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Fosfatases na dinâmica do fósforo do solo sob culturas de cobertura com espécies micorrízicas e não micorrízicas

Phosphatase activity in soil under mycorrhizal and non-mycorrhizal cover crops

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar, mediante a atividade de fosfatases no solo, o efeito de plantas de cobertura micorrízicas e não micorrízicas nos aspectos biológicos da dinâmica do fósforo em sistemas sob plantio direto. Solos sob espécies não micorrízicas apresentaram maior atividade de fosfatases ácidas e alcalinas no estádio de floração, e os níveis de atividade de fosfatases ácidas persistiram nos cultivos subseqüentes ao crescimento das culturas de cobertura. A maior atividade enzimática, relacionada à mineralização de fosfatos orgânicos, em solos com espécies não micorrízicas pode ser um mecanismo de aumento da mobilização do fósforo no solo, compensando a ausência de micorrizas.

Lupinus; Raphanus; Avena; Vicia; rotação de culturas


The objective of this work was to evaluate through the phosphatase activity the effect of mycorrhizal and non-mycorrhizal cover crops on biological aspects of phosphorus dynamics in no-tillage systems. Soils under non-mycorrhizal cover crops showed higher acid and alkaline phosphatase activities at flowering, and higher acid phosphatase activity levels persisted after the cover crop season finished. The higher enzymatic activity, related to organic phosphorus mineralization, in soils with non-mycorrhizal species, may be a mechanism to increase phosphorus mobilization in the soil, to compensate for the lack of a mycorrhizal association.

Lupinus; Raphanus; Avena; Vicia; crop rotation


NOTAS CIENTÍFICAS

Fosfatases na dinâmica do fósforo do solo sob culturas de cobertura com espécies micorrízicas e não micorrízicas

Phosphatase activity in soil under mycorrhizal and non-mycorrhizal cover crops

Murilo Dalla CostaI; Paulo Emílio LovatoII

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Caixa Postal 476, CEP 88040-900 Florianópolis, SC. E-mail: mdallac@bol.com.br

IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Dep. de Engenharia Rural, Caixa Postal 476, CEP 88040-900 Florianópolis, SC. E-mail: plovato@cca.ufsc.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar, mediante a atividade de fosfatases no solo, o efeito de plantas de cobertura micorrízicas e não micorrízicas nos aspectos biológicos da dinâmica do fósforo em sistemas sob plantio direto. Solos sob espécies não micorrízicas apresentaram maior atividade de fosfatases ácidas e alcalinas no estádio de floração, e os níveis de atividade de fosfatases ácidas persistiram nos cultivos subseqüentes ao crescimento das culturas de cobertura. A maior atividade enzimática, relacionada à mineralização de fosfatos orgânicos, em solos com espécies não micorrízicas pode ser um mecanismo de aumento da mobilização do fósforo no solo, compensando a ausência de micorrizas.

Termos para indexação:Lupinus, Raphanus, Avena, Vicia, rotação de culturas.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate through the phosphatase activity the effect of mycorrhizal and non-mycorrhizal cover crops on biological aspects of phosphorus dynamics in no-tillage systems. Soils under non-mycorrhizal cover crops showed higher acid and alkaline phosphatase activities at flowering, and higher acid phosphatase activity levels persisted after the cover crop season finished. The higher enzymatic activity, related to organic phosphorus mineralization, in soils with non-mycorrhizal species, may be a mechanism to increase phosphorus mobilization in the soil, to compensate for the lack of a mycorrhizal association.

Index terms:Lupinus, Raphanus, Avena, Vicia, crop rotation.

O fluxo de nutrientes no sistema solo-planta envolve mecanismos complexos, muitos deles relacionados à transformação e à mobilização dos nutrientes pela biota do solo. Em relação ao P, a compreensão destes processos é limitada (Oehl et al., 2001) porque os estudos sobre sua disponibilidade têm se concentrado na dinâmica da fase inorgânica (Rheinheimer et al., 1999). A atividade biológica do solo afeta a ciclagem do P pela mineralização das frações orgânicas, catalisada pelas fosfatases, e pelas associações micorrízicas. Embora a maioria das plantas forme micorrizas (Jeffries et al., 2003), algumas culturas de cobertura não possuem tal associação, e o caráter micorrízico, ou não, das espécies tem sido, em geral, negligenciado nas pesquisas sobre ciclagem do fósforo. O uso dessas plantas em sistemas de sucessão ou rotação de culturas pode implicar modificações na atividade biológica relacionada à ciclagem do fósforo.

O conhecimento dos processos de transformação das frações orgânicas desse elemento, considerando os efeitos e interações das culturas de cobertura, dos fungos micorrízicos e da biota do solo, contribuirá no entendimento das interações solo-planta em sistemas sucessionais de culturas e na identificação dos mecanismos envolvidos na dinâmica biológica do fósforo.

O objetivo deste trabalho foi avaliar, mediante a atividade de fosfatases no solo, o efeito de plantas de cobertura micorrízicas e não micorrízicas nos aspectos biológicos da dinâmica do fósforo em sistemas sob plantio direto.

O trabalho foi realizado em Atalanta, SC, em um Cambissolo Háplico. Os sistemas agrícolas selecionados apresentavam histórico de manejo de plantas de cobertura no período hibernal sob plantio direto por no mínimo cinco anos. As culturas de cobertura foram as espécies micorrízicas aveia-preta (Avena strigosa) e ervilhaca (Vicia sp.), as espécies não micorrízicas nabo forrageiro (Raphanus sativus var. oleiferus) e tremoço-branco (Lupinus albus). Em sucessão foi cultivado milho no verão.

As coletas de solo foram realizadas aos 90 dias (28/8/2001), na floração das espécies de cobertura hibernais; na floração do milho (15/1/2002); na segunda estação de crescimento das culturas de cobertura, aos 15 dias de cultivo (7/6/2002), no início do crescimento; e aos 96 dias de cultivo (26/9/2002), durante a floração dessas plantas. Os sistemas de produção foram amostrados de forma estratificada (Wollum, 1994), mediante a delimitação de áreas de 50x10 m divididas em cinco parcelas, que constituíram repetições de cada área de amostragem. Coletou-se uma amostra composta por parcela, formada por 20 cilindros de solo da rizosfera das plantas, na profundidade de 0 – 10 cm. As amostras foram peneiradas (malha 2 mm) e conservadas a 4°C. A atividade das fosfatases (fosfomonoesterases) ácidas (EC 3.1.3.2) e alcalinas (EC 3.1.3.1) do solo foi estimada segundo Tabatabai (1994).

A atividade de fosfatases ácidas, atribuída a raízes e fungos (Dakora & Phillips, 2002), apresentou valor superior nos solos com tremoço-branco, ervilhaca e nabo forrageiro, em relação ao solo com aveia-preta, no primeiro período de floração (Figura 1). Tal efeito persistiu na floração do milho, quando fosfatases ácidas apresentaram atividade maior nas áreas cultivadas anteriormente com nabo forrageiro e tremoço-branco. Na segunda estação de floração, a atividade de fosfatases ácidas também foi superior nos solos com nabo forrageiro e tremoço-branco, indicando a persistência dos efeitos da espécie de cobertura.


A atividade de fosfatases alcalinas, atribuída a fungos e bactérias (Dakora & Phillips, 2002), apresentou padrão semelhante à de fosfatases ácidas (Figura 1). Solos com tremoço-branco e nabo forrageiro apresentaram maior atividade de fosfatases alcalinas no período de floração, em relação aos cultivados com ervilhaca e aveia-preta. Entretanto, o efeito das culturas foi dissipado na floração da cultura estival. Na segunda estação de floração das culturas de cobertura, os maiores valores de fosfatases alcalinas ocorreram nos solos com nabo forrageiro, tremoço-branco e aveia-preta. Isso indica que a persistência dos níveis destas enzimas esteve mais ligada a fatores como teor de P orgânico, proteção física das enzimas na matéria orgânica e condições químicas do solo, principalmente pH, que às espécies hibernais.

A maior atividade mineralizadora de P nas áreas com espécies não micorrízicas durante a floração sugere que a produção e a liberação de fosfatases ácidas pelas raízes dessas plantas constituem estratégia na mobilização do nutriente, principalmente no período de maior atividade metabólica. Isso compensaria a não formação de micorrizas e conseqüente ausência dos benefícios na nutrição de P pela associação. Além de promover hidrólise de fosfatos ligados à fração orgânica, as fosfatases de origem vegetal poderiam estar associadas a outros metabólitos exsudados pelas raízes, que atuariam como sinais moleculares estimulando as populações microbianas da rizosfera. Estas, pela produção de fosfatases alcalinas, mineralizariam o P de forma mais eficiente que as plantas (Klose & Tabatabai, 2002).

A exsudação de fosfatases ácidas por Lupinus albus, como estratégia de mobilização de P, está bem descrita em condições controladas de deficiência do nutriente, em meios hidropônicos (Ozawa et al., 1995; Watt & Evans, 1999; Neumann et al., 2000). Esses autores demonstraram que o aumento na atividade enzimática pode estar associado à ação concomitante de ânions de ácidos orgânicos liberados pelas raízes, como malato e citrato, e de H+, que promovem a mobilização de P de frações de ciclagem rápida e de frações mais estáveis, tornando-o disponível inclusive às culturas cultivadas em associação ou sucessão a L. albus (Kamh et al., 1999). No presente trabalho tais efeitos também ocorreram nas condições de manejo e produção de sistemas agrícolas.

Em Neossolo Quartzarênico Órtico, plantas de cobertura não micorrízicas – gorga (Spergula arvensis) e nabo forrageiro – promoveram aumento nas populações de bactérias da rizosfera e na atividade de fosfatase alcalina no estádio final de floração das plantas (Kunze, 2000). Isso sugere que o caráter micorrízico ou não micorrízico das plantas de cobertura pode determinar as estratégias de obtenção do P pelo vegetal, mediante regulação das populações microbianas e do nível de sua atividade. Do mesmo modo, presume-se que, nos sistemas agrícolas analisados, as modificações na dinâmica do P promovidas pelas diferenças no perfil enzimático, assim como as alterações ou estímulos promovidos pelas plantas de cobertura na estrutura das populações microbianas, não ficaram restritas ao ciclo cultural destas. Elas foram perceptíveis nas estações subseqüentes ao crescimento das espécies indutoras.

A persistência da atividade enzimática, pela estabilização das fosfatases em superfícies minerais e orgânicas (Rao et al., 2000), possivelmente permitiu o estabelecimento de novas populações microbianas na rizosfera da cultura estival ou a manutenção das populações associadas às espécies hibernais. A análise do desenvolvimento da cultura estival e da concentração de P no tecido vegetal poderia indicar a influência dos níveis de atividade de fosfatases no fluxo das formas disponíveis de P no sistema solo e nos índices de produtividade da cultura de exploração econômica. Conclui-se que as culturas de cobertura têm efeito regulador na atividade enzimática ligada à mineralização de fosfatos orgânicos no solo, e que esse efeito depende do caráter micorrízico ou não micorrízico das espécies utilizadas, cuja influência persiste durante os cultivos subseqüentes.

Recebido em 24 de setembro de 2003 e aprovado em 19 de março de 2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    19 Mar 2004
  • Recebido
    24 Set 2003
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