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Diretividade materna e socialização de crianças com atraso de desenvolvimento

Maternal directiveness and developmentally delayed children's socialization

Resumos

Diretividade materna é, com freqüência, descrita como conceito uniforme na literatura e tem gerado inúmeras discussões quanto às suas implicações no desenvolvimento infantil. Este trabalho objetiva verificar a presença de comportamentos diretivos em mães de crianças com atraso de desenvolvimento e o significado que esta variável assume no processo interativo. Foram observadas quatro díades mãe e criança em situações de rotina diária e de brinquedo livre, por um período de doze meses. Os resultados revelaram que, de modo geral, as mães se mostraram diretivas, no entanto, identificou-se diferenças individuais nos padrões de diretividade. As crianças demonstraram níveis crescentes de oposição, evidenciando alguns picos em torno dos 24 meses. Conclui-se então que a diretividade pode ser uma variável que promove o desenvolvimento infantil dependendo do significado que assume na relação mãe-criança, mas não deve ser a única dimensão determinadora da qualidade do estilo interativo materno.

relação mãe-criança; diretividade materna e atraso de desenvolvimento


Maternal directiveness is, usually, described as a uniform concept in literature and it has been causing a lot of discussion according to its implications to child development. This work tries to verify the presence of directive behavior on developmentally delayed children's mothers and the meaning of this variable in the interactive process of dyads mother - child. Four pairs were observed in daily routine situations and also in free playing, during a twelve months period. The results show that, generally, the mothers are directive, although individual differences among the patterns were noticed. The children have show raising levels of opposition, reaching an apex around twenty-four months old. It was concluded that directiveness can be a variable that promotes children development according to its meaning in the mother-child relationship, but it cannot be the only responsible dimension for the quality of the maternal interactive stile.

mother-child relationship; maternal directiveness and developmental delays


Diretividade materna e socialização de crianças com atraso de desenvolvimento

Maternal directiveness and developmentally delayed children's socialization

Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo

UNESP Araraquara

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo Departamento de Psicologia e Educação Faculdade de Ciências e Letras UNESP de Araraquara Rua Francisco Pereira, 132, Ribeirão Bonito, SP Cep 13580-000 E-mail sigolo@fclar.unesp.br

RESUMO

Diretividade materna é, com freqüência, descrita como conceito uniforme na literatura e tem gerado inúmeras discussões quanto às suas implicações no desenvolvimento infantil. Este trabalho objetiva verificar a presença de comportamentos diretivos em mães de crianças com atraso de desenvolvimento e o significado que esta variável assume no processo interativo. Foram observadas quatro díades mãe e criança em situações de rotina diária e de brinquedo livre, por um período de doze meses. Os resultados revelaram que, de modo geral, as mães se mostraram diretivas, no entanto, identificou-se diferenças individuais nos padrões de diretividade. As crianças demonstraram níveis crescentes de oposição, evidenciando alguns picos em torno dos 24 meses. Conclui-se então que a diretividade pode ser uma variável que promove o desenvolvimento infantil dependendo do significado que assume na relação mãe-criança, mas não deve ser a única dimensão determinadora da qualidade do estilo interativo materno.

Palavras chaves: relação mãe-criança, diretividade materna e atraso de desenvolvimento

ABSTRACTS

Maternal directiveness is, usually, described as a uniform concept in literature and it has been causing a lot of discussion according to its implications to child development. This work tries to verify the presence of directive behavior on developmentally delayed children's mothers and the meaning of this variable in the interactive process of dyads mother - child. Four pairs were observed in daily routine situations and also in free playing, during a twelve months period. The results show that, generally, the mothers are directive, although individual differences among the patterns were noticed. The children have show raising levels of opposition, reaching an apex around twenty-four months old. It was concluded that directiveness can be a variable that promotes children development according to its meaning in the mother-child relationship, but it cannot be the only responsible dimension for the quality of the maternal interactive stile.

Key words: mother-child relationship, maternal directiveness and developmental delays

Em estudos transculturais é possível evidenciar correlações entre valores culturais e padrões específicos de educação de crianças. Kagitçibasi (1996) demonstra, a partir de pesquisas na área, que dimensões do processo de socialização como autonomia, independência, controle, competência e realização assumem significados diversos dependendo do contexto.

As crianças são socializadas principalmente através da participação na interação em relações estreitas, construídas ao longo do tempo. Dentro desta perspectiva, cada estágio da vida envolve co-regulação e os indivíduos nunca chegam a ser livres de exigências de pares íntimos a menos que se tornem isolados socialmente e portanto, as relações dos pais são co-construídas e continuamente reconstruídas com suas crianças (Maccoby,1992).

Desta forma, a relação entre pais e filhos é concebida como um sistema caracterizado por mutualidade, bidirecionalidade, reciprocidade e, ainda, assimetria especialmente durante os primeiros anos. Há, sem dúvida, grande diferença entre adultos e jovens crianças no que se refere a poder e competência (Maccoby, 1992; Marfo, 1990); eles podem selecionar e designar os ambientes nos quais elas gastam seu tempo, controlar o acesso às coisas que desejam, são maiores e mais fortes e podem direcionar fisicamente os movimentos infantis; eles detém um conhecimento maior e as crianças precisam confiar neste conhecimento, especialmente em situações não familiares.

A literatura vem evidenciando que no contexto de famílias de crianças com atraso de desenvolvimento, os determinantes da relação dos pais com elas vão além das características individuais de cada um dos elementos, indicando a necessidade de olhar para variáveis como: idade e sexo, diagnóstico infantil, idade e saúde materna, status marital e sócio-econômico, sistema de crenças parentais e suporte social. (Dunst & Trivette, 1988).

Assim, o processo de desenvolvimento depende da confluência de inúmeros elementos que se modificam de forma não simultânea. Neste sentido, o seu curso é probabilístico, pois há uma considerável plasticidade, sendo os componentes mutuamente interdependentes, a ponto de alterações em um influenciar os demais. Esta interdependência entre elementos estabelece limites para a taxa e direção do desenvolvimento (Mekos & Clubb,1997).

Numa revisão de estudos sobre interação envolvendo mães e crianças com atraso de desenvolvimento, Sigolo (1994) evidenciou a presença de dados consistentes que caracterizam mães de crianças comprometidas mais freqüentemente como iniciadoras da interação, diretivas e controladoras do que as das não comprometidas. Em contrapartida, as crianças, neste caso, iniciam os contatos menos freqüentemente e são menos responsivas.

Também em pesquisas com delineamentos não-comparativos, os resultados evidenciam que crianças com atrasos no desenvolvimento são expostas a quantidades significativamente altas de diretividade (Sigolo,1994; Xavier,1996 e Yano,1997).

A variável diretividade tem sido empregada para representar o uso de comportamentos verbais e não-verbais para controlar ou dirigir as ações das crianças. O emprego destas formas de diretividade deve ser visto como representando um aspecto do comportamento parental normativo para a criança, um atributo que deve ser considerado como parte inerente do papel mediador dos pais de ajudar a criança a solucionar, definir, relacionar, e internalizar aspectos relevantes do ambiente, já que não se pode garantir igualdade de influências ou de intencionalidade, especialmente durante os primeiros anos.

Além disso, os estudos tendem a analisar e discutir diretividade de forma isolada dos outros aspectos importantes do processo de interação, desconsiderando o contexto em que estas relações estão inseridas. Com freqüência se compara esta variável com intrusividade e falta de sensitividade para comportamento infantil. A literatura (Crawley & Spiker, 1983; Sigolo,1994 e Tannock, 1988) não apóia o uso desta única dimensão da interação para extrair inferências acerca do tom geral ou qualidade do estilo interacional parental.

Uma segunda questão que se levanta neste momento é o impacto que os resultados destas pesquisas podem causar nos trabalhos de intervenção clínica com crianças com atrasos de desenvolvimento, quando se faz a transposição direta de uma população para outra.

Diante deste quadro, é imperativo que a noção de diretividade materna seja criticamente analisada quanto a sua fundamentação teórica e empírica.

A concepção de diretividade materna como um estilo interacional inerentemente negativo é simplista, pois falha em distinguí-la de qualidades adaptativas do comportamento materno e em não avaliar os seus efeitos potenciais no desenvolvimento da competência infantil.

Embora, as discussões sobre a incidência da diretividade e suas implicações no desenvolvimento infantil sejam descritas como um conceito uniforme, ele tem significados múltiplos na literatura específica. Marfo (1990) identificou quatro maneiras diferentes de operacionalizá-lo. É de extrema relevância entender os diferentes objetivos a que a diretividade serve para cada mãe, em contextos diversos.

A preponderância de comparações intergrupos tende a mascarar a variabilidade entre os indivíduos e contextos (Mekos & Clubb, 1997). Delineamentos de pesquisa desta natureza tendem a perpetuar o mito da homogeneidade entre mães de crianças comprometidas e não-comprometidas. Parece que a ênfase maior está em verificar as diferenças entre os grupos mais do que em averiguar as razões pelas quais empregam ou falham ao utilizar certos tipos de estilos de interação.

Este trabalho pretende: 1) operacionalizar claramente diretividade em relação à classificação de níveis e subtipos, considerando a hipótese de que diferenças qualitativas nos padrões de diretividade materna podem provocar efeitos distintos no desenvolvimento da competência infantil; 2) proceder a uma análise das variáveis em função das situações observadas; 3) avaliar as tendências evolutivas dos padrões maternos de diretividade e das reações infantis ao longo do segundo ano de vida e 4) estabelecer relações entre os aspectos qualitativos da diretividade materna e o nível de desenvolvimento infantil.

Método

Colaboraram para a realização deste estudo, quatro mães com crianças portadoras de atraso de desenvolvimento. O processo de seleção dos participantes atendeu aos seguintes critérios: 1) a criança deveria ter 12 meses (ou mais) de idade cronológica; 2) a família deveria ter o conhecimento do atraso de desenvolvimento do filho e 3) o diagnóstico de atraso de desenvolvimento deveria advir das informações dos profissionais que atuavam com a criança, não havendo necessidade de um quadro diagnóstico preciso e definitivo.

A idade das crianças no início das observações variou de 12 a 18 meses, sendo que três apresentaram um diagnóstico de atraso de desenvolvimento e uma de Síndrome de Down. Uma era do sexo feminino e três do sexo masculino, sendo todas as mais jovens da prole em suas famílias.

A idade das mães variou de 19 a 43 anos, o seu grau de instrução abrangeu desde o primeiro grau incompleto até o terceiro grau. Duas mães desenvolviam atividades domésticas e duas desempenhavam atividades profissionais como a de enfermeira e de professora.

A coleta de dados foi efetuada em cinco etapas, por um período de doze meses para todas as díades, fazendo-se uso de procedimentos e metodologias diversas.

O Quadro I apresenta as idades cronológicas das crianças em meses nas cinco etapas do estudo.


No início do estudo foi feita uma avaliação do desenvolvimento da criança e no final da coleta de dados as informações foram retomadas, procedendo-se ao registro das novas aquisições, com o objetivo de conhecer as competências infantis nas áreas do desenvolvimento, antes e durante o decorrer do estudo. O instrumento utilizado foi elaborado por Arnoldi (1989), intitulado "Avaliação Psicológica", que visa detectar o estágio de desenvolvimento de crianças de zero a três anos de idade nas áreas motora, linguagem, social, cognitiva e emocional.

Em cada etapa, os pares foram filmados duas vezes em três situações (refeição, banho e brinquedo), sendo o conjunto das seis observações realizado dentro de uma semana no máximo.

Para as situações de rotina diária foram dadas instruções à mãe para que as mantivesse da forma como costumavam ocorrer, sem procurar modificar nada, afirmando que era exatamente isso que interessava nesta pesquisa, ou seja, ver o comportamento da criança no seu dia-a-dia.

Na situação de brinquedo foi pedido às mães que brincassem com a criança como faziam normalmente podendo fazer uso ou não dos brinquedos propostos, sem tentar evocar todos os comportamentos do repertório infantil.

Foram realizadas 115 sessões de observação sendo 39 de refeição, 38 de banho e 38 de brinquedo. O tempo de duração de cada sessão de observação também foi variável, variando de 4 a 15 minutos na refeição, de 5 a 20 minutos no banho e de 4 a 12 minutos no brinquedo.

A preparação dos dados para análise envolveu a transcrição das gravações em vídeo, a identificação das seqüências interativas e das variáveis descritas a seguir:

A análise da diretividade materna teve como objetivo verificar o quanto a mãe regula ou dirige o comportamento ou atividade da criança durante as seqüências interativas, podendo ser através de: convite, incentivo, sugestão, como também de solicitação, apresentação de modelo e ajuda física; ainda assumindo totalmente a tarefa sem propiciar condições para que a criança participe; e, por fim interferindo no seu desempenho, forçando-a ou impedindo-a de realizar algo.

Os comportamentos maternos foram classificados em: a) não-diretivos, quando a mãe interagia com a criança sem a preocupação de regular ou dirigir um comportamento ou atividade da criança; b) diretivos / ação independente, quando esta empregava comportamentos verbais e/ou não verbais para regular ou dirigir um comportamento ou atividade da criança, podendo variar em níveis: diretivo implícito, quando a mãe incentivava, sugeria ou convidava a criança para realizar uma tarefa e/ou atividade; diretivo explícito, quando a mãe dava uma ordem, solicitava alguma coisa, dava modelo e/ou ajudava fisicamente a criança a realizar alguma atividade, tarefa e/ou comportamento e c) diretivos / ação dependente - quando a mãe utilizava recursos para assumir totalmente a realização de uma atividade ou mesmo para impedir que a criança a realizasse, podendo variar em níveis: diretivo/realização, quando esta assumia totalmente a tarefa ou atividade, sem a solicitação, ou incentivo da participação infantil; diretivo/intrusivo, quando esta interrompia abruptamente o comportamento da criança impedindo-a que prosseguisse a atividade ou restringindo-a para que esta agisse da forma desejada.

A análise da aquiescência e oposição infantil teve como objetivo avaliar o comportamento da criança quanto à sua aceitação ou não frente ao que a mãe realizava ou propunha para ser executado.

Os comportamentos infantis foram classificados em: a) aquiescência, definida como aceitação inteiramente passiva em que a criança permitia que a mãe executasse a tarefa; b) obediência, definida como ordem, incentivo ou sugestão em que a criança realizava um comportamento pedido e/ou tarefa solicitada; c) oposição ativa, definida como gesto ou verbalização infantil com sentido de negação à ordem, sugestão ou atitude da mãe e d) oposição passiva, definida como choro, choramingo, resmungo ou indiferença à ordem, sugestão ou atitude da mãe.

Resultados

Os resultados desta investigação, como evidencia a Tabela 1, demonstram que as mães deste grupo revelaram-se diretivas nas suas interações com as crianças. Esta diretividade apareceu predominantemente sob duas formas distintas: a explícita que dirige o comportamento da criança para que esta realize (mães B, C e D) e a de realização da tarefa e/ou atividade para a mãe A.

Aparecem também características individuais no emprego de comportamentos diretivos, como por exemplo, A se utilizou mais freqüentemente de diretivos/ realização e D que o fêz com os explícitos.

Como mostra a Tabela 2, as crianças por outro lado, se destacaram com níveis elevados de aceitação da diretividade materna, com exceção de B. A aquiescência infantil apareceu predominantemente em A e C, a obediência em D e a oposição passiva em B; a oposição ativa ficou em níveis extremamente baixos para todas as crianças.

Tendências evolutivas

Uma análise da tendência geral das mães revelou uma aceleração nos comportamentos não-diretivos e diretivos de ação independente e diminuição dos de ação dependente, conforme aparece na Figura 1.


Os comportamentos não-diretivos das mães A e B foram gradativamente aumentando enquanto que as outras duas mães mantiveram-se relativamente estáveis ao longo dos doze meses.

Por outro lado, as mães A e D apresentaram uma aceleração na freqüência de comportamentos diretivos de ação independente e as demais permaneceram num nível estável. Com relação aos comportamentos diretivos de ação dependente observou-se uma tendência oposta: as mães A, B e D evidenciaram uma redução progressiva destes comportamentos enquanto que a mãe C apresentou uma oscilação discreta ao longo das etapas.

Numa análise das tendências gerais das reações infantis, como evidencia a Figura 2, a aceitação permanece em níveis elevados para C e D ao longo das etapas e para A e B há um decréscimo acentuado a partir da primeira etapa. Na oposição expressa à mãe, os destaques ficam para A que apresenta aumento gradual e para B que evidencia picos aos 15 e 18 meses. As demais não mostram tendência definida ao longo das etapas.


Reações infantis frente aos diferentes tipos de diretividade materna

Frente às análises gerais da diretividade materna e as reações infantis que suscitam, levantou-se a hipótese de que diferenças qualitativas nos padrões de diretividade poderiam evocar reações diferenciadas nas crianças.

Como relatado anteriormente, as mães desta amostra tendem a apresentar comportamentos diretivos explícitos e diretivos de realização, ou seja, estas através de ordem, modelo ou solicitação procuram fazer com que a criança realize a tarefa/ atividade ou as mães assumem totalmente a realização da mesma. Por outro lado, os comportamentos diretivos implícitos e intrusivos apresentam uma freqüência muito baixa pelas mães desta amostra. Fazem uso bastante reduzido de estratégias como incentivo, convite, sugestão para que a criança realize a tarefa/ atividade e de interrupção abrupta de um comportamento infantil.

A Tabela 3 apresenta a porcentagem de ocorrências das reações de oposição de cada criança aos diferentes comportamentos diretivos maternos. Cabe ressaltar que as porcentagens de ocorrências de aceitação de cada criança aos comportamentos diretivos maternos não foram apresentadas por se constituírem em dados complementares às reações de oposição.

Os dados revelam B como a criança que mais se opõe e, por outro lado, A é a que mais aceita os comportamentos diretivos da mãe. As demais parecem opor-se mais claramente frente a comportamentos diretivos específicos como C que se opõe frente a diretivos explícitos e implícitos e D frente aos de realização e intrusivos.

As reações de oposição infantil ao comportamento materno diretivo explícito se apresentam da seguinte maneira: para A um declínio nas últimas etapas (21 e24 m); para B há um leve aumento ao longo das etapas e, finalmente para C e D ocorre uma diminuição da oposição também nas duas últimas etapas (27 e 30m).

Aspectos qualitativos da diretividade materna e o nível de desenvolvimento infantil.

A comparação entre a idade de desenvolvimento e a idade cronológica permite uma análise do ritmo de desenvolvimento de cada criança. Resolvendo a expressão I.D./ I.C. foi possível avaliar tanto o ritmo de desenvolvimento quanto a sua tendência ao longo do estudo, apresentado na Tabela 4

Com exceção da criança B, que manteve o mesmo ritmo de desenvolvimento, as demais apresentaram uma aceleração neste ritmo. Ao relacionar os dados referentes às formas de diretividade materna e o progresso infantil pontuado na avaliação de desenvolvimento, verificou-se que para as díades A e D fica claro a relação entre a adequação da diretividade materna ao nível de desenvolvimento infantil e a melhora no ritmo da aquisição de habilidades das crianças. Para a díade B, parece que a oscilação entre as formas de diretividade materna não possibilita uma aceleração no ritmo de desenvolvimento infantil e para a díade C apesar da inconsistência materna, há aceleração no seu ritmo de aquisição.

Considerações finais

Retomando os resultados apresentados, constata-se que a diretividade materna se mostra predominantemente sob duas formas distintas, uma que leva a criança a realizar, ou pelo menos, tentar realizar a tarefa e outra em que a mãe é quem assume a responsabilidade desta execução. A diretividade materna, como uma dimensão do comportamento interativo da mãe com a criança com atraso de desenvolvimento, pode ser explicada de diferentes maneiras. Brazelton (1994) identifica a Síndrome da Criança Vulnerável que implica em atitudes de superproteção em decorrência de uma percepção distorcida que se concentra nos déficits do repertório infantil mais do que nos seus recursos. Além disso, as mães podem estar mais preocupadas com a aceitabilidade social do comportamento de seus filhos e, portanto, empregam a diretividade como um meio efetivo de conseguir que suas crianças façam as coisas corretamente (Salomão, 1985).

Maurer & Sherrod (1987) relataram que em famílias com crianças portadoras de S.D. observaram que em algumas ocasiões não era a interação per se que parecia importante, mas sim, a criança ser capaz de desempenhar a atividade. Estes pais pareciam mais ansiosos para que suas crianças fizessem as coisas corretamente com seus brinquedos.

Neste trabalho, ocasionalmente observou-se que as mães insistiam para que as crianças executassem determinada ordem, ou atividade, e só paravam quando estas realizavam o que havia sido solicitado.

Quanto à evolução da diretividade materna ao longo do estudo, observa-se um aumento nos comportamentos diretivos de ação independente e conseqüentemente um decréscimo gradual dos de ação dependente.

As crianças tendem a ter reações de aceitação aos diretivos da mãe; mas quando se observa a seqüência de etapas, verifica-se uma oposição crescente aos comportamentos das mães de regular ou direcionar a criança para realizar algo.

Ao mesmo tempo, as crianças evidenciaram um aumento gradual no índice de aceitação para algumas situações enquanto que em outras apresentaram uma aceleração na oposição ao comportamento diretivo. De acordo com os teóricos do desenvolvimento, o segundo ano de vida é marcado por fortes oposições das crianças frente ao controle dos adultos.

Sigolo (1986) obteve resultados semelhantes aos deste trabalho. As reações das crianças, de maneira geral, são de aceitação aos comportamentos da mãe geradores de dependência, embora em alguns momentos haja reações de oposição.

Dentro do contexto de interações sucessivas entre mãe e criança foram se consolidando formas de relacionamento que tinham como objetivo atingir estágios explícitos de independência. De um lado, a criança se apresenta com competência para realizar a tarefa e de outro, a mãe é capaz de adequar suas exigências à capacidade infantil. e é neste processo de construção e reconstrução de relações que mãe e criança se ajustam uma a outra.

Em relação a diretividade materna, dentro da classe de comportamentos diretivos voltados para a ação independente da criança, as mães desta amostra preferentemente utilizam ordens (diretivos explícitos) ao invés de sugestões (diretivos implícitos). De certo modo, parece que estas mães com o passar do tempo aprenderam meios mais efetivos de conseguir que as crianças realizassem a tarefa ou atividade. Maurer & Sherrod (1987) também estudaram estes dois tipos de diretivos e verificaram que as crianças com Síndrome de Down levam mais tempo para reagir a sugestões do que a ordens. Isto parece indicar que a forma implícita de diretivos constitui-se em estratégia ineficiente para esta população.

Dentro dos comportamentos de ação dependente da criança, as mães se utilizam preponderantemente de realização da tarefa ao invés de comportamentos intrusivos. Estes resultados evidenciam que estas mães provavelmente assumem a realização da tarefa pela criança mas percebem os comportamentos infantis em curso e garantem a sua continuidade sem interferências. Sigolo (1998) analisa outras dimensões do comportamento interativo desta mesma amostra e evidencia que os membros das díades se tornam, ao longo das etapas, mais sensíveis aos comportamentos do outro e se engajam em interações com alto grau de mutualidade.

No decorrer do estudo, estas crianças vão apresentando reações de oposição a diretividade materna, comportamento esperado na faixa estudada, onde o ambiente começa a estabelecer limites, impor regras e diretrizes para os comportamentos infantis. Seria esperado então que para estas crianças houvesse uma predominância de reações de oposição. Por outro lado, verificou-se que a diretividade materna deixou de fortalecer comportamentos de dependência e passou a promover os comportamentos de iniciativa. Assim, as crianças que estavam buscando a sua autonomia encontraram o incentivo de suas mães para o domínio desta tarefa e não têm motivos para opor-se às demandas externas.

Os resultados deste estudo levantam alguns indícios de que a diretividade pode ser uma variável que promove o desenvolvimento infantil dependendo do significado que assume na relação mãe-criança. No entanto, não deve ser a única dimensão responsável pela qualidade do estilo interacional materno. Sigolo (1999) demonstra relação entre níveis elevados de mutualidade nas trocas interativas, de estimulação, de afetividade materna positiva, de diretividade voltada para a realização independente de atividades e de estratégias maternas de ensino e as aquisições do desenvolvimento infantil apresentadas no decorrer do estudo.

Pode-se afirmar, ainda, que a análise pormenorizada das diferentes formas de diretividade trouxe contribuições importantes a esta área do conhecimento. Este estudo empenhou-se em operacionalizar claramente diretividade em relação à classificação de diferentes níveis e subtipos, considerando a hipótese de que diferenças qualitativas nos padrões de diretividade materna podem provocar efeitos distintos no desenvolvimento da competência infantil.

Artigo recebido para publicação em março de 2001; aceito em.......

Apoio CNPq

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  • Endereço para correspondência:
    Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo
    Departamento de Psicologia e Educação
    Faculdade de Ciências e Letras
    UNESP de Araraquara
    Rua Francisco Pereira, 132, Ribeirão Bonito, SP
    Cep 13580-000
    E-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2001
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
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