public sphere: Accounting’s contribution to debate on social issues. Critical Perspectives on Accounting , 48, 35-52. doi:10.1016/j.cpa.2017.05.002
    » https://doi.org/10.1016/j.cpa.2017.05.002
  • Jørgensen, M. W., & Phillips, L. J. (2002). Discourse analysis as theory and method. London: Sage.
  • Joseph, M. (2014). Debt to society: Accounting for life under capitalism. Minneapolis, MN: University of Minnesota.
  • Lara, L. G. A., & Oliveira, S. A.. (2017). A ideologia do crescimento econômico e o discurso empresarial do desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE.BR, 15(2), 326-348. doi:10.1590/1679-395159387
    » https://doi.org/10.1590/1679-395159387
  • Loureiro, C. F. B., & Lima, M. J. G. S. (2012). A hegemonia do discurso empresarial de sustentabilidade nos projetos de educação ambiental no contexto escolar: Nova estratégia do capital. Revista Contemporânea de Educação, 7(14), 289-303.
  • Milne, M. J., Tregidga, H., & Walton, S. (2009). Words not actions! The ideological role of sustainable development reporting. Accounting, Auditing & Accountability Journal , 22(8), 1211-1257. doi:10.1108/09513570910999292
    » https://doi.org/10.1108/09513570910999292
  • Natura. (2016a). A nossa versão do IDH. In Natura, Relatório annual 2015 (p. 37). São Paulo, SP: Autor. Recuperado de http://bit.ly/2IE5jSz
    » http://bit.ly/2IE5jSz
  • Natura. (2016b). Caderno de indicadores: Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/38IpCZq
    » http://bit.ly/38IpCZq
  • Natura. (2016c). Demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015. Recuperado de http://bit.ly/38LEyXM
    » http://bit.ly/38LEyXM
  • Natura. (2016d). Relatório anual 2015. São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://bit.ly/39NVb5a
    » http://bit.ly/39NVb5a
  • Natura. (2016e). Relatório anual 2015. Recuperado de http://bit.ly/2vachvk
    » http://bit.ly/2vachvk
  • Natura. (2016f). Visão de sustentabilidade 2050. In Natura, Relatório anual 2015 (p. 41). São Paulo, SP: Autor . Recuperado de http://www.natura.com.br/sites/default/files/ra2015_visao2050.pdf
    » http://www.natura.com.br/sites/default/files/ra2015_visao2050.pdf
  • Nelson, H. L. (2001). Damaged identities, narrative repair. Ithaca, NY: Cornell University.
  • Schrippe, P., Santos, S. R., Vincenzi, S. L., Moreira Junior, F. J., & Iarczewski, A. M. W. (2015). Estratégia empresarial para a Natura: Análise de correlação e previsão dos lucros por meio do modelo Holt-Winters. Reuna, 20(4), 5-26. Recuperado de http://bit.ly/2v4nldn
    » http://bit.ly/2v4nldn
  • Silva, A. H., & Fossá, M. I. T. (2015). Análise de conteúdo : Exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas Revista Eletrônica, 17(1), 1-14. doi:10.18391/qualitas.v16i1.2113
    » https://doi.org/10.18391/qualitas.v16i1.2113
  • Sutter, M. B., MacLennan, M. L. F., Fernandes, C. C., & Oliveira Jr, M. M. (2015). Country of origin image and foreign markets strategy: Analysis of the Brazilian cosmetics company Natura. Revista Brasileira de Marketing, 14(3), 393-406. doi:10.5585/remark.v14i3.2834
    » https://doi.org/10.5585/remark.v14i3.2834
  • The Prince’s Accounting for Sustainability Project, & Global Reporting Initiative. (2010). Formation of the International Integrated Reporting Committee (IIRC). Recuperado de http://bit.ly/2SJUyUz
    » http://bit.ly/2SJUyUz
  • Thomson, I. (2015). “But does sustainability need capitalism or an integrated report” a commentary on “The International Integrated Reporting Council: A story of failure” by Flower, J. Critical Perspectives on Accounting , 27, 18-22. doi:10.1016/j.cpa.2014.07.003
    » https://doi.org/10.1016/j.cpa.2014.07.003
  • Tregidga, H., Milne, M., & Kearins, K. (2014). (Re)presenting ‘sustainable organizations’. Accounting, Organizations and Society , 39(6), 477-494. doi:10.1016/j.aos.2013.10.006
    » https://doi.org/10.1016/j.aos.2013.10.006
  • Villiers, C., Rinaldi, L., & Unerman, J. (2014). Integrated reporting: Insights, gaps and an agenda for future research. Accounting Auditing and Accountability Journal, 27(7), 1042-1067. doi:10.1108/AAAJ-06-2014-1736
    » https://doi.org/10.1108/AAAJ-06-2014-1736
  • Vinnari, E., & Laine, M. (2017). The moral mechanism of counter accounts: The case of industrial animal production. Accounting, Organizations and Society , 57, 1-17. doi:10.1016/j.aos.2017.01.002
    » https://doi.org/10.1016/j.aos.2017.01.002
  • Williams, K. L., Burt, B. A., Clay, K. L., & Bridges, B. K. (2018). Stories untold: Counter-narratives to anti-blackness and deficit-oriented discourse concerning HBCUs. American Educational Research Journal, 56(2), 556-599. doi:10.3102/0002831218802776
    » https://doi.org/10.3102/0002831218802776
  • World Commission on Environment and Development. (1987). Our common future. New York: United Nations.
  • 1
    Quatro maiores firmas internacionais de contabilidade e auditoria: Deloitte, EY, KPMG e PWC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2017
  • Aceito
    06 Dez 2019
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br