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Economia Política da Uberização: A Exploração dos Trabalhadores conforme as Três Formas de Intermediação do Trabalho nas Empresas-Plataforma

Resumo

Tem surgido uma vasta gama de estudos sobre a precarização dos trabalhos uberizados, todavia, há uma lacuna referente a como esses trabalhos precários se integram ao movimento global de valorização e apropriação privada de valor. Assim, este ensaio objetiva a apreensão do movimento de reprodução do capital cuja base material concretiza-se nas dinâmicas das plataformas digitais, demonstrando as diferentes formas como o trabalho intermediado é engendrado no processo global de acumulação. Com uma abordagem materialista histórica, analisamos o fenômeno da uberização do trabalho no movimento de expansão da produção e circulação de mercadorias, perscrutando a dinâmica das principais empresas-plataformas quanto à sua relação com trabalhadores(as) e clientes, desvelando mediações no movimento do valor, que culmina em três formas de intermediação do trabalho: (a) Forma 1: como mercadoria de meio de consumo individual; (b) Forma 2: com parte dos processos de trabalho de um capital industrial; e (c) Forma 3: como moderador de relações de troca. Concluímos indicando que as três formas dos produtos na uberização nos ajudam a perceber como este processo de produção da mercadoria submete homens e mulheres às condições de trabalho precárias e ao aumento da exploração. As Formas 2 e 3, mais complexas e mediadas, demonstram como a uberização do trabalho se espraia na cadeia produtiva e propicia a extração e atração do mais-valor alhures, denotando o caráter imperialista da dinâmica capitalista nos dias atuais.

uberização; plataformas digitais; empresas-plataforma; relações de trabalho; economia política

Abstract

A wide range of studies has emerged on the precariousness of uberized jobs. Nonetheless, there is a gap regarding how these precarious jobs are integrated into the global movement of private valuation and appropriation of the workforce. Thus, this essay aims to apprehend the movement of capital reproduction whose material base occurs in the digital platform dynamics, demonstrating the different forms of intermediated work engendered in the global accumulation process. Using a historical materialist approach, we analyze the phenomenon of uberization in the expansion movement of the production and circulation of goods, scrutinizing the dynamics of big platform companies regarding their relationship with workers and customers, revealing mediations in the movement of values, which culminates in three forms of labor intermediation: (a) Form 1: as a commodity for individual consumption; (b) Form 2: as part of the work processes of industrial capital; and (c) Form 3: as a moderator of exchange relationships. We conclude by indicating that the three forms of uberized products help us to understand how this commodity production process submits men and women to precarious working conditions and increased exploitation. Furthermore, forms 2 and 3, which are more complex and mediated, demonstrate how uberization spreads across the production chain and facilitates the extraction and attraction of surplus value elsewhere, denoting the imperialist character of capitalist dynamics today.

uberization; digital platforms; platform companies; work relationships; political economy

Introdução

As plataformas digitais têm se tornado onipresentes na sociabilidade capitalista, seja enquanto mediadoras de transações econômicas, trocas comerciais, interações comunicativas ou divulgação de notícias. A plataformização da economia (Montalban, Frigant, & Jullien, 2019) tem abrangido fenômenos tratados sob diversas designações – entre as mais notáveis: uberização, Indústria 4.0, big techs , economia do compartilhamento e capitalismo de plataforma. Usualmente, o enfoque de análise torna-se circunscrito às alterações mais aparentes, de acordo com a área de conhecimento, focando-se, por exemplo, sobre as alterações do campo jurídico ( Fiorentino, 2019)Fiorentino, A. (2019). American case law and the uberization of work. Revue de droit comparé du travail et de la sécurité sociale , 4 , 166-173. doi:10.4000/rdctss.1415
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, tecnológico ( Davis & Sinha, 2021)Davis, G. F., Sinha, A. (2021). Varieties of uberization: how technology and institutions change the organization(s) of late capitalism. Organization Theory , 2 (1), 1-17. doi:10.1177/2631787721995198
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, de organização do trabalho ( Filgueiras & Antunes, 2020)Filgueiras, V., Antunes, R. (2020). Digital platforms, uberization of work and regulation on current capitalism. Contracampo: Brazilian Journal of Communication , 39 (2), 1-16. doi:10.22409/contracampo.v39i2.38901
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e/ou de controle social ( Weiskopf & Hansen, 2022)Weiskopf, R., Hansen, H. K. (2022). Algorithmic governmentality and the space of ethics: examples from ‘people analytics’. Human Relations , 1-24. doi:10.1177/00187267221075346
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. Conforme demonstraremos, tratam-se de elementos concatenados que compõem a atual conformação do capital, em seu movimento imperialista, que reorganiza os momentos da produção geral de valor (produção, circulação e consumo) para a consecução do movimento de acumulação – ultrapassando limites geográficos e reordenando as legislações trabalhistas para estabelecer novas formas de exploração do(a) trabalhador(a).

No caso das pesquisas preocupadas em revelar os desdobramentos do uso tecnológico para as relações e condições de trabalho, elas estão vinculadas ao termo uberização – compreendido como o processo de ampliação da intermediação do trabalho remunerado via plataformas digitais ( Franco, 2020Franco, D.S. (2020). Uberização do trabalho: a materialização do valor entre plataformas digitais, gestão algorítmica e trabalhadores nas redes do capital (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. ) – e, em geral, concluem que há a preponderância de perdas de direitos para a classe trabalhadora ( Oliveira, 2021Oliveira, R. C. D. (2021). Gamificação e trabalho uberizado nas empresas-aplicativo. Revista de Administração de Empresas , 61 (4), 1-10. doi:10.1590/S0034-759020210407
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; Soares, Constantino, & Guimarães, 2021). Sobre a economia do compartilhamento, por vezes tratada indistintamente em relação às plataformas de intermediação do trabalho, observamos uma preocupação especial em investigar aspectos culturais e políticos envolvidos no uso de plataformas do tipo peer-to-peer que permitem relações de troca, empréstimos ou locações de ativos (Costa-Nascimento, Teodósio, & Pinto, 2021; Spalenza & Rigo, 2021)Spalenza, A. S., Rigo, A. S. (2021). Sharing economy and the trends of publications: a systematic literature review. Revista de Administração da UFSM , 14 (4), 789-808. doi:10.5902/1983465955107
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. O termo Indústria 4.0, por sua vez, é guardado às pesquisas que se preocupam em investigar a potencialidade das novas tecnologias de automação e conectividade para o aumento da produtividade ( Caruso, 2018Caruso, L. (2018). Digital innovation and the fourth industrial revolution: epochal social changes? AI & SOCIETY , 33 (3), 379-392. doi:10.1007/s00146-017-0736-1
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; Paula & Paes, 2021)Paula, A. P. P., Paes, K. D. (2021). Fordismo, pós-fordismo e ciberfordismo: os (des) caminhos da Indústria 4.0. Cadernos EBAPE. BR , 19 (4), 1-12. doi:10.1590/1679-395120210011
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.

A expressão mais acabada destes fenômenos recentes e menos explorada em sua essência encontra-se em processos produtivos mediados por plataformas digitais. Fuchs e Sandoval (2014)Fuchs, C., Sandoval, M. (2014). Digital workers of the world unite! A framework for critically theorising and analysing digital labour. tripleC , 12 (2), 486-563. doi:10.31269/triplec.v12i2.549
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sustentam que, atualmente, quase todas as atividades de trabalho remunerado envolvem algum aspecto digital, de modo que apenas sublinhar o trabalho de plataforma ou a uberização, apartado das condições materiais de sua produção, exprime um limite na apreensão do movimento do capitalismo do nosso tempo. Dentre as plataformas – o grande símbolo corporativo destes tempos –, a mais conhecida certamente é a Uber, de onde provém o termo uberização. Mas a gigante da Gig Economy (mais um dos nomes utilizados atualmente para designar algo como “economia de bicos”) está longe de ser a única empresa que tem atuado por meio de plataformas digitais para conectar clientes e prestadores de serviços, ainda que o serviço prestado, como veremos, muitas vezes não passe de atividades triviais e bem menos “tecnológicas” do que aparentam.

Além de outras plataformas digitais de mobilidade urbana (99, Cabiby, EasyGo, Televo, WillGo), não faltam exemplos de empresas-plataformas de serviços, como o “Uber das faxinas” (Faxina da Hora, Diaríssima, Handy, Helpling, Myfixpert), o “Uber das entregas” (Loggi, Rappi, Ifood, UberEats), o “Uber da logística de fretes” (Fretebras, Sontra Cargo, Truckpad), o “Uber dos pequenos reparos” (Mister Fix, Parafuso, Taskrabbit), o “Uber das consultas médicas” (Boa Consulta, Doctoralia, Docway, Dokter, Doutor Já, Saúde Já), o “Uber da beleza” (EasyLook, Singu, SPA At Home, TokBeauty, Youbela, Zauty), o “Uber das aulas particulares” (Colmeia, Sharingacademy, Superprof), entre tantos outros que surgem recorrentemente.

Na imediaticidade da vida, todas essas empresas se apresentam como meras mediadoras entre o prestador de serviços e quem dele carece. Por trás do aplicativo (app) de interface amigável, que permite tal mediação, encontra-se uma estrutura complexa que envolve learning machine , big data , inteligência artificial, gestão algorítmica, internet das coisas, consumo energético etc., ou seja, todas as manifestações investigadas pelos estudiosos dos avanços tecnológicos caracterizados como pertencentes à Indústria 4.0 ( Schwab, 2019Schwab, K. (2019). A quarta revolução industrial . São Paulo, SP: Edipro. ).

A literatura acadêmica recente já tem destacado, com relativa frequência, a precarização dos trabalhos uberizados, demonstrando a extensão da jornada de trabalho ( Souto Maior & Vidigal, 2022Souto Maior, N. M. S., & Vidigal, V. (2022) Em modo de espera: a condição de trabalho e vida uberizada. Revista Katálysis , 25 (1), 62-73. doi:10.1590/1982-0259.2022.e82565
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), o rebaixamento dos salários ( Pires & Pinto, 2020)Pires, G. N., Pinto, J. P. G. (2020). Gig economy, austerity and “uberization” of labor in Brazil (2014-2019). Argumentum , 12 (3), 237-255. doi:10.47456/argumentum.v12i3.28961
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, os instrumentos de controle ( Franco & Ferraz, 2019)Franco, D. S., Ferraz, D. L. S. (2019). Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos EBAPE. BR , 17 , 844-856. doi:10.1590/1679-395176936
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e a informalização ( Abílio, 2020)Abílio, L. C. (2020). Uberização e juventude periférica: desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho. Novos Estudos CEBRAP , 39 (3), 579-597. doi:10.25091/s01013300202000030008 . Todavia, há uma lacuna sobre como estes trabalhos precários se integram ao movimento global de valorização e apropriação privada de valor. Analisando-se os resumos dos artigos publicados nos bancos de dados Scopus, Web of Science e SciELO, a partir da busca dos termos uberization/uberisation ou “ platform work”, nos resumos, observamos que nenhum trabalho se dedicou a um esforço semelhante ao nosso, com foco em apreender teoricamente a ação das plataformas de intermediação do trabalho remunerado a partir de categorias da crítica da economia política. Assim, este estudo visa a apreensão do movimento de reprodução do capital cuja base material concretiza-se nas tecnologias das plataformas digitais, demonstrando as diferentes formas como o trabalho intermediado é engendrado no processo global de acumulação. Trata-se de uma investigação materialista histórica que expõe o fenômeno da uberização do trabalho no movimento de expansão da produção e circulação de mercadorias por meio das plataformas de intermediação laboral, desvelando mediações no movimento do valor.

Conforme Faraj e Pachidi (2021)Faraj, S., Pachidi, S. (2021). Beyond uberization: the co-constitution of technology and organizing. Organization Theory , 2 (1), 1-14. doi:10.1177/2631787721995205
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, os teóricos organizacionais têm relutado em abordar a relação constitutiva entre a tecnologia e o organizar ( organizing 1 1 . Faraj e Pachidi (2021) definem organizing como o arranjo sociomaterial de práticas, regras, normas, enquadramentos e infraestruturas materiais que fornecem possibilidades distintas para organizar e moldar a tomada de decisão, o controle e a coordenação nas organizações. ), sendo comum o tratamento limitante da tecnologia como uma variável exógena. Para os autores, fenômenos como a uberização desafiam os moldes organizacionais existentes e trazem uma nova conformação ao capitalismo, aprimorada pela tecnologia. No atual cenário, os trabalhadores são apresentados como contratantes das plataformas, enquanto se submetem a mecanismos de coordenação algorítmica e de vigilância visivelmente mais rígidos. Também, em Davis e Sinha (2021)Davis, G. F., Sinha, A. (2021). Varieties of uberization: how technology and institutions change the organization(s) of late capitalism. Organization Theory , 2 (1), 1-17. doi:10.1177/2631787721995198
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há a preocupação com os novos desafios da teoria organizacional para apreender o atual período de transição econômica. Para eles, a uberização está para o mercado de trabalho da mesma forma que a financeirização está para o mercado de capitais, argumentando que ambos os movimentos têm delineado de modo direto e interligado as formas que as organizações têm assumido. Davis e Sinha (2021)Davis, G. F., Sinha, A. (2021). Varieties of uberization: how technology and institutions change the organization(s) of late capitalism. Organization Theory , 2 (1), 1-17. doi:10.1177/2631787721995198
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concluem seu argumento destacando que, se esperamos entender as mudanças contemporâneas e futuras nas organizações, precisamos descompactar as tecnologias de comunicação que unem os diversos componentes organizacionais.

Eric Tucker (2020)Tucker, E. (2020). Towards a political economy of platform-mediated work. Studies in Political Economy , 101 (3), 185-207. doi:10.1080/07078552.2020.1848499
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, objetivando a categorização dos trabalhos mediados por plataforma, num diálogo com a crítica da economia política de Karl Marx, estabelece duas categorias analíticas dos trabalhos plataformizados: (a) trabalhos de solo mediados por plataformas ( platform-mediated ground work ), que são executados localmente após o encontro virtual promovido pela plataforma; e (b) trabalhos de nuvem mediados por plataformas ( platform-mediated cloud work ), que envolvem a prestação de serviços on-line a clientes empresariais. Embora o estudo de Tucker destaque que, a partir deste enfoque, seja possível identificar diferenças na forma como o mais-valor é extraído, a própria categorização apresentada, com base no processo de execução de trabalho (presencial ou virtual), é um fator limitante para se compreender tais diferenças, visto que não toma a categoria “valor” como eixo balizador da caracterização destes tipos de trabalhos.

Este ensaio expõe, portanto, a apreensão teórica dos trabalhos remunerados que são intermediados por plataformas digitais. Apresentando três categorias analíticas, tendo como aporte teórico a crítica da economia política de Marx (em que a categoria “valor” assume proeminência), analisamos os produtos específicos de cada modelo de negócios das plataformas intermediadoras. Este esforço teórico poderá servir de subsídio para avançar, também, sobre as possíveis distinções do perfil predominante dos trabalhadores, os modos particulares de resistência, os instrumentos de controle em cada uma das formas e a integração de cada um desses trabalhos às cadeias globais de negócios – conforme ressaltamos mais detidamente na seção 3. Esta contribuição teórica agrega aos estudos organizacionais e demais campos das ciências sociais, ainda, com o desvelar dos papéis assumidos pelos trabalhadores cuja atividade laboral é intermediada por plataformas, demonstrando o domínio das grandes empresas (que detêm as tecnologias digitais) sobre o atual nexo social, em que elas unem os mais sofisticados instrumentos tecnológicos aos repaginados processos de precarização do trabalho – fazendo dos chamados “bicos” uma potencial fonte, direta ou indireta, de acumulação capitalista.

O artigo está estruturado em outras três partes: a seguir, apresentamos as três formas de intermediação do trabalho, apreendidas na investigação da atuação das empresas-plataformas intermediadoras de trabalho. Posteriormente, trazemos apontamentos sobre as possibilidades de agenda de pesquisa que emergem da nossa teorização. Por fim, as considerações finais complementam e ampliam as contradições desenvolvidas ao longo do texto.

A mercadoria e as formas específicas do produto das plataformas de intermediação do trabalho

Investigando uma gama de plataformas digitais de intermediação, apreendendo as singularidades agrupáveis em particularidades sobre como elas produzem, circulam e/ou apropriam valor, categorizamos as três principais formas específicas acerca de como essas plataformas manifestam seu produto/mercadoria enquanto serviço intermediado:

  • Forma 1: como mercadoria de meio de consumo2 2 . Marx (2013) explica que mercadorias são “produtos dos trabalhos privados, separados e mutuamente independentes uns dos outros” (p. 120), isto é, não se trata de uma qualidade de algum produto, mas de uma relação social em que dois (ou mais) produtos se defrontam na troca. Além disso, para ser mercadoria, há um duplo aspecto simultâneo: são objetos úteis – valores de uso (para o estômago ou para a imaginação) –, mas que também carregam, em seu corpo-mercadoria, valor (trabalho humano socialmente necessário) que se expressa enquanto valores de troca. Nesse sentido, e pulando algumas mediações, o trabalho, na sociedade capitalista, é tornado mercadoria (tem valor de uso e valor), ainda que seja uma mercadoria incomum, única. A força de trabalho, para se reproduzir, precisa adquirir outras mercadorias, os meios de consumo, que são produtos/serviços que não reingressam no processo produtivo capitalista, mas que são essenciais para que os homens e mulheres da classe trabalhadora possam continuar vivos para venderem sua força de trabalho. individual;

  • Forma 2: como parte dos processos de trabalho3 3 . Recomendamos a leitura do capítulo 5 de O Capital , livro 1, no qual Marx (2013) apresenta a especificidade do processo de trabalho subsumido ao processo de valorização na sociedade capitalista. de um capital industrial;

  • Forma 3: como moderador em relações de trocas.

Por ora, como ressalvas prévias, destacamos que: (a) um mesmo conteúdo de trabalho pode se expressar em mais de uma categoria de produto das plataformas, pois o que a categorização elencada expressa é especificidade do movimento do valor , não do tipo de serviço intermediado; e (b) do mesmo modo, na concretude das relações socioeconômicas, não necessariamente uma plataforma expressará seus produtos em apenas uma das formas, podendo haver plataformas híbridas.

Mesmo com tais ressalvas, a categorização proposta nos permitirá apreender com mais acurácia os movimentos do valor, como veremos adiante. Ao longo desta seção, apresentaremos as características gerais de cada uma dessas três formas, as quais estarão atreladas às próprias plataformas responsáveis por cada categoria de produto.

Forma 1: O serviço intermediado como mercadoria de meio de consumo individual

É Marx (1978)Marx, K. (1978). O Capital: Livro I - Capítulo VI (inédito) . São Paulo, SP: Ciências Humanas. quem nos explica que ser produtivo é uma característica geral do trabalho, isto é, ser produtivo é dispender energia que resulta em um valor de uso, algo que tenha alguma utilidade. Porém, com o desenvolvimento da sociabilidade capitalista, a produção assumiu formas determinadas, de modo que nem todo o trabalho produtor de valores de uso pode ser considerado trabalho produtivo. Na perspectiva do capital, uma mesma espécie de trabalho pode ser produtivo, improdutivo ou reprodutivo, pois não é o conteúdo concreto do trabalho que determina o seu papel na dinâmica de acumulação, mas a sua função no processo de valorização, a partir do movimento de reprodução do capital – discussão desenvolvida em Dias (2006)Dias, C. (2006). Trabalho produtivo e trabalho improdutivo: de Marx à polêmica marxista (Napoleoni, Rubin e Mandel) (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. e em Souza, Ferraz e Maciel (2019).

Conforme Dias (2006)Dias, C. (2006). Trabalho produtivo e trabalho improdutivo: de Marx à polêmica marxista (Napoleoni, Rubin e Mandel) (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. , a apreensão do trabalho enquanto produtivo, improdutivo ou reprodutivo se dá segundo a perspectiva da funcionalidade do trabalho para o capitalista, e não para o trabalhador. No ciclo de acumulação, trabalhos produtivos são os que operam a produção do valor; enquanto os improdutivos atuam na circulação, nos processos de metamorfoses e na realização do valor – logo, não produzem valor nem mais-valor, embora o realize. Trabalhadores produtivos e improdutivos atuam em momentos do processo de valorização do valor e ambos são assalariados que possuem parte da jornada de trabalho cindida em tempo de trabalho pago e tempo de trabalho não pago. No caso do trabalhador produtivo, a parte não paga é a fonte do mais-valor; no improdutivo, essa parte não paga é redução no custo dos fatores de produção envolvidos na realização do valor, conforme pode ser visto no livro II de O Capital ( Marx, 2014Marx, K. (2014). O Capital: crítica da economia política. Livro II: o processo de circulação do capital . São Paulo, SP: Boitempo. ).

Nos casos de trabalhos que se objetivam em serviços produzidos dentro de um ciclo de valorização do capital, estes se constituem como produtos da indústria capitalista. Esses serviços são mercadorias: comportam valor de uso e valor. Como não poderia deixar de ser, são mercadorias oriundas de processos de produção de valor e de mais-valor. Essa consideração é importante, pois tensiona o apontamento de que só haveria produção de mais-valor em fábricas de produtos tangíveis, quando, na verdade, o movimento de valorização relaciona-se com a produção e a realização do mais-valor, num processo de produção e circulação de valores de uso, seja de mercadorias tangíveis ou intangíveis. O setor de serviço, portanto, é entendido como o setor em que o valor de uso da mercadoria é o próprio efeito útil do trabalho e não a produção de um valor de uso corporificado em um objeto para consumo posterior à troca. Como exemplo, tem-se a indústria do transporte, na qual o valor de uso da mercadoria vendida é o deslocamento, que só pode ser consumido durante o próprio processo de produção. Marx (1978)Marx, K. (1978). O Capital: Livro I - Capítulo VI (inédito) . São Paulo, SP: Ciências Humanas. ilustra que a diferença entre trabalho produtivo e improdutivo não é dada pela natureza do trabalho:

. . . um ator, por exemplo, mesmo um palhaço, é um trabalhador produtivo se trabalha a serviço de um capitalista (o empresário), a quem restitui mais trabalho do que dele recebe na forma de salário, enquanto um alfaiate que vai à casa do capitalista e lhe remenda as calças, fornecendo-lhe valor de uso apenas, é um trabalhador improdutivo. O trabalho do primeiro troca-se por capital, o do segundo, por renda. O primeiro trabalho gera mais-valia[mais-valor]; no segundo, consome-se renda. (p. 137)

O efeito útil do trabalho do palhaço, se inserido dentro de um ciclo em que o dinheiro é investido como capital (D-M-D’), é, para este, trabalho produtivo; e o salário do palhaço é, sob o ponto de vista do capital, capital variável. O trabalho do alfaiate que fornece ao capitalista o valor de uso da calça que usará, isto é, que não lhe servirá para a troca mercantil, mas para o uso, é um trabalho improdutivo aos olhos deste capitalista, pois o dinheiro utilizado na troca desse valor de uso não corresponderá a um capital variável. A compra da calça – produto do trabalho de um alfaiate – é mediada por um dinheiro que não atua como capital, mas como renda do capitalista, ainda que sua origem esteja no mais-valor apropriado no processo de exploração da classe trabalhadora.

Considerando a produção de serviços inserida na dinâmica de acumulação capitalista, tanto um concerto musical quanto um serviço de jardinagem podem ser mercadorias prenhes de mais-valor. São mercadorias que apresentam valor de uso – entretenimento, no primeiro, manutenção do jardim, no segundo —, valor e mais-valor que se expressam na troca, permitindo o acúmulo de capital. E, em última instância, o fato de este processo estar mediado pela tecnologia da informação e comunicação (TIC) não altera o processo de valorização do valor.

A questão central aqui é se esses trabalhadores(as) atuam, ou não, vinculados a um capital que os emprega para que, ao trabalharem, produzam o valor equivalente ao seu salário e um valor excedente, o mais-valor (no caso dos trabalhadores(as) produtivos) ou se operam na realização das metamorfoses do valor dentro da esfera da circulação (no caso, trabalhadores(as) improdutivos) ou, ainda, se são trabalhadores(as) que produzem valores de uso e estão fora de processos de valorização (no caso, o alfaiate e seu trabalho improdutivo para um indivíduo da classe capitalista).

Se tanto o trabalhador musical quanto o de jardinagem apresentam-se economicamente como mão de obra assalariada por capitalistas do setor de entretenimento ou do paisagismo, permitindo-lhes apropriar-se do lucro por meio da venda de mercadorias prenhes do mais-valor objetivado nos serviços, os quais são resultantes dessa força de trabalho em atividade com os meios de produção, não resta dúvida de que se trata de trabalhadores produtivos. Se esses mesmos serviços são comercializados por meio de algum app e que, por isso, fariam parte de uma pretensa Economia do Compartilhamento, não faz nenhuma diferença do ponto de vista capital4 4 . Do ponto de vista da classe trabalhadora, isso faz diferença, pois, como demonstram diversos estudos ( Antunes, 2020 ; Chudinovskikh, 2022 ; Polkowska, 2019 ), a realização de trabalho intermediado pelo app tem precarizado as relações e condições de trabalho, tem impingido perda de direitos, e, quando se trata do trabalhador improdutivo, tem aumentado o desemprego, posto que o app representa a velha substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. .

Desse modo, se na aparência imediata a relação se manifesta como sendo uma contratação dos serviços da plataforma digital intermediadora pelos trabalhadores, a análise do real concreto demonstra que, se esta plataforma é detida por um capitalista que acumula capital com a venda de mercadorias prenhes de mais-valor produzido e criado pela força de trabalho assalariada 5 5 . Lembremos que o trabalhador gera valor ao produzir o equivalente a sua força de trabalho e cria valor ao produzir mais-valor. , esta empresa-plataforma vende os serviços resultantes da utilização da força de trabalho do trabalhador uberizado; portanto, seu lucro advém do tempo de trabalho não pago. Nesse sentido, o valor da força de trabalho contratada por meio de um aplicativo é capital variável6 6 . Capital variável pode ser resumido como a fração do capital que é despendida na aquisição da força de trabalho. Vale ressaltar que o trabalho vivo é o único meio capaz de adicionar valor ao processo produtivo. desta empresa-plataforma.

Além disso, se essa remuneração assume a aparência do consumidor pagando diretamente ao trabalhador uberizado, para, posteriormente, o trabalhador uberizado pagar a plataforma, isso pouco altera a questão, pois o fato que subjaz a essa aparência imediata é a existência de um grupo de trabalhadores que produzem mais-valor e valores de uso que, em decorrência da centralidade da propriedade dos meios de produção, são apropriados pelo capitalista no processo de valorização de seu capital. Destaca-se, contudo, que em diversas plataformas de grande alcance (Uber, UberEats, 99, iFood, Rappi, VintePila) a remuneração do trabalhador ocorre, tal como nos demais setores da economia, em período posterior à realização do serviço. Vejamos na Tabela 1 alguns exemplos de empresas que oferecem serviços, intermediados por sua plataforma, usualmente como mercadoria de meio de consumo individual, isto é, um produto próprio para consumo final e que, com a troca pela mercadoria-dinheiro, realiza o seu valor:

Tabela 1
Exemplos de serviços intermediados como expressão de mercadoria

O produto da Uber, por exemplo, é o transporte urbano de pessoas – ou o deslocamento. Essa é a mercadoria produzida e vendida pela empresa, utilizando-se dos instrumentos e da força de trabalho dos motoristas que são acionados por intermediação da plataforma. Portanto, a plataforma digital e a força de trabalho do motorista (que incorpora ao processo de produção a maior parte dos instrumentos de trabalho necessários) são os fatores de produção utilizados para a materialização dessa mercadoria de serviço ( Franco & Ferraz, 2019Franco, D. S., Ferraz, D. L. S. (2019). Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos EBAPE. BR , 17 , 844-856. doi:10.1590/1679-395176936
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).

No caso dos trabalhadores uberizados das plataformas na Forma 1, o valor de uso essencial de sua força de trabalho que interessa ao capitalista é a de servir à valorização do seu capital , isto é, trata-se da característica específica da mercadoria força de trabalho que, ao ser consumida, produz mais-valor do que possui, valor excedente que será apropriado pelo(s) proprietário(s) da plataforma.

É curioso se tratar de um serviço bastante antigo (transporte de pessoas), exposto como se fosse um produto tecnológico (a Uber se apresenta como uma empresa de tecnologia). Supostamente, seu papel seria apenas o de intermediar a relação entre parceiros (motoristas) e usuários (clientes), enquanto o que temos presenciado, em efetivo, é que a grande “contribuição social” da referida empresa é extrair mais-valor livremente em boa parte do mundo. Todas as empresas listadas autodeclaram que não vendem a mercadoria resultante da objetivação da força de trabalho uberizada, mas apenas o serviço de intermediação. Isso não é algo despropositado7 7 . Interessante observar que, em última instância, o discurso da intermediação entre aquele que consome o produto final (consumidor) e o trabalhador que o produziu pode ser acionado por qualquer empresa capitalista. A concecionária Fiat, por exemplo, também não intermedeia a relação entre o produtor do carro e o consumidor? Intermediação garantida pela propriedade privada dos meios de produção é condição para a apropriação do mais-valor. , pois, dessa maneira, elas escondem a exploração inerente à sua atividade por trás da máscara de inovação, praticidade e preço “justo”. Este último argumento, do preço justo, não difere da defesa da Administração Clássica, como em Taylor e Ford, por exemplo, que se valem de justificativas morais para a exploração, quando oferecem ao grande público a barganha de comprar mais barato, para que possam lucrar ainda mais mediante o aumento da produtividade calcada no aumento da taxa de mais-valor.

Os(as) motoristas da Buser, os(as) ciclistas da Rappi, os(as) profissionais de beleza da Singu, os(as) designers gráficos da VintePila, os(as) faxineiros(as) do Faxina da Hora, entre tantos outros, não vendem o produto do próprio trabalho para o consumidor, eles(as) vendem ao capitalista (representado pela empresa-plataforma) a própria força de trabalho, pois é a única mercadoria que possuem. Eles operam em um processo de trabalho em que há uma proximidade imediata com o consumidor, mas só o faz porque, antes, estabeleceram uma relação com o proprietário da plataforma, ainda que, neste caso, sem proximidade e valendo-se de muitas mediações.

Essa capacidade de trabalho é um dos fatores de produção inseridos no processo produtivo (que integra, ainda, o app e os demais instrumentos de trabalho), quando então esses serviços são utilizados pelos consumidores finais. Assim, os efeitos úteis podem ser consumidos no processo de produção ou se materializar em um produto a ser consumido posteriormente. Esses trabalhadores uberizados produzem, nestes casos, mercadorias prenhes de valor e mais-valor, produtos de seu trabalho já adequados para a apropriação em seus valores de uso pelo consumidor.

Pela apreensão categorial aqui conduzida, podemos afirmar que muito mais do que entremeadas tecnológicas, o que as plataformas especificadas enquanto Forma 1 efetivamente fazem é a produção e venda de mercadorias – que elas alegam atrevidamente apenas intermediar.

Forma 2: O produto/serviço intermediado como parte de processos de trabalho de um capital industrial

Conforme apontado por Marx (2014)Marx, K. (2014). O Capital: crítica da economia política. Livro II: o processo de circulação do capital . São Paulo, SP: Boitempo. no livro II de O Capital , a produção total da sociedade se decompõe em dois grandes setores:

  • Setor I. Meios de produção: mercadorias que, dada a sua forma, têm de entrar no consumo produtivo, ou pelo menos podem fazê-lo;

  • Setor II. Meios de consumo: mercadorias que, dada a sua forma, entram no consumo individual da classe capitalista e da classe trabalhadora.

No caso da Forma 1, que acabamos de discorrer, majoritariamente se produz meios de consumo, Setor II da economia. Agora, investigaremos o fenômeno da intermediação referente ao Setor I.

No processo de produção dos capitais individuais são estabelecidas formas de divisão técnica do trabalho que, diante da pressão capitalista para ampliar a reprodução, terminam engendrando novas formas de divisão social do trabalho. É comum, nesse processo, que uma série de etapas necessárias à produção de mercadorias sejam executadas por capitais individuais distintos, que se encontram em diferentes personificações de capitalistas.

Assim, o modo como o trabalho é objetivado sob o comando dessas empresas, chamadas terceirizadas, transmuta em mercadoria o próprio serviço/atividade produtivo/a que é inserido em determinada etapa do processo de produção ou circulação do capital comprador desse serviço. Além disso, dadas as mediações jurídicas que emergem das metamorfoses da reprodução social, é possível a separação de um mesmo capital em cadastros jurídicos distintos, tornando-os, virtualmente, em dois ou mais capitais individuais – ainda que estejam efetivamente subordinados a um mesmo grupo de capitalistas. Nesse sentido, empresas contratantes e terceirizadas podem ser parte de um mesmo capital, basta que pensemos na ideia de cadeia produtiva, por exemplo.

Imaginemos a seguinte situação: uma empresa A, produtora de pneus, pode estar subordinada ao mesmo grupo de capitalistas do qual faz parte a empresa B, montadora de carros. Nessa situação, a empresa A produz pneus apenas para o fornecimento dessa matéria-prima (meios de produção) para a empresa B. Ambas se constituem como capitais individuais apenas formalmente, embora, dentro das leis burguesas, essa separação exerça diferenças reais sobre os cálculos contábeis e sobre o recolhimento de impostos – na destinação de parte do mais-valor produzido para o fundo público do Estado. Neste momento, estamos abstraindo das possibilidades que a empresa A tem de vender pneus tanto para a empresa B quanto para outros capitalistas não pertencentes ao mesmo grupo empresarial e aos consumidores finais (pessoas físicas) como meios de consumo.

Conforme Marx (2014)Marx, K. (2014). O Capital: crítica da economia política. Livro II: o processo de circulação do capital . São Paulo, SP: Boitempo. , a “divisão do trabalho, a autonomização de uma função, não a converte em criadora de produto e de valor, se ela não o é em si , ou seja, já antes de sua autonomização” (p. 238, grifo nosso). O ponto que aqui destacamos é o seguinte: a existência de dois Cadastros Nacionais de Pessoa Jurídica (CNPJ) não faz, por si só , que duas empresas não estejam envolvidas em um mesmo processo de produção e criação de valores – mesmo que sejam, juridicamente ou contabilmente, capitais individuais distintos. Nesse caso, a atividade produtiva de ambas, atuando de modo combinado, produz a mercadoria e seus capitais particulares, no processo de reprodução ampliada do capital, compondo o capital social total.

Tomemos outra situação como ilustração: os processos A, B e C são etapas necessárias à produção da mercadoria X. Dependendo de como se estruturam economicamente esses processos, as etapas A, B e C podem se manifestar como mercadorias específicas, resultantes dos processos de produção de respectivos capitalistas individuais A, B e C, mercadorias essas que são adquiridas pelo capitalista D, que as tomam como fatores necessários à produção de sua mercadoria X. A riqueza social global não é aumentada pelo simples fato de D transferir determinadas etapas do seu processo produtivo para os outros capitais – embora saibamos que, em muitos casos, a partir de determinadas mediações, essa autonomização reduz os custos de circulação. Portanto, o que aparece como capital-mercadoria (M’) dos capitalistas A, B e C do Setor I, são partes constitutivas (meios de produção) do processo de produção (P) da mercadoria X, do capitalista do Setor II. Assim, apenas com a necessidade de criação da mercadoria X, os capitalistas A, B e C podem reproduzir o movimento de apropriar-se de mais-valor do ciclo completo de reprodução do capital industrial.

Buscamos salientar que devemos seguir o processo efetivo de valorização do valor e não somente os arranjos legais, espaciais ou mesmo contábeis que o representa, de modo que, agora, podemos avançar para investigar os serviços que as plataformas digitais de intermediação do trabalho promovem enquanto etapa do processo de produção de um capital industrial. A essa altura da análise, pouco nos interessa se o capital industrial em questão atua predominantemente como capital produtivo ou como capital comercial (atuante na esfera de circulação de mercadorias ou de dinheiro). O que nos importa, nesse momento, é que as plataformas digitais têm engendrado formas específicas de objetivação do trabalho humano, as quais se integram a outras partes dos processos de trabalho de um capital industrial.

Destaca-se que a Forma 2 de intermediação do trabalho foi a primeira das três surgidas no capitalismo destes tempos, antes mesmo da criação de empresas como a Uber. A gigante Amazon, em 2005, com o segmento Amazon Mechanical Turk (AMT), foi uma das organizações pioneiras com o lançamento de microtarefas on-line, para que trabalhadores(as) dispersos globalmente pudessem auxiliar nos processos de automatização de atividades que ainda necessitam da intervenção humana (como identificação de duplicatas de produtos no sistema, tradução de textos, identificação de nomes próprios em contratos, objetos em uma fotografia etc.).

Semelhante à AMT, há atualmente as plataformas Clickworker, CrowdFlower, Microworkers e a Prolific. Os trabalhos intermediados por plataformas de crowdwork (multidão de trabalhadores) ocorre predominantemente por meio da interação com os aparatos digitais, mas há também aqueles em que, após o recrutamento on-line, os trabalhadores executam a parte do serviço remotamente e depois retornam ao computador/smartphone para protocolar o que foi solicitado.

O termo crowdwork deriva do trabalho seminal de Howe (2006)Howe, J. (2006, June 1). The rise of crowdsourcing. Wired . Retrieved from https://bit.ly/3wq9VV6
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, considerado o responsável por popularizar o termo crowdsourcing – união de crowd (multidão) e outsourcing (terceirização). Este abarca quaisquer atividades que agentes econômicos podem transferir para uma multidão anônima conectada à internet ( Rouse, 2010Rouse, A. C. (2010). A preliminary taxonomy of crowdsourcing . In ACIS 2010, Brisbane. ). O termo crowdsourcing é mais abrangente que o crowdwork , abarcando em muitos estudos – como demonstra a revisão sistemática de Guimarães (2018)Guimarães, R. C. (2018). Trabalho e consumo: proposta de discussão acerca das definições sobre o processo de co-criação. Revista Gestão.Org , 16 (1), 78-86. doi:10.21714/1679-18272018v16n1.p78-86
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– a apropriação de diversos trabalhos e/ou insumos que são gerados pela multidão on-line. Dessa forma, até mesmo os consumidores e/ou usuários das plataformas seriam considerados como parte integrante do crowdsourcing , visto que fornecem dados que podem ser apropriados como fonte de renda e realizam trabalhos (usualmente voluntários e gratuitos) de postagem de fotos, vídeos, textos, verbetes de enciclopédia, avaliações de produtos e de trabalhadores – nestes casos, são tratados também como parte dos fenômenos de “consumo colaborativo” ou prosumption , já decifrados por Ferraz, Franco e Maciel (2021). O termo crowdwork tende a ser mais específico (embora não haja total consenso), abrangendo os trabalhos necessariamente remunerados, realizados sob demanda, que são mediados por plataformas digitais que conectam os potenciais prestadores de serviços (a massa de força de trabalho globalmente dispersa e conectada às plataformas intermediadoras) e os solicitantes (indivíduos, grupos ou organizações) (De Stefano, 2016; Idowu & Elbanna, 2021Idowu, A., Elbanna, A. (2021). Crowdworkers, social affirmation and work identity: rethinking dominant assumptions of crowdwork. Information and Organization , 31 (4), 1-42. doi:10.1016/j.infoandorg.2021.100335
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). Restringimo-nos aqui a este conceito de crowdwork .

Souza (2017)Souza, I. M. D. F. (2017). Um estudo do uso de testes de qualificação na plataforma Amazon Mechanical Turk (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB. descreve o crowdwork em quatro tipos: (a) microtarefas alto volume de tarefas de baixa complexidade, baixa remuneração e contato praticamente ausente do solicitante do serviço com o trabalhador (ex., pesquisar preço de produtos); (b) macrotarefas alto volume de tarefas de média complexidade, baixa remuneração e pouco contato do solicitante com o trabalhador (ex., escrever a revisão das qualidades de um produto); (c) projetos simples baixo volume de tarefas, remuneração “moderada” e necessidade relevante de contato do solicitante com o trabalhador (ex., contatar participantes de um evento, traduzir um texto, criar um site); e (d) projetos complexos projeto único, remuneração alta, exigindo substancial contato do solicitante com o trabalhador (ex., desenvolvimento de softwares ou consultoria de recursos humanos).

Notem que entre os diversos trabalhos elencados como executáveis pelo crowdwork , é possível que alguns estejam industrialmente organizados de modo que não necessariamente se integrem aos processos de trabalho de um capital industrial, podendo, então, manifestarem-se em plataformas da Forma 1 (que produzem meios de consumo) ou da Forma 3 (como será visto a seguir). O trabalho intermediado de criação de um site e de tradução de um texto, por exemplo, pode ser executado pelo trabalhador uberizado a partir de um processo que pode ou não estar integrado a um ciclo de acumulação de capital – pois, lembremos, não é o conteúdo do trabalho que determina a forma como este será inserido no processo de reprodução do capital. Cabe ressaltar que, ainda assim, a maior parte dos trabalhos executados pelo denominado crowdwork 8 8 . Principais atividades do crowdwork: coleta de dados; categorização de dados; promoção de conteúdo por acessos; verificação e validação de informações; moderação de conteúdo; pesquisa de mercado e revisões de produtos; tarefas que auxiliam a inteligência artificial e o machine learning ; transcrição, criação e edição de conteúdo; e participação em surveys e experimentos ( Berg et al., 2018 ). tem sido intermediada por plataformas que predominantemente assumem a Forma 2 – por isso esses trabalhos são aqui especificamente tratados.

A adoção e uso ampliado do termo crowdwork parece se sustentar na necessidade de uma multidão amorfa de trabalhadores para executar atividades mediadas por plataformas digitais. Por um lado, se assim o for, o termo se torna muito amplo e pouco explicativo, faltando a differentia specifica ( Alves, 2011Alves, A. J. L. (2011). Differentia specifica e determinação formal na obra marxiana da maturidade. Verinotio: Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas , (13), 1-9. Recuperado de https://bit.ly/3wlKe8g
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). Nesse sentido, o conceito de “multidão” não tem sido capaz de captar o momento preponderante material que delineia e especifica as variegadas expressões da reprodução capitalista. Afinal, se estamos falando de trabalhos como “teste de aplicativos”, “pesquisa de preços”, “criação de site” e a maioria dos categorizados por Souza (2017)Souza, I. M. D. F. (2017). Um estudo do uso de testes de qualificação na plataforma Amazon Mechanical Turk (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB. como projetos simples e projetos complexos, o trabalho, em si, não é comumente executado por uma multidão (relativização genérica para um grande contingente) de trabalhadores(as), ou, para além disso, não há trabalho abstrato sem trabalho concreto. Só há uma multidão porque existem homens e mulheres de carne, osso e sonhos que laboram sozinhos dentro de suas casas.

Eis porque precisamos nos questionar: que multidão seria essa que no curso da sua atividade não tem mais que um único indivíduo para cumprir as metas de produtividade? Por um lado, na perspectiva do capitalista, ele vê uma multidão, por aproveitar-se da força da cooperação dos inúmeros trabalhadores isolados, ainda que digitalmente interligados; por outro lado, do ponto de vista da classe trabalhadora, nunca estivemos tão solitários. Esse enorme contingente de trabalhadores submetidos à uberização (contratação de sua força de trabalho por meio de um app) não atua espacialmente em conjunto, não se conhece e, na imediatez do processo de trabalho, se apresenta mais como uma mônada de exploração unitária do que um coletivo; mas tal exploração só se efetiva numa complexa cadeia de expropriação da cooperação no/do trabalho. É por isso que novas formas de luta surgem e se colocam em marcha e estamos presenciando o surgimento de sindicatos de trabalhadores uberizados, como o recente sindicato dos(as) trabalhadores(as) da Amazon.

Não obstante, a divisão pormenorizada de tarefas não é algo novo. Basta ressaltar que no início do século XX não era incomum fábricas taylorizadas nos EUA com mais de vinte mil operários executando microtarefas altamente repetitivas, ou que, no último quartil do século passado, milhares de mulheres e crianças eram contratadas pelo setor calçadista para costurar sapatos à mão, a partir de suas casas, e receber por peça – essas(es) trabalhadoras(es), nunca denominados crowdwork , mas, indubitavelmente, como parte da classe trabalhadora.

Em outra perspectiva, se o que é considerado como crowdwork são os trabalhadores em potencial, ou seja, os usuários das plataformas de intermediação aptos a receberem as propostas de trabalhos e que migram de um “ job ” para outro, o conceito parece fazer mais sentido, tratando-se da população fluente do exército industrial de reserva. Não apenas por se tratar de um grande número de pessoas, mas justamente pela anonimização, pela atual situação histórica e singular da força de trabalho assalariada: fisicamente individualizada, espacialmente dispersa e digitalmente coletivizada.

Nossa ressalva com o termo é porque esse fenômeno não expressa uma alteração nas relações de classe ou a própria supressão da classe trabalhadora pela instituição da multidão, embora o termo faça parecer que haja. O fenômeno apenas expressa a expansão do capital conforme o avanço das forças produtivas, que superou fronteiras e territorialidades na busca pela valorização e, ao invés de um capataz gritando a existência de uma vaga de trabalho para uma pequena multidão de trabalhadores que se aglomeram no portão da fábrica, tem-se um algoritmo fazendo piscar na tela do computador a necessidade de um tradutor que, agora, além da força de trabalho a ser explorada, necessita também dispor de alguns dos meios de produção (seus instrumentos de trabalho) ao capitalista. Ou seja, o aplicativo, além de dispersar espacialmente a classe trabalhadora, ainda lhe exige a capacidade de reduzir a necessidade de capital constante adiantado pelo capitalista para a operação do processo de valorização ( Franco & Ferraz, 2019Franco, D. S., Ferraz, D. L. S. (2019). Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos EBAPE. BR , 17 , 844-856. doi:10.1590/1679-395176936
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).

Empresas-plataformas que organizam a sua prática econômica na Forma 2 direcionam demandas industriais por força de trabalho necessária à produção e/ou circulação de determinadas mercadorias aos trabalhadores que se apresentam pelo seu ambiente virtual como aptos à execução do serviço. Esses processos de trabalho são parte integrante das atividades de trabalho de um capital industrial (produtivo e/ou comercial) ao qual o trabalho intermediado se integra. O recurso “plataforma” pode ser de propriedade do próprio capital industrial que usufrui do valor de uso dessa força de trabalho em etapas intermediárias de seu processo de produção, como a plataforma AMT, criada pela Amazon, e a plataforma Hermes (para produtores de legendas), criada pela Netflix, ou de um capitalista particular que atua como uma empresa terceirizada para outras companhias.

Na Forma 2, tal qual na Forma 1 e diferentemente da Forma 3, quanto mais trabalhadores(as) são contratados e trabalham nessas microtarefas por intermédio da plataforma, maior a tendência do capitalista da esfera produtiva se apropriar de uma massa maior de mais-valor. Se a atividade uberizada compuser parte do processo de produção necessário à produção da mercadoria, como no caso da Hermes, a apropriação de mais-valor se dá com o aumento da massa da força de trabalho assalariada submetida à exploração (supondo o aumento ou a manutenção da taxa de exploração). No caso de o capitalista operar no setor comercial ou de o trabalho demandado for voltado às metamorfoses formais do valor (contabilidade, por exemplo), trata-se de um trabalho improdutivo para o capital e, assim, o aumento da parte não paga da jornada de trabalho é a única forma de aumentar a apropriação, pelo capitalista, do mais-valor total que circula, de modo que o ponto nevrálgico é o aumento da intensificação do trabalho. Os trabalhadores uberizados produzirão mais-valor se o processo de trabalho desenvolvido for dentro da esfera da produção, cristalizando seu trabalho na mercadoria posta à troca, e não produzirão mais-valor se atuarem na esfera da circulação, auxiliando nos processos de comércio de mercadorias ou de dinheiro.

Vale ressaltar que, embora na Forma 2 tenhamos dado maior foco aos trabalhos executados no ambiente virtual, há diversas plataformas intermediadoras, que vendem os serviços intermediados a outras empresas, cuja atividade executada pelo trabalhador uberizado se dá predominantemente fora do ambiente virtual. A plataforma CargoX, por exemplo, vende serviços de fretes para empresas e retém até 15% do valor do serviço ( Viri, 2018Viri, N. (2018, 5 de outubro). ‘Uber dos caminhões’, CargoX já vale US$ 150 milhões. Brazil Journal . Recuperado de https://bit.ly/3WuRXeP
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). A Posher (2022)Posher. (2022). POSHER, Bem-estar para você [Software]. Recuperado de https://bit.ly/3XypLsK
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vende serviços de beleza para empresas e fica com 28% do valor total do serviço. A Findup vende para empresas serviços de informática e retém um valor não declarado da remuneração do trabalhador.

A principal diferença da Forma 1 em relação à Forma 2 é que, enquanto na primeira o ciclo econômico do valor se encerra no consumo do serviço (consumo individual), na segunda ele se integra ao trabalho necessário à produção ou circulação de outros capitais. Assim, nessa forma de objetivação do trabalho do trabalhador uberizado, o efeito útil resultante do trabalho não se constitui imediatamente como a mercadoria, mas como uma atividade necessária ao processo geral de produção , embora possa atuar como mercadoria para capitais individuais que vendem serviços intermediados a outros capitalistas , quando eles atuam como “terceirizadas” ofertantes de força de trabalho.

Forma 3: O serviço de intermediação como moderador em relações de trocas

Partimos de uma caracterização provisória da Forma 3 como um serviço de intermediação que efetivamente atua como moderador, pois conecta prestador e usuário-cliente por meio de assinaturas e planos mensais, semelhantes aos streamings que vêm pululando na atualidade. Sua mercadoria seria a de propiciar as trocas.

No segmento de transporte urbano privado, o principal concorrente da Uber nos Estados Unidos é a empresa Lyft. Como antecedente, há a história da Zimride, um sistema de compartilhamento de viagens criado em 2007 por Logan Green e John Zimmer, na Universidade Cornell, nos Estados Unidos. A plataforma conectava o perfil do usuário à sua conta do Facebook, rede social que já havia aberto a Interface de Programação de Aplicações (API) a terceiros, permitindo certo nível de confiabilidade aos consumidores. Inicialmente, a Zimride foi concebida para conectar apenas pessoas que estudavam na mesma universidade ou trabalhavam no mesmo local, sendo as viagens geralmente para esses mesmos destinos ou para longas distâncias ( Slee, 2017Slee, T. (2017) Uberização: a nova onda do trabalho precarizado . São Paulo, SP: Elefante. ).

Assim, os usuários-motoristas que já estavam com o destino de deslocamento definido podiam compartilhar os custos do trajeto com os usuários-caroneiros. A empresa não cobrava dos usuários – seu lucro advinha da venda de assinaturas das redes de carona para as universidades ou empresas, que se beneficiavam com a amenização das restrições de estacionamento ou de contratos com empresas de ônibus. Nesse sentido, o próprio acesso à plataforma digital se apresentava como mercadoria , cujo valor de troca independia da quantidade de caronas promovidas por intermédio da plataforma.

Com o grande sucesso da Zimride em Cornell, a empresa recebeu aportes de fundos de capital de risco, migrou para a Baía de São Francisco e expandiu para outras universidades, como nos informa Slee (2017)Slee, T. (2017) Uberização: a nova onda do trabalho precarizado . São Paulo, SP: Elefante. . Como forma de ampliar o sistema de caronas para além dos contratos com universidades e empresas, a Zimride criou o Lyft, em 2012, focado em trajetos de curta distância nas cidades. Rapidamente, o Lyft “tornou possível aos motoristas receber uma certa quantia de dinheiro a cada viagem, para que assim fossem estimulados a fazer deslocamentos que normalmente não fariam” ( Slee, 2017Slee, T. (2017) Uberização: a nova onda do trabalho precarizado . São Paulo, SP: Elefante. , p. 95). Em 2013, a empresa substituiu o sistema de doações voluntárias dos usuários-caroneiros pelo sistema de tarifas. Quanto mais a empresa se capitalizava – US$ 60 milhões de investimentos de risco em 2013, US$ 250 milhões em 2014 ( Slee, 2017Slee, T. (2017) Uberização: a nova onda do trabalho precarizado . São Paulo, SP: Elefante. ) –, mais o propósito comunitário e colaborativo propalado era substituído pela lógica hegemônica de mercado, restando poucas diferenças entre a Lyft e a Uber.

Atualmente, a Lyft retém 20% de cada serviço de transporte prestado pelos trabalhadores a ela vinculados, de modo que transmutou a sua mercadoria de serviços de intermediação (Forma 3) para a mercadoria de serviço intermediado como meio de consumo (Forma 1). E a ideologia utópica de salvar o mundo pela ação individual do compartilhamento mostra seus limites.

Em relação ao iFood, plataforma intermediadora do trabalho de entrega de alimentos, a empresa tem produtos que se expressam tanto na Forma 1 quanto na Forma 3. Ao levarmos em conta que, quanto mais entregas de alimentos feitas sob sua intermediação, mais a empresa se apropria de um valor produzido pelos entregadores, temos que a plataforma vende a mercadoria de transporte de alimentos (Forma 1). Contudo, o iFood vende também um plano mensal de assinatura para que empresas do ramo de alimentação possam ser visualizadas por consumidores potenciais, os quais podem fazer o pedido de alimentos por intermédio da plataforma. Nesse sentido, a assinatura mensal para acesso à plataforma é vendida como um produto e assume a aparência de mercadoria de exposição a potenciais consumidores .

Cabe destacar que, mesmo que assuma a aparência de mercadoria e que atue em processos de troca como se fosse mercadoria, não necessariamente esse resultado do dispêndio de força de trabalho (de manutenção da plataforma digital para exposição a consumidores potenciais) se constitui efetivamente como mercadoria, como apresentado por Marx (2014)Marx, K. (2014). O Capital: crítica da economia política. Livro II: o processo de circulação do capital . São Paulo, SP: Boitempo.:

A mudança de estado [da forma-mercadoria à forma-dinheiro e da forma-dinheiro à forma-mercadoria] custa tempo e força de trabalho, mas não para criar valor, e sim para transferir o valor de uma forma a outra, sem alterar em nada essa tentativa mútua de apropriação de uma quantidade adicional de valor. Esse trabalho, aumentado pelas intenções malignas de ambas as partes, cria tão pouco valor quanto o trabalho despendido num processo judicial aumenta o valor do objeto em litígio. Esse trabalho – que é um momento necessário do processo capitalista de produção em sua totalidade, processo que também inclui a circulação ou é nela incluído – é semelhante ao trabalho de combustão de um material utilizado para produzir calor. Esse trabalho de combustão não produz calor, embora seja um momento necessário do processo de combustão. (p. 234)

Até certo grau, a força e o tempo de trabalho têm de ser gastos no processo de circulação (considerado mera transmutação de forma). Mas isso aparece, agora, como investimento adicional de capital; uma parte do capital variável precisa ser investida na compra dessas forças de trabalho que só atuam na circulação. Esse adiantamento de capital não cria produto nem valor. Ele reduz pro tanto o volume em que o capital adiantado atua produtivamente. (p. 237)

Na abstração aqui conduzida, a Forma 3 assume a aparência de mercadoria, contudo, no movimento de reprodução ampliada do capital, como veremos, a Forma 3 faz parte das estratégias rentistas de algumas plataformas de intermediação do trabalho, extraindo renda a partir dos custos de circulação de outros capitais, e/ou do valor de reprodução da força de trabalho e/ou do valor de mercadorias vendidas por trabalhadores(as) autônomos.

De acordo com o site do iFood ( Ifood para parceiros, 2022Ifood para parceiros. (2022, 4 de novembro). Qual é a relação entre Ifood, entregador e restaurante? [Post de blog institucional]. Recuperado de https://bit.ly/3wp7Vww
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), a empresa pratica os seguintes valores para os restaurantes cadastrados: (a) plano básico, em que o próprio restaurante se responsabiliza pela entrega, com o valor de R$ 100,00 mensais, mais a taxa de 12% sobre o valor dos pedidos e taxa adicional caso o pagamento do cliente seja feito pela plataforma digital; e (b) plano entrega, em que a entrega é de responsabilidade do próprio iFood, com o valor mensal de R$ 130,00, além da taxa de 23% sobre o valor do pedido. A assinatura com valor fixo, pago pela empresa à plataforma, representa a modalidade da Forma 3. Quanto à remuneração dos entregadores, o aplicativo simplesmente não divulga qualquer parâmetro acerca de como são feitos os cálculos de pagamento. Uma matéria do portal Techtudo ( Dias, 2019Dias, M. (2019, 19 de fevereiro). Como o Ifood funciona para o entregador? Veja perguntas e respostas. TechTudo . Recuperado de http://glo.bo/3J8MpDC
http://glo.bo/3J8MpDC...
) apenas aponta a dificuldade de “estimar o ganho de um entregador do iFood, já que seus lançamentos dependem de vários fatores. Entre eles, estão o número de pedidos nos restaurantes da sua área de atuação, o tempo que você [o entregador] passa disponível para aceitar pedidos na plataforma e o trajeto das entregas”. Conclui com o mais óbvio recado motivacional aos(às) trabalhadores(as) de entrega: “Quanto mais corridas você fizer, mais créditos acumulará”.

A empresa Polifrete é mais um exemplo de plataforma que materializa a sua atividade econômica na Forma 3. Ela intermedeia a contratação de empresas transportadoras ou motoristas autônomos por indústrias de produção ou de distribuição de bens. Pelo aplicativo, ela cadastra “gratuitamente” os(as) caminhoneiros(as) autônomos(as) e as empresas de transporte de carga. A Polifrete não determina o preço do serviço de transporte de cargas, nem cobra dos trabalhadores uma taxa sobre o valor do serviço. Em seu modelo de negócios, são as empresas que desejam ter acesso aos(às) caminheiros(as) fretistas cadastrados(as) que pagam uma mensalidade à empresa-plataforma. Se o(a) trabalhador(a) realiza cinco ou cinquenta fretes em um mês, isso pouco importa para a determinação direta do lucro da empresa-plataforma. Do mesmo modo, se a empresa que necessita do transporte de carga solicita cinco ou cinquenta serviços, isso também não impacta diretamente os lucros da intermediadora. Obviamente, quanto mais trabalhadores cadastrados a empresa-plataforma tiver (sejam eles autônomos ou contratados pelas empresas transportadoras), maiores as suas chances de conseguir novas mensalidades de empresas que necessitam desse tipo de serviço.

Atuante no mesmo ramo, a empresa Truckpad cobra mensalidades para o acesso de companhias ao cadastro de trabalhadores fretistas reunidos pela plataforma – incluindo, também, o acesso aos instrumentos de controle do(a) caminheiro(a) que a plataforma disponibiliza. Trata-se de uma nova forma de terceirização que dispensa os contratos tradicionais e a legislação vigente, ou seja, o Estado ainda não se adaptou juridicamente a essa forma de terceirização, que passa pela tangente da submissão às leis burguesas.

A Doctoralia é autodeclarada como a maior plataforma digital do mundo que conecta profissionais de saúde a usuários-pacientes-consumidores. O site da Doctoralia (2022) destaca que a empresa-plataforma oferece as seguintes funcionalidades: permite aos usuários publicar informações e avaliações sobre profissionais categorizados por localização e especialização; disponibiliza ferramentas de busca para pesquisa de profissionais e instituições; notifica sobre novas informações e opiniões; permite que os usuários entrem em contato com os profissionais verificados; permite que profissionais verificados forneçam e corrijam informações sobre si mesmos, respondam às opiniões dos usuários e perguntas que lhes são direcionadas; permite agendamento de consultas por meio do calendário de consultas e instituições que tenham disponibilizado tal opção; e permite visibilidade por meio de mecanismos de buscas on-line. Até o momento, a empresa promove o cadastro em sua plataforma digital dos profissionais médicos (das mais diversas especialidades), fisioterapeutas, dentistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, psicanalistas, psicopedagogos, enfermeiros, nutricionistas e especialistas em administração em saúde. De acordo com portal de notícias Gazeta do Povo ( Pozzobon, 2018Pozzobon, B. (2018, 19 de junho). Plataforma de agendamento de consultas médicas via internet cresce 236% no Brasil em seis meses. Gazeta do Povo . Recuperado de https://bit.ly/3XCbT0H
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), em relação aos planos de assinatura fornecidos pela plataforma digital da Doctoralia:

O perfil Premium, que conta com suporte digital, habilitação do agendamento on-line e melhor posicionamento nas buscas, custa, ao profissional de saúde, R$ 339 por mês ou R$ 3.390 ao ano. Se ele quiser uma página na web com domínio próprio, são acrescidos R$ 49 à mensalidade. Há também o pacote First Class, com preços sob consulta, para que o perfil se mantenha nas primeiras posições da página Doctoralia. Por fim, são oferecidos os perfis gratuitos, que são mais básicos e não contam com suporte da empresa.

Tal como na Doctoralia, há outras plataformas digitais de intermediação de serviços de saúde em que é o profissional de saúde quem paga uma mensalidade fixa ao aplicativo, como ocorre na Nossos Doutores. Há também as que cobram do consumidor final (pessoa física) um valor fixo de acesso à plataforma, como na Doutor 123, na Consulta do Bem, na Dandelin e na Doutor Já. Notem que o plano de assinatura representa o produto na Forma 3, embora possam ser acrescidos produtos de outras formas agregados a este.

Portanto, nos casos específicos da Forma 3, a assinatura de acesso à plataforma de intermediação do trabalho pode ser paga por uma indústria capitalista, por um trabalhador uberizado (seja este o que vende como mercadoria o efeito útil resultante do trabalho, seja este o que vende a própria força de trabalho como mercadoria) ou por um consumidor final (que realiza o consumo individual). Em síntese, quando o produto engendrado pela plataforma de intermediação do trabalho é expresso pela Forma 3, o próprio serviço de intermediação assume a expressão de forma-mercadoria , visto que atua em processos de troca, sendo permutado com a mercadoria-dinheiro. Todavia, a depender de como a Forma 3 está inserida na dinâmica econômica do valor, sua constituição real se dá como parte dos custos de circulação de uma indústria ou como uma dedução do valor produzido pelo trabalhador (sem a criação de valor adicional).

Resgatamos, ainda, a plataforma GetNinjas (2022)GetNinjas. (2022). GetNinjas: Clientes [Software]. Recuperado de https://bit.ly/3kDKeOn
https://bit.ly/3kDKeOn...
, que se autodenomina como a maior plataforma de contratação de serviços do Brasil, oferecendo mais de quatro milhões de serviços intermediados em 2020 – ramos de assistência técnica, aulas, consultoria, reformas de casa, moda, saúde, limpeza etc. A empresa não determina o preço a ser cobrado pelo(a) trabalhador(a) na prestação do serviço, não cobra mensalidade do(a) trabalhador(a), não exige produtividade mínima, não estabelece um percentual fixo retido pela plataforma sobre o valor pago pelo consumidor, tampouco desliga os prestadores com baixa avaliação. Entretanto, para que os trabalhadores uberizados possam ter acesso ao contato de um cliente potencial, ele precisa pagar as “moedas” que compra previamente junto à empresa-plataforma.

Importante destacar que os profissionais pagam para ter apenas o contato com o cliente solicitante de serviços, o que não os garantem serem de fato escolhidos para a prestação do serviço – o pagamento é feito apenas pela possibilidade de se conseguir vender o serviço ao consumidor. Essas moedas, contudo, se tornam o elemento preponderante de acumulação da empresa intermediadora, que lucra a partir da retenção de parte do valor de reprodução da força de trabalho do trabalhador uberizado (se o que ele vende é a força de trabalho a um capitalista, por intermédio da plataforma) ou um custo de produção necessário à objetivação do seu trabalho autônomo (se o que ele vende é um efeito útil do seu trabalho como meio de consumo, que assume a forma de mercadoria). Os trabalhadores pagam uma “mensalidade” de acesso à plataforma para serem vistos por potenciais compradores de sua força de trabalho, sejam estes compradores capitalistas ou não – o que altera aqui é que em um caso será um(a) trabalhador(a) subsumido(a) diretamente ao processo de produção ou realização do valor e, em outro, será remunerado pela renda de um indivíduo que não o insere em um processo de valorização de valores. Contudo, no caso da GetNinjas, essa mensalidade não assume um valor previamente fixado, seguindo a métrica da “moeda” pré-determinada pela empresa.

Como é possível notar, mesmo que o que caracterize a Forma 3 seja o fato de haver um plano de assinatura mensal de acesso, a depender de quem é o agente com o qual é feita a troca, as maneiras como o valor pago por essa assinatura se inserem na dinâmica da reprodução capitalista se diversificam. Nessas plataformas, sua atuação econômica mescla o papel similar à de “agência de emprego” com o de classificados de profissionais.

O acesso à plataforma se torna um produto que permite aos capitalistas comprarem força de trabalho ou para que trabalhadores(as) possam expor-se aos possíveis compradores de sua mercadoria (força de trabalho ou serviços como meio de consumo). Na Forma 3, em geral, aparecem com maior frequência trabalhadores(as) cuja ocupação demandam maior qualificação formal e cujo reconhecimento social é mais elevado, como médicos, advogados, arquitetos, psicólogos etc. Embora apresente uma configuração que permite maior autonomia ao(à) trabalhador(a), a tendência é que essas plataformas se especializem, assumindo a Forma 1 ou 2, as quais subordinam mais diretamente o trabalhador nos processos laborais determinados e controlados pela empresa-plataforma.

Ressalta-se que é possível, nas três formas, que a maior parte do valor apropriado pela empresa-plataforma advenha não necessariamente do seu produto específico de intermediação do trabalho, embora, mesmo nestas, haja a necessidade de significativo número de usuários-trabalhadores e usuários-consumidores em interação para que os dados coletados sejam relevantes às suas estratégias. Ou seja, quanto maior for o quantitativo de intermediações que a plataforma faz, mais ela amplia o potencial de venda de novos produtos e impõe barreiras de entrada a novos concorrentes. Com efeito, autores como Cusumano, Gawer e Yoffie (2019) destacam que a busca pelos efeitos de rede é uma estratégia frequente das empresas-plataforma, onde inclui-se as de intermediação do trabalho. Assim, conforme as empresas-plataformas se tornam mais capazes de atrair usuários e de implementar inovações complementares, mesmo que enfrentem prejuízos contábeis para isso, a estratégia “o vencedor leva tudo” (“ winner-take-all ”) justifica tais investimentos para a monopolização do mercado e demonstra o imbricamento entre as economias de plataforma e a financeirização, visto que são as estratégias de capitalização financeira que permitem lidar com as perdas no longo prazo. Os autores ressaltam, contudo, que os efeitos de rede nem sempre levam aos resultados esperados (não permitindo uma lucratividade no longo prazo), o que não diminui os danos sociais que esta disputa pode provocar, como rebaixamento de salários e redução de benefícios sociais aos trabalhadores. Portanto, a riqueza apropriada pelos capitalistas detentores das empresas-plataformas advém, em seu conjunto, da diversificação da exploração da classe trabalhadora em sua totalidade, dominando o nexo social da produção, das finanças, do consumo.

Por uma agenda de pesquisa sobre as mediações e complexidades do mundo do trabalho plataformizado

Partindo das três formas de manifestação dos produtos nas relações de trabalho mediadas pelas plataformas, sistematizamos esta morfologia laboral conforme a Tabela 2 .

Tabela 2
Síntese das três formas de intermediação por plataformas do trabalho remunerado

O fato é que a necessidade de compreender essas formas específicas não se limita a classificar aplicativos na Forma 1, 2 e 3, mas na urgência de trazer à tona a lógica do processo de exploração da classe trabalhadora, evitando a reprodução de conhecimentos que apresentem o avanço tecnológico como saída para uma sociedade sem patrões, como temos buscado demonstrar ao longo desta pesquisa. Uma nova sociedade, para ser produzida, carece da superação da tecnologia enquanto meio de produção que é propriedade privada. Porém, o estudo dessas formas evidencia a permanência do avanço das forças produtivas enquanto móvel da expansão do capital via aumento da exploração do trabalho, sobretudo em países de capitalismo tardio.

Portanto, o esforço analítico que apresentamos até então visou a apreensão, em elevado nível de abstração, da exploração dos trabalhadores segundo as formas específicas de apropriação de valor engendradas pela utilização de plataformas (apps) enquanto meios de intermediação do produto do trabalho e, por isso, do uso (e da exploração) da força de trabalho. Sob o ponto de vista material, a plataforma se apresenta como uma nova forma de intermediar trabalho – sob o ponto de vista do valor, trata-se da mesma subsunção do trabalho ao capital. Tal subsunção expressa o papel de intermediação da classe capitalista entre o momento da produção de valores de uso e o momento do consumo, posição oportunizada pela propriedade privada dos meios de produção.

Quando o pensamento regressa à realidade concreta, encontra essas formas específicas reunidas muitas vezes dentro de um mesmo aplicativo e sob o comando de um mesmo grupo de capitalistas. Há plataformas de serviços de frete, por exemplo, que se valem da atividade de intermediação do trabalho de profissionais transportadores para conseguir dados sobre a logística de cargas no Brasil, para, assim, oferecer outros produtos. A empresa TruckPad ( Riato, 2018Riato, G. (2018, 25 de abril). A TruckPad foi lá e fez: é uma transportadora sem caminhões, que cresce ao conectar motoristas a cargas. Draft . Recuperado de https://bit.ly/3ZU6yU7
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), por exemplo, obtém receitas com a venda de espaço publicitário em sua plataforma (rentismo), e, usufruindo dos dados coletados, oferece consultorias de logística para empresas e relatórios analíticos de big data . Plataformas de serviços de faxina podem cobrar taxas no caso de o pagamento pelo consumidor ser feito por meio de sua infraestrutura, além de oferecerem seguros para casos de acidentes domésticos durante a realização do serviço.

Em pesquisa realizada para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Zanatta, Simão e Navarrete (2018) fizeram um levantamento avaliativo sobre a proteção dos direitos dos consumidores-usuários das principais plataformas digitais de intermediação de serviços de saúde no Brasil. Os autores demonstram que os modelos de negócios dos aplicativos para consultas médicas não se limitam à intermediação da relação entre médico e paciente, pois propiciam o compartilhamento de dados médicos para terceiros, venda de propagandas direcionadas com base nos dados pessoais dos pacientes e cobrança de mensalidades por acesso a cartões de compra de medicamentos. Portanto, o lucro de algumas empresas-plataformas advém, em seu conjunto, da diversificação da exploração da classe trabalhadora em sua totalidade, sejam trabalhadores(as) produtivos ou improdutivos.

Graham, Hjorth e Lehdonvirta (2017) demonstram que a maioria dos trabalhadores chamados crowdworkers estão em países ditos de baixa renda, enquanto a maioria dos clientes corporativos que os contratam encontram-se nos países de vanguarda do capitalismo. Trabalhadores indianos da Amazon Mechanical Turk, em 2017, eram remunerados com cerca de um terço do valor recebido por trabalhadores estadunidenses (Berg, Furrer, Harmon, Rani, & Silberman, 2018). Relatórios da Uber destacam que o Brasil é o segundo país com o maior número de motoristas vinculados à empresa no mundo. Portanto, se a uberização tende a avançar mais rapidamente em países cujos mercados de trabalho são historicamente estruturados a partir de relações precarizadas e onde o trabalho formal é mais escasso, é rumo aos capitalistas monopolistas, que operam no ponto nevrálgico do setor financeiro desde os países centrais que o valor (e o mais-valor) produzido majoritariamente se direciona.

Nesse percurso, ao mesmo tempo em que as plataformas digitais, enquanto resultado de revoluções científico-tecnológicas, se apresentam como um agente de utopias, generalizando a capacidade de compartilhamentos, geração de renda e/ou flexibilidade laboral, elas atuam à margem das conquistas históricas dos trabalhadores, transferindo valor à classe capitalista mundial, tanto ao sugar o valor produzido pelos trabalhadores uberizados (quando estes são produtivos à plataforma) quanto ao apropriar-se do mais-valor pela mediação de outros capitais industriais (quando as plataformas auferem renda com a venda de publicidade, seguros, arrendamento de acesso ao espaço virtual). Por conseguinte, parte relevante do valor efetivamente criado e realizado é transferido aos capitalistas detentores das plataformas, impulsionando a concentração e centralização de capitais, o que não ocorre sem a mediação das oligarquias financeiras. Em suma, o fenômeno da uberização do trabalho, oportunizado pelo avanço tecnológico representado na Indústria 4.0, que tem como alavanca os aportes de capital oriundos da centralização operada pelo setor financeiro, é apenas mais uma expressão deste estágio particular do capitalismo, o imperialismo ( Lenin, 2012Lenin, V. I. (2012). Imperialismo: estágio superior do capitalismo . São Paulo, SP: Expressão Popular. ; Fontes 2012), com a transição sistemática de valores de países periféricos rumo aos países centrais do capital.

Diante do apresentado, listamos possibilidades para a necessária agenda de pesquisa que pode seguir a partir da apreensão das três formas de intermediação do trabalho:

  • Pesquisas que envolvam as diferentes formas de controle e de resistência dos trabalhadores: como destacado por Tucker (2020)Tucker, E. (2020). Towards a political economy of platform-mediated work. Studies in Political Economy , 101 (3), 185-207. doi:10.1080/07078552.2020.1848499
    https://doi.org/10.1080/07078552.2020.18...
    , os trabalhadores que executam o serviço presencialmente têm uma tendência maior de se reconhecerem enquanto categoria, com reivindicações que se direcionam contra a plataforma – e não contra os clientes que usufruem do efeito útil de seu serviço. Isto tem ocorrido principalmente com os que executam trabalhos intermediados na Forma 1, em que já se identifica a criação de sindicatos de trabalhadores de transporte urbano e de entregas via app. Sobre os trabalhadores que executam o serviço digitalmente, que destacamos serem mais frequentes na Forma 2, Tucker (2020)Tucker, E. (2020). Towards a political economy of platform-mediated work. Studies in Political Economy , 101 (3), 185-207. doi:10.1080/07078552.2020.1848499
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    ressalta que a resistência é menos intensa, embora cite a criação de grupos on-line, como a Turkopticon, em que os trabalhadores da AMT fazem avaliações e críticas que constituem a reputação dos agentes demandantes dos seus serviços. Ressaltamos a necessidade de mais investigações sobre as diferentes formas de resistência, como o cooperativismo de plataforma ( Scholz, 2016Scholz, T. (2016). Cooperativismo de plataforma: contestando a economia do compartilhamento corporativa . São Paulo, SP: Fundação Rosa Luxemburgo. ), incluindo as estratégias dos trabalhadores que se encontram na Forma 3. Para estes, cujo controle pelas plataformas é menos intenso, as possibilidades de resistência podem tornar mais propícia a própria supressão da atuação da plataforma intermediadora detida por uma empresa (com os trabalhadores assumindo esta gestão);

  • Pesquisas que aprofundem sobre a relação entre uberização e financeirização, considerando o contexto do imperialismo e da divisão internacional do trabalho: a partir das três formas que apresentamos, as pesquisas podem avançar identificando em relatórios oficiais quem são os principais financiadores das plataformas, onde os trabalhadores estão majoritariamente situados e como estas informações permitem melhor caracterizar as Formas 1, 2 e 3 em contextos particulares. Montalban et al . (2019) destacam que o objetivo dos fundadores de diversas plataformas não é criar valor e lucros, mas aumentar sua capitalização de mercado (especulação financeira) para vender suas ações a empresas maiores, que explorarão os dados e sua rede para criar valor. Mas em quais modelos de plataformas estes objetivos têm se mostrado como mais frequentes? Segundo Davis e Sinha (2021)Davis, G. F., Sinha, A. (2021). Varieties of uberization: how technology and institutions change the organization(s) of late capitalism. Organization Theory , 2 (1), 1-17. doi:10.1177/2631787721995198
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    , a teoria das organizações tem um campo frutífero de investigação na atualidade, com estudos comparativos focados na relação entre organizações e tecnologias da informação e comunicação. Eles argumentam que instituições domésticas (como estrutura de mercado de capitais e sistemas educacionais) e TICs (como planilhas de dados e smartphones) determinam as condições sob as quais se apresentam os agentes de trocas, as condições de trocas e os comportamentos de trocas (incluindo as trocas por força de trabalho e as transações no mercado financeiro). Nesse sentido, a análise de contextos nacionais específicos permitirá apreender como as três formas se manifestam com maior predominância em cada país, conformando as organizações e o organizar ( organizing ) no cenário geopolítico;

  • Pesquisas que demonstrem, em setores específicos de atividades, como as empresas-plataformas de intermediação do trabalho têm se apropriado do valor socialmente produzido: na investigação de Kenney, Bearson e Zysman (2020), os pesquisadores demonstram que 70% das indústrias de serviços dos Estados Unidos são potencialmente afetadas pelas plataformas digitais de comércio. Assim, os autores destacam que: 34% destas indústrias são diretamente afetadas (a transação entre comprador e vendedor ocorre pela própria plataforma, que faz a captura direta de valor pela transação), 36% são indiretamente afetadas (as plataformas conectam compradores e vendedores, mas a transação não ocorre na plataforma, de modo que a captura de valor ocorre indiretamente, por meio da coleta passiva de dados) e 30% não são afetados (transações permanecem inalteradas por plataformas). Não identificamos pesquisas semelhantes realizadas com as plataformas de intermediação do trabalho de outros países. Deste modo, considerando as três formas, seria possível identificar os setores mais afetados pela dinâmica da plataformização, o quanto do valor apropriado pelas empresas-plataformas advém da exploração dos trabalhadores uberizados e o quanto advém dos produtos agregados, como publicidades e demais produtos possibilitados pela captação e análise de dados.

Todas as nossas recomendações demonstram a necessidade de se investigar as relações de trabalho pelo ciclo de reprodução do capital em sua totalidade, pois, ampliando a perspectiva para seguir as metamorfoses do valor ao longo da cadeia produtiva, poderemos perceber como as forças produtivas têm sido sofisticadas para ampliar sua capacidade de extração e atração de mais-valor – que, como não poderia deixar de ser, é fruto da exploração de trabalhadores(as). Tais esforços poderão, inclusive, colaborar com a desmistificação da revolução tecnológica 4.0, com a superação do discurso da solução utópica da economia do compartilhamento e para dar concretude à multidão, revelando-a enquanto classe.

Considerações finais

As três formas nos ajudam a perceber como o processo de produção da mercadoria submete homens e mulheres às condições de trabalho precárias e ao aumento da exploração: seja na Forma 1, de modo mais imediato; seja na Forma 2, de modo mais mediado; e praticamente invisível na Forma 3, quando o produto-fim é o mercado de trabalho e a empresa-plataforma consegue arrancar para si um quantum de valor social de outro capitalista ou diretamente dos(as) trabalhadores(as).

Percebemos, ainda, que as mercadorias vendidas por essas empresas-plataformas são bem menos “tecnológicas” do que elas propagam. As atividades costumam ser triviais e cada vez mais repetitivas, ainda que seja comum que (ou justamente por isso) produtos da celebrada Indústria 4.0 sejam nomeados como “ smart ” ou “inteligente”. O que de fato ocorre é que a força de trabalho humana altamente qualificada do ponto de vista do capital (em geral vendida por trabalhadores de países centrais do capitalismo, devido à divisão internacional do trabalho) é expropriada e cristalizada em meios de produção (máquinas, robôs, algoritmos, gestão etc.), isto é, no capital constante, para que o capital variável (trabalho vivo, trabalhadores menos qualificados de todo o planeta) realize tarefas cada vez menos complexas. Taylor ficaria orgulhoso com as novas possibilidades técnicas de controlar tempos e movimentos em um processo de trabalho que cruza oceanos e continentes.

Do ponto de vista da vida humana na Terra, questiona-se: isso é progresso tecnológico? Para nós, mais parece o velho e carcomido capitalismo tentando continuar vivo, ainda que precise inovar de tempos em tempos pelo caminho ( Ferraz, 2021Ferraz, J. M. (2021). Para além da prática empreendedora no capitalismo brasileiro. São Paulo, SP: Actual. ), afinal, a preponderância do monopólio sobre a livre concorrência tende a frear o avanço tecnológico ( Lenin, 2012Lenin, V. I. (2012). Imperialismo: estágio superior do capitalismo . São Paulo, SP: Expressão Popular. ), colocando a ele o imperativo de ser, apenas, progresso técnico para a recuperação das taxas médias de lucro. Assim, os defensores do tal capitalismo de plataforma, embora busquem apresentar os aspectos distintivos do atual estágio da reprodução ampliada do capital, esquecem de mencionar que ele nada mais é do que a expressão do imperialismo com base técnica digital e que, do ponto de vista da humanidade, o modo de produção segue deteriorando as condições de existência. Isso não se restringe aos trabalhadores de plataforma, crowdworkers ou uberizados, mas alcança a classe trabalhadora em sentido amplo, em sua relação dialética com a classe capitalista.

Os trabalhos plataformizados não devem ser considerados apenas como uma nova forma de relação de trabalho, mas uma tendência que, pela concorrência e dominância do nexo social pelas plataformas, empurra a sociedade para assumir a máxima exploração do trabalho de maneira generalizada e relações sociais cuja centralidade é dada pelas interações virtuais. Eis porque entendemos também a necessidade de considerar que ocorre uma uberização da organização do trabalho e da vida. A diversificação das atividades expressa como modelos de negócios das plataformas representam a expansão do capital que não se sustenta sem a massificação das relações sociais sendo operada por meio de aplicativos. Se há o crescimento de trabalhadores sendo explorados tendo como mediação a interface da plataforma, é porque nossas atividades sociais também têm sido por tal interface mediada. Tal como o modelo de organização da produção taylorista produziu um modo taylorista de consumir e de viver, o modo de organização do trabalho uberizado tende a se expandir e dominar todos os aspectos de nossa vida. Essa tendência já pode ser vista ao observamos o quanto a figura do prosumer (consumidores que trabalham gratuitamente para os capitalistas) está naturalizada no capitalismo contemporâneo.

A necessidade de se submeter ao domínio das plataformas, em qualquer uma das três formas, emana do modo de produção capitalista, que subsume o trabalho ao capital por meio da propriedade privada dos meios de produção (agora representados pelas próprias plataformas digitais), engendrando revoluções tecnológicas que acentuam o movimento de pauperização generalizada de grande parte dos trabalhadores. O problema não é a tecnologia, mas ela também não é a solução. A tecnologia é uma interposição demandada pelo processo de trabalho, que, por sua vez, está assentada em uma teleologia indissociável do antagonismo de classe.

E, para responder à indagação feita por Paula e Paes (2021)Paula, A. P. P., Paes, K. D. (2021). Fordismo, pós-fordismo e ciberfordismo: os (des) caminhos da Indústria 4.0. Cadernos EBAPE. BR , 19 (4), 1-12. doi:10.1590/1679-395120210011
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à comunidade das ciências administrativas sobre se “[a] indústria 4.0 traz mais benefícios que prejuízos?” (p. 1056), destacamos, do ponto de vista da classe trabalhadora, que há muito pouco a celebrar diante do progresso tecnológico, com empresas cada dia mais plataformizadas e experts em explorar pessoas e meio ambiente. Há, antes, o contrário: a necessidade de reverter tal tendência, de modo a utilizar-se das plataformas, que separam e individualizam, como meios de união e encontro para convergência da luta contra a exploração capitalista, ou seja, apropriar-se das tecnologias digitais, produzida por trabalhadores(as), para que elas não continuem sendo utilizadas contra seus produtores.

Embora os avanços tecnológicos expressem a engenhosidade e a evolução do conhecimento humano, faz-se imprescindível superar a aparência fenomênica e apreender o movimento do real, para que, então, possamos nos utilizar desses avanços efetivamente em favor da vida e libertação da humanidade.

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Notas

  • 1
    . Faraj e Pachidi (2021)Faraj, S., Pachidi, S. (2021). Beyond uberization: the co-constitution of technology and organizing. Organization Theory , 2 (1), 1-14. doi:10.1177/2631787721995205
    https://doi.org/10.1177/2631787721995205...
    definem organizing como o arranjo sociomaterial de práticas, regras, normas, enquadramentos e infraestruturas materiais que fornecem possibilidades distintas para organizar e moldar a tomada de decisão, o controle e a coordenação nas organizações.
  • 2
    . Marx (2013)Marx, K. (2013). O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital . São Paulo, SP: Boitempo. explica que mercadorias são “produtos dos trabalhos privados, separados e mutuamente independentes uns dos outros” (p. 120), isto é, não se trata de uma qualidade de algum produto, mas de uma relação social em que dois (ou mais) produtos se defrontam na troca. Além disso, para ser mercadoria, há um duplo aspecto simultâneo: são objetos úteis – valores de uso (para o estômago ou para a imaginação) –, mas que também carregam, em seu corpo-mercadoria, valor (trabalho humano socialmente necessário) que se expressa enquanto valores de troca. Nesse sentido, e pulando algumas mediações, o trabalho, na sociedade capitalista, é tornado mercadoria (tem valor de uso e valor), ainda que seja uma mercadoria incomum, única. A força de trabalho, para se reproduzir, precisa adquirir outras mercadorias, os meios de consumo, que são produtos/serviços que não reingressam no processo produtivo capitalista, mas que são essenciais para que os homens e mulheres da classe trabalhadora possam continuar vivos para venderem sua força de trabalho.
  • 3
    . Recomendamos a leitura do capítulo 5 de O Capital , livro 1, no qual Marx (2013)Marx, K. (2013). O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital . São Paulo, SP: Boitempo. apresenta a especificidade do processo de trabalho subsumido ao processo de valorização na sociedade capitalista.
  • 4
    . Do ponto de vista da classe trabalhadora, isso faz diferença, pois, como demonstram diversos estudos ( Antunes, 2020Antunes, R. (Org.) (2020). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 . São Paulo, SP: Boitempo. ; Chudinovskikh, 2022Chudinovskikh, M. (2022, February). Digital Labor Platforms: opportunities, risks, and perspectives for decent work. In International Science and Technology Conference FarEastСon 2021, Vladivostok, Russia. ; Polkowska, 2019Polkowska, D. (2019). Does the app contribute to the precarization of work? The case of Uber drivers in Poland. Partecipazione & conflitto , 12 (3), 717-741. doi:10.1285/i20356609v12i3p717
    https://doi.org/10.1285/i20356609v12i3p7...
    ), a realização de trabalho intermediado pelo app tem precarizado as relações e condições de trabalho, tem impingido perda de direitos, e, quando se trata do trabalhador improdutivo, tem aumentado o desemprego, posto que o app representa a velha substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto.
  • 5
    . Lembremos que o trabalhador gera valor ao produzir o equivalente a sua força de trabalho e cria valor ao produzir mais-valor.
  • 6
    . Capital variável pode ser resumido como a fração do capital que é despendida na aquisição da força de trabalho. Vale ressaltar que o trabalho vivo é o único meio capaz de adicionar valor ao processo produtivo.
  • 7
    . Interessante observar que, em última instância, o discurso da intermediação entre aquele que consome o produto final (consumidor) e o trabalhador que o produziu pode ser acionado por qualquer empresa capitalista. A concecionária Fiat, por exemplo, também não intermedeia a relação entre o produtor do carro e o consumidor? Intermediação garantida pela propriedade privada dos meios de produção é condição para a apropriação do mais-valor.
  • 8
    . Principais atividades do crowdwork: coleta de dados; categorização de dados; promoção de conteúdo por acessos; verificação e validação de informações; moderação de conteúdo; pesquisa de mercado e revisões de produtos; tarefas que auxiliam a inteligência artificial e o machine learning ; transcrição, criação e edição de conteúdo; e participação em surveys e experimentos ( Berg et al., 2018Berg, J., Furrer, M., Harmon, E., Rani, U., Silberman, M. S. (2018). Digital labour platforms and the future of work: towards Decent Work in the Online World. Genebra: ILO. Retrieved from https://bit.ly/2N3QbxI
    https://bit.ly/2N3QbxI...
    ).
  • Linguagem inclusiva
    Os autores usam linguagem inclusiva que reconhece a diversidade, demonstra respeito por todas as pessoas, é sensível a diferenças e promove oportunidades iguais.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento
    Os autores agradecem o apoio financeiro do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração (Cepead) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para a tradução do artigo em língua inglesa.
Editora Associada: Cintia Rodrigues

Disponibilidade de dados

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A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2022
  • Aceito
    02 Dez 2022
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