Acessibilidade / Reportar erro

Unidades de Conservação Ambiental – uma Análise Pragmatista da Gestão e dos Modos de Existência Organizacional de uma Estação Ecológica

Resumo

As áreas protegidas são o principal instrumento de proteção e conservação da natureza (ONU, 2018). No Brasil, essas áreas são denominadas de Unidades de Conservação (UC), e apesar da sua extensão territorial e da complexidade de sua problemática, não têm sido devidamente estudadas pela área da administração. Por conseguinte, objetivamos neste artigo ampliar a compreensão sobre os modos de existência, bem como sobre a gestão de uma área protegida em um determinado território. Para tanto, assumimos um posicionamento epistemológico pragmatista, privilegiando, sobretudo, a ação. O material de estudo advém de uma pesquisa etnográfica com observação participante em uma UC gerida pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio). Como resultados, identificamos três modos distintos de existência da organização, a saber: educação ambiental; produção de expertise; proteção e fiscalização da natureza. A análise desses modos de existência possibilitou uma melhor compreensão de como surgem configurações organizacionais específicas que posicionam situacionalmente os atores de formas distintas, engendrando a ação coletiva e a sua gestão. Por fim, tecemos argumentos que evidenciam possíveis contribuições de uma epistemologia pragmatista para a análise organizacional das UC.

unidades de conservação; modos de existência; ICMBio; gestão; análise pragmatista das organizações

Abstract

Protected areas are the main instrument used for protecting and conserving nature (UN, 2018). In Brazil, these areas are called Unidades de Conservação (UCs), or Conservation Units in English, and despite their territorial coverage and the complexity of their problems, they have not been properly studied by the area of administration. As a result, in this article we aimed to broaden the understanding about the modes of existence, as well as about the management of a protected area in a particular territory. For this, we took a pragmatist epistemological approach, favoring action above all. The study material derives from ethnographic research using participant observation at a UC managed by the Chico Mendes Institute for Biodiversity (ICMBio). As results, we identified three distinct modes of existence of the organization, namely: environmental education; production of expertise; and protection and inspection of nature. The analysis of these modes of existence enabled a better understanding of how specific organizational configurations emerge that situationally position the actors in different ways, engendering collective action and its management. Finally, we forge arguments that highlight possible contributions of a pragmatist epistemology to the organizational analysis of UCs.

conservation units; modes of existence; ICMBio; management; pragmatist analysis of organizations

Introdução

As Unidades de Conservação (UC) são a denominação brasileira para o que no resto do mundo se chama de áreas protegidas. Constitui-se como a estratégia mais utilizada pelos países para proteger espaços em função de suas características naturais. Cerca de 26 milhões de km2em todo o mundo são assim configurados, mais especificamente, o equivalente a 14,9% da superfície terrestre e 7,3% dos oceanos (UNEP-WCMC, IUCN, & NGS, 2018).

No Brasil, as UC podem existir em terras públicas ou privadas e são instituídas pelos poderes municipal, estadual e federal; o que faz com que sejam administradas em regime especial, a fim de garantir um adequado nível de proteção (Ministério do Meio Ambiente, 2000). A legislação contempla doze tipos diferentes de áreas protegidas, divididas em dois grandes grupos: uso sustentável — tipos que visam conciliar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais — e proteção integral — tipos que permitem apenas o uso indireto dos recursos naturais.

Dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação do Ministério do Meio Ambiente (2020) apontam que o Brasil possui 2.446 UC (em todos os níveis), o que representa uma área de 2.506.199 km2, maior do que muitas regiões brasileiras ou mesmo países. Das 1.004 áreas de proteção em nível federal, 334 são geridas pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), autarquia federal criada no ano de 2007, resultado de um polêmico desmembramento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA). O ICMBio atua na conservação da natureza em todos os biomas brasileiros e tem como objetivo central executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), propondo, implantando, gerindo, protegendo, fiscalizando e monitorando as UC instituídas pela União. Além dessas funções, é responsável por fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das áreas.

As áreas protegidas são um exemplo de conservação da natureza in situ (Watson, Dudley, Segan, & Hockings, 2014). Materiais de cunho prático sobre a gestão dessas áreas apontam para um variado e diverso conjunto de atividades realizadas por essas organizações, que estão relacionadas à seleção de local de instalação, as questões políticas, legais e normativas, a regulação e gestão do uso dos recursos naturais, as relações com as populações locais, o exercício da comunicação e das relações públicas, as cooperações e parcerias e a avaliação da efetividade da gestão e da própria área segundo suas finalidades ( MacKinnon & MacKinnon, 1986)MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN. . Estudos indicam a importância desse tipo de forma de conservação da natureza ( Gray et al., 2016)Gray, C. L., Hill, S. L. L., Newbold, T., Hudson, L. N., Börger, L., Contu, S., . . . Scharlemann, J. P. W. (2016). Local biodiversity is higher inside than outside terrestrial protected areas worldwide. Nature Communications, 7 (1), 12306. doi:10.1038/ncomms12306 e chamam a atenção para condições de implementação (Geldmann, Manica, Burgess, Coad, & Balmford, 2019).

A importância da temática das UC pode ser justificada de diversas formas, como demonstramos anteriormente. Tal cenário ganha ainda mais importância com fenômenos como o do Antropoceno, que aponta para uma nova era geológica – movimento possivelmente acelerado pela ação humana –, marcada pela ocorrência da mudança climática, ciclo do carbono, alterações no nitrogênio, fósforo e sulfúreo e modificações no ciclo da água terrestre (Steffen, Grinevald, Crutzen, & McNeill, 2011; Waters et al., 2016)Waters, C. N., Zalasiewicz, J., Summerhayes, C., Barnosky, A. D., Poirier, C., Gałuszka, A., . . . Wolfe, A. P. (2016). The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, 351 (6269). doi:10.1126/science.aad2622 . Ressaltamos que, em pesquisa na base de dados Scientific Electronic Library Online – SciELO – com os descritores “gestão de Unidades de Conservação” e “gestão de áreas protegidas”, não encontramos trabalhos científicos que dispensassem um tratamento organizacional às áreas protegidas. Muito embora existam estudos sobre as UC, eles apenas tangenciam a temática da gestão, que não é discutida como objeto de estudo em si.

Partindo da constatação dessa lacuna, nossa intenção é empreender sistematicamente estudos científicos sobre UC, acordando a prioridade à ação para a compreensão desse tipo de organização, bem como de sua gestão. Nessa perspectiva, o presente artigo pode ser considerado como um dos primeiros passos. Objetivamos ampliar a compreensão sobre os modos de existência, bem como sobre a gestão de uma área protegida em um determinado território. Para tanto, adotamos neste estudo um escopo teórico organizacional e consideramos as dinâmicas ordinárias e territoriais que um dispositivo de política pública apresenta. Como nosso interesse científico é privilegiar a dimensão da ação, optamos por basear a análise do fenômeno em questão pelo prisma da sociologia pragmatista, pondo em destaque a natureza da administração enquanto ciência social aplicada.

A organização selecionada para a realização da pesquisa é uma UC de proteção integral, classificada legalmente como Estação Ecológica. Essa categoria apresenta como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas, sendo proibida a visitação pública – exceto se houver objetivo educacional, de acordo com o seu plano de manejo. A UC foi instituída em 1987, possui 759,33 hectares e está situada em uma importante capital de estado, mais especificamente em uma área considerada como “bairro nobre”. Seu entorno é caracterizado pela existência de condomínios de alto padrão, apresentando assim forte expansão e especulação imobiliárias, configuração geradora de conflitos dados os diversos interesses capitalistas em jogo. A seguir, apresentaremos as linhas gerais do referencial teórico e da metodologia empregada, para então discutirmos a análise do fenômeno.

Referencial teórico

Nesta seção, apresentaremos, primeiramente, uma discussão que possibilita-nos tratar a UC como um fenômeno organizacional. Posteriormente, traremos à discussão elementos que nos permitem investigá-las por meio dos seus modos de existência.

UCs como um fenômeno organizacional

Mundialmente, as UC são chamadas de áreas protegidas. No Brasil, devido ao histórico do arcabouço legal-normativo, adotou-se a outra terminologia ( Câmara, 2013Câmara, J. B. D. (2013). Governança ambiental no Brasil: ecos do passado. Revista de Sociologia e Política, 21 (46), 125-146. doi:10.1590/S0104-44782013000200008 ; Drummond & Barros-Platiau, 2006Drummond, J., Barros-Platiau, A. F. (2006). Brazilian Environmental Laws and Policies, 1934-2002: A Critical Overview. Law & Policy, 28 (1), 83-108. doi:10.1111/j.1467-9930.2005.00218.x ; Drummond, Franco, & Oliveira, 2010). Existente em muitos lugares do mundo, estudos antropológicos sinalizam que a proteção de áreas foi promovida de diversas formas por variados povos e comunidades. No século passado, o conceito ganhou complexidade e passou a abarcar variadas iniciativas. Na América do Norte, Austrália, Europa e África do Sul, por exemplo, representaram um movimento moderno de proteção de áreas com características naturais espetaculares, presença de vida selvagem e pouco potencial de uso econômico. No último trimestre do século XX, as preocupações se centraram na degradação ambiental e, assim, a importância da conservação in situ ( Watson et al., 2014)Watson, J. E. M., Dudley, N., Segan, D. B., Hockings, M. (2014). The performance and potential of protected areas. Nature, 515 (7525), 67-73. https://doi.org/10.1038/nature13947
https://doi.org/10.1038/nature13947...
.

A efetividade das áreas protegidas em conservar a natureza é um tema central no que tange à análise dessa estratégia. Os estudos indicam maior riqueza de espécies presente em áreas protegidas do que em locais não protegidos ( Gray et al., 2016Gray, C. L., Hill, S. L. L., Newbold, T., Hudson, L. N., Börger, L., Contu, S., . . . Scharlemann, J. P. W. (2016). Local biodiversity is higher inside than outside terrestrial protected areas worldwide. Nature Communications, 7 (1), 12306. doi:10.1038/ncomms12306 ); apontam também para a importância da existência de condições necessárias para que a implementação de novas UC apresentem resultados ( Geldmann et al., 2019Geldmann, J., Manica, A., Burgess, N. D., Coad, L., Balmford, A. (2019). A global-level assessment of the effectiveness of protected areas at resisting anthropogenic pressures. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116 (46), 23209-23215. doi:10.1073/pnas.1908221116 ); além disso, destacam que há falta de um entendimento que alie os aspectos gerenciais e ecológicos quanto à eficácia ( Eklund & Cabeza, 2017Eklund, J., Cabeza, M. (2017). Quality of governance and effectiveness of protected areas: crucial concepts for conservation planning. Annals of the New York Academy of Sciences, 1399 (1), 27-41. doi:10.1111/nyas.13284 ).

Um conjunto teórico-prático para dar apoio à gestão de áreas protegidas foi desenvolvido a partir de um espectro de atividades que envolve seleção, legislação, administração, planejamento, gestão e avaliação da administração desses espaços ( MacKinnon & MacKinnon, 1986MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN. ). Metas globais constituídas por meio de organizações multilaterais, como as de Aichi para a Biodiversidade, influenciam na implementação de áreas protegidas e mecanismos de gestão (Joppa, Baillie, & Robinson, 2016). Diante disso, a partir das características das áreas protegidas, variadas organizações produzem expertises sobre a gestão dessas áreas. Chamamos a atenção, por exemplo, para o Centro Mundial de Monitoramento da Conservação do Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas (UNEP-WCMC, ONU), que atua de forma a auxiliar as tomadas de decisão nos mais diferentes níveis políticos (UNEP-WCMC & IUCN, 2016) e a The International for Conservation of Nature (IUCN) (IUCN, 2019).

Ao nos aproximarmos do contexto nacional, a Lei nº 6.938 de 1981 estabeleceu o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), formado por órgãos e entidades da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O Sisnama é responsável pela proteção e recuperação da qualidade ambiental no Brasil e se divide em órgão superior (Conselho de Governo), órgão consultivo e deliberativo (Conama), órgão central (Ministério do Meio Ambiente), órgãos executores (Ibama e ICMBio), órgãos seccionais (estados) e locais (municípios). Nesse conjunto institucional, o ICMBio tem a finalidade de executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza e das políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis; fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental; exercer o poder de polícia ambiental para a proteção UC federais; e promover e executar ações em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos (Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007).

Em complemento, o arcabouço que sistematiza e organiza a variedade de tipologias de UC se chama Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), conforme a Lei nº 9.985 de 2000 (Ministério do Meio Ambiente, 2000). Nele, é possível acessar os meios para a criação, implantação e gestão de UC. O SNUC divide as UC em dois grupos: proteção integral e uso sustentável. O primeiro não permite o uso direto dos recursos naturais, enquanto o outro o autoriza, desde que seja promovido de maneira sustentável. Em resumo, as UC se constituem como um tipo organizacional de linha de frente das políticas ambientais direcionadas à conservação ambiental em um determinado território.

Investigação a partir de modos de existência

A investigação a respeito dos modos de existência empreendida neste trabalho foi impulsionada por reflexões de Gilbert Simondon (2012)Simondon, G. (2012). Du mode d’existence des objets techniques (Philosophie) . Paris: Aubier. , sobretudo, porque o autor apresenta conceitos e argumentos que permitem investigar a questão da técnica. Nesse sentido, podemos considerar a gestão também como um conjunto de técnicas utilizado como ordenamento da ação coletiva em organizações. Ao pensamos em modos de existência, consideramos que as entidades são constituídas por meio de relações de dependência e prioridade. Bessy e Chateauraynaud (2014)Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra. destacam que os indivíduos estabelecem uma relação dialética com os meios que eles próprios contribuem para criar. Assim, um modo de existência pode ser considerado como resolução parcial e relativa que se manifesta em um sistema, e por conseguinte, os processos de estabilização podem ser considerados resoluções metaestáveis, ou seja, nunca acabadas ( Oliveira, 2015Oliveira, D. V. (2015). A técnica como modo de existência em Gilbert Simondon: tecnicidade, alienação e cultura. Doispontos: , 12 (1), 83-98. Retrieved from https://bit.ly/3dWrmnZ
https://bit.ly/3dWrmnZ...
).

Nos grupos sociais, ao analisarmos um determinado fenômeno, estamos frente a uma forma concretizada em um campo metaestável que produziu tais configurações ( Roux, 2004Roux, J. (2004). Penser le politiquq avec Simondon. Multitudes, 4 (18), 47-54. doi:10.3917/mult.018.0047 ). O resultado desse processo é algo que pode ser diferenciado, isso é, individualizável, e que deve ser investigado para além da perspectiva dicotômica entre interioridade e exterioridade, ou seja, a partir de suas relações ( Debaise, 2002Debaise, D. (2002). Les conditions d’une pensée de la relation selon Simondon. In P. Chabot (Org.), Simondon (pp. 53-68). Paris: Vrin. ). Essas, por sua vez, são produtoras dos processos de individuação, o que faz com que se considere o meio associado; nessa perspectiva, indivíduo e meio se configuram em um processo de permanente inadequação, sempre aberto à possibilidade de se alterar.

Nossa proposta é refletir sobre as ações coletivas, bem como sobre sua gestão, em nível organizacional. Diante disso, corroboramos o argumento de que, em certos momentos, as configurações existentes não conseguem mais se sustentar. Elas se tornam incompatíveis entre si mesmas e com seus contextos, e o resultado disso é o surgimento de novas formas que se cristalizam ( Roux, 2004Roux, J. (2004). Penser le politiquq avec Simondon. Multitudes, 4 (18), 47-54. doi:10.3917/mult.018.0047 ). Por esse ângulo, os modos de existência das organizações são processos múltiplos, singulares e sempre diferentes, de caráter heterogêneo e dependentes das condições locais; dentre outras perspectivas, eles promovem leques de alternativas e de possibilidades para as ações de gestão, numa visão pragmatista da ação situada. Tais modos de existência são individuações constantes que os singularizam momentaneamente.

Assumimos, neste estudo, uma perspectiva epistemológica pragmatista que se preocupa com a ação, principalmente quando desenvolvida nos momentos críticos, frutos da metaestabilidade tratada anteriormente. Corrêa e Dias (2016)Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 comentam que a realidade é um fluxo contínuo de estabilidades e instabilidades. Os atores, ao experenciarem essa indeterminação, são motivados a agenciar processos investigativos, no sentido empregado por John Dewey — um dos fundadores da filosofia pragmatista —, com o intuito de constituir novas e provisórias estabilidades. O autor afirma que “A investigação é o sangue vital de todas as ciências e é constantemente empregada em todas as artes, ofícios e profissões” (Dewey, 1938, p. 4, tradução nossa); Dewey estende o processo da investigação para além do âmbito científico, considerando-o como o cerne da ação coletiva.

Vale um breve adendo, nesse momento, a respeito das correntes teóricas que têm sido categorizadas como componentes da sociologia pragmática ou pragmatista francesa. De maneira geral, podemos considerar no contexto francês dos anos 1980 o movimento de contraposição crítica à própria sociologia crítica desenvolvida por Pierre Bourdieu, denotando uma insatisfação com a perspectiva adotada por esse autor, embora reconhecendo sua importância. No bojo dessa contraposição, ela mesma marcada pela heterogeneidade de abordagens, de pontos de vista e de áreas científicas, é possível identificar pelo menos dois polos de produção de conhecimento que influenciaram significativamente esse movimento. O primeiro, implementado pelo Centre de Sociologie de l’Innovation (CSI), situado na Mines Paris Tech, com trabalhos de Bruno Latour e Michel Callon de forte produção no âmbito da Science and Technology Studies (STS). E o outro, pelos desenvolvimentos do Groupe de Sociologie Politique et Morale (GSPM), fundado por Luc Boltanski e Laurent Thévenot na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Embora seja necessário ter certo cuidado para não reunir diferentes experimentações sob um mesmo título como se não houvesse singularidades ( Cefaï, 2009Cefaï, D. (2009). Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 2 (4), 11-48. Retrieved from https://bit.ly/3dTnbsU
https://bit.ly/3dTnbsU...
), ao fazer referência à sociologia pragmática ou, ainda, à sociologia pragmatista, percebe-se que há um vasto conjunto de abordagens e estudos que se inspiram no pragmatismo filosófico e apresentam alguns pontos de convergência, tais como o primado da prática e da ação, a natureza decisiva do contexto, a importância da incerteza, a temporalidade da ação e a sociabilidade da atividade normativa ( Ogien, 2014Ogien, A. (2014). Pragmatismes et sociologies. Revue Française de Sociologie, 55 (3), 563. doi:10.3917/rfs.553.0563 , 2015Ogien, A. (2015). Pragmatism’s Legacy to Sociology Respecified. European Journal of Pragmatism and American Philosophy, 7 (1), 77-97. doi:10.4000/ejpap.371 ).

Um conceito que é empregado por diversas dessas correntes de estudos inspiradas no pragmatismo é o de situações de prova, cuja análise permite ao pesquisador o aprofundamento da compreensão da ação em momentos críticos, vivenciados pelos atores no desenrolar da ação coletiva. Em particular, no que concerne à análise de organizações, esse aprofundamento se revela fundamental para fazer avançar o conhecimento sobre a complexidade da gestão.

É importante considerar, no caso da situação de prova, a questão da tradução, já que o conceito advém do termo em francês épreuve . Ao se realizar a tradução, é perceptível que há dois sentidos que o termo pode assumir: o primeiro deles está relacionado a um teste ou uma provação, isso é, prova como um momento no qual determinadas variáveis serão testadas; o segundo sentido se configura a partir da noção material da prova, por exemplo, o material utilizado para elucidar um crime, “a prova do crime” ( Corrêa & Dias, 2016Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 ). De forma geral, no âmbito do pragmatismo sociológico contemporâneo, a situação de prova se constitui em momentos nos quais as entidades e forças presentes são qualificadas, bem como suas relações são reexaminadas e muitas vezes restabelecidas. Há, assim, reconfigurações das relações entre séries passadas e aberturas para o futuro. Nessas situações, podem ser expressos os produtos das intensificações das tensões críticas, até então ignoradas ou contidas nas atividades práticas ( Chateauraynaud & Debaz, 2017)Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. .

A fim de tornar mais claro como operacionalizaremos o conceito de situações de prova, desenvolvemos a Figura 1 .

Figura 1
Situação de prova nas organizações

Com a Figura 1 , gostaríamos de demonstrar que uma situação de prova ocorre sempre em uma situação de metaestabilidade e requer a existência de um fato aceitável a fim de encerrá-la, para que assim se chegue a um acordo momentâneo. Essas situações não são constituídas somente de conjunturas e pretensões, mas também de corpos e de materiais cujas propriedades não são autoevidentes ( Chateauraynaud & Debaz, 2017Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. ; Chateauraynaud & Torny, 2011)Chateauraynaud, F., Torny, D. (2011). Les sombres précurseurs: une sociologie pragmatique de l’alerte et du risque (2a ed.). Paris: Éditions de l’EHESS. . Dessa forma, se uma prova se torna aceitável em uma determinada situação, tal acordo tende à estabilidade, representada pelas rotinas organizacionais. Caso contrário, a tendência se dá à instabilidade, podendo resultar na ruptura da forma organizativa existente naquele momento. É importante que o leitor visualize a figura como um continuum .

A constituição de uma prova aceitável é uma dimensão fundamental para o cessar de uma disputa, interpretar eventos ou constituir um acordo mínimo sobre aquilo que seja factível. Com isso, “. . . de frente a uma exigência de verdade, ou para o mínimo de verificação, os protagonistas enfrentam a problemática da prova, desenvolvendo uma epistemologia prática adaptada às situações que eles se encontram” ( Chateauraynaud, 2011Chateauraynaud, F. (2011). Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique . Paris: Pétra. , pp. 251-252, tradução nossa). Nessa perspectiva, podemos falar em “operadores de factualidade”, ou seja, do “conjunto de atos que as pessoas, grupos ou instituições empregam para estabelecer os fatos, elaborar as provas e satisfazer as necessidades de provas de tangibilidade” ( Chateauraynaud & Debaz, 2017Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. , p. 603, tradução nossa).

Percurso metodológico

A presente pesquisa é de natureza qualitativa, tendo sido operacionalizada pelo método etnográfico. Cefaï (2010)Cefaï, D. (2010). L’engagement etnographique . Paris: Éditions de l’EHESS. argumenta que o método é alvo de incompreensões no que tange à falta de representatividade e à pouca utilidade prática. Assim sendo, o autor sugere uma definição mínima para a etnografia: abordagem de pesquisa relacionada com a observação prolongada de um determinado meio ou de situações. Tal método está ligado aos procedimentos de acesso ao campo, tomada de notas de forma densa e eventuais registros em áudio e/ou vídeo das sequências de atividades. A experiência encarnada do pesquisador é o principal meio de pesquisa, no qual o campo se constitui como um espaço em que estão presentes os apoios para a condução da pesquisa. A etnografia é caracterizada por alguns autores, tais como Woods (1990)Woods, P. (1990). L’ethnographie de l’école . Paris: Armand Colin. e Ardoino (1983)Ardoino, J. (1983). Polysémie de l’implication . Paris: Éditions 88. , como mais do que um método: como uma postura do pesquisador perante o objeto e o contexto de pesquisa. Tal postura é qualificada por Cefaï (2010)Cefaï, D. (2010). L’engagement etnographique . Paris: Éditions de l’EHESS. como um “engajamento etnográfico”. De fato, a démarche etnográfica vai além da técnica, sua construção é feita in loco , a partir do encontro e da relação entre pesquisador e pesquisado. Dessa forma, a etnografia estabelece relações que possibilitam compreender melhor a complexidade de determinados fenômenos sociais, sendo uma forma pela qual o pesquisador entra em contato com os pesquisados e pode compartilhar com eles um horizonte ( Magnani, 2009Magnani, J. G. C. (2009). Etnografia como prática e experiência. Horizontes Antropológicos, 15 (32), 129-156. doi:10.1590/S0104-71832009000200006 ).

A pesquisa etnográfica que embasa o presente estudo foi realizada em uma UC de proteção integral urbana na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Fizemos parte de um programa de voluntariado na organização. A observação se deu com o acompanhamento das práticas organizacionais, palestras, ações interorganizacionais e visitas a determinadas instituições em companhia dos servidores. O que resultou em, aproximadamente, 550 horas de observação participante ( Spradley, 1980Spradley, J. P. (1980). Participant Observation . Orlando: Harcourt Brance Jovanovich. ) registradas em um diário de anotações que subsidiou a construção de um caderno de campo, redigido posteriormente à realização das observações.

Em complemento à observação, houve a condução de entrevistas semiestruturadas de cunho etnográfico ( Spradley, 1979Spradley, J. P. (1979). The Ethnographic Interview . Orlando: Harcourt Brance Jovanovich. ) com servidores da UC e outros atores envolvidos nas ações da organização, tais como o presidente da associação de moradores do bairro vizinho e lideranças dos pescadores que exercem o extrativismo nas cercanias. As entrevistas foram realizadas em momentos diferentes, conforme a observação das ações no campo apontavam para a necessidade de mais informações. À medida que o acompanhamento das ações e a tomada de notas gerava interpretações sobre a dinâmica das interações e da gestão da organização, as entrevistas promoviam a verificação e a validação dessas interpretações diretamente com os atores. Com isso, pudemos garantir que os dados fossem triangulados, bem como as informações checadas.

Durante a organização dos dados, tomamos como base a legislação – SNUC – para compreender o desenvolvimento das atividades organizacionais. Cada uma das categorias de UC apresenta objetivos correspondentes, o que estabelece algumas balizas gerais para as ações organizacionais. Enquanto Estação Ecológica, a unidade estudada apresenta como objetivos centrais preservar a natureza e realizar pesquisas científicas. A partir dessas finalidades gerais, iniciamos a pesquisa de campo.

Para a análise dos dados, nos concentramos prioritariamente na observação das ações dos servidores da UC, complementada pelas entrevistas realizadas, se constituindo então como as fontes da identificação dos modos de existência da organização e da gestão. Tal procedimento analítico é consoante com a epistemologia situacional do pragmatismo, pois acorda a preferência ao que emerge da pesquisa de campo, em detrimento do emprego de modelos de análise preconcebidos.

Análises

As UC são um tipo organizacional com a finalidade de conservar a natureza. Elas podem apresentar uma diversidade de objetivos que são norteados em suas categorias jurídicas (Ministério do Meio Ambiente, 2000). Em termos globais, é perceptível a preocupação no sentido de garantir certa uniformidade nas categorias adotados por diversos países ( Watson et al., 2014Watson, J. E. M., Dudley, N., Segan, D. B., Hockings, M. (2014). The performance and potential of protected areas. Nature, 515 (7525), 67-73. https://doi.org/10.1038/nature13947
https://doi.org/10.1038/nature13947...
). Sobretudo, porque é a partir delas que se torna possível verificar as perspectivas relacionadas à implementação ( Geldmann et al., 2019Geldmann, J., Manica, A., Burgess, N. D., Coad, L., Balmford, A. (2019). A global-level assessment of the effectiveness of protected areas at resisting anthropogenic pressures. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116 (46), 23209-23215. doi:10.1073/pnas.1908221116 ) e eficácia quanto aos seus objetivos ( Eklund & Cabeza, 2017Eklund, J., Cabeza, M. (2017). Quality of governance and effectiveness of protected areas: crucial concepts for conservation planning. Annals of the New York Academy of Sciences, 1399 (1), 27-41. doi:10.1111/nyas.13284 ). Essa característica multiescalar e dimensional da gestão de UC nos conduz aos questionamentos que animam a presente pesquisa. A variedade de modelos e valores adotada localmente nos impulsionou a construir uma análise que não desconsidere essa dimensão normativa. Isso é, nos posicionamos fundamentados na possibilidade de abertura contínua aos questionamentos e variedades das experiências locais ( Chateauraynaud & Debaz, 2017)Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. .

As análises posteriores se baseiam na identificação da coexistência de vários regimes de ação, ora se combinando, ora entrando em conflito. Cada modo de existência aqui analisado se sustenta por pontos de apoios convencionais distintos que, em profundidade, funcionam como referenciais para a ação ( Dodier, 1993Dodier, N. (1993). Les appuis conventionnels de l’action. Eléments de pragmatique sociologique. Réseaux, 11 (62), 63-85. doi:10.3406/reso.1993.2574 ), já que a gestão das áreas protegidas parece ir na contramão do que o senso comum ou até mesmo algumas correntes de estudos em administração sustentam, ou seja, a ideia de que há um conjunto de ordens sancionadas que são aplicadas pelos atores quase que militarmente. As áreas protegidas são produzidas por um sistema que garante a construção de compromissos metaestáveis, caracterizando-se enquanto dispositivos de regulação e de conciliação dos interesses particulares com os gerais. Uma área protegida é, portanto, uma estrutura de ajustamento de interesses que se apoia em duas características centrais: a normatividade e a regulação. Normatividade porque esse sistema designa aquilo que deve ou não ser protegido, e determina poderes específicos para ação. Regulação porque estabelece processos específicos para a qualificação das situações e os ajustamentos dos interesses, quase sempre de forma problemática. Portanto, ao invés de figurar a representação de uma organização porta-voz de uma legalidade uniforme e abstrata, pelo contrário, há a presença de múltiplos atores com funções diversas, que resolvem seus dilemas de ação por meio de alianças dinâmicas. Tais processos resultam em uma racionalidade “semilegal” e “semimaterial”, pondo em exercício legalidades ligadas à geometria variável das configurações dos atores locais ( Lascoumes, 1995Lascoumes, P. (1995). Les arbitrages Publics des Intérêts Légitimes en Matière d’Environnement: L’exemple des lois Montagne et Littoral. Revue Française de Science Politique, 45 (3), 396-419. doi:10.3406/rfsp.1995.403538 , 2012Lascoumes, P. (2012). Action publique et environment (Que sais-j) . Paris: Presses Universitaires de France. ).

As anotações do campo indicam que, ao agirem no cotidiano, os servidores se valem de seus históricos e da construção de sentidos comuns, e ao fazerem isso coletivamente, garantem determinadas performances organizacionais que caracterizam e materializam os modos de existência da UC no território em que está presente. Assim sendo, os modos de existência podem ser considerados formas pelas quais a UC existe no(s) território(s) em que atua. Adotamos tal perspectiva por verificarmos que não há uma reprodução idêntica dessas formas de existência. Cada ação organizacional é vista e deve ser analisada individualmente. Trata-se de um processo múltiplo, singular e sempre diferente; nele, meio e indivíduos se relacionam em um processo dialético ( Bessy & Chateauraynaud, 2014Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra. ; Simondon, 2012)Simondon, G. (2012). Du mode d’existence des objets techniques (Philosophie) . Paris: Aubier. . No entanto, ao analisarmos os dados colhidos, percebemos que por mais singulares que os modos de existência sejam, apresentam certas características similares que se repetem, e é por meio delas que realizaremos as análises.

Diante dessas considerações, os objetos se tornaram uma importante fonte de informações acerca das ações organizacionais, como parte dos apoios convencionais que os sujeitos utilizam para agir ( Dodier, 1993Dodier, N. (1993). Les appuis conventionnels de l’action. Eléments de pragmatique sociologique. Réseaux, 11 (62), 63-85. doi:10.3406/reso.1993.2574 ). Ao serem analisados a partir de uma perspectiva longitudinal e de repetição de seus empregos, os objetos foram considerados componentes dos modos de existência. Nesse sentido, como resultantes híbridos de uma multiplicidade de registros técnicos ( Akrich, 2016Akrich, M. (2016). Les objets techniques et leurs utilisateurs. De la conception à l’action. In M. Akrich, M. Callon, B. Latour (Orgs.), Sociologie de la traduction: Textes fondateurs (pp. 179-199). Paris: Presses des Mines. doi:10.4000/books.pressesmines.1198 ) e actantes nas situações de prova, garantem tangibilidade a elas ( Bessy & Chateauraynaud, 2014Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra. ).

Essas considerações permitem investigar a conservação da natureza realizada in situ ( Watson et al., 2014Watson, J. E. M., Dudley, N., Segan, D. B., Hockings, M. (2014). The performance and potential of protected areas. Nature, 515 (7525), 67-73. https://doi.org/10.1038/nature13947
https://doi.org/10.1038/nature13947...
), o que nos levanta questionamentos sobre categorizações prévias dos posicionamentos dos atores em situações específicas. Em nossos registros, verificamos que um mesmo ator ora é visto como aliado das causas consideradas pela UC, ora como elemento de instabilidade, questionador até mesmo de sua existência. Ao levarmos em conta as relações presentes em nossa pesquisa, identificamos que a estação ecológica estudada se apresenta no território por meio de três modos de existência, a saber: enquanto organização promotora de educação ambiental, produtora de expertise e de proteção e fiscalização da natureza.

Em cada um dos modos de existência, encontramos quadros de ação específicos. Enquanto organização para educação ambiental, o quadro se mostrou com uma certa estabilidade, ou seja, as ações desenvolvidas têm maior probabilidade de se repetirem, sem exigir muito de outros setores da organização. Enquanto organização para produção de expertise, o quadro de ação apresentou maior instabilidade, muito devido à complexidade das situações e à necessidade de congregar diversos campos de conhecimentos sobre um mesmo fenômeno. Enquanto organização para a proteção e fiscalização da natureza, encontramos os dois tipos: as ações mais estáveis podem ser exemplificadas pelos programas de proteção, frequentemente orientados por um planejamento prévio das ações. Já as ações mais instáveis se relacionavam com respostas organizacionais às denúncias, que exigiam um maior trabalho dos servidores e rápida organização.

Na sequência, analisaremos cada um desses modos de existência, considerando-os a partir das características que se repetiram durante as investigações desta pesquisa e apresentadas na literatura científica.

Organização para educação ambiental

A educação ambiental é uma ação que conta com arcabouço normativo próprio, a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999). O SNUC (Ministério do Meio Ambiente, 2000) determina que, em estações ecológicas, a visitação pública pode ocorrer com objetivo educacional, além de salientar o papel das pesquisas científicas. Para além da questão legal, as relações com escolas e serviços de educação são tratadas em literatura específica sobre gestão de UC ( MacKinnon & MacKinnon, 1986MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN. ). Durante nossa pesquisa, identificamos que a educação ambiental esteve envolvida com condução de visitas por meio de explicações dos variados processos sociobiológicos presentes. O conteúdo era adaptado segundo os objetivos da visita e as caraterísticas dos grupos de visitantes.

Ao analisarmos os dados do campo, percebemos que as ações de educação ambiental são, frequentemente, utilizadas como operadoras de legitimidade organizacional. Uma situação representativa se deu com a elaboração de um relatório de gestão com dados sobre o ano da UC. Em conversas com o servidor, ele retratava a importância de apresentar a quantidade de visitas recebidas e de pesquisas realizadas. Ao recorrermos à noção de situação de prova ( Chateauraynaud & Debaz, 2017Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. ; Corrêa & Dias, 2016)Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 , percebemos que era um elemento dentro do repertório de possíveis justificações e, por extensão, de legitimação.

Ao existir no território como organização promotora de educação ambiental, verificamos a constituição de diversas parcerias com instituições de ensino, organizações sociais e institutos de pesquisa, o que proporciona um caráter de atuação em rede. Certa estabilidade ( Oliveira, 2015Oliveira, D. V. (2015). A técnica como modo de existência em Gilbert Simondon: tecnicidade, alienação e cultura. Doispontos: , 12 (1), 83-98. Retrieved from https://bit.ly/3dWrmnZ
https://bit.ly/3dWrmnZ...
) é garantida apoiada em ações fundamentadas em técnicas de gestão. Diante disso, percebemos, por meio de nossas anotações, a busca por institucionalizar e formalizar parcerias a fim de compor programas de educação ambiental. Essas parcerias são desenvolvidas em variados níveis, por exemplo, com a formação de professores, programas de estágios e de iniciação científica. Essas ações se tornam mais perenes à medida que as pessoas das organizações externas constituem elos com os servidores da UC. Por se tratar de uma temática com planos e normatizações em variadas dimensões, como a local, regional e até global, a UC enquanto organização promotora de educação ambiental funciona de forma a congregar atores e causas. Essa concertação institucional exige uma aproximação entre os elementos da gestão organizacional e da ambiental ( Eklund & Cabeza, 2017Eklund, J., Cabeza, M. (2017). Quality of governance and effectiveness of protected areas: crucial concepts for conservation planning. Annals of the New York Academy of Sciences, 1399 (1), 27-41. doi:10.1111/nyas.13284 ).

Tal modo de existência apresenta certo nível de estabilidade, já que se desenvolve por meio de um fluxo de ações que não incorre no emprego de outros servidores, além daqueles destinados a essa função. Notamos ainda que há um elevado grau de autonomia pelos responsáveis, que decidem sobre as melhores maneiras de agir. Percebemos que a formação de redes é uma estratégia reforçada para o desenvolvimento dessas atividades. Nossas anotações e entrevistas destacam que tal formação faz parte de um conjunto de estratégias a fim de garantir tendência à estabilidade em situações de prova ( Corrêa & Dias, 2016Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 ), ou seja, para garantir condições de atuação e implementação ( Geldmann et al., 2019)Geldmann, J., Manica, A., Burgess, N. D., Coad, L., Balmford, A. (2019). A global-level assessment of the effectiveness of protected areas at resisting anthropogenic pressures. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116 (46), 23209-23215. doi:10.1073/pnas.1908221116 , fundamentais para que se ultrapasse a perspectiva de uma “UC de papel” — expressão empregada pelos atores para se referir às unidades que existem somente nos termos da lei, mas sem ações efetivas de implantação. Diante desse contexto, identificamos a existência de um tipo de estratégia argumentativa que divulga as ações de educação ambiental como uma das utilidades sociais prestadas pela organização. Tais utilidades compõem um rol de funções acessado em situações de prova ( Chateauraynaud & Debaz, 2017Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. ; Corrêa & Dias, 2016)Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 , que implicam, frequentemente, em processos de legitimação no território, apoiados pela atuação em rede com outras organizações e coletivos.

Esse modo de existência apresenta suas performances no território, principalmente, por meio dos servidores e parceiros que atuam como condutores das visitas. Registramos no caderno de campo a visita de crianças, que promoviam certa desorganização e barulho no escritório. Posteriormente, em conversas com servidores, eles salientaram a importância do perfil para conduzir tais atividades. No desenrolar dessas ações, a UC performa um espaço pedagógico que proporciona relações de ensino e aprendizagem sobre a importância da conservação da natureza. A materialidade presente nessa configuração está́ ligada, primeiramente, à natureza em si, que é experienciada no momento da ação. Além dela, os petrechos apreendidos durante as fiscalizações e os materiais de origem biológica são empregados na forma de instrumentos pedagógicos. Para exemplificar, as redes, apreendidas por serem utilizadas de forma ilegal, são usadas como elementos de explicação sobre o funcionamento da pesca predatória, que não respeita o período de defesa das espécies. Já materiais de origem biológica, encontrados nas trilhas de visitação, eram utilizados para explicar processos biológicos que ocorrem no manguezal, ecossistema no qual a UC está instalada.

Organização para a produção de expertise

Este modo de existência está ligado à capacidade dos atores de elaborar preensões adequadas – entre os elementos materiais e cognitivos – no decorrer de suas ações, reduzindo as situações de dúvidas. Assim, a expertise permite os processos de julgamento e validação das ações ( Bessy & Chateauraynaud, 2014Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra. ; Chateauraynaud & Debaz, 2017)Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. . Ao adotarmos essa perspectiva teórica naquilo que concerne ao nosso objeto de estudo, a UC produz elementos que são utilizados nas situações de prova a fim de diminuir dúvidas e encaminhar acordos.

Durante nossa observação participante, acompanhamos as produções de artigos científicos, laudos técnicos, materiais pedagógicos e informativos. Tais documentos não são utilizados apenas internamente, mas reverberam e são empregados em uma grande variedade de situações e organizações. Essa se configura, portanto, como uma forma pela qual a UC realiza o processo de comunicação com variados públicos ( MacKinnon & MacKinnon, 1986MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN. ).

Percebemos que tal característica não está ligada apenas à UC enquanto organização, mas que os servidores, por vezes, também figuram como habilitados a “falar em nome do meio ambiente”. Identificamos que tal estatuto é garantido, fundamentalmente, por causa do engajamento profissional – com a UC – desses sujeitos. No entanto, vale destacar que essa capacidade pode ser questionada, ainda mais nas relações conflituosas. Nesses casos, notamos que perspectivas como a do nascimento no território ou tempo de trabalho nele foram mobilizadas.

Segundo nossa sistematização de dados, podemos considerar que a UC atua na produção de documentos que se configuram como elementos de expertise. Eles costumam resultar de variados motivos, que podem ser categorizados de três maneiras: científica, legal e social. Um documento científico surge à medida que a UC apresenta programas de pesquisa, sejam esses conduzidos pelos próprios analistas ou por organizações parceiras. A área protegida se torna, assim, um campo empírico para diferentes pesquisas realizadas por universidades e demais instituições relacionadas. É possível verificar, na página de divulgação em rede social da UC, o compartilhamento de artigos científicos e outros documentos produzidos nessas circunstâncias. Um documento de cunho legal é, frequentemente, produto de agenciamentos da área jurídica (ações, petições, denúncias, laudos etc.). Tais agenciamentos podem requerer ou até obrigar a expressão de posicionamento técnico via UC. Anotamos no caderno de campo situações nas quais o grupo de servidores se reunia para construir argumentos compartilhados a fim de sustentar documentos desse tipo, a partir das áreas de formação de cada um. Por último, um documento surge por agenciamentos sociais, quando determinados coletivos requerem pareceres para tratar de causas que estejam, de certa forma, ligadas à questão ambiental. Nessas situações, um ponto de destaque é que, eventualmente, mesmo sem a obrigatoriedade legal de posicionamento público da UC, a pressão social pode influenciar na decisão de emissão desse posicionamento. Algumas de nossas anotações tratam de pressões advindas das redes sociais.

Os documentos técnicos permitem, portanto, a construção de argumentos e discussões na arena pública em um contexto de multiplicidade de formações profissionais. Os estudos sobre gestão de UC indicam esse contexto cenário de variedade de saberes ( Eklund & Cabeza, 2017Eklund, J., Cabeza, M. (2017). Quality of governance and effectiveness of protected areas: crucial concepts for conservation planning. Annals of the New York Academy of Sciences, 1399 (1), 27-41. doi:10.1111/nyas.13284 ; Joppa et al., 2016Joppa, L. N., Baillie, J. E. M., Robinson, J. G. (Eds.). (2016). Protected Areas: Are They Safeguarding Biodiversity? Oxford: John Wiley & Sons. ; MacKinnon & MacKinnon, 1986MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN. ; Watson et al., 2014)Watson, J. E. M., Dudley, N., Segan, D. B., Hockings, M. (2014). The performance and potential of protected areas. Nature, 515 (7525), 67-73. https://doi.org/10.1038/nature13947
https://doi.org/10.1038/nature13947...
. Sendo assim, uma das características fundamentais da produção de expertise é a de que as lógicas argumentativas processadas nos documentos sejam compreendidas pelas diversas configurações profissionais. Isso é, um conjunto de dados e conceitos partilhados entre os atores, propiciando a formulação de interpretações correntes, o que será tratado por “espaço de cálculo” ( Bessy & Chateauraynaud, 2014Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra. ; Chateauraynaud, 2011Chateauraynaud, F. (2011). Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique . Paris: Pétra. ; Chateauraynaud & Debaz, 2017)Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra. . Um elemento que permite exemplificar o espaço de cálculo é o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), solicitado em processos de licenciamento de atividades com potencial de degradação ambiental ou após punição administrativa por causar degradação ambiental. Nesse documento, ocorre a expressão técnica de um conjunto de atores de formações variadas e de organizações diferentes. Portanto, em um PRAD, o entendimento dos argumentos se dá por meio do espaço de cálculo compartilhado.

Destacamos que os processos de expertise não são frutos exclusivos de trabalhos intelectuais – há toda uma materialidade que se relaciona com os aspectos sensoriais dos sujeitos. De pronto, podemos assinalar a ligação com natureza, isso é, o contato sensorial com o ambiente, fundamental ao exercício profissional daqueles servidores. A fim de garantir que esses aspectos sensoriais ganhem horizontes comuns, identificamos apoios técnicos ( Akrich, 2016Akrich, M. (2016). Les objets techniques et leurs utilisateurs. De la conception à l’action. In M. Akrich, M. Callon, B. Latour (Orgs.), Sociologie de la traduction: Textes fondateurs (pp. 179-199). Paris: Presses des Mines. doi:10.4000/books.pressesmines.1198 ; Dodier, 1993Dodier, N. (1993). Les appuis conventionnels de l’action. Eléments de pragmatique sociologique. Réseaux, 11 (62), 63-85. doi:10.3406/reso.1993.2574 ) para as ações. Nossas anotações apontam para o emprego de objetos técnicos como equipamentos fotográficos, de geolocalização, de georreferenciamento etc. que, em última instância, visam garantir padrões para as ações e argumentos. Esses últimos são, na maioria das vezes, frutos do trabalho coletivo, desenvolvido em reuniões entre os diversos servidores. Identificamos situações em que havia presença de membros externos à UC – especialistas – que contribuíam argumentando no sentido de estabelecer acordos a respeito dos horizontes assumidos pela UC nos documentos.

Ao se tornarem públicos e possíveis de escrutínio por diversos atores sociais, os documentos são peças das situações de provas ( Corrêa & Dias, 2016Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 ), e podem eles mesmos ser colocados à prova. Dessa forma, há uma necessidade implícita de sustentação desses documentos técnicos produzidos pelos analistas; fato que faz com que haja um trabalho horizontalizado, conjugando analistas de diferentes campos profissionais. Diante disso, os documentos técnicos são híbridos, ou seja, aportam registros técnicos provenientes de diversos campos do conhecimento ( Akrich, 2016)Akrich, M. (2016). Les objets techniques et leurs utilisateurs. De la conception à l’action. In M. Akrich, M. Callon, B. Latour (Orgs.), Sociologie de la traduction: Textes fondateurs (pp. 179-199). Paris: Presses des Mines. doi:10.4000/books.pressesmines.1198 .

A comunicação como elemento fundamental de desenvolvimento e legitimidade das áreas protegidas ( MacKinnon & MacKinnon, 1986MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN. ) ocorria, no caso estudado, por meio da mídia tradicional (jornais), redes sociais e eventos públicos. Sobre os últimos, em especial, o chefe da UC era a pessoa que representava a organização e, com isso, apresentava os posicionamentos técnicos construídos por meio dos processos de expertise da organização. Identificamos que tal questão se dava dessa maneira muito por conta da função de chefe que o servidor ocupava, com gratificação salarial e maiores responsabilidades legais e burocráticas.

Um outro fenômeno que identificamos junto aos documentos técnicos é o das noções de responsabilidade aportadas ( Chateauraynaud & Torny, 2011Chateauraynaud, F., Torny, D. (2011). Les sombres précurseurs: une sociologie pragmatique de l’alerte et du risque (2a ed.). Paris: Éditions de l’EHESS. ), as quais diferenciamos em três: presença e atenção, contratual e de questionamento, já que se trata da formalização do posicionamento da UC no território e, portanto, uma forma de engajamento da organização. Os atos de presença e de atenção, que ocorrem simultaneamente, entendem o documento como forma da UC demonstrar sua presença no território e disponibilizar atenção a um fenômeno potencialmente lesivo ao meio ambiente. Além disso, a noção contratual demonstra uma espécie de obrigação organizacional por parte da UC, já que é parte de seu objetivo de criação. A terceira noção, de responsabilidade, se relaciona à possibilidade de questionamento da política ou da gestão adotadas por alguma organização por meio do documento.

Temos apresentado até aqui como o documento técnico, enquanto ato de expertise, performa variadas formas de atuação da UC no território, sobretudo, por poderem se caracterizar futuramente como instrumentos de investigação. Por exemplo, caso o documento técnico tenha sido desprezado por algum motivo pelas autoridades competentes, e futuramente a atividade ou o empreendimento apresente problemas à sociedade, é possível que os responsáveis sejam investigados por meio da prevaricação, já que o documento técnico registrava o fato anteriormente ( Chateauraynaud & Torny, 2011Chateauraynaud, F., Torny, D. (2011). Les sombres précurseurs: une sociologie pragmatique de l’alerte et du risque (2a ed.). Paris: Éditions de l’EHESS. ).

Nossos dados apontam que a criação de expertise sobre o território pela UC se desenvolve por ações da própria organização ou em parceria com externas. Nesse contexto, os laboratórios e centros de pesquisa contribuem para criar “boas preensões” ( Bessy & Chateauraynaud, 2014Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra. ), o que substancia a organização com argumentos e elementos para a construção de seus posicionamentos. Além dessas estruturas organizacionais formais, outras organizações são geradoras de conhecimentos sobre o território, como os coletivos de causas ambientais, populações tradicionais e pescadores artesanais. Nesse sentido, redes sociotécnicas são compostas por equipamentos técnicos, instituições, não-humanos e humanos que se aproximam e interagem sob agenciamentos promovidos pelas atividades de gestão.

Em termos das ações cotidianas e administrativas, a geração de expertise pode ser analisada em dois momentos: o primeiro, de saída ao campo; e outro, de construção e formalização dos documentos. Identificamos que, nas saídas ao campo, os analistas coletam diversos dados — fotografias, vídeos, amostras de material biológico etc. — que constituirão a linha argumentativa empregada na confecção dos documentos. Já o processo de desenvolvimento e formalização dos documentos é realizado após as reuniões em que são definidos os horizontes técnicos de apoio aos posicionamentos assumidos pela área protegida. Esses momentos fazem com que a organização se volte para tais ações. Para tanto, há um agenciamento da maioria dos servidores e de diversos equipamentos técnicos, estruturas móveis (veículos, embarcações, entre outros) e imóveis (instalações e laboratórios etc.). O trabalho, comumente, é feito de forma horizontalizada, e os recursos organizacionais são empregados conforme exigem as situações. Nessa dinâmica, a coordenação dessas atividades, isso é, a gestão, se exerce de maneira a empregar os recursos e servidores (com seus conhecimentos específicos) segundo as contingências de cada situação. Por exemplo, um analista ambiental especialista em análises químicas será empregado no momento de necessidade de produção desse conhecimento, juntamente com a estrutura que tem disponível na área protegida e/ou na rede de organizações com a qual ela interage.

Em resumo, a geração de expertise não é um processo realizado de forma estruturada e que se repete em padrões, o que nos leva a considerar o quadro desse tipo de ação como heterogêneo e, até mesmo, instável. Nosso argumento para essa interpretação se deve à constatação da incerteza que cerca as situações, já que a expertise é fruto de diferentes agenciamentos da própria natureza (como as alterações ambientais que se tornam objetos de controvérsias), incluindo aqui os atores sociais que compõem o cenário no qual a UC atua.

Organização para a proteção e fiscalização da natureza

A fiscalização e proteção da natureza é uma característica intrínseca à existência organizacional das UC. Todo o arcabouço jurídico-normativo aponta para essa direção. Por exemplo, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Ministério do Meio Ambiente, 2000); e o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelecendo processo administrativo federal para apuração das infrações.

Esse arcabouço estabelece poder de polícia ao ICMBio nas áreas das UC e em seus entornos. Tal fato faz com que a organização atue como uma espécie de vigilância no território, a fim de garantir a conservação in situ . Como já demonstramos, embora haja diversas discussões sobre a temática, a conservação in situ é analisada de forma positiva ( Watson et al., 2014Watson, J. E. M., Dudley, N., Segan, D. B., Hockings, M. (2014). The performance and potential of protected areas. Nature, 515 (7525), 67-73. https://doi.org/10.1038/nature13947
https://doi.org/10.1038/nature13947...
), desde que garantidas as condições necessárias para sua implementação, que devem possibilitar discussões acerca da efetividade ( Geldmann et al., 2019Geldmann, J., Manica, A., Burgess, N. D., Coad, L., Balmford, A. (2019). A global-level assessment of the effectiveness of protected areas at resisting anthropogenic pressures. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116 (46), 23209-23215. doi:10.1073/pnas.1908221116 ). Diante do histórico da política ambiental brasileira ( Drummond & Barros-Platiau, 2006Drummond, J., Barros-Platiau, A. F. (2006). Brazilian Environmental Laws and Policies, 1934-2002: A Critical Overview. Law & Policy, 28 (1), 83-108. doi:10.1111/j.1467-9930.2005.00218.x ) e, mais especificamente, das UC ( Drummond et al., 2010)Drummond, J. A., Franco, J. L. A., Oliveira, D. de. (2010). Uma análise sobre a história e a situação das unidades de conservação no Brasil. In R. S. Ganem (Org.), Conservação Da Biodiversidade: Legislação e Políticas Públicas (pp. 341-385). Brasília, DF: Edições Câmara. , o poder de polícia é um fator bastante importante e central para esse tipo organizacional.

A sistematização das nossas anotações demonstra que a utilização de armamento, um dos fatores que compõe o poder de polícia, é elemento de identidade organizacional e, até mesmo, de controvérsias. Ressaltamos que nossa pesquisa foi realizada em uma UC localizada na zona urbana, e que tal fato contribui para se questionar o uso ostensivo de armamentos. Além dessa questão, a área protegida ser de proteção integral ou de uso sustentável também é um elemento importante a ser trazido à baila. De maneira geral, identificamos que aquilo que o grupo de servidores entende como finalidade da organização é um elemento fundamental para a estabilização de seu modo de existência; sempre levando em conta que analisamos um campo metaestável ( Oliveira, 2015Oliveira, D. V. (2015). A técnica como modo de existência em Gilbert Simondon: tecnicidade, alienação e cultura. Doispontos: , 12 (1), 83-98. Retrieved from https://bit.ly/3dWrmnZ
https://bit.ly/3dWrmnZ...
; Roux, 2004Roux, J. (2004). Penser le politiquq avec Simondon. Multitudes, 4 (18), 47-54. doi:10.3917/mult.018.0047 ), o que significa perceber que, a depender das configurações, a resolução performada pode se alterar. Percebemos que essa diversidade se justifica pela multiplicidade de representações sobre o que se constitui como função e finalidade da área protegida. Em termos ontológicos, essas performances se apoiam em referenciais particulares que podem produzir gramáticas de ação diferentes.

Um fator central que se torna saliente é o do conflito. Entendemos que tal centralidade se deve à complexidade das funções de regulação e intervenção exercidas por esse tipo organizacional. Nossas anotações inferem que o conflito seja parte do cotidiano organizacional e tenha um papel essencial na estruturação das relações travadas entre os atores e a área protegida. Portanto, o conflito é produtor de relações, conhecimentos e representações. Diversas UC têm em seus entornos a marca histórica de conflitos relacionados a interesses pela posse e uso de seus recursos naturais, por exemplo. Nesta pesquisa, constatamos uma forte especulação imobiliária, já que a área protegida está situada em uma das mais importantes cidades do país e, mais especificamente, em região de condomínios luxuosos. Tal fato faz com que sejam criadas pressões oriundas de interesses para investimentos de elevado e atrativo retorno esperado, conjuntura que torna ainda mais desafiadora a gestão da unidade.

Percebemos que, ao planejarem uma determinada ação, os servidores são influenciados pelos conflitos vivenciados anteriormente, o que os faz refletir sobre as possíveis situações a serem enfrentadas. Os dados analisados apontam para um esforço macroinstitucional do ICMBio com o objetivo de homogeneizar as condutas das UC nos territórios. Por exemplo, durante a observação participante, ocorreu um encontro entre os chefes das UC, procuradores do instituto e coordenadores regionais para discutirem sobre os procedimentos de julgamento dos autos de infração. No entanto, verificamos que diversos aspectos situacionais influem no sentido de as tornarem fortemente peculiares, engendrando assim diversas formas de coordenação que se evidenciam em modos de existência. Por conseguinte, os espaços de poder discricionário, bem como as margens de manobra, estão sensivelmente presentes na condução das ações.

Considerações finais

Iniciaremos as considerações finais do presente trabalho salientando a lamentável e inaceitável lacuna nos estudos de administração sobre a gestão de UC, principalmente no Brasil. A importância da realização de tais estudos está ligada à própria magnitude das áreas protegidas em um país como o Brasil, pois se somássemos a extensão dessas áreas, teríamos, por exemplo, um território maior do que o de muitos países europeus. Essa dimensão continental é administrada por instrumentos de políticas públicas que interrelacionam diversos níveis de poder, múltiplas formas de engajamento e variados atores. Tal cenário torna necessário refletir sobre a gestão a partir de diferentes matrizes teórico-epistemológicas, que auxiliem na compreensão dos fenômenos ligados às formas de proteger e conservar a natureza.

Ao se basear em uma epistemologia pragmatista, o presente trabalho apresenta como perspectiva central a preocupação em contribuir para compreender a “ mise en oeuvre ” das políticas públicas fundamentalmente a partir da ação, ao entender que a administração é uma ciência social aplicada, e considerando os gestores e demais membros das UC (praticantes) como atores centrais. Em uma segunda dimensão, este estudo se insere na esfera das preocupações que emergem concernentes ao conceito de Antropoceno e, por conseguinte, do posicionamento dos pesquisadores em administração frente à complexificação da problemática ambiental: cada vez mais híbrida, composta por fenômenos heterogêneos, com variados porta-vozes e protagonistas que interagem com organizações (de estruturas variantes) mesclando os planos discursivo, material e axiológico sob formas nunca vistas.

Por fim, salientamos a significativa complexidade da gestão de uma UC, amplificada tanto pelos conflitos de interesses econômicos e políticos, quase sempre presentes em seu entorno, como também pela permanente condição de escassez de recursos humanos, materiais e organizacionais que seus gestores enfrentam, conforme constatamos no curso do trabalho de campo. Percebemos, assim, os enormes desafios ligados à gestão de UC no Brasil, e o campo científico da administração não pode mais se manter omisso, alheio a esses desafios. Nesse contexto, acreditamos que estudos como o que aqui apresentamos podem contribuir para o aperfeiçoamento das práticas organizacionais, evidenciando essas organizações e os diferentes atores relacionados em espaços de discussão científica, política e de ação frente às grandes questões de nosso tempo.

References

  • Akrich, M. (2016). Les objets techniques et leurs utilisateurs. De la conception à l’action. In M. Akrich, M. Callon, B. Latour (Orgs.), Sociologie de la traduction: Textes fondateurs (pp. 179-199). Paris: Presses des Mines. doi:10.4000/books.pressesmines.1198
  • Ardoino, J. (1983). Polysémie de l’implication . Paris: Éditions 88.
  • Bessy, C., Chateauraynaud, F. (2014). Experts et faussaires. Por une sociologie de la perception (2a ed.). Paris: Pétra.
  • Câmara, J. B. D. (2013). Governança ambiental no Brasil: ecos do passado. Revista de Sociologia e Política, 21 (46), 125-146. doi:10.1590/S0104-44782013000200008
  • Cefaï, D. (2009). Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 2 (4), 11-48. Retrieved from https://bit.ly/3dTnbsU
    » https://bit.ly/3dTnbsU
  • Cefaï, D. (2010). L’engagement etnographique . Paris: Éditions de l’EHESS.
  • Chateauraynaud, F. (2011). Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique . Paris: Pétra.
  • Chateauraynaud, F., Debaz, J. (2017). Aux bords de l’irréversible. Sociologie pragmatique des transformations . Paris: Pétra.
  • Chateauraynaud, F., Torny, D. (2011). Les sombres précurseurs: une sociologie pragmatique de l’alerte et du risque (2a ed.). Paris: Éditions de l’EHESS.
  • Corrêa, D. S., Dias, R. C. (2016). A crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067
  • Debaise, D. (2002). Les conditions d’une pensée de la relation selon Simondon. In P. Chabot (Org.), Simondon (pp. 53-68). Paris: Vrin.
  • Brazil. (2008). Decree n. 6.514, of July 22 of 2008. Discusses infractions and administrative sanctions for the environment, establishes federal administrative processes for determining those infractions, and makes other arrangements. Brasília, DF: Author. Retrieved from http://gg.gg/umi6g
    » http://gg.gg/umi6g
  • Dewey, J. (1938). Logic: The theory of inquiry . New York: Henry Holt and Company.
  • Dodier, N. (1993). Les appuis conventionnels de l’action. Eléments de pragmatique sociologique. Réseaux, 11 (62), 63-85. doi:10.3406/reso.1993.2574
  • Drummond, J. A., Franco, J. L. A., Oliveira, D. de. (2010). Uma análise sobre a história e a situação das unidades de conservação no Brasil. In R. S. Ganem (Org.), Conservação Da Biodiversidade: Legislação e Políticas Públicas (pp. 341-385). Brasília, DF: Edições Câmara.
  • Drummond, J., Barros-Platiau, A. F. (2006). Brazilian Environmental Laws and Policies, 1934-2002: A Critical Overview. Law & Policy, 28 (1), 83-108. doi:10.1111/j.1467-9930.2005.00218.x
  • Eklund, J., Cabeza, M. (2017). Quality of governance and effectiveness of protected areas: crucial concepts for conservation planning. Annals of the New York Academy of Sciences, 1399 (1), 27-41. doi:10.1111/nyas.13284
  • Geldmann, J., Manica, A., Burgess, N. D., Coad, L., Balmford, A. (2019). A global-level assessment of the effectiveness of protected areas at resisting anthropogenic pressures. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116 (46), 23209-23215. doi:10.1073/pnas.1908221116
  • Gray, C. L., Hill, S. L. L., Newbold, T., Hudson, L. N., Börger, L., Contu, S., . . . Scharlemann, J. P. W. (2016). Local biodiversity is higher inside than outside terrestrial protected areas worldwide. Nature Communications, 7 (1), 12306. doi:10.1038/ncomms12306
  • International Union for Conservation of Nature. (2019). International Union for Conservation of Nature 2018 Annual Report . Gland: Author.
  • Joppa, L. N., Baillie, J. E. M., Robinson, J. G. (Eds.). (2016). Protected Areas: Are They Safeguarding Biodiversity? Oxford: John Wiley & Sons.
  • Lascoumes, P. (1995). Les arbitrages Publics des Intérêts Légitimes en Matière d’Environnement: L’exemple des lois Montagne et Littoral. Revue Française de Science Politique, 45 (3), 396-419. doi:10.3406/rfsp.1995.403538
  • Lascoumes, P. (2012). Action publique et environment (Que sais-j) . Paris: Presses Universitaires de France.
  • Brazil. (1981). Law n. 6,938, of August 31 of 1981. Discusses the National Policy for the Environment, its goals, and formulation and application mechanisms, as well as discussing other arrangements. Brasília, DF: Author. Retrieved from http://gg.gg/um750
    » http://gg.gg/um750
  • Brazil. (1998). Law n. 9,605, of February 12 of 1998. Discusses criminal and administrative sanctions for behaviors and activities that are damaging to the environment, as well as discussing other arrangements. Brasília, DF: Author. Retrieved from http://gg.gg/umi1f
    » http://gg.gg/umi1f
  • Brazil. (1999). Law n. 9,795, of April 27 of 1999. Discusses environmental education, establishes the National Policy for Environmental Education, and discusses other arrangements. Brasília, DF: Author. Retrieved from http://gg.gg/umexf
    » http://gg.gg/umexf
  • Brazil. (2007). Law n. 11,516, of August 28 of 2007. Discusses the creation of the Chico Medes Institute for Biodiversity Conservation. Brasília, DF: Author. Retrieved from http://gg.gg/um75y
    » http://gg.gg/um75y
  • MacKinnon, J., MacKinnon, K. (Eds.). (1986). Managing protected areas in the tropics. Energy . Gland: IUCN.
  • Magnani, J. G. C. (2009). Etnografia como prática e experiência. Horizontes Antropológicos, 15 (32), 129-156. doi:10.1590/S0104-71832009000200006
  • Brazil. Ministério do Meio Ambiente (Ministry of the Environment). (2000) National System of Nature Conservation Units. Law n. 9,985, of July 18 of 2000. Brasília, DF: Author. Retrieved from https://bit.ly/3eqKucA
    » https://bit.ly/3eqKucA
  • Brazil. Ministério do Meio Ambiente (Ministry of the Environment). (2020, January 28). Consolidated table of Conservation Units. Retrieved from https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo/80229/CNUC_FEV20%20-%20B_Cat.pdf
    » https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo/80229/CNUC_FEV20%20-%20B_Cat.pdf
  • Ogien, A. (2014). Pragmatismes et sociologies. Revue Française de Sociologie, 55 (3), 563. doi:10.3917/rfs.553.0563
  • Ogien, A. (2015). Pragmatism’s Legacy to Sociology Respecified. European Journal of Pragmatism and American Philosophy, 7 (1), 77-97. doi:10.4000/ejpap.371
  • Oliveira, D. V. (2015). A técnica como modo de existência em Gilbert Simondon: tecnicidade, alienação e cultura. Doispontos: , 12 (1), 83-98. Retrieved from https://bit.ly/3dWrmnZ
    » https://bit.ly/3dWrmnZ
  • Roux, J. (2004). Penser le politiquq avec Simondon. Multitudes, 4 (18), 47-54. doi:10.3917/mult.018.0047
  • Simondon, G. (2012). Du mode d’existence des objets techniques (Philosophie) . Paris: Aubier.
  • Spradley, J. P. (1979). The Ethnographic Interview . Orlando: Harcourt Brance Jovanovich.
  • Spradley, J. P. (1980). Participant Observation . Orlando: Harcourt Brance Jovanovich.
  • Steffen, W., Grinevald, J., Crutzen, P., McNeill, J. (2011). The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, 369 (1938), 842-867. doi:10.1098/rsta.2010.0327
  • UNEP-WCMC, & IUCN. (2016). Protected Planet Report 2016. Cambridge & Gland, Authors. Retrieved from https://bit.ly/3vmi6ze
    » https://bit.ly/3vmi6ze
  • UNEP-WCMC, IUCN, & NGS. (2018). Protected Planet Report. Cambridge, Gland & Washington DC: Authors.
  • Waters, C. N., Zalasiewicz, J., Summerhayes, C., Barnosky, A. D., Poirier, C., Gałuszka, A., . . . Wolfe, A. P. (2016). The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, 351 (6269). doi:10.1126/science.aad2622
  • Watson, J. E. M., Dudley, N., Segan, D. B., Hockings, M. (2014). The performance and potential of protected areas. Nature, 515 (7525), 67-73. https://doi.org/10.1038/nature13947
    » https://doi.org/10.1038/nature13947
  • Woods, P. (1990). L’ethnographie de l’école . Paris: Armand Colin.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores agradecem o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Editado por

Editora Associada: Andrea Ventura

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2018
  • Aceito
    22 Out 2020
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br